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Doutrina

DO HABEAS CORPUS

(*) José Amilton Torquato

SUMÁRIO

1./ntrodução: 2. Noções Hist6ricas; 3. O habeas corpus no direito in-


glês: 3 .1 o habeas corpus no direito norte-americano; 3.2 o habeas corpus
no direito argentino; 3.3 o habeas corpus no direito português; 4. O
habeas corpus no Brasil; 4.1. o habeas corpus na Constituiçtlo de 1934;
4.2 o habeas corpus no Constituição de 1937; 43. o habeas corpus na
Constituição de 1946; 4.4 o habeas corpus na Constituição de 1967,·
4.5. o habeas corpus na Constituição de 1988; 5. Da natureza jurídica;
6. Da capacidade postulat6ria; 7. Da capacidade de ser paciente; 8.
Quem pode ser coator,· 9. Da liminar no habeas corpus; 10. Do pedido
de informações à autoridade coatora; li. Do recurso ex-officio; 12.
Do fim da coação ou do constrangimento,· 13. Competência para julgar
o habeas corpus,· 14. Da punição à autoridade coatora,· 15. Do habeas
corpus liberat6rio e do preventivo; 16. Da reiteraçdo do pedido de
habeas corpus; 17. Do recurso no Habeas Corpus; 18. Julgados Hist6-
ricos; 19. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

Tem como fim este trabalho apresentar alguns aspectos sobre o Hab eas Corpus,
desde suas noções históricas até os dias de hoje. Observamos que o remédio heróico,
realmente está sendo usado inclusive em muitos casos em que, em tese, não seria
possível. Isso se constata pela eficiência e celeridade que a presente ação apresenta.
Percebemos impetração da <Xdem de habeas corpus praticamente para tudo
dentro da matéria penal, inclusive, em alguns casos, em verdadeira substituição are-
cursos de um modo geral.
De forma bem sucinta, tentamos elucidar algumas dúvidas sobre o tema, fun-
damentado principalmente nas obras de Pontes de Miranda e Heráclito Antônio Mossim,
dentre outros citados na bibliografia ao final exposta.

(*)Advogado e Servidor do MPDFT

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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Encontramos alguns julgados históricos que apresentamos mais a titulo de cu-


riosidade e através deles já percebemos que sempre foi usado o Habeas Corpus com
fim bem amplo. Aliás, assim o defendia Rui Barbosa. Certamente, podemos afirmar
que, com Rui Barbosa realmente ganhou espaço significativo no meio jurtdico. Tor-
nou-se assim, uma ação bem ao alcance de todos.

2. NOÇÕES illSTÓRICAS

Talvez Platão, seguidor de Sócrates, tenha sido o precursor do instituto do


Habeas Corpus na Grécia antiga. Mesmo já fazendo parte do homem grego a indivi-
dualidade, estava ela voltada mais aos aspectos políticos, filosóficos, intelectuais na
formação daquele povo. Naquela época ninguém ousava levantar a idéia de algum
direito individual contra o Estado, que por sua soberania, todo indivíduo deveria sub-
meter-se às normas daquele. Isso evidentemente foi a base do principio basilar da
igualdade de todos perante a lei.

"A concepção filosófica grega, todavia, é evidente que historicamente


condicionada, não concebeu sistema de garantias dos indivíduos contra
o Estado ou os governantes porque a violação da personalidade do cida-
dão merecia a reprovação da 'pólis'. por força de um julgamento ético e
po11tico, e não juridicamente institucionalizado.,.,

Platão, no entanto, já àquela época, achava que a lei também era para o
governante, que este deveria SlJbmeter-se ao império daquela sob pena de o Estado
cair numa verdadeira anarquia.
Não obstante a expressão habeas corpus ser de origem latina (habeas corpus
ad subjiciendum que sua tradução seria mais ou menos "tornai o corpo para submeter
o homem e o caso ao tribunal) o instituto ganhou forma de remédio contra a violação
ao direito de liberdade, de ir, vir e permanecer no direito inglês, com a Magna Charta
Libertatum imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra em 1215 (writ of
habeas corpus ).

3. O HABEAS CORPUS NO DIREITO INGLJl:S

A carta de João Sem Terra, a primeira Constituição no aspecto formal de que se


tem notícia, foi uma imposição dos barões ingleses, juntamente com o Clero ao Rei.

1, GRECO F JLHO, Vicente. Tutela conslilucional das liberdades. São Paulo: ed. Saraiva, 1989, p. 25
2. MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas corpus. São Paulo: Editora Atlas, JD ed. 1997.

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Visava esta Carta assegurar os direitos mínimos ao indivíduo, de forma que cessasse
as arbitrariedades sem a devida apreciação pelo judiciário. Observa-se assim, que o
habeas corpus tem corno paladino evitar que prisões arbitrárias ou demasiadamente
prolongadas continuassem existindo sem nenhum controle. Segundo Heráclito Anto-
3
nio Mossin , citando Florêncio Abreu o habeas corpus "decorre da commonLaw, em
virtude dos preceitos da Magna Carta, capítulo XXIX, onde se detennina que nenhum
homem livre pode ser detido, nem preso (nullus liber home capiatur vel imprisionetur),
sem que seja condenado por seus pares ou pelas leis do país".
Com essas considerações já é possível observar que foi realmente no direito
inglês que o instituto do habeas corpus ganhou forma e se espalhou ao mundo, sem-
pre com o mesmo fim, sanar os excessos nas prisões impostas aos homens comuns.

3.1. O HABEAS CORPUS NO DIREITO NORTE-AMERICANO

Na condição de ex-colônia inglesa, o povo ianque esperava a confirmação des-


se direito em sede constitucional em 1787, talvez pela forma sucinta que é, a Carta
norte-americana não o fez de forma explícita, mas determinou a suspensão das leis
que condenassem sem a devida forma legal. Segundo Heráclito Antonio Mossin, já no
fmal do século XVII, os colonos norte-americanos haviam exigido a aplicação desse
4
writ estabelecido em estatuto que se fizeram promulgar.

3.2. O HABEAS CORPUS NO DIREITO ARGENTINO

Como em todo o mundo, o fim do habeas corpus na Argentina é também con-


ter os excessos nas prisões ou limitações de se deslocar. A Constituição da Província
de Buenos Aires o traz de forma expressa nos artigos 16 e 17, onde assegura basica-
mente que todo preso deve saber o motivo de sua prisão, e assim não ocorrendo pode-
rá por si ou através de terceiro impetrar a ordem ante qualquer juiz para reaver sua
liberdade ou que seja levado ao juiz competente. (Heráclito Antônio Mossin, oh.
cit. pág. 25).

3 Op. cit. p. 17.


4 Op. cit. p. 23

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3.3. O HABEAS CORPUS NO DIREITO PORTUGUÊS

O instituto ganhou status constitucional apenas em l9ll, com inspiração evi-


dente no direito inglês, na Declaração dos Direitos de Filadélfia. nos princípios
norteadores da Revolução Francesa. De forma bem prolixa para texto constitucional,
garantia basicamente, o direito de habeas corpus, sempre que o indivfduo sofresse ou
se achasse na iminência de sofrer violência. ou coação por ilegalidade ou abuso de
poder. Mas há limitações a esse direito como por exemplo no caso de estado de sítio,
invasão estrangeira. etc. Esse direito repetiu-se na Constituição de 1933. Após o perí-
odo revolucionário de 1974, voltou a sua forma normal e atual.

4. O HABEAS CORPUS NO BRASIL

Na época do Brasil colônia, em que as leis aqui empregadas eram as mesmas


empregadas em Portugal, não havia referência explícita sobre o instituto, apenas nas
Ordenações Filipinas, existia a figura das Cartas de Seguro, que apesar de ser forma
precária, guarda alguma semelhança com o writ atual.
Seguramente, pode-se afirmar, que apenas em 1821, através do Decreto de 23
de maio daquele ano, no Brasil surgiu a figura do habeas corpus.
Na primeira Constituição Brasileira não havia referência explícita a tal institu-
to, mas entende Pontes de Miranda (Teoria e Prática do Habeas Corpus, vol. I) que
implicitamente já existia. Até por que, o Decreto de 1821 o admitia. Formalmente, o
habeas corpus veio ganhar maior espaço com o Código Criminal de 1832, pois antes
a maior referência era o decreto supra citado.
Com a Constituição Republicana de 1891 o instituto ganhou status consti tuci-
onal no artigo 72 § 22, inclusive tutelava direitos subjetivos de qualquer natureza.
Assim se pode concluir que as violações aos direitos civis, por exemplo, eram ampa-
radas por habeas corpus. No entanto, com a Emenda Constitucional de 1926, o insti-
tuto sofreu limitações, sendo cabível apenas nos casos de violação ou ameaça de vio-
lação ao direito de locomoção se oriunda de ilegalidade ou abuso de poder. Segundo
5
José Afonso da Silva é, pois, um remédio destinado a tutelar o direito de liberdade
de locomoção, Liberdade de ir, vir, parar e ficar. Tem natureza de ação constitucional
penal.
O habeas corpus, assim como o Mandado de Segurança, pode ser individual
ou coletivo. ·

5 Curso de direito constitucional positivo, 9Q ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1994.

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Seguramente quem melhor interpretou o assunto no Brasil foi Rui Barbosa,


não encontrava o jurista limitações ao em~rego do habeas corpus. Contrapunha-se a
esse, Pedro Lessa. Segundo Michel Temer Dos debates de ambos, adveio uma revi-
são à Constituição que resultou da nova redação da an. 72, § 2• "Dar-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento
ilegal na sua líberdade de locomoção."
Sem dúvida, a discussão doutrinária em torno do habeas corpus travada prin-
cipalmente entre os juristas Pedro Lessa e Rui Barbosa serviu de ânimo e tomou-o
mais popularizado, restando um instrumento conhecido de quase todos os brasileiros
e principalmente pela facilidade que se encontra quando da sua impetração, pois não é
necessário que seja feita através de advogado- qualquer pessoa poderá fazê-lo. De
acordo com o § 1° do inciso li artigo 1° da Lei 8.906/94 a impetração de habeas
corpus não se inclui como atividade privativa de advogado.

4.1. O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1934.

Evidente que com o surgimento do Mandado de Segurança na Constituição de


1934, o habeas corpus sofreu maiores limitações, não mais amparava qualquer amea-
ça ao direito. O artigo 113, § 23 rezava: "Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por i!e ga-
!idade ou abuso de poder." Observa-se com essa redação o suprimento da expressão
'1ocomoção". Assim o leque abrangido pelo habeas corpus sofreu limitações por
causa do surgimento de outro instituto protetor de outros direitos. De vida efêmera, a
Constituição de 1934, logo foi substituída pela Carta Política de 1937, al já sob a
figura do Estado Novo. No caso, quando se fala de Estado Novo, leia-se autoritarismo,
regime totalitário. Claro que em tais situações, os direitos individuais são os mais
afetados e desrespeitados.

4.2. O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1937

A Constituição de 1937 foi sem dúvida o retrato do Brasil autoritário, exata-


mente como queriam as pessoas com espírito retrógrado, pessoas que viam a liberda-
de das pessoas comuns com medo, que por isso tinham que implantar regime de exce-
ção. Com esta Carta, afrrma Pontes de Miranda' " Monocracia tipica; regressão do

Elementos de direito constitucional, 10a ed. Editora Malheiros, 1994.


Hist6ria e prática do habeas corpus, sa ed. T. /,Editora Saraiva, 1979

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Brasil para aquém de 1822." Como se observa, a Carta de 1937 foi omissa com rela-
ção ao habeas corpus. Assim, observa-se que, os direitos individuais sofreram grande
supressão com a Carta do Estado Novo. Pontes de Miranda, no entanto, sustenta que
mesmo com a vigência da Constituição não havia suspensão do habeas corpus. "Nem
o estado de guerra, nem o estado de emergência suspendem o direito público subjetivo
8
ao habeas corpus. " Não era de se esperar algum beneficio aos direitos individuais,
as circunstâncias políticas não eram favoráveis, regime ditatorial, verdadeiro golpe
nas instituições democráticas. O habeas corpus não seria a exceção, como realmente
não o foi.

4.3. O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

A Constituição de 1946 trouxe de volta as esperanças democráticas ao país, e


evidentemente que alguns direitos individuais tolhidos no regime anterior ressurgiram
com a volta da liberdade. O medo da escuridão parecia não mais voltar. Ledo engano.
Em 1964, novo desmantelo no sistema político brasileiro.
O artigo 141, § 23 da Carta Política de 1946 apresentava a seguinte redação:
"Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder. Nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus." Mesmo nos casos
de decretação de medidas extremas, como o estado de sítio, a lei deveria estabelecer
quais os direitos que ficariam suspensos. Em alguns casos, segundo Pontes de Miranda,
a ordem de habeas corpus não foi concedida, mas não por se encontrar suspenso e
sim, por que outros motivos impediam a sua concessão. O que se pode afirmar com
segurança é que, com a Constituição de 1946, o país voltou a sonhar com ares de
liberdade individual, as esperanças de liberdade voltaram a fluir, mesmo que de forma
timida, em decorrência do regime de exceção recém abolido, mas seus resquícios ain-
da atormentavam os ideais democráticos dos país.
Essa esperança de democracia, infelizmente teve vida efêmera, pois em 1964
adveio o malfadado golpe, dando início a novo período de escuridão na vida do povo
brasileiro. Apenas em 1988, com o advento da atual Constituição, pode-se afirmar que
a democracia estava de volta, e com ela alguns dos direitos individuais, muito embora,
poucos sejam respeitados, mas pelo menos de direito, eles existem.
Em 1941, ainda sob a égide da Constituição de 1937, veio o atual Código de
Processo Penal, através do Decreto-Lei 3.689, e a redação do artigo 647, hoje em

B Op. cit. p. 326.

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vigência, é a seguinte: "Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
na eminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos
casos de punição disciplinar".

4.4. O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1967

Apesar do regime de exceção instalado no país a partir de 1964, a Carta Politi-


ca de 1967, posterionnente reformada em 1969, manteve o instituto do habeas corpus.
Era, efetivamente, o único instrumento usado pelo cidadão, contra os excessos come-
tidos àquela época. É truismo falar que em regime de exceção, nenhum direito indivi-
dual é respeitado, principalmente o direito de locomoção. As prisões ilegais ocorrem
com mais freqüência do que nos tempos de regime democrático. Segundo dados le-
vantados por Aliomar Baleeiro, em 1971, o STF julgou 3.625 processos e cerca de
9
30% deste total foi habeas corpus. É notório que o número de impetrações de habeas
corpus é proporcional às arbitrariedades existentes contra o povo.

4.5. O HABEAS CORPUS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A atual Carta Política consagra o instituto do habeas corpus no artigo 5°, inciso
LXVII verbis: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegali-
dade ou abuso de poder". Praticamente a mesma redação da Constituição anterior. No
entanto, o próprio texto constitucional, no artigo 142, § 2° "Não caberá habeas corpus
em relação a punições disciplinares militares." Ousamos discordar, pois o princípio do
habeas corpus é sanar as punições ilegais, e .se a punição disciplinar for injusta ou
quando se emanada de autoridade incompetente? Não haveria motivo para a não con-
cessão. É claro que nestes casos, precisa-se de um exame mais acurado em cada caso.
É apenas nossa opinião, nos tribunais, evidentemente que para este pensamento não
há nenhum espaço. Pois uma Constituição nascida com ares democráticos inegáveis,
cheia de esperanças de liberdade ao povo que desde 1%4 mergulhara numa escuridão
de liberdade por mais de vinte anos, poderia no máximo ser omissa, mas proibir ex-
pressamente, cremos que o legislador constituinte foi demasiadamente rigoroso.

'Pinro Ftrrdra, Teoria t prática do habeas corpus, 2" ed. Edirora Saraiva, 1982.

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5. DA NATUREZA JURÍDICA

Muitas opiniões, e há muito tempo, sobre a natureza jurídica do habeas corpus


sem que até hoje se tenha uma posição pacifica sobre o tema. A matéria, no Código de
Processo Penal, encontra-se na parte dos recursos. Isso, evidentemente, não é o sufici-
ente para se afirmar que é verdadeiro recurso. Na realidade, hã situações em que
realmente tem o writ todas as características de recurso. A título de exemplificação,
podemos citar alguns dos autores que assim vêem o habeas corpus. Para Galdino
Siqueira é "um recurso ordinário, e pelo seu processado, um recurso especial" José
Antônio Pimenta Bueno, afirma que "o habeas corpus é um verdadeiro recurso." Para
Magalhães Noronha: "A nós nos parece que não pode negar totalmente o caráter de
recurso, pois pode ser impetrado contra decisões do juiz." (Heráclito Antônio Mossin,
ob. cit ps. 67 e 68). Outros renomados autores assim também pensam. No entanto, a
corrente doutrinária que se posiciona de forma contrária, parece-nos a que argumen-
tos mais convincentes traz sobre o tema. Nossa posição é realmente Classificar o habeas
corpus como verdadeira ação, senão vejamos. Rogério Lauria Tucci: "( ... )em suma, é
o habeas corpus ação pela qual, originada a instrução de um processo do mesmo
nome, exteriorizado em procedimento sumarissimo." Pontes de Miranda: "O pedido
de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação(...) A ação é preponde-
rantemente mandamental. Nasceu assim o instituto. Os dados históricos no-lo prova-
rão. A pretensão não é recursal. Nem no foi, nem o é." Julio Fabrinni Mirabete: "trata-
se realmente de ação popular constitucional, embora por vezes possa servir de recur-
so." Assim também pensam José Frederico Marques, Vicente Greco Filho dentre ou-
tros.
Não vemos melhor posição para classificá-lo, pois com o writ pleiteia-se uma
prestação jurisdicional, busca-se uma atitude da justiça, por que não classificar esse
pleito como ação?

6. DA CAPACIDADE POSTULATÓRIA

Qualquer pessoa poderá impetrar a ordem, inclusive pessoa jurídica. A lei não
faz nenhuma exigência para sua impetração. No entanto, para interpor recurso em
habeas corpus, exige-se capacidade postulatória, ou para se fazer a sustentação oral
em determinados casos. Nessas situações, há de ser feito por advogado. Vê-se que
pode impetrar, a pessoa jurídica, o menor, o analfabeto, contanto que alguém assine a
rogo, no último caso. Não existem limitações ao direito de impetração.
Até recentemente havia discussão, a nosso ver inútil, sobre a capacidade do
membro do Ministério Público impetrar o writ na condição de Promotor. Ora, o que

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nos leva achar inútil tal discussão é pelo simples fato, de ser o Ministério Público o
guardião das leis, e se alguém está sofrendo ou ameaçado de sofrer algum constrangi-
mento ilegal com que senso de justiça poderia impedir o Promotor de impetrá-lo?
Hoje, é pacífico o entendimento na jurisprudência pátria sobre a condição de qualquer
membro do Parquet impetrá-lo, principalmente os Tribunais Superiores, verbis:

Tipo do Documento: ACÓRDÃO


Número do Registro: 199500270625
Classe do Processo: RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS
Número do Processo: 4620
UF do Processo: RS
Decisão: POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECUR-
SO PARA TRANCAR AÇÃO PENAL.
Data de Decisão: 19/06/1995
Nome do Órgão Julgador. QUINTA TURMA
Ementa:
PENAL. PROCESSUAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LE-
GITIMIDADE. NEGATIVA DE AUTORIA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. "HABEAS CORPUS". RECURSO. l. O MP ESTA-
DUAL É PARTE LEGÍTIMA PARA IMPETRAR "HABEAS
CORPUS". 2. EVIDENTE A INOCÊNCIA DO PACIENTE, É DE SE
TRANCAR A AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. 3.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Nome do Ministro Relator. EDSON VIDIGAL

Descrição da Classe: RECURSO DE HABEAS CORPUS .


Número da Classe: 63211
Data do Julgamento: 20/09/1985
Ementa: RECURSO DE 'HABEAS CORPUS'. IMPETRACÃO PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPEtRAÇÃO DE 'HABEAS CORPUS'
COMO QUALQUER PESSOA E COMO PROMOTOR PÚBLICO.
GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LIDERDADE TEM O M.P. O
DIREITO DE IMPETRÁ-LO, E, CONFORME AS CICUNSTÂNCIAS,
O DEVER DE FAZÊ-LO, SE TEM CONHECIMENTO DE COAÇÃO
ILEGAL. RECURSO DE 'HABEAS CORPUS' CONHECIDO EPRO-
VIDO,PARAQUEOTRIBUNALDEJUSTIÇAAPRECIEOMÉRI-
1U DO PEDIDO.
Observação:

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VOTAÇÃO: UNÂNIME.
RESULTADO:CONHECIDO E PROVIDO.
Origem: SP • SÃO PAULO
Publicação: DJDATA-18110/85 PG-18454EMENT VOL-01396-01 PG-
00189
Nome do Relator. OSCAR CORREA
Sessão: OI - PRIMEIRA TURMA

O juiz não tem a capacidade postulatória por questões óbvias. Primeiro pode
conceder ex ojjicio, segundo não tem sentido lógico o juiz impetrar uma ação para ele
mesmo decidir. Evidente que o simples fato de ser juiz não o impede de impetrá·lo,
pois na condição de cidadão comum nada impede que o faça, em seu favor ou em de
terceiro.

7. DA CAPACIDADE DE SER PACIENTE

Qualquer pessoa fisica é passível de sofrer alguma coação ilegal ou excessiva


sanável pela via do remédio heróico do habeas corpus. Não se exige condição pessoal
para tal. Portanto, pode ser menor, incapaz, estrangeiro, enfim toda pessoa fisica. As-
sim fica evidente que as pessoas juridicas não estão incluídas nesta condição.

8. QUEM PODE SER COATOR

No que pese os mais abalizados entendimentos de que só é cabivel o writ con-


tra ato de autoridade, pois se o ato é emanado de particular caberia à policia coibi-lo.
Assim é o entendimento de Bento de Faria. É evidente, mas se o remédio mais eficaz
é o habeas corpus por que então não aplicá-lo? Costa Manso, Pedro I..essa, Magalhães
Noronha, dentre outros pensam de forma diferente. Inclusive o texto constitucional
não fala em autoridade, apenas que seja ilegal ou por abuso de poder. Filiamo-nos à
segunda corrente, de forma tão evidente que se dispensa maiores comentários ares-
peito.
10
Aliás, sobre o tema Fernando da Costa Tourinho Filho " ••• a respeito, era o
art. 344 do Código de Processo Criminal do Império. Ali se dizia ser cabivel o habeas

10
Processo penal, vol. 4 Editora Saraiva, 19" ed. 1997

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corpus, quando ... algum cidadão, oficial de justiça, ou autoridade pública, tivesse
ilegalmente alguém sob sua guarda ou detenção". Assim, se na época do império não
havia limitação, nada justificaria, nos nossos dias, esse impedimento.

9. DA LIMINAR NO HABEAS CORPUS

A lei não a admite, também não proíbe, assim nada impede que seja concedida.
11
No dizer de Tourinho Filho "Uma das mais belas criações da nossa jurisprudência
foi a da liminar em pedido de habeas corpus, assegurando de maneira mais eficaz o
direito de liberdade". A não previsão da liminar na lei, parece-nos um equívoco
legislativo sem precedente. Se pensarmos que a pessoa está sofrendo ou ameaçada de
sofrer a coação ilegal e ainda esperarmos, as informações da autoridade apontada
como coatora para se decidir, evidente que os prejuízos sofridos pelo paciente só au-
mentariam. Então depertdendo do caso concreto deve realmente ser concedida, nada
impedindo que quando do julgamento em definitivo da ordem ela possa ser cassada. É
claro que o pensamento do legislador não foi o de causar prejuízo ao paciente, supu-
nha-se que quando fosse o caso levado ao Juiz ou ao Tribunal, já fosse instruído de
forma que fosse possível a decisão de imediato.
Consta que a primeira liminar em habeas corpus foi concedida na Justiça Mi-
litar pelo Almirante José Espinola quando da impetração de writ preventivo. Hoje a
liminar no habeas corpus já está consagrada nos tribunais brasileiros, de forma que a
exceção é quando não é pedida.

10. DO PEDIDO DE INFORMAÇÕES À AUTORIDADE COATORA

A rigor não existe pedido de informações, há na realidade requisição de infor-


mações, visto ser ato da autoridade competente para julgar o pedido de habeas corpus.
A razão dessas informações é realmente verificar se há realmente ilegalidade na pri-
são do paciente. É possível que a autoridade julgadora, Juiz, Desembargador, Minis-
tro Relator do feito dispense tais informações, desde que os documentos carreados aos
autos sejam suficientemente esclarecedores da situação.
Não hã prazo expresso no Código de Processo Penal para tais informações,
também não há nenhum impedimento que as constituições estaduais, as leis de organi-
zação judiciária de cada estado, os regimentos internos do tribunais o façam. É evi-

11 Op. cit. p. 5 59

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dente que este prazo tem que ser razoável, normalmente a autoridade que as requisita
não estipula prazo algum. Mas quando o faz, fá-lo em prazo razoável, de forma que
seja possível a autoridade coatora fornecê-las e que não seja muito dilatado para que
não aumente os prejuízos ao paciente. Claro que este prazo depende também das con-
dições de se fornecer, do caso concreto, etc.
Às vezes, o impetrante não tem condições de apontar com clareza quem seja o
12
coator, nestes casos, conforme lição de Ary Franco as informações devem ser requi-
sitadas ao carcereiro ou ao detentor do preso.

11. DO RECURSO EX OFFICIO

De acordo com o artigo 574, I do Código de Processo Penal, da sentença que


conceder habeas corpus recorrerá o Juiz ao Tribunal de Justiça de forma voluntária.
Hoje, não vemos justificativa para tal, talvez à época em que o Código foi editado sim.
Se a ordem foi concedida, presume-se, com isso, que a coação foi sanada e a pretensão
foi satisfeita. não havendo recurso do Ministério Pdblico, por que então essa remessa
para nova anâlise em sede de segundo grau? Vemos por desnecessária. Apenas sobre-
carrega as instâncias superiores. Na exposição de motivos do Código de Processo
Penal, vê-se claramente que a intenção do legislador é dar maior garantia ao interesse
social. O órgão do parquet é o guardião da Justiça, e se assim entendesse injusta a
sentença concessiva da ordem, poderia apelar da decisão. Lembramos que o Ministé-
rio Público não tem atuação no processo de habeas corpus em primeira instância. A
lei não exige o recurso ex officio quando a decisão for denegatória. Neste caso, acredi-
tamos seria mais pertinente se exigisse o recurso apenas nas hipóteses denegatórias da
ordem. A não ser que houvesse recurso do Parquet. Vale lembrar que este é apenas o
nosso pensamento.

12. DO FIM DA COAÇÃO OU DO CONSTRANGIMENTO

Há muitos casos, evidentemente, em que quando do julgamento da ordem


impetrada, a coação já findou. Como por exemplo a revogação ou relaxamento da
prisão, se impetrada por excesso de prazo na prolação da sentença e esta tiver ocorrido
enquanto se julga o writ. Nesses casos, o habeas corpus é julgado prejudicado.

11
Antonio Moudo de Campos, Habeas COtpUS, doutriml,prática, legislaçlio, EdiçãoJalovi, JG edição, 1979

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13. COMPETÊNCIA PARA JULGAR O HABEAS CORPUS

A competência para julgar o writ depende das Constituições Estaduais, das


Leis de Organização Judiciária de cada Estado, dos Regimentos Internos dos Tribu-
nais. Isso nos impede de apresentar o tema de forma inexorável. Apenas apresentamos
as diretrizes bãsicas. O princípio basilar é que competente é sempre a autoridade supe-
rior hierarquicamente à autoridade coatora. Se o Delegado de Polícia é coator, compe-
te ao Juiz da Comarca julgar o feito. Se o juiz é coator, compete ao Tribunal a que ele
está vinculado. Se Desembargador for apontado como autoridade coatora, o compe-
tente para apreciar o feito será o STJ (art. 105, I, c CF). Se o juiz federal for coator,
competente será o TRF a que está vinculado o Juiz (art. 108, I, "d", CF). Se membro
do MPU que oficie perante os tribunais for coator, compete ao STJ (art. 105, I, ~'c" c/
c I, "a", CF). Se o Promotor de Justiça for coator. Neste caso, depende da Lei de
Organização Judiciária e da Constituição Estadual. Entendemos, neste caso, ser real-
mente o Tribunal de Justiça Estadual a quem melhor compete para apreciar o feito. A
13
lição de Heráclito Antônio Mossin:

"Quando a autoridade coatora 6 o promotor de justiça, a jurisprudência


tem sido oscilante quanto a competência para o conhecimento e julga-
mento do pedido contido no writ. Ora, tem entendido que a competên-
cia originária 6 do juiz de primeiro grau; ora do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo; ou do Tribunal de Alçada Criminal."

A competência dos Tribunais Superiores está bem explícita na Constituição


Federal. Apenas para comprovar como as competências variam bastante de tribunal
para tribunal vejamos: Em São Paulo, se a prisão for de natureza cível, por exemplo:
prisão de inadimplente em prestação alimentícia, compete às Câmaras Cíveis. Se ver-
sar sobre prisão de natureza essencialmente penal, aí a competência é das Câmaras
Criminais. No Distrito Federal não há divisão de competência em razão da natureza da
prisão, todos os casos de habeas corpus são julgados pelas Turmas Criminais.
Como vimos, não é tão simples apontar os órgãos competentes para julgamen-
to do writ, pois é conforme a organização de cada Tribunal.

14. DA PUNIÇÃO À AUTORIDADE COATORA

O artigo 653 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de condena-


ção da autoridade coatora nas custas processuais se houver indisfarçável abuso de

11
Op. cit. p . 203

R. Dout. Jurisp., Brasllia, (62): 11-75, jan.-abr. 2000 67


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

poder ou má-fé. Evidente, que na prática não se vê condenação nestes casos, pois
como realmente provar se houve má-fé na coação. Outro ponto que depõe desfavora-
velmente a possível condenação da autoridade coatora, é o próprio interesse do paci-
ente para acionar a máquina judiciária. Pois, nestes casos, sua principal meta é ver
sanada a coação por que está passando ou ameaçado de passar.
Claro que o principal objetivo do paciente é se livrar do incômodo da coação.
Poucos são os casos em que após um cbnstrangimento de tal natureza, vá o paciente
procurar provar a ilegalidade do ato sofrido.

15. DO HABEAS CORPUS LIDERATÓRIO E DO PREVENTIVO

Th.nto no texto do artigo 5°, inciso LXVIII, como no texto do art. 647 do Códi-
go de Processo Penal, encontramos a expressão" ... sempre que alguém sofrer ou se
achar ameaçado de sofrer violência... " Pode perceber-se, assim, que é possível que
seja impetrada a ordem para prevenir possível coação ilegal. Neste caso, é expedido o
salvo-conduto em favor do possível paciente, que visa impedir a prisão do beneficiário.
O habeas corpus é liberatório quando o paciente já está coagido, privado de
sua liberdade de locomoção. Neste caso é expedido pela autoridade conhecedora e
julgadora do writ o alvará de soltura.

16. DA REITERAÇÃO DO PEDIDO DE HABEAS CORPUS

Mesmo sem previsão legal, não há impedimento de que o pedido de habeas


corpus seja reiterado. Evidente que não pode ser apenas repetição do anteriormente
denegado, é necessário que seja embasado com novos fundamentos ou que tenham
surgido fatos novos.
Essa possibilidade é p<>ssível, graças à natureza jurídica do writ como verda-
deira ação penal. Pois se fosse recurso, como querem alguns, não seria possível novo
pedido sobre o mesmo caso.
A jurisprudência dos nossos tribunais, inclusive do STF, tem-no aceitado, ape-
nas quando fundamentado em novos fatos, verbis:

"Descrição da Classe: HABEAS CORPUS


Número da Classe: 74447
Data do Julgamento: 1211111996
Ementa:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO PRATICADO POR PROMOTOR DE

68 R. Dout. Jurisp., Brasma, (62): 11-75, jan. -abr. 2000


Doutrina

JUSTIÇA. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.


ALEGADA NULIDADE DECORRENTE DO RITO ADOTADO NA
SESSÃO DE JULGAMENTO, EM DESACORDO COM A LEI 8.038/
90. QUESTÃO EXAMINADA EM IMPETRAÇÃO ANTERIOR COM
O MESMO FUNDAMENTO. DIREITO DE RECORRER EM LffiER-
DADE. Não se conhece de habeas corpus se o fundamento que embasa
o pedido já foi repelido por acórdão deste Tribunal, constituindo-se mera
reiteração de impetração anterior indeferida. Conhecimento do writ na
parte em que alega o direito de recorrer em liberdade. Indefere-se, toda-
via, a ordem, ante o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, que
estabelece ser possível o cumprimento do mandado de prisão antes do
seu trânsito em julgado, visto que o recurso extraordinário não tem efei-
to suspensivo.

Observação;
VOTACÃO: Unânime.
RESULTADO: Indeferido.
Origem: MG - MINAS GERAIS
Publicação: DJ DATA-19/l2196 PP-51768
Nome do Relator: ILMAR GALVÃO
Sessão: Ol - Primeira Thnna"

17. DOS RECURSOS NO HABEAS CORPUS

Como já vimos, da decisão concessiva da ordem em primeiro grau, cabe recur-


so ex-ojficio para o Tribunal a que está vinculada a autoridade prolatora da decisão. É
cabível também recurso em sentido estrito, de acordo com o Código de Processo
Penal (artigo 58!, X) da decisão que conceder ou negar a ordem de habeas corpus.
Cabe recurso ordinário para o STF, quando decididos em única instâhcia pelos
Tribunais Superiores, se denegatória for a decisão. (CF, art. 102. II, a)
Cabe recurso ordinário para o STJ, quando decididos em única ou última ins-
tância pelos Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça dos Estados e do Dis-
trito Federal, se denegatória for a decisão. (CF, art. 105, II, a)
Nos outros casos, se a decisão for concessiva da ordem, cabível será o recurso
extraordinário ou especial, para o STF (CF. art. 102, III, a, b, e c) e STJ (CF. art. 105,
m. a, b e c) respectivamente, no primeiro caso, se da decisão houver alguma afronta à
Constituição Federal e no segundo se se negar vigência a lei federal.

R. Dout. Jurisp., Brasflia, (62):. 11-75, j an.-abr. 2000 69


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

18. JULGADOS IDSTÓRICOS

Apresentamos aqui alguns julgados históricos do S1F sobre o Habeas Corpus


que ganharam destaque pelas condições dos pacientes e até mesmo pelas circunstânci-
as políticas por que passava o país. Estes julgados foram retirados na página do Supre-
mo Tribunal Federal na Internet e da edição de 30 de maio de 1999 do J ornai Correio
Braziliense.

Estado de sítio. Presos políticos de 1892 - HC 300

O advogado Rui Barbosa impetra habeas corpus em favor do Senador Almi-


rante Eduardo Wandenkolk e outros cidadãos, indiciados por crimes de sedição e cons-
piração, presos ou desterrados em virtude de decretos expedidos pelo Vice-Presidente
da República, Marechal Floriano Peixoto, na função de Presidente. Tais atos determi-
nam a suspensão das garantias constitucionais, decretando-se o estado de sitio no
Distrito Federal. Fundamenta-se o pedido na inconstitucionalidade do estado de sitio
e na ilegalidade das prisões ocorridas, umas antes de decretado o estado de sítio, ou-
tras, depois de terminada a sua vigência, quando devem imediatamente ser
restabelecidas as garantias constitucionais.

Relator: Ministro Costa Barradas.


Data do julgamento: 27.4.1892.
Decisão: Negada a ordem, por maioria (10 a 1).
Publicação do acórdão: Revista O Direito, v. 58/302-307 COSTA, Edgard. Os Gran-
des Julgamentos. RJ. v. 1, Ed. Civilização Brasileira, 1964,
p. 26-33. BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Bar-
bosa, RJ, v. XIX, 1892, t. III, MEC, 1956, p. 355-361.

Caso do navio "Júpiter'' - HC 406

Impetrado habeas corpus por Rui Barbosa, em favor de David Ben Obill e ou-
tros, brasileiros e estrangeiros civis, num total de 48, presos por militares cumprindo
ordem do Vice-Presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, a bordo do navio
mercante "Júpiter'', capturado no litoral de Santa Catarina. Presos por crime militar
inafiançável, juntamente com todos os ocupantes do navio, ficam retidos ilegalmente,
conforme alegação do advogado, nas Fortalezas de Santa Cruz e Lage, no Rio de Janei-
ro, sem nota de culpa e à disposição da Justiça Militar, incompetente para julgá-los.

70 R. Dowt. Jwrisp., Brasília, (62): JJ-75, jan.-abr. 2000


Doutrina

Relator: Ministro Barros Pimentel.


Data do julgamento: 2.8.1893 e 9.8.1893.
Decisão: Concedida a ordem de soltura em favor dos detidos, por maioria

Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui, Obras Completas de Rui Barbosa, RJ, v.


XX, 1893, t. V, MEC, 1958, p. 291.
Revista O Direito, v. 62/86-88.

Código Penal da Armada. Caso do navio "Júpiter'' - HC 410

É impetrada ordem de habeas corpus por Rui Barbosa, em favor de Mário


Aurélio da Silveira, isoladamente, Imediato do Vapor Júpiter, civil, preso por ordem
do Marechal Floriano Peixoto, juntamente com todos os passageiros e tripulantes,
quando o navio foi capturado por militares, e remetido para a Fortaleza da Ilha de
Cobras. Não figurou na lista de pacientes do Habeas Corpus no 406 por falta de infor-
mação a seu respeito naquela ocasião.
A argüição de ilegalidade da prisão é a mesma produzida na petição do citado
habeas corpus.

Relator: Ministro José Hygino.


Data do julgamento: 12.8.1893 e 16.8.1893.
Decisão: Deferida a ordem, por maioria, para ser expedida ordem de
soltura.
Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa, RJ, v.
XX, 1893, t. V, MEC, 1958, p. 297-301.
STF, Jurisprudência, 1893, p. 43-44.

Revolução Federalista - HC 415

Rui Barbosa impetra ordem de habeas corpus em favor do Senador Almirante


Eduardo Wandenkolk e outros oficiais reformados, presos por crime militar por oca-
sião da captura do navio a vapor "Júpiter", e retidos nas Fortalezas de Santa Cruz,
Lage e Villegaignon. Wandenkolk teria assumido o comando do navio, no litoral ao
sul do Brasil, com a conivência de oficiais e tripulantes, em tentativa de conspiração
contra o governo, reforçando objetivos da Revolução Federalista, iniciada no Rio
Grande do Sul. Em petição longamente fundamentada, alega-se demora na formação
da culpa e imunidade parlamentar, quanto ao Senador, e, quanto aos demais, incompe-
tência do foro militar para julgá-los, pois se trata de reformados, devendo ser julgados
pela Justiça comum.

R. Dout. Jurísp., Bras(/ia, (62): ll -75,jan.-abr. 2000 71


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Relator: Ministro Costa Barradas.


Data do julgamento: 2.9.1893.
Decisão: Indeferido o habeas-corpus, por maioria.
Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa. RJ, v.
XX, 1893, t. V. MEC, 1958. p. 353-374.

AtE:ntado ao Presidente Prudente de Moraes - HC 1.063

Rui Barbosa impetra habeas corpus em favor do Senador João Cordeiro e ou-
tros. desterrados na Ilha de Fernando de Noronha, por crime de conspiração, em virtu-
de de decretos do Marechal Floriano Peixoto. Vice-Presidente da República. Matéria
análoga à do Habeas Corpus no 300, é alegado constrangimento ilegal por continua-
rem os pacientes desterrados após término do estado de sítio, cessados os seus efeitos.
Ao receber tropas legais que regressaram de Canudos. na Bahia. terminada a insurrei-
ção naquele local. o Presidente da República, Prudente de Moraes, sofre um atentado,
e o Ministro da Guerra, ao protegê-lo, é ferido mortalmente pelo agressor. Caracteri-
zado o fato como conspiração contra a estabilidade do Governo, é decretado estado de
sítio. no Distrito Federal e em Niterói, e aberto inquérito policial. em que os pacientes
são apontados responsáveis pelo atentado.

Relator: Ministro Bernardino Ferreira.


Data do julgamento: 5.3.1898 e 26.3.1898.
Decisão: Negada a ordem. por maioria.
Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa, RJ, v.
XXV, 1898. t. IV, MEC, 1948, p . 331-340.
STF, Jurisprudência, 1898, p . ll-16.

Atentado ao Presidente Prudente de Moraes - HC 1.073

Negada a ordem de Habeas Corpus n° 1.063, novo habeas corpus é impetrado,


pelos advogados Melo Matos, Costa Barradas (Ministro aposentado do STF) e outros,
em favor dos mesmos pacientes, para que cesse o constrangimento ilegal em que se
acham, pelo fundamento de que, desterrados por crime político, na Ilha de Fernando
de Noronha, convivem com réus de crimes comuns.

72 R. Dout. Jurisp., Brasllia, (62) : JJ-75 , jan.-abr. 2000


Doutrina

Relator: Ministro Ribeiro de Almeida.


Data do julgamento: 30.3.1898, 2.4.1898 e 16.4.1898.
Decisão: Concedida a ordem, por maioria.
Publicação do acórdão: BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa, RJ, v.
XXV, 1898, t. IV, MEC, 1948, p . 341-358.
STF, Jurisprudência, 1898, p. 18-28.

Banimento da Família Imperial - HC 1.974

Olympio Lima e outros impetram ordem de habeas corpus em favor de Gastão


de Or1eans, Conde d'Eu, sua mulher Izabel de Orleans e demais membros da ex-
dinastia brasileira de Bragança, para que cesse o constrangi~nto ilegal de que são
vítimas, por força do decreto que os baniu do território nacional, e pedem a anulação
do citado decreto, alegando que ele foi revogado pela Constituição Federal.

Relator: Ministro Alberto Torres.


Data do julgamento: 14.1.1903.
Decisão: Não conhecido do pedido.
Publicação do acórdão: Revista O Direito, v. 91, p. 424-434.

Dualidade de Assembléias Legislativas no Rio de Janeiro - HC 2.984

Formadas duas Assembléias Legislativas no Estado do Rio de Janeiro, são


proclamados dois Presidentes do Estado, que disputam entre si a legitimidade do
cargo.
Os advogados Paulino José Soares de Souza e Mario da Silveira Vianna
impetram habeas corpus em favor do Presidente da Mesa e demais membros da As-
sembléia Legislativa que proclamou Presidente do Estado o Dr. Manoel Edwiges de
Queiroz Vieira. Impedidos os pacientes de realizar sessão especial para dar posse ao
Presidente por eles reconhecido e proclamado, porque interditado o edifício das ses-
sões, em Niterói, em estado de sítio, e cercado por força federal, alegam constrangi-
mento ilegal.
Ampla discussão sobre a dualidade do Poder Legislativo Estadual.

R. Dout. Jurisp., Brasma, (62): 11-75, jan.-abr. 2000 73


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Relator: Ministro Amaro Cavalcanti.


Data do julgamento: 4.1.1911.
Decisão: Concedida a ordem de habeas corpus, por empate.
Publicação do acórdão: Revista O Direito, v. 119/477-494.

Campanha à Presidência da República - HC 4.781

Arthur Pinto da Rocha pede habeas corp~s preventivo em favor do Senador


Rui Barbosa, candidato à Presidência da República, e de correligionários políticos
ameaçados, segundo alega, por abuso de autoridades estaduais, na Bahia, em seu di-
reito de reunião e livre manifestação do pensamento. O habeas corpus é para o fim de
poderem os pacientes, sem qualquer coação, reunir-se em ruas, praças públicas, tea-
tros ou quaisquer recintos em conúcios em prol da candidatura de Rui.

Relator: Ministro Edmundo Lins.


Data do julgamento: 5.4.1919.
Decisão: Concedida a ordem, unanimemente.
Publicação do acórdão: Revista Forense, v. XXXI/2112-216.

Maria Prestes ou Olga Benárlo - HC 26.155

Em favor de Maria Prestes ou Olga Benário, o advogado Heitor Lima pede


habeas corpus, sendo autoridade coatora o Ministro da Justiça. Presa como estrangeí-
ra perniciosa à ordem pública, a fim de ser expulsa do território nacional, o habeas
corpus é para que seja julgada por crimes cometidos no Brasil, alegando-se gravidez
da paciente.

Relator: Mínistro Bento de Faria.


Data do julgamento: 17.6.1936.
Decisão: Não conhecido do pedido.
Publicação do acórdão: Revistá jurisprudência, v. XXX/252/253.

19. CONCLUSÃO

Hodiemamente o Habeas Corpus é realmente usado como verdadeíro remédio


constitucional, pois mesmo nos casos em que, em tese, não seria posslvel, não são

74 R. Dour. Jurisp., Brasília, (62): 11-75, jan.-abr. 2000


Doutrina

raros os casos em que são impetrados. Como exemplo, podemos citar habeas corpus
para progressão de regime prisional, habeas corpus objetivando trancamento de ação
penal.
VImos que, o habeas corpus tomou-se o meio mais popular de coibir viola-
ções aos direitos básicos do cidadão. Apesar de sua estreita via, seu uso alargou-se no
meio jurídico brasileiro.
Isso ocorreu, principalmente pela facilidade encontrada na impetração da or-
dem. Não se exigindo para tal nenhuma habilitação técnico-profissional.
Com tais características, percebemos o valor do writ no nosso ordenamento
jurídico, apresentando-se, em alguns casos como a verdadeira tábua de salvação, no
saneamento de arbitrariedades cometidas, principalmente contra os menos abastados.

BIBLIOGRAFIA

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MIRABETE, Julio Fabbrini, C6digo de Processo Penal Interpretado. 5• ed. Editora


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R. Dout. Jurisp .• Bras(iia, (62): 11-75, jan.-abr. 2000 75

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