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ESCOLAS DE FRONTEIRA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO

APRENDIZADO DA LINGUAGEM ESCRITA

Flaviana Demenech1
Jacqueline Salvador Moraes2
Flávia Anastácio Paula3

Introdução:

Neste trabalho comunicamos resultados de pesquisa de iniciação científica junto ao


MEDIAR: Grupo de pesquisas em Práticas Educativas da Unioeste.

O Brasil possui, aproximadamente, 16 mil quilômetros de fronteira com 10 países


latino-americanos; onze Estados da federação estão nessa condição de fronteira, todavia
são parcas as medidas de integração e notórias as demandas por políticas públicas para
essas áreas. No último pleito eleitoral brasileiro, presenciamos a fronteira focalizada
meramente como questão de segurança nacional, como se o aparelhamento da polícia
fosse capaz de driblar as trocas informais da fronteira, que estão impregnadas
culturalmente no dia-a-dia da população, e somente por processos educativos longos e
demorados poderão deixar de existir. Se é que queiramos que deixem de existir.
Queremos?

Esse olhar para a fronteira urge ser redirecionado. Trata-se de focalizá-la com maior
amplitude, pois do ponto de vista social, há propostas que começam a despontar no
campo educacional. Mas, elas são visíveis? Para quem? Focalizamos neste texto em
especial a questão das alfabetizadoras brasileiras que recebem alunos cuja língua
materna não é o português. Em especial discutimos neste texto que a questão do
desenvolvimento da linguagem é essencial para outros desenvolvimentos da criança.
As professoras alfabetizadoras brasileiras na fronteira recebem crianças bilíngües,
monolíngües, semilíngues esta situação não isolada, mas, também não é um percentual

1
Graduanda em Pedagogia – PIC-V- Unioeste – campus de Foz do Iguaçu, flavi_sti@hotmail.com
2
Graduanda em Pedagogia - Unioeste – Campus de Foz do Iguaçu
3
Professora do curso de Pedagogia / Universidade Estadual do Oeste do Paraná, fapaula@brturbo.com.br,
45- 35223056

1
grande. Discutimos também que temos que considerar que a política pública em relação
a essa situação é a omissão. Cabe a professora resolver tal diversidade isoladamente na
na sala de aula.

Há exemplo, nos três Estados do Sul do país, o Ministério da Educação vem


implementando um programa na educação brasileira, denominado "Escolas Bilíngüe de
Fronteira". O modelo permite a mobilidade de professores: os brasileiros lecionam uma
vez por semana nas escolas argentinas, e os argentinos vêm ao Brasil ensinar espanhol.
É recente a iniciativa, mas, indubitavelmente, significativa para integração regional,
visto que corrobora para desmoronar esse "muro simbólico" que nos faz distanciar e
rejeitar os nossos vizinhos sul-americanos. No caso de Foz do Iguaçu esta iniciativa é
realizada com uma escola brasileira e uma escola argentina, no entanto, várias escolas
recebem crianças que não têm o português como língua materna e vivencia,
costumeiramente, o deslocamento de crianças do país vizinho, em especial do último,
para as escolas de Educação Básica.

Todavia, o percurso da integração é longo, visto que no cenário educacional da fronteira


brasileira há cerca de 5.500 escolas distribuídas por 120 municípios fronteiriços. Quiçá
o projeto do Ministério alcance o Estado de Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com
a Bolívia e com o Paraguai, mas não construiu "ainda" uma política educacional
específica para essa área.

Mas porque estamos de costas para a fronteira? Primeiro, cabe lembrar a aversão à
fronteira que se constitui no imaginário das pessoas, quando tudo que está do outro lado
representa risco, e isso não é particularidade brasileira, haja vista a construção do "muro
físico" que está sendo levantado na fronteira dos Estados Unidos com o México.
Segundo surgem interpretações malvistas e enviesadas da fronteira que confundem
essas áreas como espaços exclusivos de contravenção, narcotráfico, contrabandos e
ilegalidades. Enfim, a noção de fronteira que está sendo veiculada para crianças é
reforçada como lugar de contravenção, paraíso das compras e terra sem lei, ou melhor,
da "lei da esperteza". As conseqüências são funestas, pois o modo como as pessoas
passam a enxergar quem mora na fronteira é afetado, o que gera preconceitos,
estereótipos e estigmas em relação ao que é ou a quem pertence a fronteira.

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O texto está organizado em dois eixos: o primeiro analisamos as relações com a
linguagem do ponto de vista sociolingüístico e no segundo momento analisamos as
relações da linguagem do ponto de vista psicológico tendo em vista o aprendizado.

Objetivos:

Apresentamos neste texto parte da pesquisa que realizamos. Buscamos mais


problematizar e trazer perguntas que necessariamente que fazer respostas. O conceito de
linguagem tornou-se indispensável para esta pesquisa, pois trata da constituição da
relação do ser humano um com o outrem no âmbito da conexão
homem/natureza/sociedade. Em especial destacamos que professoras alfabetizadoras
brasileiras na fronteira trinacional ao recebem crianças não falantes do português sofrem
isto, como um drama, dilemas para o ensino da linguagem escrita.

Metodologia:

O procedimento para esta pesquisa foi o estudo bibliográfico e os depoimentos das


alfabetizadoras. Metodologicamente nos apoiamos na Teoria Histórico Cultural (THC)
onde a linguagem possibilita interação e interlocução entre o ser humano, fornecendo
sentidos precisos para intercambio uns com outrem. Permitindo que o Outro nos
constitua pela sua mediação, mas a existência do preconceito lingüístico vivenciado nas
relações de aprendizado da língua, comprometem também as nossas relações sociais.

Resultados:

O fácil acesso a países visinhos, como é estabelecido pela realidade da Fronteira


Trinacional: Brasil, Paraguai e Argentina; geram um intercambio entre culturas
diferenciadas, com seus aspectos específicos como: a língua oral e escrita, as relações
sociais, as formas de organizações e construções de conceitos éticos e morais. Estes e

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outros são constituídos pela interação social, construindo os traços e características de
cada sociedade e da situação da fronteira em especial.

Diante deste contexto diferenciado a escola se encontra como gestora e receptora das
diversidade cultural e social, agregando todo tipo de realidade. Aqui proponho por este
Pré-projeto de monografia que parte do anseio e do questionamento que se construiu a
partir da convivência fronteiriça na cidade de Foz do Iguaçu, ocasionando a busca pela
compreensão do desenvolvimento da alfabetização das crianças em especial aquelas que
se fazem bilíngües e aquelas oriundas do Paraguai. Sendo estes alunos paraguaios e
brasiguaios que genericamente significa:

“Brasileiros que vivem no Paraguai”, os mesmos pertencem a


diferentes classes sociais, essa denominação surgiu quando
agricultores brasileiros que cultivam em terras paraguaias voltaram
para o Brasil e se deparam com ausência de uma nacionalidade
brasileira ou Paraguaia. (ALBUQUERQUE, 2005, p. 150)

Os brasiguaios e os paraguaios se enquadram em situações distintas, cada qual com suas


variantes de linguagem. No caso dos paraguaios tendo como língua materna o espanhol
e o guarani, e os brasiguaios a influência da língua portuguesa, alemã e do espanhol.

Mediante a esse “dilema” que engloba não só o individuo bilíngüe que muitas vezes não
consegue se encaixar em ambos os meio, mas também o docente que convive com esses
alunos, sem saber muitas vezes definir a real situação do mesmo enquanto falante e
integrante de um contexto lingüístico diferenciado, o que pode gerar um drama, dilemas
e especificidades para o ensino da língua, para a alfabetização.

A inserção dessas crianças no ambiente escolar brasileiro, especificamente nas escolas


municipais de Foz do Iguaçu, levou-nos a direcionar não somente ao desenvolvimento
lingüístico e o convívio social estabelecido a partir do momento em que adentram ao
meio escolar, embora isto seja fundamental, mas principalmente a descobrir o papel do
professor nesse contexto atípico, mas existente, freqüente e cotidiano.

O professor como mediador e condutor do conhecimento, inserido em um contexto


escolar que agrega o bilingüismo e o multilinguismo, passa a fazer parte de um conjunto
de ações necessárias para a efetivação do ensino a esta realidade. Exige-se assim um
ensino diferenciado, com o uso de novos mecanismos, a fim de alcançar avanços?

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A alfabetização desta maneira se torna um processo de aquisição da língua escrita, que
se adquiri durante um período de aprendizado. Isto será base para conhecimentos
posteriores, e o desenvolvimento da língua vai muito além de um tempo determinado é
um processo continuo que se estabelece durante toda a vida, chamado de “letramento”.

Podemos aqui ressaltar que a cultura lingüística não se resume na escrita e na leitura, vai
além desses dois processos, a linguagem se caracteriza por muitos eixos como, artística,
arquitetônica, gestual entre outras, o que demonstra a necessidade de se trabalhar a
alfabetização em muitos outros eixos, valorizando também o conhecimento previamente
adquirido, a alfabetização não começa na escola, esta é uma fase do desenvolvimento
lingüístico, muito importante e que precisa ser valorizado e desenvolvido de forma
plena. Será que as políticas deram conta da importância formar o alfabetizador de
fronteira?

Multiculturalismo, bilingüismo e preconceito lingüístico o que é na escola? A escola é


considerada como parte integrante e intrínseca das propostas de “integração”, de uma
sociedade que engloba todas as diversidades sociais e culturais, sendo a escola maior
receptora dessa realidade? Como afirmam Cavalcanti e Bortoni (2007) “não é mais
possível tentar entender nossas escola sem levar em conta as diferenças em seu
interior”.

Essas diferenças agregam varias realidades sociais não somente aos alunos com alguma
deficiência física ou mental, que está sendo o cume das metas educacionais e políticas
de inclusão a escola regular no Brasil. Podemos fazer lembrar também as diversidades
cotidianas que não são discutidas ou levadas em consideração para as pesquisas em
educação como, por exemplo, as diversidades culturais, as diferenças na linguagem, as
variações lingüísticas e o bilingüismo que se caracteriza de varias maneiras e ligado a
diferentes realidades.

Neste mesmo ambiente se incorpora uma realidade totalmente fora dos parâmetros e
eixos estabelecidos pelo sistema de ensino, a inserção inevitável e cotidiana do aluno
bilíngüe. O bilingüismo que segundo Hamers e Blanc, (1989), “é o controle de duas
línguas equivalente ao controle do falante nativo destas línguas”. Como as crianças
surdas, os alunos emigrantes de outros países e a própria variação lingüística presente

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em diferentes regiões, que sofrem a influência de outras línguas das varias etnias
presentes no Brasil. Desta maneira se constitui uma classe diferenciada de alunos a
serem atendidos de forma a conseguir ir além do ensino normativo da língua.

Podemos considerar a relação do bilingüismo como uma formação diferenciada em cada


língua, sendo este falante de duas línguas, mas podendo desempenhar melhor uma do
que a outra, essa determinação vai depender da formação e do contato estabelecido pelo
aluno e pelo ensino transmitido ao longo de sua história escolar.

A língua para o aluno bilíngüe só vai ser determinante e estabelecerá algum significado
para o uso da mesma, se for realmente necessária para a sua comunicação e relação com
o outro. Caso está necessidade não seja criada ou mesmo reprimida, o aluno corre o
risco de abandonar a língua materna e aprender uma nova, ou seja, a língua portuguesa
aqui enfocada. Podendo em alguns casos, não aprender nem uma nem outra tornando
semilíngue.

Não podendo deixar de ressaltar a existência do preconceito lingüístico vivenciado não


somente no cotidiano de fronteira, mas de muitas salas de aula que agregam variações
lingüísticas existentes no Brasil. “O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida
à confusão que foi criada, no curso da história entre língua e gramática normativa”
(BAGNO, 2008, p.19).

As variações pela diferença das línguas, no contexto das escolas na região da fronteira
trinacional entre Brasil/Paraguai/Argentina em específico nas escolas de Foz do Iguaçu
temos as possibilidades: a) as crianças advindas do Paraguai falantes do espanhol e o
guarani b) os alunos brasiguaios que falam o espanhol, o português. c) em alguns casos
pela migração de colônias germânicas para o Paraguai também falam a língua alemã

Esse caráter de diversidade sociocultural vem sendo pouco discutido e levado em


consideração o peso do preconceito sobre o que é “diferente”, do que não se encaixa nas
normas padrão. Bagno (2008) faz uma metáfora que a norma padrão são como poças de
água aparada que não sofrem modificações, enquanto a língua e a língua falada é um
reio caudaloso que corre em paralelo, de vez em quando este rio transborda e leva “água
nova” para a poça.

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Para Bagno (2008), e a educação se adapta a essas normas excluindo as diversas
realidades lingüísticas existentes no cotidiano escolar, e mesma não se dá conta do
preconceito intrínseco e o desconhece. Tal preconceito e ou tal desconhecimento gera a
estagnação das discussões em torno da exclusão do aluno que não se encaixa nos
padrões estabelecidos.

A inserção dos alunos bilíngües nessa educação lingüística exposta acima, arraigada
pelos conceitos conservadores a um mesmo ensino para realidades diferenciadas. Onde
se encaixa a situação desses alunos advindos de outros de outros países com uma
formação lingüística.

Maria Helena Pires Santos (2006) que realiza um estudos sobre brasiguaios argumenta:
a visibilização das identidades “brasiguaias”, ressaltada pela construção de uma
identidade una, se evidencia no contexto escolar principalmente pela linguagem.

Linguagem e seus aspectos segundo Vigotski:

Segundo o eixo psicológico como a linguagem constitue a identidade? Dada à


complexidade da linguagem, sabendo que subjacente a qualquer concepção de
alfabetização, há uma concepção de linguagem, coloca-se em pauta, um debate sobre as
concepções da linguagem e tudo o mais que diz respeito a ela. O modo como o ensino
da linguagem é visto, sendo algo vivo, real e moldável a que se destina ou a quem
pretende atingir, ou seja, esse é um processo de interlocução. Emergindo assim,
questionamento sobre os limites da concepção da linguagem, como uma interação de
um ser humano com o outro.

A linguagem, conforme afirma Oliveira (1997) pode ser definida como um sistema
arbitrário de símbolos que em conjunto possibilitam a uma criatura humana, com
poderes limitadores de discriminação e memória, transmitir e compreender uma
variedade infinita de mensagens, apesar de ruídos, movimentos expressivos, sons e da
distração. Recordando que esta atividade somente o homem desenvolveu, o macaco tem
uma efusão afetiva do que comunicação, pois, só é considerado linguagem quando tem
trocas de informações especificas e seja compartilhado por vários indivíduos. “A
linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humano. A questão do

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desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento é um dos temas
centrais das investigações de Vygotsky”. (OLIVEIRA, 1997, p. 34)

A linguagem é todo sistema de signos que serve como meio de interação entre
indivíduos, e pode ser percebido pelos diversos órgãos dos sentidos, produzindo
sentidos. A palavra é um dos elementos constituidores da linguagem, na qual se
materializa signos, símbolos e significados e sentidos. Implica uma relação fatal de
alienação, pois é, o poder, desde toda a eternidade humana. Porém, sabe-se que ela é a
forma de interação própria do ser humano. A relação homem/mundo é uma relação
medida por este sistema simbólico, a fala. Sendo que por meio desta nós, seres
humanos, construímos a leitura do cotidiano e da nossa própria história, ou seja, a vida.
Nesta relação que Souza discerne:

Ser sujeito é ter o direito de se colocar como autor das


transformações sociais. Uma vez que a linguagem é o que caracteriza
e marca o homem, trata-se de restaurar nas ciências humanas o seu
valor como constituidora do sujeito e da própria realidade. (SOUZA,
p.21, 2005).

Com a linguagem somos capazes de imprimir sentidos, e registrar aquilo que permanece
no mundo como fato humano. Seja pela sua característica constituidora do sujeito, da
história ou da cultura. Poderíamos almejar que a linguagem deveria ocupar o âmbito das
ciências humanas, assim como o espaço de recuperação do sujeito como o ser histórico
e social ocupa. Desta forma adotamos a idéia de Souza, como vemos a seguir:

A interiorização dos conteúdos historicamente determinados e


culturalmente organizados se dá, portanto, principalmente por meio
da linguagem, possibilitando, assim, que a natureza social das
pessoas torna-se igualmente sua natureza psicológica. (SOUZA,
p.125, 2005).

Pensando nesta afirmação de Souza, problematizamos um aspecto pedagógico da


educação: qual a relação entre a linguagem e desenvolvimento na
interiorização/apropriação dos conteúdos escolares historicamente produzidos. Embora
saibamos que neste pequeno texto não poderemos explicitar tal problemática,
colocamos que tal problema subjaz outras caracterizações aqui apontadas. O sistema de
“comunicação” se constitui, em um espaço para enfrentarmos a polêmica das questões

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epistemológicas nas ciências humanas, resgatando uma identidade própria para essa
área do saber, a linguagem.

Apontaremos a seguir três mudanças essenciais que o surgimento da linguagem nos


propõe no processo psíquico do homem foi: a)- Linguagem permite lidar com os objetos
do mundo exterior mesmo quando eles estão ausentes. b)- Processo da abstração e
generalização: A linguagem possibilita e nos permite abstrair, analisar e generalizar as
características do objeto. c) - Função de interlocução e interação entre os homens que
garante a preservação, transmissão e assimilação de experiências e informações
acumuladas pela espécie humana.

Além destes três importantes aspectos que houve no surgimento da linguagem como foi
apontado, encontram-se duas funções básicas dela, o intercambio social e o pensamento
generalizado. Expõe-se o intercambio social, como sendo para se comunicar com seus
semelhantes, assim, o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem, podendo-se
interagir também através de sons, gestos, expressões e silêncios.

A interação que acontece dentro do intercâmbio social, desempenha um papel


fundamental na construção do ser humano, através da relação interpessoal concreta com
outros homens. É pela linguagem que o individuo vai chegar a interiorizar as formas
culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Para este processo realiza-se
é necessário ter interação entre os demais, utilizando signos para auxiliar este mesmo,
ou seja, que sejam interlocução e que traduzam idéias, sentimentos, vontades,
pensamentos, emoções, abstenções, e até conceitos.

Vigotski e seus colaboradores buscam observar a relação entre o uso de instrumentos e a


fala. Os signos e palavras, segundo Vigotski, constituem para as crianças primeiro e
acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e
comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova superior de
atividade nas crianças, distinguindo-as dos animais. Acredita-se que os sistemas de
signos, assim como os sistemas de instrumentos, são criados pela sociedade ao longo do
tempo da história humana, mudando a forma social e o nível de desenvolvimento
cultural de cada um.

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Vigotski (1994) determina sua concepção de linguagem, elaborando uma teoria
sociopsicológica da relação pensamento e palavra como processo dinâmico, e a
compreensão da linguagem como preenchendo funções específicas na constituição das
funções psicológicas superiores e na construção da subjetividade. Esta contribuição de
Vigotski nos recorda da segunda função básica da linguagem, juntamente com a
afirmação de Oliveira: “Surgimento do pensamento verbal e de linguagem como
sistema de signos é um momento crucial no desenvolvimento de espécie humana,
momento em que o biológico transforma-se no sócio-histórico”. (OLIVEIRA, p.45,
1997).

Vigotski define desenvolvimento cognitivo como conversão de relações sociais em


funções mentais. Esta conversão se dá através da mediação; portanto, ela não se dá
diretamente, mas é mediada pelo uso de instrumentos e signos. Instrumentos e signos
são palavras-chave na teoria histórico-cultural e podem ser definidos da seguinte forma:
Instrumento é qualquer objeto ou elemento que tem alguma utilidade prática. Por
exemplo, garfo, colher, enxada etc. Esses tipos de instrumentos são chamados de
instrumentos físicos. Instrumentos e signos são criações sociais, portanto, são elementos
historicamente e culturalmente construídos.

Para Vigotski, a fala é o principal sistema de signos para o desenvolvimento cognitivo,


porque ela relaciona o concreto com o abstrato, o real com o simbólico, permitindo no
decorrer do desenvolvimento, generalizar variadas situações. Vigotski parte da premissa
de que a função originária da fala, tanto na criança quanto nos adultos, é o contato
social.

Nos primeiros estágios, a palavras designam um complexo total de


referentes, incluindo não apenas o objeto nomeado, mas, também os
sentimentos da criança em face do objeto. E, seguida, as palavras
referem-se a objetos e seus contextos concretos, e só mais tarde
começam a se referir as categorias abstratas. (VIGOTSKII; LURIA &
LEONTIEV, p.31, 1988).

O domínio da fala e da palavra, a medida que a criança se desenvolve, permite


mudanças radicais, principalmente no seu modo de se relacionar com o seu meio, pois
possibilita novas formas de interação, interlocução e de organização do modo de pensar
e agir. Assim, fica apontado que o desenvolvimento da linguagem é decorrente de um

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processo evolutivo, interlocutivo. Conclui-se que, o sentido de uma palavra é como a
soma de todos os eventos psicológicos que tal palavra desperta em nossa consciência.

Neste conceito Souza (2005) acredita que: “Os significados das palavras são formações
dinâmicas que se modificam e evoluem à medida que a criança se desenvolve e de
acordo com as várias formas pelas quais o pensamento funciona”. (SOUZA, 2005,
p.129). Uma palavra ao ser aprendida passa a denominar várias coisas, vários
significados e cria um sentido.

Cabe, porém, salientar que, devemos compreender a linguagem sob determinada


concepção e ensiná-la de modo que se garanta sua natureza: de interlocução social, em
que os sujeitos agem e reagem conforme a situação concreta de interação em que se
encontram. Dando uma colaboração para a compreensão desta relação aprendizado e
linguagem, Vigotski e seus colaborados, afirmam que os processos de aprendizado
transformam-se em processos de desenvolvimento, sendo um processo constituído
culturalmente com relações sociais cotidianas.

A linguagem e o aprendizado por estarem interligadas trazem uma implicação


pedagógica que é considerar este movimento para a elaboração conceitual e a
interiorização dos conteúdos historicamente determinados e culturalmente organizados
se dá, portanto, principalmente por meio da linguagem e da palavra. Em uma sociedade
letrada como a nossa, além do desenvolvimento da linguagem e da língua se faz
também pela possibilidade do desenvolvimento da linguagem escrita. A linguagem
escrita, sendo o mesmo, um sistema particular de símbolos e signos cuja apropriação
prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural da criança.

Vigotski descreve que a escrita constitui um simbolismo de segunda ordem que,


gradualmente, torna-se um simbolismo direto. Vigotski discerne o processo de
aprendizado da linguagem escrita, e coloca que ele é bastante complexo, e vai além, do
que um professor ensinar, colocando um lápis na mão da criança, ou mostrando a ela
como desenhar e formar letra.

Neste aspecto que Rego (2001) expõe que, a complexidade desse processo está
relacionado à natureza da escrita, sendo um sistema de representação da realidade

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extremamente sofisticado. Amplia-se num conjunto de símbolos de segunda ordem, ou
seja, símbolos escritos que funcionam como designação dos símbolos verbais.
Primeiramente a compreensão da linguagem escrita é pela fala, mas, com o
desenvolvimento acaba se tornando uma intermediaria da outra. Este desenvolvimento
está envolvido com os gestos, o desenho, o brinquedo e a realidade. O trecho de
Vigotski nos afirma o que foi expresso:

A compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente,


através da linguagem falada; no entanto, gradualmente essa via é
reduzida, abreviada, e a linguagem falada desaparece como elo
intermediário. A julgar pelas evidências disponíveis, a linguagem
escrita adquire o caráter de simbolismo direto, passando a ser
percebida da mesma maneira que a linguagem falada. (VIGOTSKI,
1994, p.154).

Este desenvolvimento dá a criança uma mudança psicointelectual. Promovendo


instrumentos de pensamento, diferentes modos de pensar, de relação com o homem e
com o conhecimento. Vigotski, no início do século XX, nos concebe o papel
fundamental que a escrita desempenha no desenvolvimento cultural de uma criança. No
entanto, ao ensiná-las a desenhar letras e construir palavras com elas o ensino da
linguagem escrita tinha de um treinamento artificial. O problema que ocorria era que o
ensino de ler/escrever estava embasado na mecânica e isto obscurece a essência da
linguagem escrita. Em muitos casos podemos dizer que tal artificialismo no ensino da
língua escrita como linguagem na concepção da interlocução continua.

Para a resolução do aprendizado da linguagem escrita Vigotski, naquela época, apontou


três conclusões de caráter prático: a) Primeiro, seria transferir o ensino da escrita para
pré-escola, ou seja, o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se
tornem necessárias às crianças, algo de que elas necessitam. Sendo a escrita relevante a
vida; b) Segundo, de que a escrita deve ter significado para as crianças, de uma
necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma
tarefa necessária e relevante para a vida; c) Terceiro, a necessidade da escrita ser
ensinada naturalmente. Para que, a criança possa ver a escrita como um momento
natural do seu desenvolvimento, e não como um treinamento imposto de fora para
dentro.

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Podemos dizer que o que se deve acontecer, é ensinar às crianças a linguagem escrita, e
não apenas a escrita das letras. Vigotski afirma o segredo deste processo:

O segredo do ensino da linguagem escrita é preparar e organizar


adequadamente essa transição natural. Uma vez que ela é atingida, a
criança passa a dominar o princípio da linguagem escrita, e esta
então, simplesmente, aperfeiçoar esse método. (VIGOTSKI, 1994,
p.153).

Destas inferências de Vigotski, podemos a partir de então compreender os motivos


pelos quais temos dificuldade em ensinar a língua escrita ou a leitura e a escrita. Em
especial quando a criança não é falante da língua em que está sendo ensinada.

Como linguagem o fundamental é que ela promova a interação e a interlocução. Se


perdemos o fundamental a escrita fica artificial. Caso tornem-se artificiais, os textos,
signos e sinais não fazem sentido. Não fazem sentido para quem ensina nem para quem
aprende.

Quando adentramos o mundo a linguagem, nos deparamos com um contexto variado


que se constitui principalmente pelo meio social existente, o mesmo é determinado pela
historia de formação e intervenção na formação cultural.

Conclusões

Mediante a essa realidade se estabelece em todas as organizações sociais, podemos


buscando enfocar na constituição da variação lingüística a Sociolingüística que segundo
Marcos Bagno, (2007) coloca que a língua não é homogenia, pré-determinada para
todos com igual abrangência, mas é heterogenia e se desenvolve de diversas maneiras
pelo meio social. A sociolingüística segundo os estudos desenvolvidos por BAGNO,
2007; é uma “disciplina cientifica, é precisamente relacionar a heterogeneidade
lingüística com a heterogeneidade social.” Onde ambas se integram e são
indissociáveis, não se pode separar sociedade e linguagem, pois estão em constante
relação de formação e transformação em um processo contínuo e gradual.

Linguagem e sociedade são caracterizados pelas intervenções existentes no decorrer de


suas formação, que se desenvolvem pela imposição de uma sociedade pré estabelecida
que agrega linguagem considerada correta e melhorada e também pela diversidade

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cultural de vários países e etnias que se integram formando um novo e inexistente
contexto social, de onde se originam as variações lingüísticas, uma nova linguagem
totalmente modificada e irreverente constituídas por essas intervenções.

Maher (2007), propõe para tanto o “modelo de Enriquecimento Lingüístico” que ao


invés de apagar a língua previamente adquirida pelo aluno, promova o “bilingüismo
aditivo”, onde a língua portuguesa é adicionada as relações de comunicação não
deixando de dar ênfase na língua materna”. Pode-se assim considerar o aluno bilíngüe,
sobre essa perspectiva a “adição de monolíngües”, ou seja este aluno não é incapaz de
absorver a língua majoritária, mas vai além das competências lingüísticas dos demais
alunos, conseguindo administrar as duas línguas.

Essa relação exercida pelo bilíngüe entre ambas as línguas, não omite a realidade de que
o mesmo pode desenvolver e desempenhar, de forma diferenciada cada uma das línguas,
em vários aspectos nas relações de comunicação, de interação com o grupo ao qual está
incluso. Maher (2007), também nos coloca uma expressão referente a pesquisas mais
recentes sobre o bilingüismo, um eixo denominado semilinguismo, que é o aluno que
“exibiria uma competência insuficiente em ambas as línguas, quando comparados aos
monolíngües de cada uma delas”.

Os estudos sobre o bilingüismo direcionam para varias situações e estados em que se


encontram esses alunos. O sujeito bilíngüe é “alguém com uma configuração única e
específica” (Maher apud Grosjean 1985, p. 470), ou seja, é um sujeito de características
e dentro de um sistema lingüístico diferenciado, e deve ser visto como tal, valorizando
seus potenciais e necessidades de desenvolvimento.

A variação lingüística pode ser considerada a heterogeneidade da língua que


pressupõem uma linguagem sem estereótipos de certo ou errado, de melhor ou pior, mas
um conceito de linguagem onde cada variante agrega e enriquece a produção realizada
pelo meio social, como uma ação de construção e evolução da língua. Diante do
contexto de variação lingüística existente em todo o país, ressaltamos a mesma em uma
realidade de formação social com o agravante de interlocuções culturais de fronteira,
que englobam línguas diferenciadas e culturas semelhantes e ao mesmo tempo muito
distintas em determinados aspectos.

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Em relação especifica e linguagem a região do oeste do Paraná em recorte a cidade de
Foz do Iguaçu que faz fronteira com Paraguai e Argentina, a relação direta das línguas,
portuguesa, espanhola e o guarani, que em seus usos sociais já apresentam variações
próprias da relação social atribuída no interior de cada país, desta maneira se estabelece
essas intervenções e trocas culturais entre os países.

A realidade que se estabelecida nas cidades de fronteira, é atribuída ao grande número


de pessoas falantes de duas ou mais línguas, que podemos chamar de bilíngües e em
alguns casos multilíngües. O sistema de ensino em sua grande maioria busca valorizar
ideologicamente a língua considerada como majoritária “língua portuguesa”, ignorando
as variações lingüísticas presentes no interior da escola. Acredita-se de forma erronia
que o aluno é incapaz de e estabelecer uma relação ativa entre as duas línguas sem
prejudicar o desempenho lingüístico dentre ambas. Para superar isto apontamos que a
formação de professores é necessária, mas não é suficiente. Outras políticas de
integração são urgentes.

Referências:

ALBUQUERQUE, J. L. C. Fronteiras em movimento e identidades nacionais. A


imigração brasileira no Paraguai. Fortaleza, 2005. Tese (Doutorado) – Sociologia,
Universidade Federal do Ceará.

BAGNO, M. Preconceito lingüístico. O que é, como se faz. Edições Loyola, São Paulo,
Brasil,1999.

CAVALCANTI, M.C; BORTONI-RICARDO,S.M.(orgs) Transculturalidade,


linguagem e educação. Campinas: Mercado de Letras,2007.

MAHER, T.M. Do casulo ao movimento: a suspensão das certezas na educação bilíngüe


e intercultural. Transculturalidade, linguagem e educação. Campinas: Mercado de
Letras, 2007.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento. São Paulo:


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