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CAMPINAS
2013
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
___________________________________
CAMPINAS
2013
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Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350
1. Música brasileira - Século XXI. 2. Violão. 3. Música para violão - Século XXI.
I. Garcia, Denise Hortência Lopes,1955-. II. Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Artes. III. Título.
Título em outro idioma: Extended technique guitar: overview, concept and case study in works
for guitar in Brazil by Edino Krieger, Arthur Kampela and Chico Mello
Palavras-chave em inglês:
Brazilian music - Twenty-first century
Guitar
Guitar music - Twenty-first century
Área de concentração: Processos criativos
Titulação: Doutor em Música
Banca examinadora:
Denise Hortência Lopes Garcia [Orientador]
Jônatas Manzolli
José Augusto Mannis
Gilson Uehara Gimenes Antunes
Teresinha Rodrigues Prada Soares
Data de defesa: 09-12-2013
Programa de Pós-Graduação: Música
iv
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
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1. Título
2. Resumo
O trabalho investiga as obras para violão dos compositores Edino Krieger (1928)
(Ritmata, 1974 para violão solo), Chico Mello (1958) (Do Lado Do Dedo, 1987 para violão
solo e Dança para quatro violões, 1986) e Arthur Kampela (1960) (Percussion Study 1,1991-
93, para violão solo) visando criar um guia de interpretação e escrita da técnica expandida no
Brasil. As obras perpassam um âmbito produtivo dos compositores que se estende de 1974 a
1994. Investigaram-se conceitos e tendências em visão panorâmica da técnica expandida de
maneira histórica nacional e internacional. Tal investigação teve como objetivo a abordagem
das características complexas do ponto de vista rítmico-percussivo e timbrístico.
Procedimentos articulatórios variáveis da execução do violonista implicam aprimoramento e
enriquecimento da qualidade estética do repertório. Esses procedimentos consistem em
processos criativos de viabilização acústica e adequação mecânica, suportes instrumentais e
materiais para melhor clareza e exequibilidade nas obras. Elencou-se e categorizou-se cada
possibilidade sonora expandida encontrada nessas obras.
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1. Title
2. Abstract
The thesis investigates the works of composers Edino Krieger (1928) (Ritmata 1974 for solo
guitar), Chico Mello (1958) (Do Lado do Dedo, 1987 for solo guitar and Dança for Guitar
Quartet, 1986) and Arthur Kampela (1960) (Percussion Study 1.1991-93, for solo guitar)
aiming to create a guide to interpreting and writing extended technique in Brazil. The works
permeate the productive time by the composers that extends from 1974 to 1994. It
investigated concepts and trends in technical overview of the expanded national and
international historical way. Such investigation was aimed at addressing the complex features
in terms of timbre and rhythmic- percussive procedures. Articulatory variables procedures
(diversified plucking, tapping and percussive procedures) implementing by the guitarists imply
improvement and enrichment of the quality of the aesthetic repertoire. These procedures
consist of creative processes viability acoustic and mechanical fit, instrumental support and
materials for clarity and feasibility in the works. Every extended sound found in these works
was listed and categorized.
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS
1. INTRODUÇÃO 1
2. O PAPEL DO VIOLÃO COMO PROTAGONISTA DE EXPERIMENTAÇÕES 14
NO SÉCULO XX
2.1 CONTEXTO INTERNACIONAL 14
2.1.1 O uso do violão na instrumentação do repertório de câmara da primeira 22
metade do século XX: Manuel de Falla, Igor Stravinsky, Anton Webern,
Arnold Schönberg
2.1.2 Álvaro Company, Festivais de Varsóvia e Wlodzimierz Kotonski 30
2.1.3 Leo Brouwer 44
2.1.4 Seis exemplos estandarte do repertório do violão 53
2.1.4.1 Sonata op 47 (Alberto Ginastera) 53
2.1.4.2 Sequenza XI (Luciano Berio) 56
2.1.4.3 L`Aube du dernier jour (Francis Kleynjans) 59
2.1.4.4 Koyunbaba (Carlo Domeniconi) 63
2.1.4.5 Kurze Schatten II (Brian Ferneyhough) 66
2.1.4.6 Changes (Elliot Carter) 68
2.2 CONTEXTO BRASILEIRO 71
2.2.1 Heitor Villa-Lobos 74
3. 3 A TÉCNICA EXPANDIDA NAS OBRAS DE EDINO KRIEGER, ARTHUR 87
KAMPELA E CHICO MELLO
3.1 EDINO KRIEGER 87
3.2 ARTHUR KAMPELA 95
3.3 CHICO MELLO 114
4. PROCEDIMENTOS ARTICULATÓRIOS NO VIOLÃO: DO MODO 123
TRADICIONAL À TÉCNICA EXPANDIDA
4.1 TÉCNICA EXPANDIDA 123
4.1.1 Conceito 123
xi
4.2 MÉTODOS DE PRODUÇÃO DO SOM: MODOS TRADICIONAIS DE 124
REPRODUÇÃO E PERFORMANCE
4.3 MÉTODOS DE PRODUÇÃO (EXCITAÇÃO) DO SOM: MODOS NÃO- 135
TRADICIONAIS DE REPRODUÇÃO E PERFORMANCE, UTILIZADOS NAS
OBRAS DE KRIEGER, MELLO E KAMPELA.
4.4 QUADRO DE SONORIDADES UTILIZADAS NAS OBRAS ABORDADAS 154
4.5 QUADRO GERAL TÉCNICAS EXPANDIDAS E RECURSOS SONOROS 155
4.6 QUADRO GERAL DE MODOS DE TOCAR DE TODAS AS OBRAS 157
ABORDADAS
5. PROCESSO DE CRIAÇÃO - COMPO 2010 – MARIO DA SILVA 162
5.1 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES 163
6. INTRUMENTO, CORPO E PERFORMANCE 168
6.1 TRAJETÓRIA PESSOAL 169
7. CONCLUSÃO 176
REFERÊNCIAS 181
ANEXOS 197
I Anexo 1 Partituras dos compositores abordados 198
II Anexo 2 Compilação da entrevista com o compositor Edino Krieger 261
III Anexo 3 Corpo Performance Teatro 269
IV Anexo 4 Anatomia humana para o timbre 279
V Anexo 5 Timbre e Descrição do Som 281
xii
Dedico esse trabalho a
Nilcea Maria Campos da Silva (mãe)
xiii
xiv
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora Dra. Denise Hortência Lopes Garcia pelo carinho do fim ao
começo de tudo.
Nilcea Maria Campos da Silva minha mãe que me ensinou tudo me fazendo observar as
coisas.
Meus familiares Julie Hellen Weingartner (enteada), Guilherme Campos e Roberta Campos
(irmãos), Karina Gineste grande pianista e cunhada, Julio Campos e Elias Campos, meus
tios da minha idade. Leticia, Gabriela, Gabriel e Ana Vitória (sobrinhos)
À Unicamp (Dr. Jônatas Manzolli, Dr. José Augusto Mannis, Dr. Silvio Ferraz, Dr. Claudiney
Carrasco, Joice e Letícia)
Aos colegas da Unespar/Embap: Maria José Justino (Diretora), Orlando Fraga, Luiz Claudio
Ribas Ferreira, Eloi Magalhães, João José Felix Pereira, Fernando Aguera e Fabio Poletto.
Agradecimento àqueles que contribuíram de longe (porém bem perto) Nicholas Ciraldo
(Universidade do Mississipi, EUA), Michael Newman, Laura Oltman (Mannes College, New
York Guitar Seminar), Dr. Roberto Capochi (New Mexico Highlands University, EUA), Rodolfo
Caesar (UFRJ), Stefano Candito (Paris, fotografias), Fernado Aguera, André Abujamra,
Melina Mulazani, Nenem Krieger, Turíbio Santos, Letícia Teixeira, Mônica Pimenta e Angel
Vianna (FAV).
xv
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LISTA DE FIGURAS
xvii
Figura 46. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube 62
Figura 47. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube ostinatos 62
Figura 48. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc-53-54 62
Figura 49. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 67-70 63
Figura 50. DOMENICONI, Carlo. Koyunbaba 64
Figura 51. DOMENICONI, Carlo. Koyunbaba nota final explicativa 65
Figura 52: FERNEYHOUGH, B. Kurze Schatten II 67
Figura 53. CARTER, E. Changes 68
Figura 54. CARTER, E. Changes c 3-5 69
Figura 55. Viola que tocava os pretos. 71
Figura 56. VILLA-LOBOS, Heitor. Suite Popular Brasileira-Chorinho 76
Figura 57. VILLA-LOBOS, Heitor. Preludio 2 77
Figura 58. VILLA-LOBOS, Heitor. Choro no 1 77
Figura 59. VILLA-LOBOS, Heitor. Choro no 1 77
Figura 60. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 78
Figura 61. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 78
Figura 62. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 8 79
Figura 63. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 8 79
Figura 64. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 12 80
Figura 65. VILLA-LOBOS, Heitor. Distribuição de Flores 82
Figura 66. Bi-tom 83
Figura 67. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 manuscrito fornecido pelo MVL 84
Figura 68. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 Max Eschig 84
Figura 69. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 Edição Nelson 84
Figura 70. KRIEGER, Edino. Ritmata 89
Figura 71. KRIEGER, Edino. Ritmata manuscrito 90
Figura 72. KRIEGER, Edino. Ritmata digitalizada pelo autor 90
Figura 73. KRIEGER, Edino. Ritmata 91
Figura 74. KRIEGER, Edino. Ritmata 91
Figura 75. KRIEGER, Edino. Ritmata 91
Figura 76. KRIEGER, Edino. Concerto para 2 Violões e Cordas 93
Figura 77. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 2 96
Figura 78. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 97
Figura 79. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 98
Figura 80. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 99
Figura 81. KAMPELA, Arthur. Gráfico de ocorrências 102
Figura 82. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 103
Figura 83. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 103
Figura 84. TARREGA, Francisco. Recuerdos de La Alhambra 104
Figura 85. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 1 Manuscrito 104
Figura 86. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 105
Figura 87. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 106
Figura 88. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 106
Figura 89. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 112
Figura 90. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 2 113
Figura 91. MELLO, Chico. Entre Cadeiras 116
Figura 92. MELLO, Chico. Entre Cadeiras 117
Figura 93. MELLO, Chico. Dança 118
xviii
Figura 94. MELLO, Chico. Dança 119
Figura 95. MELLO, Chico. Do Lado Do Dedo 120
Figura 96. Mão Direita (MD) e Mão Esquerda (ME) 124
Figura 97. Comparativo de notas do violão com o piano 125
Figura 98. Villa-Lobos, exemplo Preludio 5 para acordes fechados 126
Figura 99. Villa-Lobos, exemplo Estudo 5 para polifonias 126
Figura 100. Possibilidade de tessitura 127
Figura 101. Possibilidades e diversidades tímbricas de uma única nota ao violão 128
Figura 102. BRINDLE, Reginald Smith Guitarcosmos 1, Estudo 1 (1979) 131
Figura 103. CARLEVARO, Abel. Preludio Americano 1 Indicações do autor 132
Figura 104. VILLA-LOBOS, H. Preludio 1 132
Figura 105. VILLA-LOBOS, H. Estudo 7 133
Figura 106. Figura. Ligado ascendente e Ligado descendente 136
Figura 107. Ligado ascendente e Ligado descendente em Villa-Lobos e Brouwer 136
Figura 108. Bi-Tom. KRIEGER, Edino. Ritmata cc-1 138
Figura 109. Bi-Tom. Execução. 138
Figura 110. Percussão Tampo e Cordas KRIEGER, Edino. Ritmata cc-43-44 139
Figura 111. Percussão Tampo e Cordas. Execução 139
Figura 112. Percussão com deslisamento da MD. KRIEGER, Edino. Ritmata cc-46-49 140
Figura 113. Percussão com deslisamento da MD. Execução 140
Figura 114. MELLO, C. Do Lado do Dedo cc 3 141
Figura 115. MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 141
Figura 116. MELLO, C. Do Lado do Dedo cc 15 142
Figura 117. MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 142
Figura 118. MELLO, C. Do Lado do Dedo. 143
Figura 119 MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 143
Figura 120 MELLO, C. Do Lado do Dedo cc 50 144
Figura 121. MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 144
Figura 122. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 46-48 145
Figura 123. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1. Modo de Tocar 145
Figura 124. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 35 146
Figura 125. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 146
Figura 126. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 53 147
Figura 127. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 147
Figura 128. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 82 148
Figura 129. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 148
Figura 130. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 76 149
Figura 131. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 149
Figura 132. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Final 150
Figura 133. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 152
Figura 134. GINASTERA, Alberto. Sonata op.47 155
Figura 135. GINASTERA, Alberto. Sonata op.47.execução 156
Figura 136. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 163
Figura 137. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 164
Figura 138. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 164
Figura 139. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 165
Figura 140. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 165
Figura 141. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo. Harmônicos com o nariz. 166
xix
xx
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
xxi
xxii
LISTA DE ABREVIATURAS
asc. ascendente
desc. descendente
cresc. crescendo
decresc. decrescendo
T Técnica Tradicional
S Técnica Estendida
E Técnica Expandida
MD Mão Direita
ME Mão Esquerda
p polegar MD
i indicador MD
m médio MD
a anular MD
1 indicador ME
2 médio ME
3 anular ME
4 mindinho ME
t1 toque um, natural
t2 toque dois, com apoio
t3 toque três, com amplo
t4 toque quatro, com apoio amplo
t5 toque cinco, metálico
MVL Museu Villa-Lobos
xxiii
xxiv
1 INTRODUÇÃO
1
SILVA, Mário da. CD NOVA MÚSICA BRASILEIRA, Sonopress, Independente, 1997. Concerto “Edino Krieger 70
Anos”, produção Funarte, regido pelo próprio compositor com Orquestra de Câmara de Curitiba, novembro de
1998; Concerto “VI Simpósio Acadêmico de Violão da Embap”, com Orquestra Sinfônica da Embap, novembro de
2012.
1
surgimento de obras experimentais, consequentemente, de obras com técnica expandida. Uma
delas foi a aproximação de intérpretes com compositores de destaque contemporâneos e
autóctones. Na Europa violonistas tais como Julian Bream e John Williams proporcionaram o
surgimento de obras, que segundo alguns analistas, foram responsáveis pelo ressurgimento da
música britânica despontando nomes como William Walton, Malcolm Arnold, Benjamin Britten e
Lennox Berkeley. O segundo aspecto do século XX, e que está vinculado a tese com Chico
Mello e Arthur Kampela, é o retorno ao interesse pela composição por parte de violonistas
consagrados. Tal atitude acontecia no final do século XIX e começo do XX. Abordaremos aqui o
fato de muitos violonistas consagrados terem adquirido conhecimentos dos procedimentos
composicionais fazendo surgir obras com desenvolvimentos mais extensos e complexos. No
entanto percebemos que a experiência no âmbito da interpretação, e por alguns deles
interpretarem obras arrojadas do século XX, proporcionou nas suas composições uma síntese
dos conhecimentos composicionais e de padrões virtuosísticos do instrumento.
No Sub-Capítulo 2.2 Contexto Brasileiro, iremos expor que a contribuição
determinante do violonista Turíbio Santos proporcionou avanços consideráveis para o
surgimento de obras com possibilidade de técnicas expandidas. Assim como ocorreu com
Julian Bream (1933) e John Williams (1941), além de várias parcerias ao redor do mundo as
quais não comentaremos neste texto, pois estenderia demasiado esse trabalho, também no
Brasil houve semelhante atitude por parte de violonistas renomados. Na década de 1960
quando residia em Paris, Turíbio Santos firmou um importante contrato com a Editora Max
Eschig, a mesma responsável pelas edições de Villa-Lobos, criando um departamento somente
com edições de autores brasileiros para violão. Essas edições viabilizaram a produção e
gravação de obras pontuais de uma geração de compositores pós-Villa-Lobos. Entre eles
Cláudio Santoro, Edino Krieger, Ricardo Tacuchian, Francisco Mignone, Almeida Prado,
Radamés Gnattali, Nicanor Teixeira, dentre outros. Grande parte dessa produção foi dedicada a
Turíbio Santos. A ponte existente entre Turíbio Santos e a técnica expandida para violão no
Brasil se dá obviamente pelo seu contato com esses compositores, atuantes de sua época. Já
havia uma familiaridade com inovações no violão por parte de Turíbio Santos, visto que em
1962 ele foi o primeiro violonista brasileiro a interpretar em recital os 12 Estudos de Villa-Lobos
e também o responsável pela estreia do Sexteto Místico em 1963. Em 1976 grava a Ritmata de
Edino Krieger pela Erato e em 1982, obras latino-americanas no qual gravou a obra Elogio de
2
La Danza de Leo Brouwer, todos os discos pela Collection promovida pelo selo Erato2.
Embora saibamos da existência de outros intérpretes importantíssimos no Brasil na
segunda metade da década de 1950, consideramos adicionar e relatar a importância de Turíbio
Santos em função de uma das obras, objeto deste estudo, ser dedicada a este intérprete. As
técnicas utilizadas por Krieger na Ritmata são amplamente motivadas por Turíbio Santos que
concordou com o desafio da execução de obra tão complexa. Violonistas brasileiros
contemporâneos a Santos estavam em plena atividade como o Duo Abreu (formado pelos
irmãos Sérgio e Eduardo Abreu), Jodacil Damaceno e Henrique Pinto, que mais se dedicavam a
pedagogia, Darci Vila Verde, Antonio Carlos Barbosa Lima 3 , Dagoberto Linhares, Edelton
Gloeden4, dentre muitas personalidades importantes. Salvo raríssimas exceções, como a de
Barbosa Lima e Edelton Gloeden, tais violonistas se preocupavam mais com o repertório
consagrado internacional de violão solo e concertos com orquestra. Por sua vez, Turíbio
Santos, observava o interesse do público e crítica europeus para com a produção musical
brasileira tanto interpretativa quanto composicional. Consequentemente tal percepção fez com
que houvesse a motivação e acordo em realizar o segmento de produção de partituras com
obras brasileiras dentro da Editora Max Eschig em Paris.
No final do Sub-Capítulo 2.2 Contexto Brasileiro, iremos constatar que a geração de
compositores pós-Villa-Lobos iniciaria uma pesquisa muito substancial propondo novas
possibilidades sonoras. Essa geração, na qual incluimos Krieger, Kampela e Mello, realizou
uma produção consideravelmente volumosa, de diversificações estéticas e de formações
instrumentais variadas como violão solo, duos, trios, quartetos, bem como com instrumentos
diversos e concertos com orquestra. O comissionamento chegou a resultar em iniciativas
diferenciadas de instituições. No sentido de promover a busca por novas sonoridades houve a
produção do I Concurso Nacional de Composição pela Editora Irmãos Vitale (Biênio 1978/1979)
com apoio da Funarte. Esse concurso contemplou as obras Repentes de Pedro Cameron, Suíte
quadrada de Nestor de Hollanda Cavalcanti e Divagações poéticas (Verdades) de Marcio
Côrtes. Tal iniciativa de realizar um concurso nessa envergadura buscou atender à expectativa
2
A Collection com Turíbio Santos (ERATO) contou na sua totalidade com trinta e três números. A primeira
publicação ocorreu em 1972 e a última em 1993. (FARIA, p.32-33)
3
Barbosa Lima contribuiu para o violão contemporâneo de forma decisiva, pois estreou a Sonata op.47 (1976) de
Alberto Ginastera, recebendo a dedicatória do próprio compositor)
4
Em 1978 ele pertenceu ao Núcleo Instrumental do Grupo Música Nova nos Festival de Música Nova de Santos,
nos quais participou de 1977 a 1989. Lattes acesso em 1 de janeiro de 2014.
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4744907E1
3
da banca e dos patrocinadores no que diz respeito, sobretudo, à presença de influxos da
música europeia contemporânea. Público e crítica naquela situação política brasileira estariam
“ávidos pela possibilidade de acessar um repertório escrito por compositores brasileiros eruditos
[...], na qual a sonoridade do instrumento está associada à praticada na música folclórica ou
popular” (VETROMILLA).
Nossa investigação não está relacionada a determinâncias epistemológicas de
conteúdos sociopolíticos, porém, no decorrer da análise desse concurso, além da evidência que
tal evento visou motivar a produção brasileira, constatou-se que o incentivo à aproximação de
paradigmas eruropeus resultou em algumas pesquisas ligadas a técnica expandida. Resultante
disto foi a obra Divagações poéticas (Verdades) de Marcio Côrtes, com forte apelo
experimental, na qual “há uma vasta utilização de harmônicos naturais, percussão sobre o
tampo, trêmulos, rasgueios e glissandos” (RODRIGUES, 2011). O que pode se criticar em
VETROMILLA, seria a afirmativa de caráter muito duvidoso dizendo respeito à avidez de um
formato europeu que escapasse os paradigmas da prática do violão popular.
Portanto, ao longo de nossa investigação, fomos percebendo que nossa hipótese
principal era, justamente, esses paradigmas da música popular, fornecedores de sonoridades
novas e ingredientes de escape do formalismo e da hegemonia europeia. Muitos compositores
brasileiros pós Villa-Lobos souberam subliminarmente escapar desse formalismo hegemônico
usando o violão em suas obras. Não encontramos na literatura para violão abordagens
reflexivas sobre essas origens que se transformaram em ações afirmativas do instrumento,
marginalizado pela cultura da música tradicional europeia em atividade no Brasil na primeira
metade do século XX.
Em virtude da escassez de literatura para o assunto, nossa busca por informações foi
debruçada em trabalhos acadêmicos de pós-graduação, mestrado e doutorado no Brasil e
exterior. Encontramos trabalhos acadêmicos que consideravam o tema técnica expandida
dentro de pesquisas musicológicas, analíticas e histórico-biográficas relacionados à música
contemporânea para violão. Nossa filtragem engloba desde a tese de MARRIOT (1984), a
primeira dissertação de mestrado defendida no Brasil tendo como assunto o violão (REGHINI,
1991), até SANTOS DE SOUZA (2013). A maioria deles tratou de um compositor em questão,
abordando determinadas obras pontuais e estandartes do repertório violonístico. Tais pesquisas
objetivaram roteirizar de forma descritiva a preparação de obras específicas desses
compositores, além de suporte para compositores que gostariam de compor ao instrumento,
4
mas que não possuíam um tratado instrumental de localização de notas e possibilidades
melódicas, rítmicas, timbrísticas e polifônicas do instrumento.
Boa parte desses trabalhos acadêmicos abordaram, completa ou parcialmente, os
compositores objeto dessa tese. Edino Krieger por RODRIGUES (2012), BARBOZA (2010),
EGG (2000), SILVA JR (2002), KREUTZ (2012), TEIXEIRA NETO (1996); Chico Mello por
SILVA JR (2002), TEIXEIRA NETO (1996), LAURA MELLO (2001); e Arthur Kampela por
ADOUR (1999), BORTZ (2009), CURY (2006), SILVA JR (2002), TEIXEIRA NETO (1996).
No caso de Ritmata de Edino Krieger, após a leitura de trabalhos já realizados, nos
deparamos com o seguinte status quaestionis. RODRIGUES discute as influências que o
compositor Edino Krieger obteve do violonista Turíbio Santos para a criação da obra Ritmata, o
que iremos abordar também no Sub-Capítulo 3.1 Edino Krieger. Havia uma conexão entre os
dois para elaborar uma obra nova, buscando, porém, um equilíbrio entre as possibilidades de
exequibilidade e o fato novo. Edino Krieger iniciou estudos de violão para o reconhecimento de
processos técnicos tradicionais tais como possibilidade de acordes, polifonia aceitável a duas,
três e quatro vozes, passagens arpegiais e efeitos sonoros tradicionais como ligados e
trêmulos. Ainda em RODRIGUES há uma boa investigação comparativa entre o manuscrito e a
obra editada, e uma boa arguição em relação a acordes percutidos que foram suprimidos da
peça a pedido de Turíbio Santos, o que trouxe diversos questionamentos. Haveria fluência
performática nos trechos de percussão de acordes? A peça alcançaria uma popularidade dentre
violonistas e públicos caso não as houvesse suprimido? Porém o que RODRIGUES não discute
são as qualidades e diferenciações que as percussões inseridas por Krieger possuem. Iremos
discutir que essas estruturas de técnicas expandidas se transformaram em elementos temáticos
e desenvolvidos durante a obra.
EGG realiza boa investigação descritiva e analítica em Ritmata de Krieger, colocando
a obra como divisor de águas de compositores estigmatizados e influenciados pelo romantismo
e neoclassicismo no Brasil. Ele atribui tal importância ao fato da obra utilizar-se de pesquisas da
música experimental dos anos 60 e chega a mencionar a percussão e efeitos. Porém não se
aprofunda no tema que aqui será investigado. Além do mais EGG irá classificar Villa-Lobos
naquela gaveta neoclássica e romântica. No entanto, percebemos que este compositor
brasileiro se permitiu subliminarmente em alguns momentos usar potenciais sonoros do violão.
Tal discussão estará no Sub-Capítulo 2.2.1. Heitor Villa-Lobos.
5
BARBOSA talvez seja a investigação mais aprofundada no campo historicista sobre a
Ritmata de Edino Kriger. Ele afirma que a obra constitui uma linguagem ligada aos conceitos de
vanguarda, transpondo as barreiras do nacionalismo encontrado largamente na literatura para
violão brasileiro de concerto. Porém, como era de se esperar, as investigações historicistas
deixaram de lado os detalhamentos técnicos de execução que possibilitam um melhor resultado
quando emprega-se técnica expandida na performance.
Na minha investigação, SILVA JR (2002), passei levemente sobre a obra, pois estava
também focalizando a dissertação em um contexto historicista brasileiro e paranaense bem
como de catalogação das obras naquele momento. Essa investigação atual, me dá
oportunidade para aprofundar especificamente nas técnicas expandidas utilizadas. Ocorreu com
TEIXEIRA NETO também catalogar e discorrer historicamente, só que sua investigação
concentrava a produção do Espírito Santo para violão. Tal constatação vale aqui também para
os outros dois compositores investigados: Chico Mello e Arthur Kampela.
KREUTZ (2012) aborda o idiomatismo do instrumento tornando-se a pesquisa que
mais se assemelha a este trabalho proposto. Porém, em virtude da sua pesquisa ter sido
iniciada em 2012, há uma simultaneidade no tema proposto. Observamos que esta ocorrência é
comum no ambiente da música contemporânea por tratar e desenvolver assuntos que estão
abordando produções criadas agora. Isto irá ocorrer também com a dissertação de mestrado de
Daniel MURRAY.
No caso Chico Mello, após a leitura de trabalhos já realizados, nos deparamos com o
seguinte status quaestionis. Além das mesmas considerações abordadas em meu trabalho,
SILVA JR (2002), e TEIXEIRA NETO, vimos que LAURA MELLO (2001) irá investigar o
processo composicional de Chico Mello, comparando procedimentos literários de Julio Cortázar
em o Jogo da Amarelinha e a obra de Chico Mello em Amarelinha. Embora LAURA MELLO não
investigue as obras para violão, nos deixa passos para um entendimento da obra de Chico
Mello. Ela cita o compositor com intimidade (como sobrinha dele): “Não adianta escrever um
texto: o texto tem que me levar ao som que tem que me levar à imagem e de volta ao som e de
volta ao texto que procura abrir espaço entre os clichês da performance moderna”. Mesmo não
dizendo respeito às obras para violão, o pensamento não linear de Chico Mello, citado por
Laura Mello nos dará possibilidades de investigação na sua pequena produção para este
instrumento e iremos desenvolver essas subjetividades no Sub-Capítulo 3.3 Chico Mello.
6
No caso Arthur Kampela, após a leitura de trabalhos já realizados, nos deparamos
com o seguinte status quaestionis. Minhas considerações e de TEIXEIRA NETO abordavam
análises descritivas da obra de Kampela. No caso de BORTZ e CURY, veremos uma
investigação aprofundada e concentrada no fator do desenvolvimento rítmico. As quiálteras
aninhadas e sobrepostas pretendem ampliar o nível da escuta e dialogam com a dilatação e
modulação temporal desenvolvida por Carter. A complexidade rítmica empregada por Kampela
cria desafios na preparação fora do universo instrumental. Muitas vezes (isto já foi experiência
minha), quando estamos no estágio de preparação rítmica da obra, poucas vezes trabalhamos
no instrumento. Isto se dá porque a complexidade rítmica, da ação do som no tempo, na
maioria das vezes é muito maior do que a complexidade técnico-instrumental, mesmo que esta
seja uma técnica expandida, não convencional do dedo de ME pressionando a nota e da MD
dedilhando, pinçando num ponto da corda tradicionalmente usual. Portanto, mesmo nos sendo
úteis, nos ajudando no entendimento e preparação do ponto de vista rítmico, tais investigações
nesses trabalhos, não nos possibilitam um aprofundamento das variadas excitações da
produção sonora do violão, o que veremos no Sub-Capítulo 3.2 Arthur Kampela.
O livro de John Schneider serviu como escopo para o Sub-Capítulo 2.1,
Contextualização Internacional do violão no século XX. Esse documento preencheu a lacuna de
informações mais pormenorizadas de compositores e estilos musicais que estavam sendo
empregados, principalmente, a partir do pós-Guerra. Porém, Schneider deteve-se aos aspectos
físico-acústicos do instrumento e toda a investigação que houve em relação ao timbre, o que
coube como uma luva para as diversificações sonoras que o violão proporcionava. Ele irá
organizar progressivamente um compêndio sobre a produção sonora do violão analizando as
localizações possíveis de excitação sonora. Porém, nos faltou nesse livro a figura do intérprete,
o agente que irá produzir essas excitações, as novas técnicas que iriam produzir esses sons e
efeitos diferenciados. Optamos por deixar no Anexo 4 Timbre e Descrição do Som, parte das
pesquisas e análises laboratoriais criadas por Schneider por acharmos um bom documento de
averiguação.
Ainda na observância dos trabalhos acadêmicos relacionados ao violão, gostaríamos
de mencionar que, como o aspecto investigado neste trabalho serão as sonoridades
expandidas, não caberá nesta contextualização assuntos relacionados à trajetória do violão no
século XX abordando a música tradicional e histórica de concerto, bem como o repertório
tradicional no referido século. Tal assunto foi abordado profundamente em diversos estudos que
7
pesquisaram e analisaram a participação do instrumento seja no âmbito da interpretação,
composição e análise em níveis da música solo, de câmara e concertos com orquestra.
Todavia, será importante perpassar esses acontecimentos históricos, filtrando e focalizando na
produção indícios de utilização desta técnica na qual o trabalho irá se debruçar.
Trabalhos acadêmicos e referências, tais como PRADA (2008), MARRIOT (1984)
trataram do assunto no âmbito historicista e buscaram mapear as opções pela vanguarda por
um dos expoentes mundiais do violão contemporâneo, o cubano Leo Brouwer (1939), que se
utilizou da técnica expandida em diversas de suas obras. Através dessas pesquisas, foi
possível constatar que Brouwer frequentou os festivais de Varsóvia na década de 1960,
modificando suas direções composicionais radicalmente e foi um dos pioneiros da técnica
expandida obtendo uma legião de seguidores, inclusive por brasileiros renomados. Iremos
discutir e contextualizar tais assuntos nos Sub-Capítulos 2.1.2 Álvaro Company, Festivais de
Varsóvia e Wlodzimierz Kotonski e 2.1.3 Leo Brouwer.
Recorremos a diversos trabalhos acadêmicos no Brasil e no mundo sobre o assunto,
tais como BURTNER (2011), CASTELO BRANCO (2006), COPETTI&TOKESHI (2005), COSTA
(2004), CUERVO (2009), ONOFRE E ALVES (2010), PONTES (2010), SANTOS DE SOUZA
(2013), TRAUBE (2004), RAY (2011), e constatamos que o termo extended technique tem sido
traduzido como técnicas estendidas. Sonia Ray defende o termo “estendidas” por tratar-se de
ambiguidade no entendimento entre uma técnica que seria inovadora ou uma técnica tradicional
que evoluiu. Se inovadoras por seu ineditismo na forma de execução ou no contexto em que
são executadas? (RAY, 2011). Porém, arguimos que este termo limita a intenção para utilização
em procedimentos tradicionais composicionais. Como estamos no universo de avanços
estéticos e processos criativos em que esses recursos dirão respeito a técnica composicional,
não somente de performance, preferimos utilizar o termo técnica expandida para abarcar um
universo maior de possibilidades. Simpatizamos com SANTOS DE SOUZA (2013) que
desenvolve profundamente a discussão e esclarece o termo como expansão de possibilidades
técnicas contribuindo com os pensamentos estéticos inovadores:
“Por conseguinte, pode-se concluir que “técnica expandida” é a expressão que melhor se
adéqua, neste trabalho, ao que vem sido considerado por extended technique, pois tanto
traduz o aumento das possibilidades técnicas em um instrumento musical com “técnicas
inovadoras” em busca de timbres não explorados na execução do instrumento de forma
tradicional, perceptível nos significados “dar mais superfície a, alongar, espalhar”
(presentes nos dois termos “estender” e “expandir”); quanto traduz o conceito em que as
“técnicas tradicionais” vêm se desenvolvendo e se transformam em uma nova técnica,
perceptível nos significados “para fazer crescer, desenvolver” […] SANTOS DE SOUZA
(2013 P.7).
8
Dessa forma, técnicas expandidas são aquelas usadas na área interpretativa da
música para descrever técnicas não-convencionais, não-ortodoxas e não tradicionais.
Compositores contemporâneos têm se esforçado muito para explorar novas possibilidades em
instrumentos distintos, provocando diversos avanços no sentido de novas cores instrumentais.
Entretanto, as técnicas expandidas promovem um grau de dificuldade, e às vezes extrapolam
as boas condições dos instrumentos. Em determinados casos, alguns instrumentos, tais como o
violão microtonal, são criados e construídos para atender determinada necessidade das
técnicas expandidas. Russolo afirmava: “Antigamente na vida tudo era silêncio. Com a invenção
das máquinas o ruído nasceu. Hoje, o ruído triunfa e reina soberano sobre a sensibilidade dos
homens” (RUSSOLO). Alguns desses ruídos seriam timbres oriundos da produção do universo
industrial, transpostos para a sala de concerto e produzidos por músicos de formação
tradicional. Um dos exemplos de ruído sarcástico com conteúdo político usando a técnica
expandida é o caso do Beba Coca-Cola, para coro a capela de Gilberto Mendes, em que um
cantor lírico de formação é convidado a dar um arroto durante a obra. Neste exemplo o ruído
empregado possui o poder de dessacralizar a prática coral erudita.
Burtner afirma que “os instrumentos têm sido tocados de forma não usual para
abarcar o mundo dos ruídos, acrescentando ainda que as técnicas expandidas requerem do
performer usar o instrumento fora das normas tradicionalmente estabelecidas” (BURTNER,
2011). Consequentemente, essas normas modificam-se de acordo com as necessidades das
mudanças na composição musical e do desenvolvimento instrumental. O violão, além de
procedimentos articulatórios, pode ser alterado na sua scordatura original e também preparado
no sentido Cageano da palavra. Iremos amplamente discutir e demonstrar esses conceitos no
Capítulo 4 Procedimentos Articulatórios no Violão: do modo tradicional à técnica expandida.
Compositores e violonistas foram persuadidos a reavaliar o papel do instrumento
musical como entidade geradora do som a partir das pesquisas musicais do começo do século
XX sobre o timbre inserido nas novas tendências estéticas. O timbre poderia ser um elemento
primordial para a estrutura musical. Isso fez com que a técnica e o vocabulário desse
instrumento ultrapassassem a fronteira do tradicional expandindo-se consideravelmente ao
campo do experimental. A procura por uma escala ou hierarquia de timbre análogas à escala de
alturas, ruídos e duração criou uma fascinação aos compositores os quais deram ao timbre a
possibilidade de uma nova representatividade, principalmente daqueles mais experimentalistas
do século XX. Arnold Schönberg começou a explorar o timbre e seu exemplo mais famoso foi o
9
movimento “Farben” da obra Five Pieces for Orchestra (1909), na qual mudanças orquestrais
sutis transcorrem no movimento. Isto foi o começo do que Schönberg intitulou
Klangfarbenmelodie (melodia de cores do tom), que ele discute no seu livro Harmonia.
Schönberg afirma que se criarmos estruturas com o timbre ele poderá ser usado em outra
dimensão. O uso do violão por Schönberg na Serenata op. 24 (1923) coincidiu um período de
mudanças radicais da linguagem musical, em que se proporcionou um renovado interesse pelo
violão em peças com pesquisas sonoras mais aprofundadas. Prescreveram-se acentos e
marcas expressivas de articulações tímbricas comuns a todos os instrumentos e foi possível
perceber a exploração sonora apurada do instrumento, aproveitando ao máximo suas
possibilidades tímbricas e polifônicas.
O timbre, a dimensão apontada por Schönberg no violão, proporciona a
compensação da lacuna da limitação de dinâmica e de duração pós-ataque do instrumento, nos
mostrando e possibilitando uma diversidade de cores. Dessa diversidade, surge a pergunta: O
violão, a partir da possibilidade de realizar alterações de timbre, com certa facilidade, facilitou o
surgimento de obras com técnica expandida?
A mão direita (propulsora tradicional da emissão sonora) e mão esquerda (propulsora
não-tradicional da emissão sonora) atuam diretamente nas fontes sonoras do instrumento: a
corda (fonte tradicional da sonoridade e suas variantes de ataques tradicionais e não
tradicionais), tampo, ponte, braço, cordas próximas a cravelha (fonte não tradicional da
sonoridade). Qualquer mudança de ângulo, comportamento e ação da mão direita alterará o
timbre significativamente no violão. Em casos específicos e sinalizados pelos compositores
essas ações também ocorrem com a mão esquerda. A possibilidade e facilidade de trabalhar
em qualquer fonte sonora do violão: caixa, aros, ponte, braço, cabeça irá desafiar o intérprete
aberto para experimentações e pesquisa para exploração de sonoridades distintas. Todos os
ruídos inesperados acontecem com movimentos corporais bastante sutis. Analisando o fato,
desconsiderando se mérito ou demérito, no piano, por exemplo, há muito movimento corporal
por parte do pianista para tocar a corda do piano, tirando-o da ação contínua ou limitando certos
procedimentos da composição. No caso do violonista essa ação de alternância tímbrica pode
ser continuada.
O contexto internacional de evolução técnica, estética e social do violão, e de outros
instrumentos, logicamente estava em sintonia com a composição musical. Do lado violonístico,
didatas e intérpretes do violão que colaboraram e foram parceiros de pensamentos
10
progressistas, do outro, compositores que fizeram parte da vanguarda ocorrida no início do
Século XX, tais como De Falla, Stravinsky, Schönberg, Walton, Alban Berg e Webern, e que
utilizaram o violão em suas obras buscando, mesmo que ainda de forma incipiente, produzir
avanços e trazendo à tona seus potenciais sonoros. As obras produzidas por esses
compositores demonstram um leque curiosamente diversificado e geograficamente distante da
estética musical utilizada com violão. Isso nos proporcionou reflexões sobre a atividade
violonística daquele momento e quais sonoridades aqueles compositores estariam
interessados. Faremos um relato descritivo dessas obras no Sub-Capítulo 2.1.1 O uso do violão
na instrumentação do repertório de câmara da primeira metade do século XX: Manuel de Falla,
Igor Stravinsky, Anton Webern, Arnold Schönberg.
Constata-se que muito pouco foi tratado em relação ao que seria a válvula propulsora
do instrumento no século XX: a possibilidade de alterar a sonoridade no aspecto tímbrico de
diversas formas, hoje denominada como técnica expandida. Há inexistência, portanto,
necessidade de um guia prático de execução de técnicas expandidas para violão no Brasil, já
que houve uma produção significativa com esses recursos na produção pós Villa-Lobos. Esses
resultados serão apresentados no Capítulo 4 – Procedimentos articulatórios no violão: do modo
tradicional à técnica expandida.
Após esses questionamentos, chega-se à conclusão de que o trabalho tem como
objetivo principal a criação de um roteiro e classificação de técnicas expandidas para intérpretes
e compositores. Como complementação, levantar-se-ão e analisar-se-ão os elementos que
compõem a chamada técnica “expandida” a partir das obras escolhidas e delimitadas.
Talvez nesse universo, possamos utilizar o termo técnicas “expandidas” (extended
techniques) para aprofundamento da discussão do objeto e desenvolvê-lo além dos conceitos
estético, filosófico e político. Esse termo gerou o sub-capítulo 4.1.1 Conceito, na tese buscando
definir, redefinir e refletir, dando um panorama sobre conceitos e novos desenvolvimentos.
Também iremos investigar no decorrer do texto deste trabalho como ocorreu a
emancipação do violão, o que será principalmente abordado no Sub-Capítulo 2.2 Contexto
Brasileiro. Para podermos extrair uma amostragem de tão abrangente universo, buscamos filtrar
o repertório de compositores brasileiros que utilizaram a técnica expandida o que gerou o
Capítulo 3 A técnica expandida nas obras de Edino Krieger, Arthur Kampela e Chico Mello.
O recorte das obras escolhidas desses compositores vai de 1974 a 1994 e pertence a
uma época de enriquecedoras tendências e experimentações no Brasil. A relevância das obras
11
se justifica: pelo pioneirismo no uso da técnica expandida em Ritmata (1974) de Edino Krieger
(1928-), assim como pela qualidade estética aplicada com esses recursos pela geração
seguinte, em Do Lado do Dedo (1986) e Dança (1984) de Chico Mello (1958) e Percussion
Study 1 (1991-92) de Arthur Kampela (1960).
Verificamos duas correntes distintas nos compositores abordados. De um lado Edino
Krieger, compositor que não domina, mas que se interessou pelo instrumento, realizando
estudos de iniciação e produzindo obras inovadoras sob o comissionamento do intérprete
Turíbio Santos. Edino Krieger além de sua representatividade na música brasileira sendo um
dos integrantes do Grupo Música Viva, no início de sua carreira em Londres teve contatos com
o compositor Lennox Berkeley, uma referência do violão mundial tendo obras divulgadas pelos
intérpretes britânicos John Williams e Julian Bream. Do outro, Arthur Kampela e Chico Mello,
compositores que dominam o violão, e que tiveram razoável atividade como concertistas e que
se tornaram importantes representantes da música contemporânea brasileira atual.
Sonoridades violonísticas abordadas por esses compositores em seus estilos
próprios, são influência direta de Villa-Lobos e Leo Brouwer no que diz respeito ao violão.
Todavia também iremos comentar sobre certas influências apontadas em seus estilos e
perceberemos que a estética de Elliot Carter e Brian Ferneyhough comunicava-se com a de
Arthur Kampela, assim como Helmut Lachenmann, John Cage e Coriun Ahanorian comunicava-
se com Chico Mello.
No contexto nacional brasileiro, a figura de Heitor Villa-Lobos surge mais uma vez
como sendo pioneiro, mesmo não estando explícitas em suas obras técnicas expandidas.
Muitos dos parâmetros principalmente abordados nos seus 12 Estudos (1929), utilizados por
renomados compositores da atualidade como Leo Brouwer, farão parte da análise.
No Sub-Capítulo 2.1.4 Seis exemplos estandarte do repertório do violão, abordamos,
dentre várias outras obras, a obra Sonata de Alberto Ginastera (Sonata), resultado da prática de
comissionamento, bem como obras consagradas produzidas por violonistas/compositores tais
como Carlo Domeniconi (Koyunbaba), Francis Kleynjans (L’Aube du Dernier Jour), Luciano
Berio (Sequenza XI), Elliot Carter (Changes), Brian Ferneyhough (Kurze Schatten II).
O trabalho irá demonstrar em forma ampla e também ilustrada visualmente as
sonoridades pretendidas, as formas de escrita, procedimentos articulatórios e forma de tocar do
intérprete, organizando uma tabela com cada sonoridade, a classificação delas e uma
estatística analítica. Além dessa tabela classificar as sonoridades aplicadas nas obras objeto do
12
trabalho, resolvemos também relacionar uma tabela com a grafia e impressão sonora de todas
as técnicas das obras abordadas, nacionais e internacionais.
A pesquisa irá investigar o âmbito das escrituras instrumentais de cada compositor na
escrita idiomática do violão. Consequentemente, em relação a esse ponto de vista,
compusemos uma obra com os recursos abordados, que será abordado no Capítulo 5 Processo
de Criação: Compo2010. Iremos discorrer sobre os processos e procedimentos dessa criação,
partindo da experiência pessoal de intérprete para investigação mais ampla no campo da
performance. Isso significa que através das nossas experimentações e imersões no universo da
interpretação da composição contemporânea com técnicas expandidas, pudemos experimentar
os recursos laboratorialmente, trazendo à superfície resultados, sob o ponto de vista do
intérprete familiarizado com o instrumento e habituado a obras contemporâneas, todavia sem as
pretensões de ser compositor. Nessa experiência, introduzimos a investigação do corpo como
propulsor dessas técnicas expandidas e o corpo performance, visto que ao longo de nossa
trajetória, temos desenvolvido projetos que buscam inserir a música contemporânea em um
contexto cênico. Para isso, buscamos literatura que pudesse trazer respostas quanto a essa
questão tão distanciada dos músicos. Além do mais o fator timbre tem sido abordado de
diversas maneiras. Isto dá suporte ao que Naomy Cumming comenta sobre o som como signo
condutor. Cumming dá indícios de que o signo corpo promove uma transcendência sonora que
em suma o instrumento não comporta (CUMMING, 2000, p.) Tal ideia vem de encontro a
conceitos do corpo performático e será desenvolvida no Capítulo 6 sobre Corpo Performance
na música contemporânea.
O trabalho se estrutura com a abordagem nas contextualizações do violão em nível
internacional e nacional brasileiro no Capítulo 2 (O PAPEL DO VIOLÃO COMO
PROTAGONISTA DE EXPERIMENTAÇÕES NO SÉCULO XX), os compositores abordados e a
técnica expandida no Capítulo 3 (A TÉCNICA EXPANDIDA NAS OBRAS DE EDINO
KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E CHICO MELLO), métodos de produção do som no Capítulo
4 (PROCEDIMENTOS ARTICULATÓRIOS NO VIOLÃO: DO MODO TRADICIONAL À
TÉCNICA EXPANDIDA), composições utilizando a técnica expandida no Capítulo 5
(PROCESSO DE CRIAÇÃO: COMPO2010), o corpo como agente da técnica expandida no
Capítulo 6 (INSTRUMENTO, CORPO E PERFORMANCE) e a CONCLUSÃO no Capítulo 7.
13
2 - O PAPEL DO VIOLÃO COMO PROTAGONISTA DE EXPERIMENTAÇÕES NO SÉCULO
XX - CONTEXTO INTERNACIONAL E CONTEXTO BRASILEIRO
O objetivo deste panorama em nível internacional e brasileiro é refletir sobre quais
impulsos e interesses tiveram os primeiros compositores que utilizaram técnicas expandidas no
violão, sejam eles violonistas ou não, haja vista que em entrevistas, com alguns dos pioneiros
da técnica, observou-se que não houve uma razão objetiva sobre a inserção delas em suas
obras. Por outro lado, para aqueles que hoje usam as técnicas expandidas como materiais
principais de suas composições, como em Leo Brouwer, Chico Mello e Arthur Kampela, as
razões de utilização estão relacionadas a intimidade com a diversidade sonora oferecida pelo
instrumento, em função de suas práticas.
14
É muito significativo que dois desenvolvimentos como a inclusão da clave de sol e o
conhecimento das diferenciações tímbricas ocorreram no mesmo período da história do violão.
Provavelmente a tradição oral e a tablatura forneciam alguns procedimentos os quais
significavam ornamentações, improvisações e alternâncias sonoras e tímbricas. A tablatura, por
exemplo, era um método de grafismo para os instrumentos de cordas dedilhadas que
determinava em que corda a nota deve ser tocada. Há estudiosos no assunto tais como
TRAUBE (2004), COELHO (1997), FRANCISQUE (1600), PICCININI (1983A) e no Brasil
CORREIA DE FIGUEIREDO (2011), BUDASZ (2004), BURMESTER (2010), SCARINCI (1998).
Segundo Caroline Traube, no mundo ocidental, nunca houve uma notação padrão para timbre,
no entanto no Oriente, um sistema altamente elaborado de notação de timbres foi realizada
para o Ch'in, um alaúde chinês de 7 cordas. A fonte dessas informações é um dos primeiros
relatos escritos deste sistema de notação, o Sixteen Rules for the Tones of the Lute de Leng
Ch'ien (século XIV a.C) (TRAUBE: 2004, P.6). Leng Ch’ien já descreve uma série de diferentes
toques com nomenclaturas semânticas alusivas às sonoridades tais como liso, áspero,
profundo, vazio. Isso significa que a tablatura, ou quaisquer que fossem os sistemas de
notação para alaúde na China daquele período, indicavam o nível de especificidade dos
sistemas de cordas dedilhadas. A notação atual, em claves a partir do início do século XIX,
deixou esse universo tímbrico consideravelmente mais relativo e limitado, sendo necessário
sistemas prescritivos. Há opiniões diversas sobre se essa mudança foi vantajosa ou não. De um
lado a determinância das notas e do ritmo nas claves podem, em acordo com sua precisão,
direcionar o intérprete, de outro, a flexibilidade que as tablaturas deixavam enriquecia e
fomentava a criatividade do intérprete. Porém, no que diz respeito ao timbre, a notação atual
deixa a critério do intérprete a localização múltipla de notas (mesmas notas em cordas
diferentes). Isso flexibilizou e transferiu também ao intérprete a produção tímbrica de seus
instrumentos:
notas agudas em cordas soltas de nylon = mais metálico com grande flexibilidade de
alteração tímbrica do cavalete ao tasto, porém sem possibilidade de vibrato;
notas agudas em cordas presas de nylon = mais aveludado com menos variações
tímbricas, porém com possibilidade de vibrato;
notas graves em cordas soltas de metal = som metálico com grande flexibilidade de
alteração tímbrica e som robusto, sem possibilidade de vibrato;
15
notas graves em cordas presas de metal: mais aveludado com menos variações
tímbricas, possibilidade de vibrato.
Acreditamos que ambos são sistemas relativos de notação musical cada um com
suas características próprias. Além do mais, observamos que se perdeu muito da prática oral
(no caso do instrumento, oral e visual).
Violonistas do século XIX já buscavam outros níveis para suas expressões musicais.
Dionísio Aguado menciona imitações de instrumentos no seu Nuevo Método de 1843
(AGUADO, APUD SCHNEIDER, 1991, p.99 ) e Fernando Sor dá instruções explícitas como
técnicas de imitação da trompa, oboé, trompete, flauta e harpa no seu Méthode. Segundo ele,
“a imitação de outros instrumentos não é exclusivamente o efeito da qualidade do som. É
necessário que a passagem deva ser arranjada como na partitura do instrumento imitado”
(FERNANDO SOR, Paris, 1830, p.101). Isto deve ser assumido por instrumentistas
contemporâneos que, vendo uma passagem semelhante de uma trompa na partitura, entendam
por convenção que eles devam usar a cor apropriada. Cor é também usada para contrastes
composicionais, entretanto, não somente para imitação instrumental em determinadas
tendências musicais.
Pascual Roch na difusão da escola de seu mestre Francisco Tárrega (A Modern
Method for the Guitar: School of Tarrega), adiciona um capítulo bastante interessante com o
nome de Efeitos Artísticos e Belos do Violão (Artistic and Beautiful Effects on the Guitar). Roch
descreve imitação de sons de harpa, sinos, efeito percussivo, trombone, clarinete e oboé e
como produzi-los (ROCH, 1921, p. 45). Há ainda como imitar uma voz de taquara-rachada de
um homem ou mulher velhos, soluçando, gaguejando e um gago cantando. Não é surpresa,
portanto, descobrir que as primeiras obras que exploraram efeitos de cores são de seu mestre
Francisco Tárrega. Na sua Gran Jota de Concierto (1872), ele inseriu sons de tambora e unha
sobre o ponticello; quando transcreveu The Umbrellas (uma mazurka da zarzuela El Año
Pasado ou Água por Checa), ele contrasta efeitos de ponticello com os de trombone.
O período do final do século XIX e início do século XX foi tomado pelo
posicionamento e afirmação do instrumento no universo da música tradicional. Instrumentistas
reuniram todos os seus esforços para que pudessem competir com os espaços ocupados pelas
orquestras, pelo piano, e pelos Quartetos de Cordas. Essa oportunidade de ascese e afirmação
do violão no meio musical, vem em conjunto com a importância do timbre crescer e ser utilizado
como elemento composicional na música do século XX, especialmente depois de 1945. Isto
16
implicava reflexões estéticas mais profundas do que somente aquela possibilidade potencial em
poder executar e ser um simulacro de obras do século XIX, fazendo com que instrumentistas
tais como Andrés Segovia (violão), ocupassem um lugar semelhante ao de CIaudio Arral (piano)
e Pablo Casals (cello). Paralelamente ao repertório solo, nos últimos 50 anos cresceu o uso do
violão na música de câmara e orquestra, combinado a abordagens inovadoras de
instrumentação e performance, o que proporcionou um novo tipo de literatura para o violão.
Paralelamente, pela primeira vez na história do instrumento, grande parte das obras mais
importantes, principalmente para violão solo, veio da escrita de compositores não violonistas.
Esse fato inédito muito peculiar, foi responsável pelas grandes mudanças na complexidade e
diversidade estilística do repertório. Isso estava simultaneamente ligado à prática instrumental
violonística que se tornou mais elaborada e exigente no início do século XX. Essa mudança de
paradigma distanciou os instrumentistas da atividade da composição, e fez surgir uma nova
prática de inter-relação entre violonistas e compositores não-violonistas, o que naquele
momento transformou-se em fator indispensável e constante no desenvolvimento do repertório.
Os compositores discutiam com os instrumentistas a viabilidade de execução de
suas ideias musicais; por outro lado, os violonistas podiam propor alternativas sonoras
idiomáticas ao instrumento. O manuscrito da III Bagatela do compositor britânico William Walton
é um exemplo que mostra o resultado dessas discussões (Figuras 1 e 2):
17
Figura 2. WALTON, William. Five Bagatelles, III Alla Cubana
Fonte: Editora Oxford, 1974.
Mesmo solicitando ao violonista Julian Bream uma tabela de quais sonoridades o
violão poderia fazer, Walton ainda ficou sujeito a determinadas opiniões.
“Solicitei a Julian um mapa que me desse uma ideia do que o violão poderia soar. Eu
planejava escrever obras pequenas para Bream. Com exceção da primeira, cuja
peculiaridade é o seu início com as seis primeiras notas em cordas soltas do instrumento.
Quando ele começar, o público pensará que está se tratando de afinação e aquecimento”
5
(KENNEDY, 1989, p.)
18
tampo, não torna a obra de grandes experimentações e de vanguarda, entretanto denota-se
uma característica de ampla liberdade e disponibilidade, tanto por parte do intérprete quanto do
compositor, para inovações. Pode parecer aos olhos dos violonistas que o exemplo de Walton
não seja adequado ao objeto e assunto proposto em virtude da sua escrita simplificada do
ponto de vista organizacional. Entretanto essa escolha é proposital em virtude das 5 Bagatellas
terem significado uma pesquisa tímbrica importante para o compositor, transformadas em peças
orquestrais denominadas Varii Capricci em 1978 (Figura 3).
19
Denota-se, no campo da produção de repertório para violão, uma mudança
cartográfica na Europa a partir da segunda metade do século XX. Antes uma estética dominada
pelo gosto de padrões românticos da produção latina, liderada pelo intérprete Andrés Segovia,
e depois, uma geração pós-Segovia de violonistas que apostavam em renovação e inclusão do
violão nas novas tendências e pesquisas que estavam ocorrendo. É por isso que na Europa,
embora o impulso inicial da atividade violonística seja proveniente da Espanha, o
desenvolvimento da produção de novos repertórios se difundiu para outros países. Como
exemplos citamos Quatro Peças Breves (1937) do suíço Frank Martin (1890-1974), Três Tentos
(1960) e Royal Winter Music (Sonata on Shakespearen Characters, 1975) do alemão Hans
Werner Henze (1926-), Suite (1957) do austro-americano Ernst Krenek (1900-1991), Cavatina
(1952) do franco-polonês Alexandre Tansman (1897-1986) e Sarabande (1960) do francês
Francis Poulenc (1899-1963). Diversas dessas obras foram pensadas e dedicadas a Segovia,
porém, estavam fora de seu paladar musical as de Martin (um dos primeiros estudos atonais
para violão na Europa) e Krenek (obra sistematicamente dodecafônica). Por outro lado, a obra
de Tansman atendia ao menu preferido de Segovia. Salientamos que Henze e Krenek estavam
mais voltados com as pesquisas experimentais que estavam surgindo como as que iremos
comentar sobre os Festivais de Varsóvia, Polônia.
Na Inglaterra, dois sucessores de Segovia viriam a ser os principais difusores do
repertório violonístico britânico contemporâneo a suas épocas, os violonistas Julian Bream
(1933) e John Williams (1941). Esses dois intérpretes, para os quais grandes obras foram
dedicadas, são os responsáveis pela modificação do panorama violonístico. Por razões de
demanda, pois os dois viveram um período fértil da produção fonográfica na Inglaterra,
dedicaram-se às obras tradicionais sem precedentes. Bream especializou-se também em
alaúde e possui uma literatura que abarca praticamente todo o período elisabetano e barroco.
John Williams realizou gravações de praticamente todo o repertório bachiano e de latino
americanos como o paraguaio Agustin Barrios. Consequentemente, observando suas práticas,
constata-se que ambos aproveitaram esse período de prosperidade mercadológica para
também oportunizar a produção contemporânea autóctone e estrangeira, e fizeram surgir um
repertório arrojado, resultando na maior transformação estética do século XX. Para citar alguns
dos principais títulos deste repertório são Sonatina op. 52/1 (1957) e Theme and Variations op.
77 (1970) de Lennox Berkeley (1903-1989), Nocturnal after John Dowland (1963) de Benjamin
Britten (1913-1976), Five Bagatelles (1971) de William Walton (1902-1983) e Partita (1965), de
20
Stephen Dodgson (1924), Guitar Concert (1959) de Malcolm Arnold (1921-2006), Guitar Concert
(1970) de Richard Rodney Bennet (1936-2012). As linguagens utilizadas por esses
compositores consistiam de: neoclassicismo com uso de formas clássicas, sistema tonal e
textura polifônica, como é o caso de Tansman e Britten; experimentações com novas
sonoridades, como percussões no tampo e uso de harmônicos utilizados por Dogson, Bennet e
Walton; e novos sistemas de composição, como o serialismo, experimentado pela primeira vez
ao violão por Martin, seguido de Henze, Krenek e Bennet.
Se refletirmos sobre a realidade politica e mercadológica da época, podemos afirmar
que houve mais procura pelo público especializado - aquisição de fonogramas e frequências
aos concertos - por obras tradicionais da música histórica. Ocorreram também bons atrativos
com obras de caráter neo-clássico como os casos de Arnold e Walton. As obras com
características experimentais ficavam resumidas a pequenas inserções em programas e
fonogramas diversificados e também em iniciativas estatais e universitárias. Estamos falando de
uma realidade que comporta a música ocidental, eixo-Europa Ocidental (Reino Unido) e Norte
Americano (Estados Unidos). Pode parecer incomum, mas a cartografia da música
contemporânea, e consequentemente, das técnicas expandidas para violão no Brasil, estão
mais influenciadas e relacionadas ao leste europeu comunista do que ao referido eixo ocidental.
Veremos que foi no leste europeu que surgiu o maior número de experimentações
radicais ao violão em razão dos inúmeros Festivais de música contemporânea que começaram
a ser produzidos na década de 1960. Provavelmente por questões políticas brasileiras mais
inclinadas ao ocidente, na década de 1980, as informações do Reino Unido e Estados Unidos
chegavam mais rapidamente aos meios violonísticos como novas composições, fruto de um
repertório interpretado por Williams e Bream. As informações sobre os Festivais do leste
europeu chegaram tardiamente. Felizmente o repertório de Leo Brouwer, que estava ligado ao
do leste europeu na área das experimentações, nos chegou via América Latina fruto da
amizade do compositor com o uruguaio Abel Carlevaro.
21
2 1.1 O uso do violão na instrumentação do repertório de câmara da primeira metade do século
XX: Manuel de Falla, Igor Stravinsky, Anton Webern, Arnold Schönberg
22
Figura 5. FALLA, Manuel. Hommage a Debussy (1918) c-30-34.
Fonte: Ricordi Italiana, 1920
23
Figura 7. Igor Stravinsky: Quatro Canções Russas (1918, instrumentação de 1953),
o
para voz, flauta, harpa e violão, I Movimento – The Drake, - cc. 1-10.
Fonte: digitalizada pelo próprio autor
24
Schönberg estava muito apreensivo em inserir bandolim e violão na Serenata op 24
(1921-4), sobre o Soneto 217 de Petrarca, uma obra com forte apelo teatral aos moldes de
Pierrot Lunaire. Isso se deu em virtude da concentração e condição desses instrumentistas,
habituados às práticas popular e improvisatória, a lerem em claves diversas, compassos
rítmicos que se modificavam e ainda seguir um regente. A instrumentação de Serenata op.24 é
consistida de narrador masculino grave, violão, bandolim, clarinete, clarone, celo, violino e viola
e sua construção sistêmica no mais radical dodecafonismo, com uma estrutura rítmica
altamente elaborada, e ainda, demonstrando uma pesquisa muito perspicaz sob o ponto de
vista da diversidade tímbrica (Figura 8).
25
O exemplo da Figura 8 nos indica que o timbre era matéria importante nessa obra.
Primeiramente, dada à variedade e diversidade na escolha dos instrumentos.
Consequentemente o trecho é rico na resultante sonora quando cordas executam em pizzicato,
enquanto que violão e bandolim realizam a resposta com seus timbres metálicos.
A obra Drei Lieder op 18 (1925) de Anton Webern reflete essa prática. Percebemos
que nessa obra há uso de dicção musical complexa no canto e simplicidade na organização dos
instrumentos (HAYES, p.145 e 155), do ponto de vista das alturas e simultaneidades. Webern
organiza intercaladamente estruturas articulatórias entre violão e canto e utiliza o potencial
polifônico para dar contraste às passagens melódicas do canto e clarinete. Webern introduz
acordes de 3 e 4 sons no violão, o que revela familiaridade com o instrumento, além de suas
variações de tessituras, frases escritas acima da 12ª casa, que não chegam a ultrapassar as
possibilidades do instrumento.
Podemos observar na primeira peça do Drei Lieder op 18 (Figura 9), a mesma
preocupação articulatória ocorrida em Manuel de Falla, porém em um outro contexto do
pensamento musical serial ainda embrionário:
26
Figura 9: WEBERN, Anton. Drei Lieder (1925), op. 18, clarinete, mezzo-soprano e violão.
Fonte: digitalizada pelo próprio autor
27
QUADRO DE ARTICULAÇÕES (ATAQUES) EM DREI LIEDER OP 18:
Fonte: Drei Lieder op 18, Quadro elaborado pelo autor com símbolos da partitura editada.
Fonte: Vienna: Ed.Universal Edition 1927.
6
Veja passagens interessantes sobre o comportamento de Segovia perante os compositores em
http://www.classicalguitardelcamp.com/viewtopic.php?t=5440. Acesso em 20 de janeiro de 2013.
7
Columbia Records. Robert Craft, 1956.
28
Comparando Webern e Schönberg observa-se que há unanimidade em realizar
misturas instrumentais para obter resultados tímbricos objetivos e diversificados. Denota-se que
os sistemas serial e dodecafônico tinham suas regras bem estabelecidas em organizar alturas e
articulações, e as liberdades em pesquisas, experimentações e improvisações ficavam no
âmbito da rítmica, da dinâmica e, principalmente, do timbre. A presença do violão nessas obras
nos permite também observar questões num âmbito extra musical determinado pelas relações
sociais dos compositores. Nas práticas musicais de cabarés, o que Schönberg citava com
frequência em suas obras, o instrumento estava sempre presente. No Capítulo 2.2 sobre
Contexto Brasileiro, iremos desenvolver e argumentar a hipótese de que procedimentos
musicais e suas resultantes, realizados por essas práticas, serviram às pesquisas da música
contemporânea. Principalmente no Brasil, o assunto será abordado e investigado amplamente.
29
2.1.2 Álvaro Company, Festivais de Varsóvia e Wlodzimierz Kotonski
Álvaro Company organiza e cria especificamente, para sua obra Las Seis
Cuerdas, uma tabela própria de recursos sonoros. Curiosamente, consta na partitura o nome
“frequências indefinidas” das resultantes sonoras aplicadas e na bula o nome Tabela de
“sons indeterminados”. Observamos que a pesquisa e tentativa de classificação e
nomenclatura dessas sonoridades especiais (expandidas), ainda não estavam devidamente
desenvolvidas em termos de definição.
8
Alvaro Company além de compositor formado no Conservatorio Cherubini em Florença, estudou violão com
Andres Segovia na Accademia Chigiana de Siena, Itália de 1950 a 1954. Em 1996 na Primeira Convenção
Nacional de Violão em Pesaro, ele foi agraciado com o prêmio “Prêmio Professor de Violão” e em 1999 na 4ª
Convenção Nacional de Violão em Alessandria, ele foi premiado com o “Violão de Ouro” pela sua produção
composicional. Em 2010 ele recebeu o “Violão de Ouro” por sua vida dedicada ao instrumento
9
MARCHIONE, Carlo. Furthermore, he has created a performance method aimed at musicians in general,
which he has named “Musical Biodynamics”: this interpretative technique, based on the psycho-physical
relationship between tempo, pulse, breathing and gesture, increases awareness of the body and its natural
emotional energies and attunes contact with the instrument in a more intimate and complete participation in the
musical performance; it also facilitates spontaneous integration with the different situations occurring in theatres
and concert halls, promoting a sensitive and harmonious relationship with the audience
http://www.volterraguitar.org Acesso em julho de 2013.
30
Tabela 1: Tabela de Sons Indeterminados em Las Seis Cuerdas de Alvaro Company
Fonte: SCHNEIDER, 1985
31
Notação Performance
32
A notação no 1º Movimento de Las Seis Cuerdas (Figura 14) de Álvaro Company
parece ser uma tentativa de “direcionar a atenção do violonista para contrastar timbres
usando um sistema para cada corda” (MARRIOT, 1984, p. 57). Esse tipo de notação
promove a consciência de divisão contrapontística (contraponto timbrístico) entre as cordas,
como se houvesse seis instrumentos, atitude que parece estar muito ligada, conectada com
Five Pieces – Farben, de Schönberg, na qual mudanças sutis de timbre no mesmo
movimento, intitulado por ele mesmo de “melodia de cores do tom”. Embora do ponto de
vista prático tal notação tenha sua eficácia duvidosa, ela fornece elementos para reflexão e
análise, pois sua visualidade nos dá um panorama de como deve soar a obra.
33
tantos sistemas, pois, isto inviabiliza a prática e a desenvoltura. Veremos que no caso de
Kampela, dois sistemas bastam: um para notação tradicional e outro para técnica expandida.
A técnica expandida de Company (envolvendo som e técnica novos) inclui:
a) tocar uma corda e imediatamente interromper o espectro harmônico com o dedo da mão
direita (Figura 15):
Figura 15
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
b) movendo o pulso da mão direita de forma que a unha do polegar venha acentuar a nota
mais aguda do acorde enquanto executando o efeito de tambora (Figura 16):
Figura 16
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
c) tocando notas de cordas soltas com a ponta dos dedos da mão direita (Figura 17):
referência ao tímpano);
34
Figura 17
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
d) apoiando o dedo mínimo da mão direita em uma corda contra a ponte enquanto i, m, p
(indicador, medio, polegar) toca a corda Esta última técnica possibilita tons ordinários com
sons simultâneos com efeito de pizzicato (Figura 18).
Figura 18
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
35
e) esfregar a corda rapidamente com dedo da mão direita (Figura 19);
Figura 19
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
f) batendo as cordas com o dedo da mão esquerda em um ponto harmônico dado (Figura
20);
Figura 20
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
g) batendo nas cordas com a mão direita acima dos trastes, golpes com a unha do polegar
(Figura 21);
Figura 21
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
36
Company propõe 4 tipos de ataques no corpo do instrumento: ponta do dedo,
carne do dedo, ponta da unha, costas da unha.
De acordo com a notação de Company, esses ataques podem ser executados em
onze diferentes partes, produzindo 44 golpes de timbre. Álvaro Company, além de ter
composto mais de 70 estudos dizendo respeito a técnicas expandidas, pesquisou a
psicologia da energia natural e emocional, respiração e habilidade motora da performance
violonística, assunto comentado anteriormente (MARRIOT, P. 113).
A influência de Company no universo da música contemporânea e o interesse
despertado pela crítica e intérpretes pela obra do cubano Leo Brouwer (1939-) no cenário
musical violonístico, estão interligados aos Festivais de Música Contemporânea nas décadas
de 1960 realizados em diversos centros de pesquisa musical ao redor do mundo.
Curiosamente, além dos mais conhecidos Festivais de Darmstadt (Alemanha), foram os
Festivais de Varsóvia (Polônia) que ofereceram o maior número de técnicas expandidas para
violão. Após o conhecimento desses procedimentos, Brouwer modificou radicalmente sua
trajetória de compositor, naquele momento ainda influenciado por técnicas nacionalistas.
Entretanto, para se chegar a Leo Brouwer, considerado mundialmente como um dos
responsáveis pelo aprofundamento das possibilidades timbrísticas e coloridas do instrumento
transformadas em técnicas expandidas, um pequeno relato sobre esses festivais pode nos
dar pistas dessa alternância de paradigma adotado por esse compositor.
Em meados da década de 1960, o uso do violão como instrumento de “cores”
tornou-se popular em muitos países. Compositores poloneses contemporâneos a Company e
Bartolozzi, muitos deles envolvidos nos Festivais de Outono de Varsóvia no final da década
de 1950 e começo da década de 1960, foram os primeiros a empregar o violão como uma
fonte de sonoridades novas. Esses festivais anuais de Varsóvia tinham o propósito de
mostrar pesquisas musicais novas que surgiram tanto no mundo capitalista quanto
comunista, para alimentar a troca de experiências e ideias através do contato pessoal entre
compositores e críticos do mundo inteiro.
Alguns exemplos de poloneses usando o violão podem ser encontrados em
Muzyczka I (1967) de Henryk Gorecki para dois trompetes e violão; uso de baixo elétrico em
Capricco (1967), Diably a Loudun (1968), Kosmogonia (1970), Utrenja (1970-71), uso da
guitarra elétrica em Canticum Canticorum Salomonia (1970-73), Actions (1971) e Partita
(1971) todas de Penderecki, e muitas obras de câmara de Wlodzimierz Kotoónski, este,
37
naquele momento, o mais representativo compositor polonês em obras experimentalistas
para violão.
Depois da visita de Kotoónski aos Festivais de Darmstadt entre 1956 e 1960, seu
interesse pela música experimental iniciou sua reputação de compositor/musicólogo popular.
Logo depois do Festival de Darmstadt de 1960, Kotoónski completou sua primeira obra
incluindo o violão, Trio (1960) para flauta, violão e percussão. Esta, seguida pelo Concerto
per Quattro (1965) para harpa, violão, cembalo e piano, acompanhado por cordas, bandolim,
vibrafone e percussão; e A Battere (1966) para violão, cravo, viola, cello e três
percussionistas.
A obra Battere de Kotoónski, estreada no 10º Festival de Varsóvia (20 de
Setembro de 1966), foi a mais representativa desse período que incluiu uma variedade de
técnicas expandidas para violão (Figuras, 22, 23 e 24). A maioria das sonoridades criadas
em A Battere seja para violão, viola ou cello são de natureza percussiva. Essencialmente,
sua intenção era expandir o espectro do timbre de instrumentos de percussão incorporando
técnicas expandidas em instrumentos de corda, incluindo o violão. A parte de violão tem uma
técnica interessante e colorida: um dedo da mão esquerda interrompe o som de uma corda,
enquanto o dedo da mão direita atinge a corda em um traste designado, alcançando um
harmônico, ao mesmo tempo que um som percussivo com bizz (chiado). Este recurso será
utilizado por Kampela na década de 90. Isto será seguido pelo uso de bi-tons alternados com
movimentos de dedos da mão esquerda e direita. O uso mais intrigante da parte do violão
ocorre durante uma momento solo e percussivo do instrumento. Como ilustrado abaixo, o
violonista participa realizando inúmeras ações, como batendo no instrumento em locais
variados, batendo nas cordas, corpo do instrumento e cordas com as unhas dos dedos e
iniciando um pizzicato a la Bartok (puxando a corda deixando que bata contra o braço do
violão), o qual imediatamente é transformado em harmônico por um leve toque em um ponto
nodal do harmônico.
38
Figura 22. KOTÓNSKI, W. A Battere
Fonte: Original do Manuscrito
39
Figura. 23 KOTÓNSKI, W. A Battere.
Fonte: Detalhe otimizado do manuscrito da obra digitalizado pelo autor.
40
Company, Kotonsky e muitos outros compositores buscavam novas propostas de
sonoridades que o violão pudesse proporcionar. No caso de Company, por ser violonista,
podemos concluir que suas pesquisas e resultados estavam diretamente ligados a sua
intimidade com o instrumento. No caso de Kotonsky e outros compositores, não obtivemos
informações sobre quais instrumentistas estariam dando suporte.
Sabemos que práticas adotadas por Williams e Bream com respeito a suporte e
comissionamento foram também adotas por outros violonistas e compositores
contemporâneos próximos. Sabemos também que Leo Brouwer, intérprete, contribuiu com
H.W. Henze e Cornelius Cardew. Magnus Andersson contribuiu com Brian Ferneyhough e
muitos outros. Antes de discorrermos sobre Leo Brouwer, gostaríamos de relacionar abaixo
algumas técnicas expandidas desenvolvidas nesse período, que provavelmente foram
resultados dessa troca entre intérpretes e compositores.
41
QUADRO DE TÉCNICA CONVENCIONAL (MODIFICADA)10
técnica maneira como se toca cl.
1.ATAQUES a Sem unha (carne), unha diagonal, unha em três ataques fundamentais T
NORMAIS que produzem três sons distintos.
b Cinco localidades de ataque – dividindo a corda entre a ponte e a 12a T
casa em três partes iguais, ataque perto da ponte, acima da 12a casa, e
acima de cada ponto nodal vai produzir cinco qualidades ditintas de som
2. PIZZICATO a. Normal: pizzicato de MD e ME. De MD é mais comum e é feito T
colocando a palma da mão parcialmente sobre as cordas perto da
ponte, e dedilha com o p; pizzicato de ME é adquirido colocando o dedo
da ME exatamente em cima do tasto (metal) e dedilhando com a MD.
3. HARMÔNICOS a Normal: natural e artificial – harmônicos naturais são obtidos tocando o T
ponto nodal com o dedo da ME e tocando com o dedo da MD;
harmônicos artificiais são obtidos pisando normalmente com a ME
sendo que deverá apontar com o dedo i o ponto nodal da oitava tendo
que dedilhar com o p ou a.
b Modificado: dois harmônicos artificiais (Alvaro Company, 1963) – tocar E
no ponto nodal de duas cordas adjacentes com i e tocar com a ou p.
c Modificado: harmônicos artificiais arpegiados (Company, 1963) – E
interromper todas as cordas com i e deslizar a transversal a corda
enquanto que i toca levemente a todas as cordas em pontos nodais.
d combinação modificada: pizzicato harmônico com MD S
e combinação modificada: harmônico tambora E
4. GLISSANDO a Normal– dedo da ME move uma corda para cima ou para baixo logo T
após ser tocada.
5. TAMBORA a a. a lateral de p e parte da palma da MD toca a corda perto da ponte. E
b Modificado: a nota aguda acentuada (Company, 1963) – as cordas são E
tocadas perto da ponte com as costas da unha de p sendo que a corda
aguda é mais acentuada.
c Modificado: “timpano” (Company, 1963) – ataca com a carne da ponta E
de um dedo da MD perto da ponte.
10
Abreviaturas: cl = classificação; T = técnica tradicional; S= técnica estendida; E = técnica expandida; ME =
mão esquerda (dedos 1, 2, 3, 4); MD = mão direita (p= polegar; i= indicador; m= médio; a= anular mu=
mindinho).
42
TÉCNICA EXPANDIDA (MODIFICADA)
técnica maneira como se toca cl.
1. PIZZICATO a Pizzicato Normal T
(SONS ABAFADOS)
b Pizzicato com dedo mu. Ele é apoiado sobre uma corda perto da ponte E
enquanto p toca a corda.
c Pizzicato com ME amortecendo as cordas (Company, 1963) – dedo 1 E
sem pressionar a corda enquanto que 2 e 3 suavemente roçam a corda
perto do dedo 1, enquanto a MD toca .
d Pizzicato de sons abafados– abafa todas as cordas com ME enquanto E
MD toca.
2. BI-TONS a Bi-tom Normal– ME martela contra a corda para produzir dois sons: E
entre a casa e a ponte e entre a casa e a pestana.
b Bi-tom pizzicato – usar o bi-tom normal com MD tocando pizzicato. E
3. HARMÔNICOS a Ataque normal do harmônico – (Company, 1963) a corda é tocada S
normalmente e um harmônico é produzido tocando levemente a corda
em um ponto nodal.
b Harmônico vibrato. O vibrato é produzido logo após o ataque. S
c Combinações Expandidas: harmônicos com pizzicato expandido E
d Combinações Expandidas: harmônicos com bi-tons em diferentes E
modalidades.
e Combinações Expandidas: (Kotonski, 1966) – ME sem pressão e ME E
ataca ou toca a corda em um ponto nodal acima da escala (braço)
f Pizzicato a la Bartok e imediatamente um harmônico em um ponto E
nodal.
4. SONS a Arranhados (Company, 1963) – a corda pode ser arranhada com golpes E
ESFREGADOS E longos ou curtos usando a carne ou a unha do dedo da MD.
ARRANHADOS
b Esfregando a corda rapidamente perto da ponte com a carne do dedo E
m.
c Esfregando cordas pressionadas sobre o diapasão com palma e dedos E
da MD.
d Combinações Expandidas: dedos i m a ligeiramente percutem cordas E
perto da ponte, paralelo as cordas, enquanto ME abafa as cordas
5. GUIZO, TAPA, a Pizzicato a la Bartok – p e i puxa a corda e deixa estalar no diapasão E
ESTALO (no caso de Kampela também com o p e ME)
b A unha de MD abafa a corda vibrando – a unha de MD gradualmente E
vai abafando uma corda em vibração.
c Tapa na corda – em várias posições e variações a corda pode ser E
atacada pela MD.
d Corda para fora do diapasão – a corda é puxada para fora do diapasão E
próximo a 12ª casa e tocada normalmente pela MD.
e Combinações Expandidas: guizo com bi-tom – percutir a nota com MD E
enquanto a ME puxa a corda para fora.
6.SONS a Tocar cordas além da cabeça E
FILTRADOS
b Vibrações por simpatia – tocar uma corda em staccato, deixando que S
sua vibração por simpatia flua.
43
2.1.3 Leo Brouwer (1939)
Leo Brouwer nasceu em Cuba, Havana em 1939. Seu pai era autodidata ao violão
e tocava de ouvido obras de Granados, Tárrega, Albeniz e Villa-Lobos. Brouwer iniciou seu
aprendizado no violão tocando música flamenca. Seus estudos com Isaac Nicola
proporcionaram ampliar seus horizontes musicais. Brouwer começa a despertar para a
composição já muito jovem e teve como nutrientes do seu panorama sonoro a música
popular de seu entorno, a prática musical da mãe e a afinidade violonística do pai (OROZCO
apud PRADA p.108). Há outros autores que apontam o estudo da pintura, anterior ao da
música, em especial Paul Klee e alguns aspectos da estética da escola Bauhaus. Leo
Brouwer possui uma produção volumosa e de qualidade estética, posicionando-o como um
dos mais importantes compositores para violão do século XX ao lado Heitor Villa-Lobos e
Joaquin Rodrigo. Mais de 30 obras para instrumento solista, 23 obras para Ballet e Teatro
com grupos de câmara e orquestra Sinfônica, 5 obras para Coro e Orquestra, 5 obras para
música eletroacústica, 60 0bras de música de câmara e orquestra e mais de 10 concertos de
violão e orquestra (HERNANDEZ).
Logo no início da revolução em 1959, Leo Brouwer já se destacava na música
cubana. Recebeu uma bolsa de estudos e esteve na classe de composição de Vincent
Persichetti na Juilliard School of Music (EUA). Foi no curto período nos Estados Unidos que
Brouwer iniciou seus Estudos Sencillos. Um grupo de 10 pequenas peças objetivando
técnica para iniciantes e que consistiam de alguns parâmetros básicos como melodia no
baixo, acompanhada de terças e quartas sobrepostas; ritmos e acentuações irregulares em
melodias agudas simples; efeitos de ligados intercalados por pausa, dando uma atmosfera
visivelmente aforista; emprego simples de politonalidade e atonalidade. Brouwer afirma que
sua intenção primordial era preencher lacunas técnicas e justificava que seu estilo de
escrever música influenciado por Bartok, Debussy e Stravinsky, significava simplesmente
que gostaria de tocar obras similares daqueles compositores. Depois de um ano volta a Cuba
e começa a envolver-se com a vanguarda europeia, em especial, por motivos de
aproximação política de seu país com os países do leste Europeu. Participou do V Festival
de Música Contemporânea Outono em Varsóvia (1961). A música que Brouwer ouviu no
Festival de 1961 influenciou suas direções composicionais de forma distinta. Se antes disso
ele era influenciado pelo nacionalismo neo-classicista de Manuel De Falla, Igor Stravinsky e
Bela Bartók, depois, muitos sistemas arrojados e experimentais surgiram no âmbito do seu
44
caput. Curiosamente no Festival de Varsovia, Brouwer declara a Hernandez (PRADA,
2008:110) que o que mais impactou foi sobre meios digitais na música eletrônica e concreta
advindos da Universidade de Columbia (NY, EUA).
Os primeiros trabalhos com técnicas contemporâneas em Cuba passam a ter forte
influência dos Festivais de Varsóvia. Após seu retorno dos Estados Unidos em 1960,
Brouwer teve como aliado o compositor Juan Blanco (1920) para realizar um programa de
obras de vanguarda juntamente com a Orquestra Sinfônica Nacional de Cuba. Receberam
várias críticas do partido por incompreensões quanto à estética das obras. Obviamente os
críticos se indispunham com manifestações culturais que não trouxessem padrões musicais
com características nacionais e socialistas. Aquilo que escapasse aos ouvidos e que não
representasse uma cultura autóctone popular de ritmo, cantoria, terra e trabalho poderia
provocar uma reflexão indesejável. Fatalmente o ruído externo, os efeitos e os sons
expandidos, foram interpretados nos seus mais diversificados significados inaceitáveis11.
Nessa volta a Cuba, não houve como frear a criatividade de Brouwer que nessa
época compõe Sonograma I (1963) e Variantes para un percussionista (1962), a primeira
peça aleatória escrita em Cuba.
A pedido do coreógrafo Luís Trapaga compõe Elogio de La Danza (1964) para
violão solo, provavelmente sua obra mais tocada. Algumas das inovações para o período em
que a obra foi escrita, percebemos grafia irregular rítmica e atonalismo livre no movimento
Lento. O objeto gerador da obra é o Mi2, 6a corda solta do instrumento (Figura 25), pleno de
harmônicos, tabula rasa e simplicidade técnica.
11
Podemos ver que a indisposição a novas experimentações apontavam em diversas regiões da América
Latina. As cartas de Camargo Guarnieri atingindo o grupo Música Viva liderado por Koellreutter, são um
exemplo disto no Brasil e está amplamente desenvolvido em NEVES (2008).
45
Logo, esses elementos são contrastados no Allegro Moderato com pulsos mais
regulares alterando o movimento corpóreo do som, visto que se trata de obra para corpo e
movimento (Figura 26). É como se o Mi2 (6a corda solta) despertasse de sua condição
estática para realizar movimentos rítmicos e cedesse o lugar para alternância de frequência.
A influência da escrita orquestral da Sagraçãor t tda
.
Primavera de Igor Stravinsky é afirmada
Allegro moderato
por Brouwer. Desta forma podemos interpretar nos sons graves da partitura como sons de
II - Obstinato
cordas e os sons agudos como os sons de sopros (metais), como uma alusão à Dança s y s dos
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Figura 26 Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, Allegro Moderato
Fonte: Editora Schott Musas, 1964
4
Há também desenvolvimentos
' com texturas e rítmica irregular (Figura 27).
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Figura 28. Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, Vivace
4 Fonte: Editora Schott Musas, 1964
Figura 29. Villa-Lobos, Heitor, Estudo 10, cc 22-23.Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, II Ostinatocc-25-27
Fonte: Max Eschig (1951) e Schott Musas (1964) respectivamente
47
(Percussão solista e 2 Orquestas) com a Filarmônica de Berlim (PRADA:114). Nessa turnê,
aproveitou para viabilizar seu empreendimento mais ambicioso e que mostra sua estética
mais radical, com fortes tendências ao serialismo integral e também usando vários
paradigmas abordados nos Festivais de Varsóvia. Trata-se de sua tetralogia com obras
incluindo o violão La Espiral Eterna para violão solo, Personare a Due para dois violões,
Personare a Tre para flauta, viola e violão, e Concerto no 1 para violão e pequena e
orquestra.
O compositor ficou entusiasmado com a crítica alemã perante suas obras pois, o
que ressaltou foi a atualidade e autenticidade estética, ao contrário das tradicionais análises
ligadas ao exotismo quando se trata de um compositor da américa latina.
É na tetralogia de Brouwer que vamos perceber o maior uso de técnicas
expandidas. Há uma curiosidade na bula (Figura 30) de La Espiral Eterna (1970-71),
prescrevendo sucintamente como deve ser realizado o pizzicato a la Bartók (restallando
sobre el diapason). Hoje o sinal para o pizzicato a la Bartok no violão é interpretado quase
que automaticamente pelos violonistas. Isso nos faz refletir que o conceito e escrita de
técnica expandida é volátil.
48
Figura 30 Brouwer, Leo. La Espiral Eterna, bula explicativa.
Fonte: Schott Musas, 1970
49
Figura 31. Brouwer, Leo. La Espiral Eterna, Seção B.
Fonte: Schott Musas, 1970
A seção abaixo (Figura 32) apresenta o material dos clusters iniciais, porém com a
sonoridade modificada em surdina12. Essa surdina vai paulatinamente se transformando em
sons não determinados, consequência da ação sem pressionar as cordas. A rítmica e
métrica também vão se tornando indeterminantes em acelerandos e crescendos irregulares
com leves acentos prescritos.
12
A surdina é realizada no violão executando as cordas com a mão direita e abafando com a palma da mão.
Aqui, no caso, é uma técnica expandida na qual o dedo da mão esquerda não pressiona a nota enquanto a
direita executa, dando a sonoridade de surdina.
50
Aproveita-se a liquidação total deste material, de irregularidade e indeterminância
rítmica agora rarefeitos (Figura 33), para seguir com mão direita e esquerda percutindo nas
cordas e no braço do instrumento.
51
são encontrados uso de técnica expandida e sim um forte apelo literário e programático,
revestido de um estruturalismo perspicaz.
Depois de analisar a obra e vida artística de Brouwer, iremos observar o que será
desenvolvido no Capítulo 2, sobre contexto nacional, sub-capítulo 2.2.1, Villa-Lobos. “É
Brouwer quem ouvirá o eco das mudanças, das inovações que Villa-Lobos propôs, e é
Brouwer quem incorporará as condições ideais para tamanha realização” (PRADA, 2008:
P.14). Diversas das sonoridades que foram investigadas por Villa-Lobos, principalmente nos
seus Estudos (1929), foram amplamente abordadas por Brouwer, mesmo que colocadas em
outras formas nas quais o compositor cubano desenvolveu durante sua trajetória musical.
52
2.1.4 Seis exemplos estandarte do repertório do violão: Sonata op 47 (Alberto Ginastera),
Sequenza XI (Luciano Berio), L`Aube du dernier jour (Francis Kleynjans), Koyunbaba (Carlo
Domeniconi), Kurze Schatten II (Brian Ferneyhough), Changes (Elliot Carter)
53
Ginastera criou uma simbologia própria que utiliza o violão como vértice de imagens
musicais referentes à tradição cultural sul-americana, principalmente remetendo à
pampa (planícies que englobam parte do Uruguai, da Argentina e do Brasil), e à puna
3 (região da pré- cordilheira ao norte da Argentina). Deste modo, dois dos principais
símbolos explorados pelo compositor em suas obras estão diretamente ligados ao
violão como representante da cultura criolla, relativa à pampa e ao gaúcho: o acorde
simbólico e o malambo (SCHWARTZ-KATES, 2001, p. 876 APUD WAGNER)
54
Neste mesmo movimento o compositor apresentará a sonoridade percussiva (que
será amplamente desenvolvida no Final) com uma indicação gráfica visual própria (Figura 35
e 36), o que provavelmente é fruto de discussões entre o intérprete Barbosa Lima e o
compositor13. Tal grafia buscou simbolizar como os intérpretes de charango posicionam a
mão direita para realizarem os ritmos e rasgueados dobrados com muita precisão.
13
A informação foi corroborada em minha conversa com Barbosa Lima em 30 de agosto de 2013.
55
Figura 37 GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Scherzo, cc
Fonte: Editora Boosey and Hawkes, 1981
14
“If you want to know . . . [Sequenza XI] has cost me the most work of all”
56
A obra é de forma simples, com uma seção dramática multitextural que conduz a
uma resolução calma, se é que se pode conceituar em se tratando de Berio. Uma variedade
de técnicas violonísticas são exploradas nesta peça incluindo rasqueado (a partir da tradição
do flamenco), trêmulos, glissandos, harmônicos, percussão no tampo.
Berio emprega uma diversidade de técnicas expandidas disponíveis e explora toda
a gama de possibilidades de timbre do instrumento com idiomatismo surpreendente. Ele
também faz uso da notação em dois sistemas para técnica expandida usando martelattos de
ME e MD (Figura 38). A mão esquerda começa atacando o Fa# e Sol em trinado. Então, um
dos dedos da MD percute o Sol#, seguido do Fa# e Sol com trinado da ME. Esta técnica é
muito suave e fluída. Não contém ataques fortes tendo em vista que cada ataque é sutil e
não tradicional:
57
Figura 40. BERIO, Luciano. Sequenza XI, I, p. 6, sistema 7
Fonte: Universal Edition, Wien, 1988
58
A função deste efeito de acordes rasgueados é para expandir a sustentação
limitada do instrumento. Veremos que na Dança de Chico Mello essa intenção é muito clara.
Os rasgueados e sustentações de acordes com procedimentos articulatórios especiais, com
relações intervalares próximas ou repetidos geralmente, bem como trêmulos de combinações
diversas, buscam transcender a sonoridade do instrumento. Esses recursos podem
proporcionar ao violonista desenvolver crescendo e decrescendos não usuais no
instrumento.
Em Sequenza XI, percebemos uma diversidade de repetições variadas, tanto na
pequena e grande estrutura, o que ajuda o ouvinte a “identificar e acompanhar os elementos
que operam em diferentes níveis e perceber a forma como um grande arco” DELUME, 1992,
p.52).
Berio realizou uma pesquisa aprimorada das possibilidades do violão, não só
dizendo respeito aos rasgueados e formas tradicionais do violão do século XIX como ele
mesmo afirma. Ele também usou o repertório violonístico contemporâneo de sonoridades
expandidas, o que provavelmente foi fruto do seu contato com Ellio Fisk. Veremos no Sub-
Capítulo 4.5 Quadro Geral de Todas as Obras Abordadas, o emprego de todas elas.
No seu uso das tamboras, por exemplo, ele geralmente empregada sem nota
preestabelecida, as vezes interrompidas pela mão esquerda, ou de cordas soltas. Berio usa
as tamboras “percussivas como ‘sombra’ das sonoridades empregadas nos acordes
circundantes (antes e depois), proporcionando grande movimentação rítmica” DELUME,
1992, p. 45).
59
“Algumas notas sobre um ritmo ostinato tendem a reproduzir um tempo abstrato e
que repentinamente se tornam concretos, tangíveis porém com uma economia de
movimentos excepcional. Em seguida ao silêncio, segue um trecho de grande
turbulência, de distorções íntimas de um fundo temporal voluntariamente neutro, o
estourar de um baixo contra o braço do instrumento em forma de conclusão, o silêncio
tenso do público, um breve instante e depois os aplausos”.
60
Tal mecânica será sucessivamente sobreposta a intervenções com sons
tradicionais porém com prescrições de expressões típicas do romantismo (Figura 44) tais
como pesante e doloroso, muito expressivo, muito doloroso, acellerando e precipitado.
61
Figura 46 KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 5
Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988
a) Ostinatos buscam simbolizar passos de uma e de duas pessoas quando duas vozes em
contraponto (Figura 47):
62
c) Processos imitativos que podem simbolizar momentos nostálgicos, imagens do passado, a
vida que se foi (Figura 49):
63
O nome turco pode ser traduzido literalmente como pastor de ovelhas. Outras
fontes traduzem metaforicamente como o espírito das ovelhas. Koyunbaba também se refere
a figuras santas místicas bizantinas do século XIII. Suas batinas eram decoradas por
pequenas peças coloridas confeccionadas por pessoas simples, buscando resolver
problemas familiares.
Koyunbaba (1985) não seria um exemplo de técnica expandida na sua essência.
Porém, gostaríamos de comentar sobre uma obra que se tornou um dos últimos fenômenos
fonográficos da era de ouro das gravações, antes mesmo da internet. Em menos de 4 anos
de sua criação ela já havia atingido mais de 20 registros somente na Europa. Nossa
investigação quer buscar quais poderes uma obra de características de scordatura exótica,
estrutura modal ingênua, seções exageradamente reiterativas e que dão margens para
improvisações, possui para torná-la tão especial e de grande aceitação.
Um dos aspectos que nos debruçamos e trazemos para o nosso objeto - técnica
expandida - é que a scordatura parece despertar a audição para algo novo, que a princípio
será diferenciado, o que também iremos investigar em Chico Mello (Do Lado do Dedo).
A scordatura de Koyunbaba praticamente transpõe todas as cordas em diferentes
intervalos e direções (Figura 50). A dificuldade gerada na leitura é enorme e torna-se de
grande praticidade utilizar-se da tablatura. Portanto, no sistema inferior, lê-se o que está
escrito em acordo com a localização apropriada, porém a sonoridade real será o que está no
sistema superior.
64
Ainda levamos em conta a escolha de altura empregada pelo violonista em acordo
com a sugestão do compositor (Figura 51):
15
Foi minha experiência ao ouvir pela primeira vez as peças de John Cage com Dr. Joel Sachs (Juilliard School
of Music, NY, USA) na Oficina de Música de Curitiba 1998. Sachs foi meu professor na pós-Graduação da
Embap (1997).
65
2.1.4.5 Kurze Schatten II (1983-89) de Brian Ferneyhough
A obra Kurze Schatten II, de Ferneyhough foi amplamente analisada por Castellani
e nos baseamos no seu artigo (CASTELLANI: 2009, p.24-34). Porém, iremos nos deter em
aspectos intrínsecos que se relacionem com a obra de Arthur Kampela e filtrar técnicas
expandidas utilizadas. No Capítulo sobre Arthur Kampela, iremos comparar tais influências.
A força energética comumente empregada nas obras de Ferneyhough será
16
trocada por texturas mais leves em Kurze Schatten II . Na escrita denotamos
frequentemente o uso de harmônicos e alternância de scordatura, caracterizando uma
sonoridade microtonal. Visivelmente o procedimento dá-se em função da escolha do tema
extra musical da obra, um texto de Walter Benjamin, argumentando sobre as mudanças de
forma e posicionamento da sombra em relação a luz, imagem fortemente aludida a alteração
da scordatura e sua transformação microtonal. Além do mais, achamos interessante a
abordagem de utilizar características intrínsecas do instrumento, em sua condição de pouca
sonoridade (intensidade) e possibilidade de texturas reduzidas. Buscar desenvolver através
do material oferecido pelo instrumento. Em Arthur Kampela e Chico Mello por exemplo,
observamos o contrário, a tentativa de transcendência das possibilidades sonoras do
instrumento. Vale observar parte do texto de Benjamin e seu clima reflexivo:
Quando se aproxima o meio-dia, as sombras ainda são apenas as orlas negras e
nítidas na base das coisas e estão prontas para, silenciosas, de improviso, se recolher
à sua estrutura, ao seu segredo (BENJAMIN, APUD CASTELLANI, 2009).
A obra é organizada tal qual uma suíte barroca, sendo que no terceiro movimento
há um maior número de técnicas expandidas (Figura 52). Cada transição entre movimentos
consiste de alternância de scordatura, o que potencializa sua abordagem microtonal e
multiplica sua sonoridade.
16
Kurze Schatten II de Ferneyhough foi uma obra encomendada pelo violonista Magnus Andersson.
66
o
Figura 52. FERNEYHOUGH, Brian. Kurze Schatten II, 3 movimento cc-21-24
Fonte: Hinrichsen Edition, Peter Edition, London, 1989
“Restrições” (constraints), que Ferneyhough coloca dentro das suas peças, referem-se
a “erros” que podem ocorrer, e que modificariam todas as características direcionais
de um determinado trecho; esta “abertura” para o imprevisível caracteriza um dos
aspectos de sua chamada escrita informal (CASTELLANI, 2009, p.8)
67
Todavia, a organização da escrita mostra o uso de técnicas expandidas, o que
para nós se tornou de extremo interesse. O sistema superior indica as sonoridades
percussivas indeterminadas. Quanto ao uso de duas linhas no sistema superior do 3o
Movimento, referem-se a percussões no tampo em diferentes regiões do instrumento. Na
Figura 52, no último compasso, escrita sobre o espaço, há a indicação golpe sul pont, o que
caracteriza que há outros padrões diversificados, pois no 2o compasso a escrita está sobre a
linha. Esse procedimento também foi abordado por Alvaro Company em Las Seis Cuerdas e
Kotónski em A Battere. No sistema inferior, sonoridades tradicionais e não-tradicionais como
harmônicos, pizzicato a la Bartok17, são aplicadas.
17
Até o momento não foi encontrada a partitura manuscrita que contenha a bula dessa obra.
18
Partituras disponíveis em:
http://www.4shared.com/office/xkK5pTwj/elliott_carter_-_shard.html
http://pt.scribd.com/doc/92614377/Changes-Elliott-Carter acesso em 9 de dezembro de 2012
68
Segundo Krönig a informação foi imprescindível para sua estratégia de estudo do
ritmo, uma técnica denominada por Carter de Alteração Rítmica Menor, que consiste em
conscientemente gerar uma distorção no ritmo (Figura 54). Essa distorção do ritmo acontece
em função da complexidade da escrita e do que é absorvido pelo ouvido humano. Carter tece
um longo discurso sobre personagens em estilos contrastantes para cada camada de suas
texturas. Embora Carter não use a técnica expandida explicitamente em Changes "os
padrões de caráter ou estilos expressivos contrastantes, parecem estar baseados na
oposição de dois personagens principais, os dedilhados líricos e o rasgueados
extravagantes". (POUDRIER, 2008 apud KRÖNIG, p.39).
69
sonoridade mais pura, enquanto que a nota ligada possui mais sons transientes em virtude
do atrito ou percussão do dedo da mão esquerda na corda. O pizzicato a la Bartok, que
atualmente está na fronteira entre técnica expandida e tradicional, consiste de uma
sonoridade mista entre o ruído da corda de metal contra o braço do instrumento de madeira.
As scordaturas, mudanças físico acústicas das propriedades e frequências usuais das
cordas, possibilitam-nos uma riqueza na expansão da tessitura. Para cada obra aqui
abordada o equilíbrio das utilizações dos efeitos e técnica expandida, em conjunto com uma
ideia musical coerente, foram alguns dos aspectos que possibilitaram suas popularidades.
Assim como os instrumentos de sopro, que caracterizam articulações especiais,
como toque de língua, projeção de fonemas, o instrumento articulatório de dedos também
proporciona articulações e alfabeto próprio. Suas possibilidades estão amplamente abertas e
cabe ao violonista expor aos compositores esses procedimentos diversificados.
70
2.2 CONTEXTO BRASILEIRO
Figura 55: Viola que tocam os pretos. Na época de Gregório de Mattos já se observava
nos ancestrais do instrumento a categorização social.
Fonte: Biblioteca Nacional, Divisão de Iconografia, APUD BUDASZ, 2005
O universo do violão clássico brasileiro criou sua própria atmosfera sonora atípica
e ambígua por evidências particulares e históricas. Isso provavelmente aconteceu em virtude
de seu banimento social, em parte provocado pelas produções musicais tradicionais (tanto
da monarquia quanto da república) de concertos clássicos e óperas no final do sec. XIX e
início do sec. XX, que tomavam conta dos espaços culturais não deixando chances para
outras manifestações artísticas. Para a sociedade, a sonoridade do violão, mesmo a
tradicional, era marginal, suspeita, “malandra” e seus intérpretes eram colocados na prisão.
“Era inferiorizado, pois naquela época o violão não era instrumento de salão, de música de
verdade, e sim instrumento vulgar, de chorões e seresteiros”. (GUIMARÃES: 1988).
Por outro lado, tal banimento proporcionou liberdade e oportunidades àqueles
compositores que estavam investigando e experimentando, ainda no âmbito de uma música
popular urbana. O repertório de multiplicidade sonora e rítmica é implícito em sua linguagem
de acompanhamento. Sua autonomia aconteceu quando da colocação desses potenciais em
primeiro plano. Quando essas sonoridades começaram a ser empregadas, invertendo,
colocando em segundo plano a memória sonora do estilo clássico, do flamenco e da canção
popular, o processo de autonomia foi se consolidando.
Villa-Lobos, por exemplo, produziu a Suite Popular Brasileira para violão solo na
década de 1910. Nessa obra já haviam vestígios de padrões da música popular, bem como
71
alguns paradigmas idiomáticos do violão, como movimento harmônico paralelo e pedais de
corda solta, que mesmo provocando algumas dissonâncias, aumentavam consideravelmente
o potencial sonoro. Acontece que Villa-Lobos demorou quase três décadas para assumir
essa influência, tendo experimentado várias outras tendências européias em suas obras.
Fato é que a Suite Popular Brasileira só veio a ser publicada na década de 1950, quando o
compositor já havia consolidado sua carreira. No princípio a ligação do instrumento com a
música urbana proporcionou desavenças entre os músicos e desmerecimentos dentre os
críticos.
Na discussão e afirmação de uma identidade nacional o violão foi eleito o timbre mais
característico – "o alto-falante da alma nacional". Essa visão de mundo ecoa no
trabalho de Lima Barreto, que fez seu Policarpo Quaresma proclamar: "É preconceito
supor-se que todo o homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais
genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede".
(TABORDA, p.71)
72
"O violão não tem ido além de simples acompanhador de modinhas. E quando algum
virtuose quer dele tirar efeitos mais elevados na arte dos sons, jamais consegue o
objetivo desejado, ou mesmo resultado seriamente apreciado [...] Não quer isso dizer
que o popular instrumento não tenha seus apreciadores e mesmo apaixonados. E que
os tem em elevado número provou-o a concorrência de ontem no salão nobre do
edifício do Jornal do Commercio” (TABORDA, p.85).
19
Recurso alcançado quando se dobra as cordas graves que, quando dedilhadas, ressoam semelhante ao rufar
de tambores marciais.
73
2.2.1 Heitor Villa-Lobos
74
polimórfica do seu pensamento musical e é neste período onde se encontra a maior
produção de trabalhos no estilo moderno (dissonâncias e polirritmia) que ainda só estariam
sendo refletidos na textura dessa obra, diferentemente de outras para violão da época.
O uso da percussão no violão sempre foi empregado no sentido de dar apoio a
padrões rítmicos preestabelecidos por uma manifestação musical de características diversas.
No Flamenco, por exemplo, as percussões no tampo servem como acentuações e muitas
vezes são executadas simultaneamente às palmas, castanholas ou sapateios. Na música
popular brasileira não se tem registro da percussão no tampo do violão de forma tão
estereotipada tendo em vista a quantidade de instrumentos de percussão que
acompanhavam o batuque, o choro, o samba, o tambor de crioula tais como pandeiro,
agogô, afoxé, atabaque. Por outro lado, pode-se afirmar que as características de
acompanhamento do violonista de samba e choro, seja na mão direita ou esquerda, são
consideravelmente percussivas. A mão direita usando articulações non-legatto e variações
sincopadas e a esquerda interrompendo vibrações para que reforce o sentido percussivo
característico. A constatação de que as percussões estão de forma subliminar inseridas nos
padrões de acompanhamento da mão direita e esquerda reforça outra de que sonoridades
expandidas vão surgindo em acordo com esses paradigmas.
Villa-Lobos buscou prescrever em algumas de suas obras para violão algumas
dessas características escrevendo pausas, fermatas, símbolos de expressão (rit), ligaduras e
fórmulas rítmicas que representassem padrões percussivos desses acompanhamentos.
Do ponto de vista polifônico, os quatro compassos introdutórios do Chorinho da
Suíte Popular Brasileira (1913) podem ser considerados de construção simples nos moldes
tônica/dominante. Todavia, tal simplicidade é questionada por notas de passagem cromática
no centro da estrutura harmônica que não podem passar despercebidas ao violonista e este
terá a oportunidade de destacar com acentuações e variações tímbricas da mão direita o
movimento melódico. Entretanto a estrutura rítmica e a irregularidade nas acentuações tesis
e arsis no acorde de 7ª de dominante nos permite uma riqueza de detalhes com
possibilidades agógicas.
75
FIGURA 56. Villa-Lobos, H Suíte Popular Brasileira – Chorinho. Rítmica característica
Fonte: Ed. Max Eschig, 1951
Não podemos afirmar que tais estruturas possam estar relacionadas a livre
acentuações dos percussionistas (mais especificamente pandeiristas), mas quando
observamos a escrita musical, de Villa-Lobos por exemplo, esta nos mostra que alguns
desses padrões rítmicos estavam no subconsciente do compositor, de forma mimética,
devido às práticas na época da composição em grupos instrumentais populares.
Nossos relatos e constatações buscam desmistificar a teoria da música
contemporânea como original. Parece-nos que a reflexão e intenção da música
contemporânea é colocar no primeiro plano essas sonoridades e dizer objetivamente, de
forma consciente, que se está usando tais sonoridades como elemento principal.
No Brasil isso acontece relacionado à variação tímbrica, de dinâmica, de
expressões musicais não usuais, de agógicas irregulares da mesma forma. Principalmente,
em se tratando da influência da música indígena e afro-brasileira. O que modificou o
pensamento da música contemporânea é que tais “efeitos” podem ser manipulados,
invertidos, dilatados, colocados em primeiro plano e numa nova leitura, tal qual pudemos
observar em Schönberg e sua utilização da forma de música de cabaré.
Essa prática está muito ligada à forma como os chorões executavam tais obras
instrumentais. Um exemplo é André de Sapato Novo de Pixinguinha. Há uma espécie de
desafio no grupo instrumental quando da hora de repetir o início, quem deve dar a entrada,
os entre olhares, a nota longa da flauta, clarinete ou saxofone aguardando e o ar acabando.
76
A não necessidade de regência para dar a entrada da próxima seção, a descontração da
prática e o desafio com os possíveis bailarinos eram ingredientes passíveis de serem
transferidos ao campo da música erudita. Esse ambiente pode ser interpretado tanto em
Preludio 2 e Choro Típico no. 1 de Villa-Lobos (Figura 57, 58):
Figura 57. Villa-Lobos, H Prelúdio 2, Dedicado a Mindinha. Escrita com sugestão de agógica.
Fonte: Edição do Autor
77
Figura 60. Villa-Lobos, H. Estudo 2. Deslocamento de tônica para ênfase rítmica.
Fonte: Manuscrito Museu Villa-Lobos
78
Isto ocorre também a partir da segunda frase do Estudo 8 (Figura 62, cc 17-20).
79
cordas em relação aos trastes e atritos da mão esquerda provocando chiados (Figura 64).
“Portanto, além de um contínuo de alturas definidas, temos estabelecido um contínuo de
ruídos transientes de altura indefinida” (SALLES, 2009, p.96).
80
Pode ser interessante relatar como eu cheguei a ouvir os Doze Estudos. Eu conheci
Villa-Lobos na minha primeira viagem para o Rio de Janeiro [...], onde eu tinha ido
para dar um concerto [...]. Ele me parabenizou e me convidou para ir até o
Conservatório de Canto Orfeônico, o qual ele dirigia, e onde eu havia estudado com
ele por um tempo. [...]
Neste convite tive a oportunidade de ouvir alguns dos seus 17 Quartetos de Cordas.
Eu também ouvi os 12 Estudos pela primeira vez [..] quando Villa-Lobos apresentou-
me a Tomás Terán, um grande pianista e amigo. [...] Foi surpreendente ouvir de Terán
transcrições para piano desses estudos de violão.
81
Figura 65. Villa-Lobos, H. Distribuição de Flores.
Fonte: Max Eschig
82
Percebemos outro exemplo de sons expandidos em Villa-Lobos no Estudo 2, no
qual ele se utiliza de uma técnica hoje denominada de bi-tom. Geralmente ela é anotada
como pizzicato. Mas percebemos dois tipos de sonoridades bastante distintas no bi-tom. O
primeiro tipo, aquele em que é utilizado o martelato no qual teremos como consequência
duas frequências: a que parte da casa em que a corda está pressionada para esquerda (não
tradicional) e, a segunda, que parte da corda pressionada para direita (tradicional) Figura 66.
83
Figura 67. Villa-Lobos, H. Estudo 2.
Fonte: Versão do manuscrito cedido pelo Museu Villa-Lobos
84
Observamos que no manuscrito (Figura 67) a notação é md (main doitre) acima
para as notas mais agudas com a mão direita e mg (main gauche) abaixo para as notas
graves, o que de fato foi publicado pela Editora Max Eschig (Figura 68). Todavia, como
vemos na edição de C. Nelson20 (Figura 69), há uma solução tradicionalmente arquitetada
pelos violonistas que configura uma sonoridade mais pura e clara, consequência do gosto
comum. Em minha opinião a alternativa empobrece acusticamente a intenção do autor. O
ruído era evitado taxativamente para não ferir o gosto da plateia e crítica. Essa questão
também pode ser estendida para procedimentos interpretativos tradicionais como cantabiles,
agógicas, articulação e fraseado. Segundo Orlando Fraga “seria a passagem mais
controvertida do estudo e que o efeito particular da viola caipira, evitado pelos violonistas, é
consequência da ‘europização’ dos Estudos distanciando-os de sua origem folclórica”
(FRAGA, 2011, p. 2). Esses procedimentos nos fornecem ótimos questionamentos sobre as
concepções de ruído sobre os quais veremos mais adiante pormenorizadamente.
Esse sub-capítulo buscou investigar alguns predecessores das técnicas
expandidas no Brasil, que confluíram nos compositores objetos dessa tese: Edino Krieger,
Chico Mello e Arthur Kampela. Observou-se que a produção de Villa-Lobos foi significativa
em influenciar essa geração devido a sua rica e diversificada pesquisa sonora.
A geração brasileira de compositores para violão pós-Villa-Lobos é incontável.
Citaremos os mais relevantes em número de obras e que usaram técnicas expandidas
(SILVA JUNIOR, 2002). Dentre os estados da região sul e sudeste temos:
Rio de Janeiro:
1. Edino Krieger (1928)
2. Marlos Nobre (1939)
3. Ricardo Tacuchian (1939)
4. Roberto Victório (1959)
5. Tato Taborda (1960)
6. Arthur Kampela (1960)
7. Neder Nassaro (1961)
8. Alexandre Faria (1972)
20 NELSON, C. Villa-Lobos, 12 Estudos para Violão. M.E. 9333 © 1953 Editions Max Eschig com redação e
dedilhação suplementares © 2000 C. Nelson
85
São Paulo:
1. Almeida Prado (1943)
2. Paulo Bellinati (1950)
3. Paulo Porto Alegre (1953)
4. Giácomo Bartoloni (1957)
5. Daniel Murray (1981);
Rio Grande do Sul:
1. Antônio Carlos Borges Cunha (1952)
2. Fernando Lewis de Mattos (1963)
3. Vinícius Corrêa (1965)
4. Daniel Wolff (1967)
5. James Correa (1968)
Paraná:
1. Jaime Zenamon (1953)
2. Chico Mello (1957)
3. João José Félix Pereira (1957)
4. Harry Crowl (1958)
5. Norton Dudeque (1958)
6. Guilherme Campos (1966)
86
3 A TÉCNICA EXPANDIDA NAS OBRAS DE EDINO KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E
CHICO MELLO
Esta tese investiga o âmbito produtivo que vai de 1974 a 1994 dos três
compositores abordados. O som e suas diversidades acústicas despertava muito interesse
por essa geração. Não seria somente a densidade do som que iria preencher o espaço, mas
sim suas diversidades tímbricas e acústicas. Portanto, nas obras para violão são utilizados
recursos de diversificação tímbrica e uma gama de técnicas expandidas. De qualquer forma,
é claro que nos detemos neste aspecto. Mas vale salientar que os compositores abordados
também se concentravam em determinadas pesquisas estéticas que ventilavam nos
corredores de Salas de Concertos, Festivais de Música, Congressos e Simpósios específicos
de composição. É o caso claro e declarado da influência da estética de Carter e
Ferneyhough sobre Kampela, como abordamos anteriormente.
21
KRIEGER, Edino. Entrevista dada a Mário da Silva na residência do compositor em 19 de março de 2010.
87
De fato esse interesse aumentou na década de 1970 e Krieger estava mesmo
empenhado em absorver detalhes técnicos do instrumento e trocava aulas com Turibio
Santos22. Será neste projeto conjunto o primeiro registro da Ritmata (1974) tanto em partitura
quanto fonográfico.
Ritmata para violão solo é uma obra atonal livre na qual também são inseridos
explicitamente efeitos de técnica expandida, ocorridos pela primeira vez no Brasil. Ela foi
encomendada por Turíbio Santos que incentivou o uso desses efeitos. É a peça brasileira
com maior número de interpretações e gravações depois da obra de Villa-Lobos.
Consequentemente, também é uma das peças mais analisadas no universo
acadêmico musical. Porém, o que seria considerado especial e complexo, em resumo, as
partes em técnica expandida, geralmente é deixado a segundo plano ou analisado
superficialmente. Referências e análises sobre a Ritmata pesquisadas e encontradas em
artigos de revistas especializadas comumente abordam as análises temáticas ou de
procedimentos seriais livres RODRIGUES (2011, 2012), FRAGA (2011), EGG (2000). Em
Barretos Matos concentrou-se em “localizar os motivos básicos constituintes do tema e
identificar a reincidência literal ou alterada dos mesmos no decorrer da composição”.
Constantemente os textos discorrem que após o início da peça com procedimentos
percussivos, caracterizado por efeitos da mão direita e esquerda, surge o tema, ou grupos de
temas e motivos temáticos, em sequência dando mais importância a isto. Isto é, há somente
abordagens descritivas sobre o que foi usado em técnicas expandidas na obra.
Portanto, para a nossa abordagem em Ritmata, mesmo considerando que o
motivo “a” (BARRETO MATOS, 2012) é a sequência melódica de 4ª justas, a obra revela
uma reflexão do autor sobre estruturas físico-acústicas do instrumento (Figura 70). A
scordatura (afinação) mais comum do violão ocidental é a relação de 4ªs justas. O ré, la, mi
no final do motivo são respectivamente, 4ª, 5ª, 6ª, cordas soltas do instrumento.
22
“Ele me dava aulas de Percepção Musical, até Fuga e Contraponto, e eu dava aulas de violão para ele”
(SANTOS, apud PAZ, 2012, p. 41, vII). O depoimento foi no momento em que Santos estava fechando o
contrato e prazos venciam para a conclusão do projeto com compositores brasileiros. Edino Krieger, em um de
seus artigos do Jornal do Brasil, comenta sobre a gravação do LP de Turibio Santos dos 12 Estudos de H. Villa-
Lobos. Curioso destacar a declaração de Krieger que “Santos nunca esqueceu suas raízes culturais [...] e está
promovendo a edição, pela Max Eschig e a gravação, pela Erato, de obras de outros compositores brasileiros,
especialmente encomendados – por sugestão sua – pelo Itamaraty” (Jornal do Brasil, 14/08/1975, APUD PAZ,
p. 179, vI).
88
Figura 70. KRIEGER, Edino. Ritmata. cc-2-7.
Fonte: Max Eschig, 1974
Krieger justifica que sua adoção ao serialismo não o fez deixar de “retratar certos
aspectos da música popular” (NEVES, 2008, p 285). Ele demonstra melodicamente essa
prática dos baixos introdutórios do “choro” carioca no início do motivo a (Figura 70). Ainda
acrescenta que cada novo elemento técnico é acréscimo e enriquecimento de recursos
tradicionais. Por outro lado, “julga importante à pesquisa tímbrica instrumental dirigir-se à
independência do mundo sonoro eletroacústico, fazendo-se necessário, pois, um processo
de simplificação da escrita musical” (NEVES, p. 285). As técnicas expandidas na obra
Ritmata (percussão no tampo, braço e cordas do instrumento) são um bom exemplo dessa
postura. A intervenção dessas percussões e outras técnicas é precedida, procedida e
intercalada com desenvolvimentos diatônicos melódicos e atonais livres, sugerindo um
“contra-canto”, “contra-percussão” e “contra-rítmica” do tema principal. As células rítmicas
irregulares e percussivas são inseridas, condensadas, rarefeitas, através de permuta, que no
decorrer da narrativa faz com que a escuta torne-se plural. Ao longo da escuta de Ritmata
aos poucos vamos percebendo que as sonoridades com recursos expandidos pretendem
tomar o primeiro plano. É como se num quadro que objetiva representar paisagens os
materiais (tais como textura de tintas, gama de cores e traços leves e fortes) fossem tão
presentes e fortes que tomassem o lugar da informação proposta. É por essa razão que
defendemos o argumento da obra ser a primeira em que a técnica expandida é um dos
temas e motivos desenvolvidos como fatores estruturais primordiais.
No início da Figura 71 temos uma imagem dos manuscritos da obra na qual a
técnica expandida já é apresentada de súbito nos parecendo propor a gênese da obra.
Através de martelatos, sons percussivos são realizados pela mão esquerda e direita
causando a ambiguidade do bi-tom, a organização das alturas é cromática e será
reconfigurada como o motivo b cromático da Figura 70.
89
Figura 71. Krieger, Edino. Ritmata Introdução
Fonte: versão manuscrito do compositor, 1974
90
Figura 73. Krieger, Edino. Ritmata cc-43-44
Fonte: Digitalizada pelo autor
91
Para André Egg:
A obra consegue ser ousada e inovadora mantendo o interesse auditivo. [..] É uma
grande contribuição para um repertório que ficou estigmatizado pela estética
neoclássica dos compositores que se dedicaram ao instrumento na primeira metade
do século XX (Villa-Lobos, Rodrigo, Falla, Ponce, Turina e outros). Incorpora
elementos pesquisados pela música experimental dos anos 60, como os golpes de
percussão no tampo e nas cordas, a escrita livre sem compassos em trechos da obra,
e o uso da células de repetição ad libitum escritas dentro de um retângulo. O timbre, a
dinâmica e a articulação têm importância capital na peça (EGG, 2000, p.19).
92
Figura 76. Krieger, Edino. Concerto para 2 Violões e Cordas.
Fonte: digitalizada pelo autor
23
Tive a oportunidade de ser o solista desse concerto em dois momentos importantes: Concerto de aniversário
de 70 anos do compositor, com Orquestra de Câmara de Curitiba, regido pelo próprio compositor em 1998. E
no concerto de abertura do Simpósio Acadêmico de Violão da Embap em 4 de novembro de 2012, no qual
homenageamos Edino Krieger por sua contribuição estética ao violão.
93
3.1.1 - QUADRO DE RECURSOS SONOROS EM EDINO KRIEGER.
25
Bater contra as cordas . No caso há sinal
diferenciado para cada mão.
24
(Lent percuter les doigts (main gauche et main droite) contre lê manche de la guitarre).
25
Frappez contre les cordes
94
O quadro acima demonstra quais recursos de técnicas expandidas são utilizados
na obra Ritmata e informações de execução. O que é considerado técnicas expandidas,
necessita de uma bula com explanações longas por não terem ainda uma notação comum na
escrita do instrumento.
Como afirmei anteriormente, as técnicas expandidas utilizadas nessa obra
constituem corpos estranhos dentro de um tecido organizacional diatônico e de serialismo
livre. No decorrer de seu desenvolvimento damos conta de que esses corpos dialogam-se,
permutam-se e fundem-se. Percussões no tampo apresentadas na primeira sessão em
número reduzido de vezes são mais desenvolvidas na cadência e na seção final. O conteúdo
de técnicas expandidas torna-se equiparado ao tecido musical, o que dá sustentação para a
primeira apresentação da obra nas Figuras 71 e 72.
95
Neste trabalho iremos investigar a obra Percussion Study 1. A obra recebeu o
prêmio de composição Rodrigo Rivera em Caracas, Venezuela, 1995. A justificativa de
escolha dessa obra neste trabalho é por sua qualidade de diversificação sonora usando a
técnica expandida. Isto é, não há o elemento de instrumento preparado, como é o caso de
Percussion Study 2 e Polimetria, no qual o compositor utiliza caneta, bola de ping-pong e
colher, não há utilização de recurso eletroacústico pré-gravado como em Textorias e
Percussion Study 5 (para viola alla chitarra), nem o recurso da modificação físico acústica do
instrumento como mudança de scordatura.
Na obra de Arthur Kampela, a percussão vai desde a experimentação simples,
como em Krieger, até o estruturalismo levado à mais alta complexidade. Suas obras estão
influenciadas pelas tendências das décadas de 1980-90 principalmente relacionadas às
produções de Elliot Carter e Brian Ferneyhough, citadas anteriormente.
O procedimento de quiálteras aninhadas abordados por Elliot Carter, são
encontrados em Kampela nos seus Percussion Studies (Figura 77). Todavia, essas
quiálteras aninhadas em Kampela nos dão uma sensação auditiva de simultaneidade. No
compasso 5 do Percussion Study 2 o jogo ambíguo se dá pela intercalação de cordas soltas
e presas (a nota Re é tocada 3 vezes na corda solta). O que não ocorre em Carter pela falta
de intimidade e talvez pela interlocução com David Starobin - a quem a obra é dedicada -
seguir para outros caminhos.
96
Determinados procedimentos estéticos de Carter e Ferneyhough presentes em
Kampela, nos fizeram verificar que este último soube utilizar os elementos composicionais
associados ao seu domínio do instrumento e de sua experiência com a música popular
contemporânea da década de 1980-90.26
Além dessa visível e audível influência, Kampela soube aproveitar as
potencialidades articulatórias do violão, exploradas quase que em sua totalidade.
Sonoridades são extraídas desde ações com a mão direita nas cordas e no tampo, com
notação utilizada pela escrita de percussão, bem como a mão esquerda que irá atuar, em
certos momentos, tal qual um arpista dedilhando a corda, sem ação da mão direita (Figura
78):
26
Antes de mudar-se para Nova York em 1990, Kampela liderava uma banda de mpb contemporânea que
aplicava recursos da música erudita contemporânea. Alguns exemplos são Arrigo Barnabé, Grupo Rumo e
muitos outros pertencentes à Lira Paulistana.
97
27
Figura 79. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc.82) .
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor
27
Colcheias 1 e 2 = som tradicional; colcheia 3 = percussão na 6ª e 5ª cordas; colcheia 4= percussão no tampo
inferior (MD); colcheia 5 = martelatto (bi-tom); ultima colcheia = percussão polegar (MD) tampo superior
98
Figura 80. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc.1-3)
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor
O trecho (Figura 80) consiste de 26 notas, sendo que somente 4 (quatro) grafias
são consideradas de fato, técnica expandida:
Tal estatística é muito frequente no caput de obras para violão do compositor. Nas
tabelas 2 e 3 e Figura 81 fizemos uma avaliação estatística dessas ocorrências sonoras de
recursos abaixo. Não foram computadas pausas e repetições livres. Também não foi
computada a textura e ocorrências simultâneas e suas densidades.
99
TABELA 2: Estatística de Recursos em Técnica Expandia e Tradicional utilizados em
Percussion Study 1 de Arthur Kampela. (Por sistemas da partitura).
p/sistema tradicionais expandidas total de notas % expandida % tradicional
o
1/1 22 4 26 0,15 0,85%
o
1/2 13 6 19 0,32 0,68%
o
1/3 11 8 19 0,42 0,58%
o
1/4 16 21 37 0,57 0,43%
o
2/1 16 0 16 0,00 1,00%
o
2/2 20 0 20 0,00 1,00%
o
2/3 18 10 28 0,36 0,64%
o
2/4 19 2 21 0,10 0,90%
o
3/1 11 9 20 0,45 0,55%
o
3/2 24 6 30 0,20 0,80%
o
3/3 20 8 28 0,29 0,71%
o
3/4 15 8 23 0,35 0,65%
o
4/1 18 0 18 0,00 1,00%
o
4/2 14 4 18 0,22 0,78%
o
4/3 2 28 30 0,93 0,07%
o
4/4 4 14 18 0,78 0,22%
o
5/1 8 8 16 0,50 0,50%
o
5/2 22 0 22 0,00 1,00%
o
5/3 2 2 4 0,50 0,50%
o
5/4 2 2 4 0,50 0,50%
o
6/1 10 4 14 0,29 0,71%
o
6/2 4 2 6 0,33 0,67%
o
6/3 12 6 18 0,33 0,67%
o
6/4 19 3 22 0,14 0,86%
o
7/1 16 20 36 0,56 0,44%
o
7/2 7 9 16 0,56 0,44%
o
7/3 8 5 13 0,38 0,62%
o
7/4 8 5 13 0,38 0,62%
o
8/1 5 12 17 0,71 0,29%
o
8/2 6 13 19 0,68 0,32%
o
8/3 9 9 18 0,50 0,50%
o
8/4 11 14 25 0,56 0,44%
o
9/1 2 20 22 0,91 0,09%
o
9/2 3 24 27 0,89 0,11%
o
9/3 12 5 17 0,29 0,71%
o
09/4 9 6 15 0,40 0,60%
o
10/1 12 6 18 0,33 0,67%
o
10/2 8 5 13 0,38 0,62%
o
10/3 9 5 14 0,36 0,64%
o
10/4 22 6 28 0,21 0,79%
o
11/1 13 4 17 0,24 0,76%
o
11/2 14 14 28 0,50 0,50%
o
11/3 28 10 38 0,26 0,74%
o
11/4 13 25 38 0,66 0,34%
o
12/1 10 0 10 0,00 1,00%
o
12/2 21 2 23 0,09 0,91%
o
12/3 21 2 23 0,09 0,91%
o
12/4 5 1 6 0,17 0,83%
Fonte: Elaborada pelo próprio autor.
100
TABELA 3: Estatística de Recuros em Técnica Expandia e Tradicional utilizados em
28
Percussion Study 1 de Arthur Kampela. (Por tempo da obra [5’06”] e número de páginas).
28
Tempo baseado em minha performance pública no Concerto da Americas Society, Nova York, abertura do
The New York Guitar Seminar em 19 de junho de 2012. http://www.youtube.com/watch?v=BAZt8prh9aw acesso
em 31 de agosto de 2013.
101
100
90
80
70
60
50 % expandida
40 % tradicional
30
20
10
0
0.28 0.50 1.11 1.34 1.56 2.23 2.50 3.07 3.26 3.44 4.05 4.09 -
5.06
Figura 81 Kampela, Arthur. Percussion Study 1. Gráfico de ocorrências de sons tradicionais e expandidos.
Fonte: Elaborado pelo autor
102
Figura 82. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 cc 62
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor
103
Figura 84. TARREGA, Francisco. Recuerdos de La Alhambra.
Fonte: Vidal Llimona & Boceta. Editores-Proprietarios, Barcelona,
Kampela utiliza esse padrão como transição sonora para a diversidade percussiva
e de ruídos das seções antecedente e consequente, um descanso auditivo entre seções
(Figura 86). Não há emprego de técnica expandida e sim organização atonal (serial) e rica
em harmônicos, fruto da combinação cordas soltas e ligados. Porém, como explicamos
anteriormente, tal ilusão auditiva é muito pertinente no contexto da obra do compositor.
104
Figura 86. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1. C-9
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor
105
A textura entre o som da corda deslizada para fora do braço do instrumento, em
glissandos (6ª corda som não tradicional) simultânea ao som tradicional (5ª corda) (Figura
87) aplica frequências ricas e imprevisíveis que trazem outras informações sonoras em
virtude da diferença de material das cordas (6ª, 5ª, 4ª – metal ; 3ª 2ª 1ª nylon):
106
3.2.1 - QUADRO DE RECURSOS SONOROS EM ARTHUR KAMPELA
Sinais com explicações pormenorizadas de
trechos complexos realizado pelo próprio compositor. Bula.
A linha abaixo constitui notas explicativas do autor.
Para esse caso também há a possibilidade de tocar com a mão esquerda. O cc 6 do Percussion
Study 1 proporciona essa sonoridade. Enquanto o mi é executado pela mão direita, a mão esquerda
percute o tampo com dedos m e i, que devem liberar o tampo imediatamente após o ataque para
que haja uma reverberação simultânea com o mi.
107
4.Mão direita/Metálico. Bater nas cordas E e A
(baixo) contra os trastes com polegar da mão direita.
Esta ação deve ser feita mais ou menos no meio do
braço e a região do círculo menor do tampo. É
importante apoiar-se as cordas para evitar sons de
cordas soltas. Antes de levantar a mão do tampo,
ter certeza de produzir um som seco e metálico.
Aqui no caso o x com retângulo vertical é executado com m da MD. Tendo em vista que o x no
círculo será executado pelo polegar da MD, tal ação deve ser realizada com o menor movimento de
da mão possível.
5. Dedos da mão direita, mesmo efeito (metálico)
de 4. Bater nas cordas E e A (baixo) contra os
trastes com dedos (m-a). É também possível atingir
a corda D. Esta ação deve ser feita mais ou menos
no meio do braço e a região do círculo menor do
tampo.
Para que haja um melhor efeito de crescendo e acellerando, conduzir os dedos do tasto para o
cavalete e retorna.
6. Dedos da mão esquerda, mesmo efeito
(metálico) de 6. Bater nas cordas E e A (baixos)
contra os trastes com dedos 2-3 (4 opcional) da
mão esquerda. É também possível atingir a corda
D. Note que a mão é colocada horizontalmente na
ponte. Deve-se atingir as cordas entre o fim do
braço e o círculo do tampo.
O efeito é de castanhola. Perceber que o p toca o tampo do instrumento, enquanto que a m i tocam
a lateral do tampo, causando diversidade tímbrica. Não está prescrito na partitura, isso foi aprendido
de forma visual e conversas com o compositor.
108
9. Ligado de mão esquerda. O ligado (martelado
ou batido) é feito martelando a(s) corda(s) sem que
a mão direita toque iniciando o som. É diferente do
ligado tradicional no qual uma nota prévia é tocada
pela mão direita e a próxima é martelada pela mão
esquerda. Embora o ligado tradicional seja usado,
esta maneira nova pode ser útil no sentido de que
uma nota pode ser atingida sem ter sido tocada
antes pela mão direita. É também possível martelar
algumas notas com a mão direita.
No exemplo do compasso 49, a ação fica mais clara. Enquanto se executa a percussão com unha
no tampo e aro, o ligado de mão esquerda é executado. Só desta forma é possível pois não há
necessidade de ação da mão esquerda.
10. Pizzicato de mão esquerda. Tocar a corda
como a mão direita faz, geralmente em cordas
soltas. Este gesto usa o mesmo símbolo do
pizzicato de violino para enfatizar a ação de plectro.
É importante perceber que esse gesto pode ser feito
entre duas notas não necessariamente adjacentes.
No caso do compasso 97, o pizzicato de ME torna-se mais rico, pois além do efeito de pizzicato,
ouvimos um acorde arpegiado.
11. Mão esquerda puxando a corda para fora do
braço adquirindo um efeito de bizz. Puxe a corda
E (baixo) ou e (agudo) fora do braço na região
especificada glissando ou simplesmente tocando
padrões sugeridos com a mão direita. O efeito será
de um bizz, sem frequência definida. A mão
esquerda geralmente usa dedos 1, 2 e 3
empregando uma força leve e adicionando um
“nervosismo” no movimento. Esses três dedos são
necessários para evitar a volta da corda na sua
posição original comprometendo o ruído.
No caso desse exemplo, o bizz deve ser executado com dedo 2, pois haverá um contraponto
sonoro executado por dedos 1 e 3.
109
12. Amortecimento/mute da mão esquerda.
Amorteça as cordas entre tampo e ponte enquanto
arpeja ou toca as cordas indicadas com a mão
direita. A mão esquerda pode glissar quando
especificado para atingir frequências “mudas”
diversificadas. Observar que no segundo movimento
o intérprete é solicitado a intercalar rasgueados e
arpeggios. Isto pode ser feito especificando a área
do gliss. da mão esquerda do braço a ponte
enquanto que a mão direita toca os rasgueados.
Há diversos sinais para o efeito, como vimos em La Espiral Eterna (Brouwer), convém sempre
especificar descritivamente.
13. Caneta com mão esquerda. Segure a caneta
(de preferência com lados retos) contra as cordas
com a mão esquerda enquanto a mão direita realiza
arpeggios rápidos e irregulares. A caneta deve
mover-se entre braço e ponte variando
constantemente o espectro da textura. As
frequências altas próximas à ponte possuem uma
presença sonora bastante particular. Observar que
no segundo movimento o intérprete é solicitado a
intercalar rasgueados e arpeggios.
Nosso trabalho não diz respeito ao violão preparado, porém o exemplo reforça a afirmativa anterior
sobre especificar o efeito desejado
14. Mão direita efeito de tremulo e glissando com
colher. Começar o segundo movimento segurando
uma colher com a mão direita e colocá-la nas
cordas E, A (principalmente) e D (baixos) no
primeiro traste. Movimentando a mão para trás e
para frente como trêmulo, o mais rápido possível,
deslizar a colher devagar no sentido da ponte. No
meio ou final do braço executar um glissando curto
antes da mão esquerda martelar a primeira
frequência. Note que o braço deve apoiar-se no lado
superior do tampo para dar força à posição da mão.
No final do segundo movimento, o intérprete é
solicitado a levantar entre o trêmulo de mão
esquerda e mão direita tocando com a colher o
glissando curto, da ponte ao primeiro trasto. A
colher deve glissar, contra o baixo mas agora com
trêmulo.
110
Após nossas considerações específicas, tecno-idiossincráticas em relação ao
instrumento e mostrar uma tabela que contem os recursos empregados por Kampela, vamos
agora demonstrar os recursos composicionais com apoio em trabalhos realizados.
BORTZ (2003), CURY (2006) e ADOUR (1999) pesquisaram sobre procedimentos
composicionais, desenvolvimento rítmico e orientações para intérpretes tendo como objeto
Arthur Kampela. O objetivo final era obter um guia que auxiliasse na preparação
interpretativa em virtude da complexidade das obras. Todavia, uma série de argumentações
sobre as estruturas composicionais e idiomáticas vão surgindo ao longo desses textos. Adour
menciona que “trechos pontilhistas combinados a diversos procedimentos proporcionam uma
escuta complexa, porém de fácil execução em função de sua característica idiomática”. O
pontilhismo está subentendido como “uma forma de desorganização das texturas. Todas
devem ser usadas, porém, devem ser evitadas no sentido de evitar continuidades texturais”.
(ADOUR, p. 220). Adicionamos à afirmativa de Adour que o pontilhismo pressupõe um jogo
de irregularidades entre a métrica das sucessões sonoras e também a relação de som e
silêncio. É esse jogo irregular que corrobora nossa tese da sensação sonora sempre parecer
técnica expandida.
Outro aspecto composicional diz respeito à forma (não-forma) e repetição também
bastante discutido no âmbito da alta complexidade. Citamos abaixo, um trecho do Percussion
Study 1 que poderá estender discussões relacionadas a estes conceitos.
Quatro sonoridades são percebidas neste trecho. Duas delas pela mão direita, na
qual unhas dos dedos ima (indicador, médio, anular) percutem a lateral inferior, promovendo
sons que se diferenciam das percussões pela unha do p (polegar) no tampo (Figura 89, cc-
43). E outras duas pela mão esquerda, na qual as notas em martelato são intercaladas pela
ligadura (especial só com ME) da nota mi. Esse processo nos remete um aspecto das
sonoridades de procedimentos percussivos de madeira do Flamenco como castanhola e
sapateado nos dando um contexto de repetição caleidoscópica.
111
Figura 89. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc. 43)
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor
A principal crítica a técnica serial se encontra, segundo Adorno, no fato de que todos
os processos aplicados ao material musical são irreversíveis e não podem ser
ignorados, a não ser que sejam negados. […] observa-se uma falta de sincronismo
entre os “meios” e os “resultados”, fazendo com que haja a necessidade de diagramas
que expliquem o seu sentido e justifiquem sua qualidade. Igualmente inaceitável é a
atitude dos compositores que negam todas as formas de organização, em prol de uma
espontaneidade absoluta (CASTELLANI, 2009, UFPR, p. 464).
112
a extensão demasiada, que encontramos indícios da influência estética de Ferneyhough em
Kampela, muitas vezes citada e afirmada por este último em diversos artigos e entrevistas.
Kampela ainda afirma que em sua obra buscou quebrar barreiras em dois aspectos: 1)
fundindo um estilo popular e vernacular com texturas técnicas contemporâneas, o que lhe fez
ficar reconhecido como o Frank Zappa brasileiro; 2) desenvolvendo novas extensões
técnicas para instrumentos acústicos.
Como havíamos comentado antes sobre quiálteras aninhadas comparativamente
ao processo de Carter, dialogamos com BORTZ (2003), afirmando que a percussão
elaborada por Kampela perpassa um procedimento denominado micrometric modulation
(modulação micrométrica) e uma das características rítmicas é o uso frequente de quiálteras
aninhadas (também conhecida como rítmicas aninhadas) (Figura 90):
Buscando uma notação para suas ideias rítmicas, e influenciado pela escrita
complexa do compositor britânico Brian Ferneyhough, o compositor carioca Arthur
Kampela passou a usar em suas composições mais recentes (desde 1995) a técnica
que ele denominou modulação micrométrica, baseada, por sua vez, na modulação de
tempo de Elliott Carter. A ideia de modulação micrométrica de Kampela é a de
oferecer ao intérprete (ele mesmo intérprete virtuoso de suas próprias obras para
violão) a chance de se adaptar gradualmente às mudanças de velocidade de uma
cadeia de quiálteras a outra. Ao agrupar quiálteras secundárias mantendo a mesma
velocidade metronômica de um subgrupo a outro adjacente, Kampela adapta a ideia
de Carter a um contexto rítmico mais complexo. Para calcular a velocidade na
modulação micrométrica de Kampela da última quiáltera (último subgrupo) numa
cadeia de quiálteras, utiliza-se a propriedade comutativa e associativa da
multiplicação (KAMPELA, apud BORTZ, 1998, p.37).
113
A técnica expandida utilizada por Kampela em Percussion Study 1, analisando
minha experiência com a performance da mesma, constitui um jogo de escuta. Como a
organização da peça é de caráter de sucessões sonoras, são raros os momentos de
frequências simultâneas. A saturação timbrística e velocidade das sucessões causam
ambiguidade, dando-nos a ilusão de simultaneidade. A escuta torna-se desafiadoramente
confusa, difusa e ambígua, em virtude da complexidade e da velocidade.
29
MELLO, Chico Mello. Mimesis und musikalische Konstruktion, Berlim Hoschule, 2012
114
Chico Mello tem um catálogo violonístico de apenas 9 obras, focando o violão
inserido em grupos de câmara. Porém, a justificativa em escolher este compositor para esta
investigação é porque ele utiliza as técnicas expandidas, não somente em recursos técnicos
do instrumento e estrutura formal das obras, mas também como posicionamento estético e
busca constante de novas linguagens. Na obra Do Lado do Dedo para violão solo, Chico
Mello propõe uma scordatura diferenciada do violão, buscando a sonoridade do berimbau e
da viola caipira brasileira. Nessa obra, os recursos composicionais utilizados são instrumento
preparado com uso de uma caneta e reiteração através de motivos percutidos no braço do
instrumento. Seu long play Chico Mello e Helinho Brandão (1985), com obras dos dois
compositores, inclui o primeiro registro fonográfico de sua produção, no qual executa sozinho
a sua obra Dança (1984) para quatro violões. Essa obra traz efeitos inovadores com técnica
expandida provocando dilatação do tempo e consequentemente da escuta. Essas duas
obras serão investigadas neste trabalho.
Por outro lado, vale salientar que Chico Mello tem experiências também com a
música cênica (Theatre Music) e música para teatro, sendo frequentemente convidado a
fazer a direção musical em peças de teatro encenadas em Curitiba, Rio de Janeiro e Berlim.
Isso se reflete em sua obra. Por exemplo, em sua última obra para violão, Entre Cadeiras
(2000)30, utiliza características cênicas: o violonista é solicitado a executar fragmentos de
canções intercalados com a troca de três cadeiras, sendo que os passos entre essas
cadeiras são organizados em número e em velocidade. Na cadeira 2, o violonista executa a
canção Minha Meia Preta, organizada em células curtas que vão aumentando
progressivamente; na cadeira 3, o violonista executa o tango Silêncio em La Noche (Carlos
Gardel) fragmentado; e na cadeira 1 as duas canções são sobrepostas, com o violonista
executando o acompanhamento do tango de forma bem espaçada e a canção Minha Meia
Preta cantada de forma bem articulada, para que apenas os sons percussivos da
movimentação dos lábios e língua sejam audíveis (Figura 91).
30
Entre Cadeiras fez parte de meu projeto música contemporânea para violão desconstruída sob encomenda, e
foi gravada em cd no ano de 2000.
115
Figura 91. Chico Mello: Entre Cadeiras
Fonte: Digitalização do autor
Tanto na organização das vozes quanto do violão, em quaisquer das três cadeiras
(partituras) há uso do recurso com técnicas expandidas. A disposição das cadeiras e do
intérprete no palco é determinada na partitura conforme instrução na Figura 92.
116
Figura 92. Chico Mello: Entre Cadeiras
Fonte: Fotografia Paola Faoro
117
Figura 93. MELLO, Chico. Dança para quatro violões.
Fonte: digitalizada pelo autor.
118
Figura 94. MELLO, Chico. Dança para quatro violões.
Fonte: digitalizada pelo autor.
119
Em Do Lado do Dedo (Figura 95) Chico Mello aborda a relação sensória, táctil e de
transformação do corpo do instrumento (mudança de scordatura, mudança de locais onde
extrair o som).
120
3.3.1 - QUADRO DE RECURSOS SONOROS EM CHICO MELLO.
Esta percussão deve ser realizada com a ponta do dedo contra
a parte de trás do braço. Esse procedimento irá ressaltar as
sonoridades transientes advindas da afinação microtonal do
instrumento.
A técnica expandida utilizada por Chico Mello tanto em Dança quanto em Do Lado
do Dedo, re-potencializa o instrumento em outras características acústicas (psico-acústicas).
Essas re-potencialidades são adquiridas através de reiterações complexas, com leves
deslocamentos (fasing) e uma nova leitura de liquidação de material. Em Dança a liquidação
é dada, desafinando a corda até a extinção de sua possibilidade de vibração.
121
Em Do Lado do Dedo a microtonalidade é anunciada por percussões no braço do
instrumento e a sua ressonância nos aproxima da pulsação cardíaca. Essa acentuação é
sugerida literalmente na escrita. Há reflexões pertinentes quando Wisnik afirma que se
pudéssemos percutir um tambor mais de 50 vezes por segundo obteríamos uma frequência
correspondente. O violão através da sugestão de Chico Mello pode ser “lido” ou interpretado
pela inversão de suas qualidades. A percussão é auditivamente predominante, porém ressoa
na sua profundidade suas características primordiais.
Em entrevista realizada por mim na década de 1980 31 , Chico Mello havia
comentado que nos Festivais Latino Americanos de Composição, realizados em Montevideo,
ficou muito próximo à estética de Coriun Ahanorian em que todos pregavam o uso da
reiteração como forma de reaproximação acústica e etnomusicológica. Não se admitia a
comparação com o minimalismo americano, pois os Estados Unidos naquela época
simbolizava o Estado opressor da América do Sul. Por isso vieram termos como o
“minimismo rio-platense” cunhado por Ahanorian. Silvio Ferraz comenta que Chico Mello “se
interessa por processos reiterativos por conta de um ‘protominimalismo’ que cercava muitos
compositores brasileiros na década de 90”. Através dessas peças, Chico Mello descobriu seu
fascínio pela reiteração, após ter entrado em contato com a produção do chamado
minimalismo norte-americano, do minimismo uruguaio e do elementarismo de H.J.
Koellteutter, com quem ele estudava na época. Para Mello, o fascinante era trabalhar
diretamente com o fenômeno que ligava mundos tão distintos como a música popular
brasileira, música étnica (africana, indígena, indiana, balinesa), música medieval e a música
contemporânea. Segundo Chico Mello “a percepção do tempo, dilatada através da
repetição”. Os pensamentos de Ferraz e Mello se convergem na ideia de que Ferraz desfaça
um pouco essa ideia de minimalismo ligado à repetição do mesmo, lançando a ideia sobre o
serialismo (o mesmo como ideia) e dedicou ao minimalismo a repetição diferenciada”32 .
Chico Mello usa a reiteração que não se configura como uma mera repetição, e seus
deslocamentos e dilatações vão de encontro a surpresas geralmente criadas por uso de
técnica expandida, microtonalidade e liquidação não tradicional do material. Para não sermos
tão técnicos na afirmativa, liquidação combinada ao humor.
31
SILVA JR, Mario da. O Violao no Paraná, dissertação de mestrado, UniRio, 2002.
32
Conversa por email realizada em agosto de 2011.
122
4 PROCEDIMENTOS ARTICULATÓRIOS NO VIOLÃO: DO MODO TRADICIONAL À
TÉCNICA EXPANDIDA
4.1 TÉCNICA EXPANDIDA
4.1.1 Conceito
Técnicas expandidas são aquelas usadas na área interpretativa da música para
descrever técnicas não-convencionais, não-ortodoxas e não tradicionais do canto, ou da
execução de um instrumento, no sentido de obter sons não-usuais ou timbres instrumentais
diferenciados. Este conceito é passível de subjetividade e variáveis na sua definição. Se
pensarmos, por exemplo, que esta técnica também possibilita sons no universo da música
tradicional ou programática, a questão fica um pouco mais indefinida. Alguns procedimentos
no passado eram considerados técnica expandida e hoje são técnicas tradicionais. Execução
de harmônicos em instrumentos de corda ou metais não são técnicas expandidas mas no
piano e instrumentos de madeira são. Dedilhar a corda de um violino não é técnica
expandida, porém bater no tampo sim. Tocar um instrumento de cordas com mute (deixar
mudo com a mão esquerda) não seria, porém tocar atrás do cavalete é. Portanto, a fronteira
entre técnica expandida e técnica tradicional é muito volátil. Ao violão a técnica expandida
está muito voltada para a diversificação de timbres e aquisição de sons não tradicionais.
O que interessa diretamente ao corpo desse trabalho é como essas técnicas
criaram um mapa de possibilidades tímbricas que poderiam ter servido e servem agora ao
universo da composição contemporânea. O violão já oferece uma quantidade de ruídos
incontável. Servem agora às pesquisas contemporâneas sônicas, e é imprescindível que
essas sonoridades sejam ordenadas, traduzidas, decodificadas e trazidas ao campo teórico
por observarmos que na práxis tais mecanismos ficam reduzidos a um número pequeno de
compositores que dominam o instrumento.
Neste Capítulo vamos apresentar procedimentos articulatórios complexos e
adequados à música contemporânea e, especialmente, à técnica expandida. Antes iremos
relatar em breves linhas alguns procedimentos articulatórios para uso na música tradicional.
123
4.2 MÉTODOS DE PRODUÇÃO DO SOM: MODOS TRADICIONAIS DE REPRODUÇÃO E
PERFORMANCE.
Figura 96. Mão Esquerda (ME), dedos 1,2,3,4 e Mão Direita (MD), dedos p, i, m, a.
Fonte: Fotografia, Rocio Infante, 2012
124
Comparado ao piano, cada corda e casa do violão, quando pressionada,
corresponde a uma tecla branca ou preta Figura 97. Porém, se observarmos atentamente há
notas repetidas, possibilidades em outras casas e cordas. Nesse tipo de alternativa sempre
haverá a mudança tímbrica. Resumidamente, a corda solta é mais metálica que corda presa,
sendo que esta possui som mais aveludado dependendo do seu material, se nylon ou metal.
(Linha horizontal superior= corda mais aguda MI).
125
A questão das limitações e dificuldades apontadas anteriormente sobre o universo
social do instrumento, podem ser estendidas às suas propriedades de execução e produção
sonora. Como na Figura 98, vemos as limitações que os violonistas carregam do ponto de
vista harmônico, principalmente se há melodia acompanhada. Geralmente os acordes são
executados em posições fechadas e com certas notas de acordes suprimidas.
126
Numa visão mais resumida, sem considerar pormenores e detalhes técnicos, o
fato do instrumento possuir 6 cordas numa relação intervalar predominantemente de 4as,
proporcionou uma tessitura real alcançável de duas 8vas e mais uma 3ª (região grave). Isto
amplia sensivelmente acima do espelho (da região média para a aguda). Estamos
considerando uma produção simultânea de duas vozes (1ª e 6ª cordas) com ambas “presas”
(a necessidade da mão esquerda=ME) (Figura 100).
33
Vale salientear que violão soa 8va abaixo da nota escrita na clave de Sol.
127
Figura 101. Possibilidades e diversidades tímbricas de uma única nota ao violão
Fonte: digitalizada pelo autor
4 – a nota mi é produzida na 4ª corda (som pesado, combinação de metal e nylon), XIV casa
do instrumento e possui variações tímbricas entre natural e metálico, porém há
possibilidades reduzidas de vibrato.
5 – a nota mi é produzida na 5ª corda (som pesado, combinação de metal e nylon), VII casa
do instrumento através de harmônico, somente encostando um dedo da ME que será retirado
assim que a MD pulsa a corda. Há possibilidades especiais de vibrato quando “vibramos”
com a ME uma outra corda em uma nota simpática àquela pinçada (pulsada). Por exemplo, a
nota do item 3.
128
Introduzimos a mecânica de como o som é produzido no violão. Iremos transportar
a questão para a técnica do violonista. As possibilidades de amplitude de técnicas de
combinações polifônicas e outras texturas possíveis, criaram historicamente uma metáfora
do violão como sendo uma orquestra em miniatura. Isto não se dá somente porque o
instrumento é polifônico, ou que se possa realizar um trecho de melodia e acompanhamento.
Melhor, adicionamos a isto, como mencionado antes, a possibilidade de diversificação
tímbrica no momento do ataque em virtude da falta de intermediário na fonte sonora (arco,
martelo, etc).
Quando o violonista toca a corda ele ouve, não a forma da onda na corda, mas a
vibração do tampo. Essa vibração é determinada pela força da onda na ponte e a magnitude
disto é alcançada através da variedade de toques que o violonista desenvolve. Dado suas
características, as possibilidades de dinâmica ao instrumento são limitadas. Porém, a
diversidade de sonoridades tímbricas diversas multiplicam as alternativas de ação. Para se
obter sons metálicos é preferível que a ação da unha seja perpendicular (90º) à direção das
cordas e o toque deve ser preferencialmente perto da ponte (cavalete). Sons staccattos se
diferenciam se tocados em cordas soltas ou presas.
Para aquisição desses sons e muitos outros, foi convencionado, não de forma
padronizada ao longo da pedagogia do violão ao redor do mundo, uma paleta de tipos de
toques, ou simplesmente, toques. Alguns pesquisadores buscaram separar a paleta de
toques em tradicionais e não tradicionais. Tais denominações surgiram e tornaram-se usuais
como procedimentos articulatórios. Como exemplo, uso do polegar da mão direita para
execução de duas cordas em uma determinada passagem.
Procedimentos articulatórios são definidos como ações que determinam variáveis
timbrísticas em função da diversidade acústica que o instrumento proporciona. O grupo mais
comum é o relativo à fonte sonora direta, denominado grupo de toques nas cordas. O
34
uruguaio Abel Carlevar , em sua Serie Didactica para Guitarra, sistematizou
progressivamente a técnica violonística na década de 1970 (CARLEVARO, 1979, 1995). A
dimensão da técnica de Abel Carlevaro corresponde uma literatura volumosa de diversos
procedimentos tais como reprodução de escalas diatônicas (Cuaderno 1); técnica da mão
34
A escolha de Abel Carlevaro dá-se em função de sua amizade e proximidade com a linguagem de Heitor
Villa-Lobos. Carlevaro estreou os Prelúdios para violão na década de 1940. Além de sua amizade com Leo
Brouwer.
129
direita (Cuaderno 2); técnica da mão esquerda (Cuaderno 3); técnica da mão esquerda,
conclusão (Cuaderno 4). Após a publicação da Serie Didactica, Carlevaro publica Escuela de
La Guitarra – Exposición de La Teoria Instrumental. Por razões de aproximação ao nosso
assunto, nos concentramos no pensamento de Carlevaro respectivo à mão direita. Carlevaro
foi o primeiro a elencar uma série de toques específicos da mão direita. Esses toques são
utilizados em vozes determinadas, no todo polifônico da obra, para adequar, dar colorido ou
destaque, dependendo da necessidade musical.
130
efeitos que enriquecem passagens arpegiais nas quais encontram-se combinados temas,
frases, acompanhamento e baixo.
O t.3 é um toque com apoio de ação ampla, usado raramente e geralmente em
peças contemporâneas. É uma variável do t.2 que usa toda a amplitude do dedo, porém sua
ação é mais lenta e não possibilita em muitos casos variáveis com outros toques.
Os t.4 têm como característica dinâmica forte, timbre aveludado e são
normalmente aplicados em destaque melódico de temas de duração longa como sugerido
abaixo (Figura 102). Há possibilidades de combinações com outros toques:
Figura 102. Brindle, Reginald Smith. Guitarcosmos 1, Estudo 1 (1979), Editora Schott Musas.
Fonte: Digitalizada pelo autor.
131
Figura 103. CARLEVARO, Abel. Prelúdio Americano 1 (1978) Indicações de articulação do autor
Fonte: digitalizada pelo autor
Temos também o toque com unha do polegar próximo ao cavalete (de timbre
metálico) o que favorece a intenção do compositor:
132
Figura 105. Villa-Lobos, H. Estudo 8. cc 17-20
Fonte: Max Eschig
133
percebemos entre o som do violino e oboé é dada pelo envelope espectral e pela diferença
de ataque dos dois instrumentos. O envelope, ou seja, a trajetória do som no espaço-tempo,
é descrito pela sua amplitude no tempo de início, duração e fim (declínio). Essa amplitude, se
alterada, não irá modificar o timbre no violão. As formas de alterar essa amplitude é através
dos abafadores, seja de mão direita ou esquerda. Também podemos adquirir alteração para
mais auxiliando através de harmônicos, como por exemplo, quando executamos a 6ª corda
mi, podemos usar a mão esquerda num mi simpático (como por exemplo, da 5ª corda, VII
casa) utilizando o vibrato. Ou para menos, amortecendo a corda, o tampo, ou pouco a pouco,
amortecendo a ponte.
A alternância de ângulo no ataque da corda, muda a quantidade de ressonância
do ar no início. Se atacamos a corda na posição de 1/5 dela a quantidade de ar é maior do
que quando atacamos a mesma corda perto da ponte 1/4 ou 1/3 . Esse efeito vai ser alterado
dependendo de qual traste a corda está partindo e que tipo de corda está partindo o som.
Uma corda pode ser “batida”, diferente de “dedilhada”. Isso pode ser alcançado de duas
formas: pela mão esquerda, o que proporciona o bi-tom como foi falado no capítulo sobre
Villa-Lobos; pela mão direita em caso de martelatos. Acontece que conseguimos sons
transientes com maior intensidade e ruído se percutimos: tambura (percutir as cordas) e
golpe (percutir a madeira). A forma mais difundida de sons transientes no violão é o pizzicato
a la Bartok no qual se puxa a corda para fora, soltando-a imediatamente fazendo-a estalar no
braço do instrumento, provocando uma sonoridade ambígua de madeira e metal e não nos
dando uma verdadeira referência de frequência.
134
4.3 MÉTODOS DE PRODUÇÃO (EXCITAÇÃO) DO SOM: MODOS NÃO-TRADICIONAIS DE
REPRODUÇÃO E PERFORMANCE, UTILIZADOS NAS OBRAS DE KRIEGER, MELLO E
KAMPELA.
135
Figura 106. Ligado Ascendente e Ligado Descendente
Fonte: digitalizada pelo autor
136
compasso subsequente, ele solicita que seja realizada em outra corda (2a) sendo
imediatamente seguida de um ligado descendente para nota si. O efeito metálico tímbrico
diversificado subitamente dá lugar ao intervalo sib=fa# aveludado porém de característica
atonal. Em ambos os casos, nos grupos simples de 4 semicolcheias teríamos 4 tímbres
distintos. Seria como se um pianista tivesse:
2a nota LA = som piano preparado com uma peça de madeira na corda LA;
137
1. BI-TONS (Figura 108)
Na obra de Edino Krieger – Ritmata o bi-tom é empregado da seguinte forma:
Deve-se posicionar o braço direito de cima para baixo tomando-se o cuidado para não
encostar nas cordas para que o som vibre pós ataque. É importante que o braço esteja
completamente imóvel para que a impulsão seja satisfatória. A ação deve ser rápida entre
repouso e ataque para obter um melhor resultado e um leve vibrato logo após o início da
sonoridade otimiza o resultado.
138
2. PERCUSSÃO TAMPO E CORDAS (Figura 110)
Há duas opções: percussão nas cordas ou no tampo. Em ambas as ações dos braços é
semelhante a execução dos bi-tons, porém com a complexidade da rítmica e temporalidade
medida. A sonoridade é obtida de duas formas: na mão esquerda, na qual o dedo 1 sustenta
a nota tradicional simultaneamente à percussão realizada pelos dedos 234 de mão esquerda.
A mão direita percute as cordas próximo ao tampo, mesclando mais ainda a sonoridade.
1) quando opta-se por realizar a percussão nas cordas teremos um som aberto e
esparramado consequência da mistura dos materiais, não tão sonoro quanto o anterior e
sem definição. O resultado da sonoridade mesclada é a percussão nas cordas com sons
transientes agudos e metálicos, somado a sonoridade na madeira, mais suave; 2) quando
opta-se por realizar a percussão no tampo teremos o som da madeira com sonoridade semi-
definida, ou seja, quase podemos ouvir a frequência do tampo.
139
3. PERCUSSÃO COM DESLISAMENTO DA MÃO DIREITA (E/OU ESQUERDA) SOBRE O
BRAÇO (Figura 112)
Enquanto o acorde soa, deve-se deslizar os dedos ami sobre as cordas até o final do braço
do instrumento. o trecho é indeterminado temporalmente e fica a critério do instrumentista se
a emissão é regular crescente e acelerando ou irregular.
O resultado sonoro obtido do acorde simultâneo ao deslizamento dos dedos sobre as cordas
é de uma sonoridade metálica e de duração caótica e irregular. No entanto, há a alternativa
usualmente aplicada, executando-se com as duas mão após o esvaimento do acorde. Isto
proporciona mais liberdade de improvisação nas sonoridades diversificadas em locais
diferenciados do braço do instrumento.
140
4. PERCUSSÃO ATRÁS DO BRAÇO DO INSTRUMENTO. NESTE CASO, A
CONFORMAÇÃO SONORA É ALTERADA EM VIRTUDE DA AFINAÇÃO MICROTONAL
ALTERADA (SCORDATURA) (Figura 114).
a sonoridade será mesclada em virtude da scordatura especial, com algumas cordas muito
frouxas. O resultado nos remete a um berimbau manipulado eletronicamente.
141
Figura 116. Mello, Chico. Do Lado do Dedo cc-15
Fonte: digitalizada pelo autor
142
6. PERCUSSÃO SIMULTÂNEA COM PADRÕES DE NOTAS LIGADAS (Figura 118).
143
7. RUÍDO COM OBJETOS EXTERNOS (CANETA) A CANETA DIVIDE A CONFORMAÇÃO
DO INSTRUMENTO E ISSO SERÁ EXPLORADO PELO INTÉRPRETE. HÁ
SIMULTANEIDADE DO SOM EM PIZZICATO PELA MD (Figura 120).
144
8. PERCUSSÃO COM A UNHA NO TAMPO SIMULTÂNEA AO MARTELATO (ME) (Figura
122)
145
9. PERCUSSÃO NO TAMPO DIVERSIFICADA SEGUIDA DE BARTOK SOMENTE COM O
POLEGAR, MARCA REGISTRADA DO COMPOSITOR (Figura 124).
Resultante
Sem nenhum preconceito auditivo e semântico, pode ser comparada a pipoca estourando na
panela.
146
10. TRÊMULO COMBINADO AO BIZZ. DA CORDA PRESSIONADA PARA FORA DO
DIAPASÃO (Figura 126) .
Resultante
O bizar é extremamente desconfortável auditivamente, pois há inúmeras transiências visto
que a corda está encostando paralelamente à madeira. Todavia o trecho possui mais lisura,
abandonando o caráter pontilhista anterior.
147
11. COMBINAÇÃO MISTA: LIGADO, PERCUSSÃO NAS CORDAS E NO TAMPO (Figura
128).
148
12. COMBINAÇÃO MISTA: PERCUSSÃO NO TAMPO EM LOCAIS DIFERENTES
FINALIZANDO COM STACCATO (Figura 130)
Resultante
Em virtude da rítmica e do gesto, é inevitável o caráter humorístico
149
13. TRÊMULO MISTO: COMBINANDO O TRADICIONAL COM O BIZZ (Figura 132):
150
151
Figura 133. Modo de Tocar
Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante
O bizar vai tomar conta e se apoderar do som tradicional. Podemos interpretar isso ao longo
da peça, aos poucos os sons expandidos vão tomando conta dos sons tradicionais. Só que
mais curioso ainda é que quando esse bizar (bizz) parece tomar conta do objeto, ele é
sumariamente executado.
152
Como havíamos comentado na introdução os termos técnica tradicional (T),
técnica estendida (S) e técnica expandida (E) são limítrofes. Vamos entender aqui que a
técnica estendida seria uma técnica tradiconal que evoluiu, porém ainda possuindo certas
sonoridades diferenciadas. A técnica expandida entenderíamos como a expansão das
possibilidades do violão. Dessa forma tanto no QUADRO DE SONORIDADES UTILIZADAS
NAS OBRAS ABORDADAS (4.4) quanto no QUADRO GERAL DE MODOS DE TOCAR DE
TODAS AS OBRAS ABORDADAS (4.5) optamos por classificar sempre na 3ª e 4ª colunas,
respectivamente, o tipo de efeito timbrístico usando as siglas: técnica tradicional (T), técnica
estendida (S) e técnica expandida (E).
153
4.4 QUADRO DE SONORIDADES UTILIZADAS NAS OBRAS ABORDADAS35
tipo modo cl. Krieger Mello Kampela
Excitação das cordas dedilhar natural (tradicional) T sim sim sim
dedilhar com apoio S sim sim sim
dedilhar doce (sul tasto) T sim sim sim
dedilhar metálico (sul ponticelo) S sim sim sim
dedilhar harmônicos (sem pressão ME) S sim sim sim
pizzicato S sim sim 0
dedilhar staccato ME pos ataque T sim sim sim
dedilhar 1 corda - duas cruzadas E 0 0 0
dedilhar 2 cordas - duas cruzadas E 0 0 0
dedilhar sem pressão ME E sim 0 0
dedilhar pressão fora do braço ME E 0 0 sim
dedilhar glissando pos ataque T sim 0 sim
golpear E sim sim sim
puxar (pizzicato a la Bartok) S 0 sim sim
raspar E 0 sim 0
deslizar E sim sim sim
Percussões nas cordas (sem pressão) E sim 0 sim
nas cordas (com pressão=bi-tom) E sim 0 sim
tampo menor (poupa, unha MD, ME) E sim 0 sim
tampo maior (poupa, unha MD) E sim 0 sim
aro menor (poupa, unha MD) E sim 0 sim
aro maior (poupa, unha MD) E sim 0 sim
cavalete (poupa, unha MD) E 0 0 0
braço frente (cordas) E sim 0 sim
braço atrás (poupa, unha MD) E 0 sim 0
cabeça E 0 0 0
Formas Combinadas dedilhar/percutir E 0 sim sim
percutir/puxar E 0 0 sim
percutir/raspar E 0 sim 0
percutir/harmônicos E 0 0 sim
percutir com duas mãos E sim sim sim
percutir tampo / bartok / glissando E 0 0 sim
percutir corda / bartok / glissando E 0 0 sim
arpegio ou trêmulo tampo, aros (pami) E 0 0 sim
arpegio tampo, aro + bi-tons ME E 0 0 sim
Utilização de Objetos utilização de caneta efeito glissando E 0 sim sim
Externos/Scordaturas
utilização de caneta (roçar a corda) E 0 sim 0
utilização de caneta subdividir escala E 0 sim 0
scordatura fixa tonal T sim sim sim
scordatura fixa micro-tonal E 0 sim 0
scordatura móvel (modifica durante a obra) E 0 sim 0
35
Abreviaturas: cl = classificação;
T = técnica tradicional; S e técnica estendida; E = técnica expandida; ME = mão esquerda; MD = mão direita.
154
4.5 QUADRO GERAL TÉCNICAS EXPANDIDAS E RECURSOS SONOROS
Figura 134. GINASTERA, Alberto. Sonata op.47, na cabeça do instrumento acima das cordas.
Fonte: Digitalizada pelo próprio autor.
155
Figura 135. Executar com a unha do polegar de forma abaixo.
Fonte: Fotografia, Stefano Candito, 2012
156
4.6 QUADRO GERAL DE MODOS DE TOCAR DE TODAS AS OBRAS ABORDADAS
157
Leo Brouwer: tocar com a S A grafia possibilita O som é similar ao de
Elogio de La MD sem visualmente entender a piano preparado, como
Danza pressionar ambiguidade de um som se uma madeira ou
ME percussivo (se definido borracha estivesse sobre
ou não?). a corda.
Leo Brouwer: percutir o E A grafia é visivelmente Golpe dos dedos contra
La Espiral Eterna braço e percussiva, convém o braço do instrumento
cordas informar verbalmente. sobre as cordas.
Francis Kleynjans Tocar com S Outra grafia que busca Encosta-se o dedo da
MD sem apropriar a um som ME sem pressionar e
pressionar a programático. Nesse toca-se normalmente
ME caso de um relógio. com MD.
158
Francis Kleynjans Percussão E Intenção programática de Melhor usar as costas da
de unha no chave abrindo a porta e unha do polegar.
tampo porta rangendo.
seguida de
raspar as
cordas
H. Villa-Lobos – Pizzicato S Não houve grafia Enquanto toca a nota
Estudo 2 mão específica, foi necessário superior, puxa-se com a
esquerda prescrever a intenção. mão esquerda a nota
inferior.
Arthur Kampela- - Efeito (Bizar) E A grafia indica o ruído Puxar com o dedo a
Percussion Study provocado intencionado. corda para fora, realizar
1 pela corda o trêmulo de forma
fora do tradicional.
espelho
acrescido de
tremulo
Chico Mello – Efeito (bizar) E Grafia da percussão para A ponta da caneta deve
Do Lado Do Dedo provocado o momento da tocar e quando houver o
por objeto intervenção. efeito, tirar rapidamente.
(caneta)
159
Luciano Tambora S Tambora, Percussão A qualidade melhora
Berio com MD perto da ponte. usando as costas do
Sequenza XI polegar com unha.
160
TABELA 4 - BI-TONS. Na tabela criada teremos as seguintes resultantes:
As cordas soltas do instrumento correspondem às seguintes notas:
161
5. PROCESSO DE CRIAÇÃO - COMPO 2010 – MARIO DA SILVA
Para efeitos de aplicabilidade, resolvi inserir uma análise descritiva de um
resultado composicional da disciplina do Doutorado: Composição. Quando iniciei no
Doutorado em Composição da Unicamp, fui desafiado, ou melhor, motivado a compor uma
obra para violão usando os recursos e efeitos pesquisados. A obra composta, entitulada
COMPO2010, como diz o titulo foi submetida a uma banca no curso de Doutorado.
Ela foi também apresentada em concertos no Brasil e no exterior e algumas
críticas vêm surgindo e criando um corpo para este trabalho em progresso.36
Tradicionalmente no universo da música contemporânea há um comentário comum
de compositores não violonistas, ou que de certa forma nunca experimentaram praticar o
instrumento. A escrita para violão é complexa em virtude da falta de conhecimento dos
procedimentos no âmbito da tablatura violonística.
Por outro lado, compor para violão sabendo exatamente como funciona o âmbito
de toda sua tessitura de frequência, dinâmica e timbre, além de estar familiarizado com
procedimentos de preparação para interpretação da música contemporânea, pode
impossibilitar a fluência criativa. O inconsciente, a relação corpórea do intérprete com
instrumento, estão conectados com um universo de clichês e procedimentos composicionais
abordados na performance musical, tais como passagens acordais, arpegios, efeitos de
ligados, harmônicos, percussões no instrumento, de tal forma que quando se dá o início de
qualquer procedimento composicional as ideias são frequentemente substituídas por
caminhos errantes e inconscientes, vindo a se deparar com sonoridades auditivamente
copiadas.
Em virtude das argumentações acima iniciei um processo de redução de
paradigmas com ações da origem sonora fora dos padrões clássicos. A obra inicia com um
conjunto de frequências limitadas. Uso somente a 6ª corda do instrumento, “percutida” com
as costas da unha do polegar da mão direita entre o cavalete e a 12ª casa. Percebi que havia
um universo de sonoridades transientes promovido por essa corda sejam percussões,
harmônicos, sons ambíguos (bi-tons). A respeito dessa abordagem, o jornalista crítico
Lampila:
36
A obra foi gravado no meu cd TU TAUSAN TU ELVE, que consiste de composições minhas e de André
Abujamra. Desde já agradeço o corpo docente da Pós-Graduação em Composição por me encorajarem nessa
empreitada: Denise Garcia, Jônatas Manzolli, Ney Carrasco e Silvio Ferraz.
162
“Mario da Silva Compo 2010 […] aproveita características de potenciais percussivos e
sons não-tradicionais do instrumento. Expande e moderniza uma escala de
expressões ao violão com surpreendente criatividade. Compo 2010 mapeia
sistematicamente as possibilidades peculiares da forma de tocar e também todas as
dimensões possíveis de vibração em uma única corda. Ao mesmo tempo é um poema
37
moderno de impulsos para a dança.
A seguir, apresento o processo composicional desse trabalho, resgatando os
passos para sua produção.
A ação com o polegar da mão direita não está nos paradigmas tradicionais da
técnica violonística. Frequentemente a ação do polegar é realizada com seu giro natural
articulatório (Figura 136). Aqui, a ideia é movimentar o braço, fazendo com que as costas do
polegar abarque todo o âmbito da unha num ângulo diferente que quando no ataque da
corda, a sonoridade seja distinta (vimos o mesmo exemplo em Alvaro Company). Cada
37
LAMPILA, Hanny-Ilari HELSINGIN SANOMAT Journal, Helsinque, Finlândia, 14 de abril de 2011. Artigo
sobre o concerto de Mário da Silva no Pop Jazz Konservatorion, Helsinque, Finlânida. “Mario da Silva Compo
2010 and Arthur Kampela Percussion Study 1 take advantage of the guitars percussionist features and the
power of different sounds. They expand and modernize de guitars scale of expression with an astonishing
creativity. Compo 2010 charts quite systematically almost all possible peculiar ways to play and also studies all
the smallest possible dimensions of the vibrations of a one single string. At the same time it is a modern poem
with dancing impulses.
163
posicionamento diferente em que o polegar ataca a corda haverá um harmônico distinto e
transiente (Figura 137).
164
Figura 139. SILVA, Mario. Compo 2010
Fonte: Digitalizada pelo autor
Elementos cênicos foram inseridos aos poucos como harmônicos executados com
o nariz para reforçar a questão da impossibilidade de execução de certos processos (no que
diz respeito à composição, “onde fui colocar o meu nariz”). A simultaneidade dos sons e
possibilidade de factibilidade dos harmônicos só é possível com o nariz desta forma:
165
Figura 141. SILVA, Mario da. Compo2010. Harmônicos com o nariz.
Fonte: Digitalizada pelo autor
166
O único momento em que todas as cordas do instrumento são tocadas é
justamente na scordatura tradicional do instrumento, isto é, a série harmônica da 6ª. corda. A
onomatopéia hã-hã proferida no final é para simbolizar as interferências externas que
acontecem ao acaso e toda a diversidade de aceitação que nos submetemos ao universo
acadêmico e artístico.
A afirmativa de Grisey que “é essencial, para o compositor, atuar não sobre o
material, mas sobre o espaço, sobre a diferença que separa os sons” (GRISEY, 1982, p. 46
apud COPINI, 2010, p. 49) é análoga ao pensamento sobre a dança contemporânea. A
dança moderna tem se preocupado com a diversidade do movimento enquanto que a dança
contemporânea se concentra no que está entre os movimentos. O processo de Compo2010
surgiu de estudos na Faculdade de Dança Angel Vianna, no NEC (Núcleo de Estudos do
Corpo). Participei de alguns processos de criação juntamente com as responsáveis pelo
núcleo, as bailarinas Leticia Teixeira, Rocio Infante e Mônica Pimenta.
Porém, percebi que após vivenciar o universo das técnicas expandidas e preparar
a interpretação da música contemporânea nas suas mais variadas vertentes, passei a
direcionar o meu projeto criativo para formas simples.
167
6 INTRUMENTO, CORPO E PERFORMANCE
38
Investigados e conceituados como corpo/mídia amplamente desenvolvido por DAMASIO, GREINER e KATZ
168
6.1 TRAJETÓRIA PESSOAL
Dentro da minha experiência diversificada no universo musical, deparo-me com a
pergunta: o que poderia o corpo, habituado à música popular, música histórica e música
contemporânea, ter absorvido para incorporar essa música contemporânea? Essas ações
geraram no corpo propriedades como “gestos, tensões, posturas (do intérprete) e emoções
provenientes de propriedades psicossomáticas ou neuro-químicas de movimentos sonoros
percebidos como experiência somática” (PORTO, 1990). Nesse denominado corpo/mídia é
permitido repassar esses conceitos acústicos fluidamente? Arguimos durante a experiência
na praxis artística, o que de certa forma é considerada uma ciência (consciência), que ações
cênicas auxiliam a absorção, por parte da audiência, de qualidades estéticas da música
contemporânea que ficam obscurecidas quando apresentadas num formato de concerto
tradicional.
Como havia dito antes, iniciei um trabalho de pesquisa, juntamente com a bailarina
e coreógrafa Rocio Infante, num processo de ação cênica, denominado Abraço de Câmara,
tendo a música contemporânea para violão (com ênfase em obras com técnica expandida)
como objeto principal. As abordagens desenvolvidas por Infante junto a ação cênica, estão
diretamente relacionadas à técnica de Alwin Nikolais, que além de coreógrafo, bailarino e
lighting designer, foi compositor. Rocio Infante estudou três anos em Nova York
desenvolvendo, além da formação como bailarina, técnicas de performance.
Além dos meus estudos no campo da música e técnica interpretativa ao violão,
também experimentei no teatro e, mais atualmente, com estudos do corpo como a Técnica
de Alexander, e também no NEC39 da Faculdade Angel Vianna (RJ), num trabalho de ação
cênica usando a música contemporânea para fins de produção com dança contemporânea.
Um dos últimos resultados foi Compo2010.
As atividades na performance violonística praticamente começaram como todo
brasileiro: acompanhando canções. Não houve nenhuma orientação pedagógica. Durante as
práticas musicais, interessavam-me mais as sonoridades que acompanhavam as canções
(introduções, harmonias, solos de guitarra) do que o que a canção propriamente dizia. O
texto seria inevitável em determinado momento, considerando que era um período bastante
39
Núcleo de Estudos do Corpo da Faculdade Angel Vianna, desenvolvido pelas bailarinas Letícia Teixeira,
Mônica Pimenta e Rocio Infante. Angel Vianna é contemporânea e colega de Edino Krieger.
169
criativo e rico da música popular brasileira: Chico Buarque, Caetano Veloso, além de outros.
Na discoteca da casa havia um disco do violonista Baden Powell e chamava muito a atenção
Deve ser amor e Choro para Metrônomo. Na década de 70 edições do Clube da Esquina de
Milton Nascimento e músicos de Minas Gerais como Lô Borges, Toninho Horta, além de
outros, traziam novidades que buscavam expandir o universo da canção popular.
Progressões harmônicas e tímbricas de guitarras, baterias e contra-baixos aguçavam a
curiosidade e em muitos momentos, a audição não era suficiente para repetir e entender
aquilo. Frequentemente as progressões harmônicas eram flutuantes, o desenvolvimento
rítmico consistia de alternância de fórmulas de compassos. Eu não tinha conhecimento de
teoria musical, muito menos sobre leitura, harmonia ou contraponto. O único contato
intermediário visual gráfico era com revistas VIGU (violão e guitarra) que consistiam
precariamente de letra da música, uma cifra (que representava o acorde) na sílaba de
acentuação na qual o acorde mudava. Todo o restante, era apreendido “de ouvido”, como
popularmente é chamada a assimilação musical através da tradição oral.
Outra audição chamava muito a atenção. O disco Solo de Egberto Gismonti trazia
novidades. Além de suas próprias composições, ele interpretava estudos de um compositor,
até então desconhecido: Leo Brouwer. Em Curitiba tive a oportunidade de realmente
ingressar nos estudos musicais. Foi então que conscientemente percebi estar num universo
paralelo dentro da Escola de Música (Embap). Nessa Instituição, ao mesmo tempo em que
eu estava imergindo em formas e padrões de períodos musicais (estranhos??? externos???
expandidos???), como renascença, barroco, clássico, e é claro, Villa-Lobos, também
experimentava com outros mais familiares como os Estudos e Peças de Leo Brouwer; obras
de Reginald Smith Brindle, Poulenc. Na Embap (Escola de Música e Belas Artes do Paraná)
eu vivi um período favorável e muito criativo da música contemporânea na década de 1980.
Por um lado, eu tinha companheiros (alunos) ávidos por experiências novas, que não
consideravam nenhum tipo de música que não aquela composta hoje, e afirmavam que
Machaut, Dowland, Mozart e Beethoven, eram uma verdadeira perda de tempo. Por outro,
além destas questões interpessoais e íntimas que iam aos poucos formatando meu gosto
pessoal, tínhamos a convivência muito corriqueira nos corredores, salas de aula, teatros e
conferências de pessoas ligadas à música contemporânea no Paraná como José Penalva,
Henrique Morozowicz (de Curitiba), Jaime Zenamon e Chico Mello. Meu ouvido musical,
acostumado àquelas experimentações do Clube da Esquina e experimentações
170
performáticas do Caetano Veloso, achavam em Mozart e Bach uma harmonia
exageradamente simples e tradicional e, consequentemente, chatas. Era quase inconcebível
ouvir uma Sinfonia em Dó, iniciando com um acorde de Dó Maior perfeito maior, e além do
mais, na primeira posição. É lógico que após analisar e conhecer esses procedimentos,
como síntese aprendi a gostar dessa música e que hoje dou importância tanto para Mozart e
Beethoven, quanto Sciarrino, Scelsi, Almeida Prado, Chico Mello ou Arthur Kampela. As
convivências nos corredores entre-disciplinas (inter-disciplinares ou indisciplinares) com
figuras conhecidas da música contemporânea paranaense me colocavam em um universo
único e novo. José Penalva tanto em suas disciplinas da Embap quanto nos módulos da
Oficina de Música de Curitiba trazia informações importantes da produção contemporânea
mundial. Através dele fui apresentado a Schönberg e Stravinsky, outra descoberta
importante. Porém, Penalva também nos atualizava com Boris Porena (com quem Penalva
estudou na Itália) e Penderecki. As audições de Stravinsky e Schönberg por razões históricas
e sob o ponto de vista de ambos se interessarem pelo violão em suas experimentações
sonoras, eram as mais visitadas e repetidas a sua exaustão. A primeira audição da Sagração
da Primavera foi estonteante. O impacto que causava aquela energia sonora realmente
mexia com minhas sensações ancestrais. Até hoje viajo quilômetros para ver a execução
dessa obra ao vivo, seja numa orquestra de alunos da Oficina de Música de Curitiba, seja
com a Orquestra Filarmônica de Londres, no Royal Festival Hall. Outro impulso visivelmente
orquestrado por Jose Penalva e motivado por Chico Mello, com quem eu estudava harmonia
e análise (1985-86), foi estudar análise e estética com H.J. Koelreutter, o que de fato
aconteceu no ano de 1992. Com Koellreutter estudei análise de obras como Appasionata de
Beethoven e o Concerto para Violino de Alban Berg. Em certas afirmativas ingênuas da
juventude que mencionei nas aulas, principalmente em Beethoven, Koellreutter me chamou
de “muito positivista”. Era muito divertido. Mas lembro sua presença (ou tentativa de, pois foi
barrado) nos nossos concertos do Quarteto de Violões de Curitiba na Funarte, Rio de
Janeiro, Sala Sidney Muller em 1991. O Edino Krieger nos havia convidado pois o Quarteto
havia gravado (e naquele momento também interpretava) obras de compositores
contemporâneos (incluindo brasileiros).
Além de estudos musicais, enveredei para as artes cênicas. Havia a produção e
montagem da peça Mulheres de Atenas de Augusto Boal e fui convidado a fazer a direção
musical, bem como compor canções sugeridas no texto para escapar dos direitos autorais da
171
conhecida versão de Chico Buarque. Haviam estudos aprofundados sobre o Teatro do
Oprimido orientados por Paulo Venturelli. Nesse momento participamos de um Workshop
ministrado por Luiz Otávio Burnier40, em 1983 ou 1984, no palco principal do Teatro Guaíra.
Tive a informação de meus companheiros de teatro, ainda que incipiente, de que esse ator
havia desenvolvido uma técnica de interpretação com base em procedimentos musicais, o
que me deixou muito curioso. Comecei a despertar naquele momento a vontade de realizar
alguma coisa diferenciada na performance musical.
Eu estudava performance e interpretação musical ao violão com o Orlando Fraga
(isso iniciou exatamente em 1983) que observou que já havia um repertório
consideravelmente contemporâneo para a época e me considerou apto para realizar um
concerto num teatro público. Tudo foi muito intuitivo e incipiente para se tentar algo
diferenciado: roupa branca, cenografia (um manequim em cima de um tapete com um lenço,
até hoje sem saber o significado disso). Mas o fato é que havia a insatisfação com a forma
do concerto tradicional. Todos vestidos de preto, entra, cumprimenta, senta, toca, aplaude,
levanta, abaixa. Eu me incomodava com isso, considerando ainda que aqueles que
realizavam a música com esses protocolos transmitiam esse desconforto. Eu tinha que fazer
algo diferente.
O repertório que realizei no primeiro concerto importante em 1986 no Teatro Paiol,
era no mínimo diversificado, para não dizer arrojado. Consistia de peças da Renascença e
Barroco, depois peças de Villa-Lobos e encerrava com Livro para Seis Cordas de Almeida
Prado e Momentos I do Marlos Nobre. Repertório altamente influenciado por Orlando Fraga.
Quando eu realizava a performance de Livro para Seis Cordas de Almeida Prado buscava
40
Luís Otávio Sartori Burnier Pessôa de Mello (São Paulo SP 1956 - Campinas SP 1995). Diretor e ator.
Intérprete e performer de largos recursos, ligado à antropologia teatral, um dos fundadores e líder do grupo
LUME. Conhece as manifestações asiáticas em 1979, num curso sobre kathakali, no Centre Mandapa, e a
Ópera de Pequim, com Mme. Tang (do Musée de l'Homme), na Sorbonne. Em 1983 inicia-se na Antropologia
Teatral, através de um estágio com Tereza Nawrot, aprofundado, no ano seguinte, com Togeir Wethal e
Roberta Carreri, no Odin Theatr de Eugênio Barba.Ccria o Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão,
LUME, iniciando a pesquisa e divulgação mais estruturada da antropologia teatral no país. Cria, dirige e
interpreta muitos espetáculos, com destaque para Burna, 1974; La Statuaire Mobile, 1978; Curriculum, 1979,
Hablando Com El Cuerpo, 1981, e Linguagem do Corpo, 1982. Em 1983 faz a direção de atores de Rei Lear, de
Shakespeare, montagem de Celso Nunes para o Teatro dos Quatro. Após a criação do LUME dirige Macário,
1984; Circo da Paz, de Juan Rulfo, em Campinas, 1986, e O Guarani, de Carlos Alberto Soffredini, em 1986, no
Teatro Ruth Escobar. Em 1988 encena Kelbilim, O Cão da Divindade, solo do ator Carlos Simioni. Em 1991
encena Wolzen, uma adaptação livre da Valsa nº 6, de Nelson Rodrigues. Torna-se membro da International
School of Theatre Anthropology, ISTA, em 1992. É o tradutor brasileiro de duas importantes publicações: Além
das Ilhas Flutuantes e A Arte Secreta do Ator - dicionário de antropologia teatral.
172
deslocar a escuta e durante a peça central (mais lenta e diatônica), outro violonista ao fundo
da platéia tocava o trecho. Orlando Fraga na maioria das vezes fazia o violonista invisível. O
contrário era realizado por mim quando o concerto era dele. Já havia uma certa inquietação
em deslocar a escuta tradicional, ou seja, aquilo que é chamado de acadêmico, que será
discutido aqui. Inquietava-me e continua me inquietando, contando mais de 20 anos de
atividades na performance musical, a circunstância de vermos um músico do século XXI,
interpretar músicas do século XX com postura do século XIX. No âmbito da performance
musical, há a “sensação”, para amenizarmos a crítica, e algumas evidências de que a música
parece ainda não fazer parte da contemporaneidade após visitarmos pesquisas nas outras
áreas artísticas.
Outro momento importante da Embap foi a chegada do compositor alemão Bertold
Türcke na cidade de Curitiba na década de 1990. Türcke foi um dos mentores para a criação
do grupo ContempoSonoro do qual fiz parte da fundação e dei algumas contribuições. Como
por exemplo, nos FolkSongs do Luciano Berio, transcrevi da Harpa para dois violões, já que
o harpista da cidade não se prestava a fazer música contemporânea. Nesse mesmo grupo
trabalhamos as Canções op. 18 (1927) de Anton Webern. O universo da música serial já
havia despertado interesse em virtude da aproximação com Koelreutter de um lado e da
admiração pelo trabalho de Arrigo Barnabé que trazia sensações muito similares às da
Sagração da Primavera. Todo aquele universo sonoro, urbano, violento, de gibis (comics)
que Arrigo Barnabé criava, intrigava-me profundamente. Anos mais tarde, Arrigo Barnabé
viria contribuir com meu projeto Música Desconstruída sob Encomenda de 2000 e
supervisionei (viabilizando acústica e performaticamente) a sua composição para violão solo
Fragmentos gravada no CD.
O último aspecto ligado a minha experiência musical, é praticamente simbiótico e
simultâneo ao texto que está sendo lido (produzido) agora. Quando fui “provocado” a criar
composições com os materiais que estava elaborando e pesquisando dentro da técnica
expandida para violão, vislumbrei registrar o material. Só não esperava que fosse tão rápido
e que viesse por outras produções. Realizei em 2012 a produção, gravação e edição do meu
cd TU TAUSAN TU ELVE, que consiste de composições minhas e de André Abujamra. Neste
trabalho, inseri a obra COMPO2010, obra que singelamente dedico a este departamento de
processos criativos da Unicamp.
173
No decorrer deste relato descritivo e pessoal de experiências e práticas da
performance musical, busquei desvendar as origens no interesse pela música
contemporânea. Paralelamente fui verificando na literatura sobre a performance musical
alguns conceitos que pudessem ser confrontados com a experiência. Normalmente saio
relativamente frustrado quando leio literaturas sobre a performance musical. A frustração não
está relacionada a qualidade dos textos, mas sim nas lacunas e até de certa forma, falta de
prática na performance de alguns autores. Para ser mais claro, falta de coragem no mergulho
das subjetividades que a performance musical proporciona. Os textos parecem estar
estranhamente desconectados do que eu acredito que é a essência da música, ou seja, a
ação de fazer música. Com os adventos da grafia através da notação musical e, do
tecnológico, da gravação musical, passamos por um período estranho de observação do
objeto musical. Passamos pelo que Walker chamou de estado “desencarnado estranho”. Nós
olhamos para o que significa a recepção, o consumo e a produção de sons (ou até mesmo
os próprios sons), ao invés de nas ações e interações humanas que os produzem.
Identifiquei-me com Marilia Laboissiérre que sustenta o argumento afirmando que como
“cognição e reflexão, a performance pressupõe uma determinada teoria da interpretação que
vai além das análises técnicas da partitura e do desenvolvimento dos movimentos
necessários a sua realização” (LABOISSIÈRRE p. 16). A interpretação musical pressupõe
um co-autor, aquele que interpenetra dentro da definição do latim: interpretar= enter – petras
= entre pedras. Michelangelo interpenetra o mármore (pedra) bruto e o transforma. A
interpretação e criação estão implícitas e simultâneas, mesmo que atemporais, desta forma
sem a necessidade do co-autor. Resta saber, investigar, se o som que o compositor tem ao
redor (real) ou interno (conceitual) é uma pedra bruta. Resta saber se a partitura, também
como o som, é pedra (polida, lapidada, finalizada). Resta saber o que o intérprete faz com
essa, ou com essas, pedra(s).
Embora não seja muito frequente, quem já não ouviu o comentário após o
concerto de como esse(a) pianista ou violonista compõe muito bem, sendo que ele(a) havia
intepretado obras de outros compositores. Há uma espécie de confusão entre o criador e o
intérprete por parte da audiência não especializada. O reconhecimento de que há outro autor
a habitar o texto musical trata da música tradicional no aspecto dessa transfiguração.
Consequentemente, na música contemporânea, tal transfiguração transforma-se em outras
reflexões pois as ações dos intérpretes afloram mais perante a audiência em função do texto
174
ser altamente complexo. Complexo do ponto de vista estético organizacional (Boulez,
Ferneyhough e Berio por exemplo) e não técnico-virtuosístico – idiosincrático (Listz, Chopin e
Mahler por exemplo). Como o texto musical não é reconhecido em sua expectativa auditiva,
mesmo sendo uma segunda oportunidade da audiência, não é de fácil absorção, ficando os
olhos e ouvidos atentos para o produtor/excitador do som. Aquele intérprete/peformer
defronte a audiência, estará mais interligado às responsabilidades dos resultados sonoros
reais e inesperados do que os pressupostos e ideais.
Porém, além de Laboissièrre, a linha de pensamento que mais me instigou foi a da
escritora e violinista Naomi Cumming. Sua investigação sobre o significado musical perpassa
a sua observação semântica que determinados professores pronunciavam. Tais como
quando ela estava executando para um professor uma linha melódica cantabile e ele lhe
pedia “Emoção, Emoção!!!”. Cumming aprendeu que o vibrato e a variação agógica,
associada ao timbre doce do seu violino poderiam signficar fatores afetivos e subjetivos cuja
palavra proferida buscava “significar”. Cumming defende entusiasmadamente respostas
subjetivas, geralmente rejeitadas por estudiosos, tornando dessa forma a subjetividade como
parte necessária do discursos musical (CUMMING, 2000, p. 290). É lógico que os
argumentos de Cumming, dentro de um posicionamento pessoal subjetivo, dizem respeito a
uma estrutura social e semiótica mais ampla. Porém, nos servem determinados argumentos
para o universo da música contemporânea, em especial com recursos expandidos. Serve
porque percebemos que no âmbito das técnicas expandidas há fatores que se movem a
cada performance, paradoxalmente por serem movimentos sonoros muito específicos.
Mesmo observando a experiência musical de Cumming na música histórica e tradicional de
concertos, certas afirmativas convergem com nossas reflexões como “significado musical só
existe através de ações e mudanças a cada performance” (CUMMING, 2000, p. 343).
175
7 CONCLUSÃO
Deparamo-nos e confrontamo-nos com uma realidade bastante prática na qual o
violão se insere. Se tomamos os compositores que dominam o instrumento como Villa-
Lobos, Arthur Kampela e Chico Mello41, observamos que o instrumento é um facilitador no
qual é possível apresentar suas obras para um grupo seleto ou uma platéia em um concerto
tradicional. Consequentemente houve uma caminhada por parte desses três compositores
particularmente, desde suas primeiras e tímidas manifestações até os seus reconhecimentos
depois de enriquecerem suas trajetórias. Cada um conseguiu o seu lugar no restrito espaço
da música contemporânea e muito do material que desenvolveram surgiu da experiência com
o violão. Isto de fato se constata em entrevistas e declarações proferidas por Villa-Lobos,
Krieger, Kampela e Mello. Em Villa-Lobos e Krieger constataram-se diferentes aspectos de
abordagem composicional. A linguagem de Villa-Lobos ao violão estava notoriamente
refletida em duas tendências aparentemente antagônicas: a música francesa impressionista
e a música popular brasileira urbana. No caso de Krieger, mesmo ele tendo criado o seu
serialismo vertical, fruto de sua experiência como compositor atonal, em suas obras para
violão afloraram sua proximidade mecânica do instrumento e da música orgânica
(consequentemente popular brasileira) em virtude de ter estudado e dominado o instrumento
satisfatoriamente. Talvez em consequência disso surgiram determinadas liberdades e ideias
que culminaram em procedimentos com uso da percussão e outras técnicas expandidas (em
alguns de forma bastante intrínseca) em suas obras. Esta afirmativa nos faz concluir que
realmente em Krieger, especialmente após Ritmata, a produção para violão no Brasil ganhou
outros impulsos além daqueles já sedimentados pela tradição e presença do instrumento em
círculos da música popular e clássica. Em Mello e Kampela nos deparamos com linguagens
distintas de incrível semelhança. Kampela irá selecionar o material buscando um sentido em
re-potencializar a voz do instrumento. Dessa forma ele afirma que os Percussion Studies irão
re-expor o instrumento para “acordar” percepções adormecidas, suas expectativas e
repetições usando sons inesperados:
“Isso nos traria para a questão central do empreendimento de se fazer música: o
que se está ouvindo? Como nossos sentidos doam para ter a capacidade de percepção do
que se está ouvindo? No mundo atual no qual a música deve ser vista de forma cômoda e
41 Recentemente seus dois últimos feitos são respectivamente, Macunaíma (2008), obra encomendada pelo
Ensemble de Música Contemporânea da Filarmônica de Nova York, e Telebossa-Oper (2009) em Berlim.
176
passiva, pois tudo é uma forma de entretenimento, as pessoas ouvem massivamente e estão
muito inconscientes dos seus hábitos, rotinas e repetições42”.
A obra Percussion Study de Arthur Kampela, enquanto interpretando, me dá uma
sensação curiosa. A partitura é altamente elaborada, porém a performance nos faz parecer
uma criança que toma o instrumento e inicia uma série de procedimentos aparentemente
aleatórios, irregulares e indeterminados. Normalmente quando vemos crianças brincando
percebemos isso.
Chico Mello irá fazer a re-potencialização do instrumento por outra via, da
reiteração. Portanto, numa reiteração complexa, com distorções de frequências tanto em
Dança (com a desafinação das cordas e pizzicato a la Bartok) quanto em Do Lado do Dedo
(usando afinação microtonal e percutindo no braço). Em Do Lado do Dedo a percussão
reiterativa surge e fornece outro ambiente sonoro, outra camada de sons inesperados, além
do fator surpresa da afinação microtonal.
Coube-nos investigar esses efeitos, não só do ponto de vista físico-acústico, mas
também do ponto de vista social. É bom saber que o instrumento possui certas formas de
excitação sonora que os caracterizam, não há dúvidas quanto ao emissor. De fato isto muito
se deve às técnicas expandidas, mesmo aquelas em que hoje não consideramos como tal.
Observando tais empreendedores/compositores que buscam sempre elementos
novos para uma tentativa de sons inesperados, vimos que neste campo das técnicas
expandidas (extended technique) não seria producente haver padronização, sistematização e
nomenclatura de grafias para os efeitos sonoros desejados. Em se tratando de música
contemporânea tal atitude poderia inibir, limitar e pasteurizar avanços e possibilidades,
perdendo-se um leque de possibilidades que ainda estão em pleno desenvolvimento. Aquilo
que o compositor está sugerindo ou pensando em termos de resultante sonora pode não ser
a palheta ofertada e padronizada que irá dar uma sonoridade preestabelecida. Ou mesmo,
como experiência própria, algumas das minhas incipientes composições começaram
simplesmente realizando gestos e padrões aleatórios no violão, o que fui aos poucos
anotando e grafando. Portanto, bastou-nos elencar esse universo de possibilidades e
gostaríamos de mencionar que não se estanca aqui. O compositor, em parceria com o
violonista, pode sugerir, verbalizar, experimentar e propor ao instrumentista. Os
177
instrumentistas devem evitar frases feitas como “isso ou aquilo” não é possível de realizar e
buscar uma adequação técnica que poderá chegar a ideia proposta.
Ainda sobre padronizações, nos vemos um pouco desconfortáveis com o assunto
técnica43 , que muitas vezes é encontrado em ramos comerciais, de marcas e patentes:
técnica de Alexander (Alexander Technique), técnica de Pilates (Pilates Technique). Tudo
nos dá a sensação de parecer estar acompanhado de ferramentas e métodos à venda.
O que é a técnica? Meio para um fim e atividade humana. Seria a produção e uso
de ferramentas, assim como estas formam o conjunto da técnica. Ou seja, um compositor
quando organiza eventos súbitos de raspar a unha na corda ou bater no tampo, tanto a
criação desse processo quanto sua execução (no caso pelo intérprete ou compositor-
intérprete) serão, segundo Heidegger, a técnica.
Mas, e se técnica não for um simples meio? Afinal de contas, o correto, a
determinação instrumental da técnica, afirma apenas algo exato e acertado naquilo que se
dá e está em frente. A essência do que se dá fica, no entanto, não descoberta. O verdadeiro
acontece onde se dá esse descobrir da essência e deste modo nos conduz a uma atitude
livre com a técnica. A busca da verdade da técnica se dá através do questionamento da
instrumentalidade, daquilo a que pertence meio e fim. Onde se perseguem fins, aplicam-se
meios, onde reina a instrumentalidade, aí também impera a causalidade (HEIDEGGER apud
CASTRO, MC, 2005).
43 No que diz respeito a técnica interpretativa do violão, iniciei meus estudos em uma era em que havia as
afirmativas de técnica do professor Carlevaro, técnica do Tárrega. Atualmente, aquele que se diz pertencer a
uma escola ou técnica determinada muitas vezes é rotulado de ultrapassado, pois, o que se entende como
processo progressista é justamente absorver conhecimentos de diversas linhas de pensamento, exercitando
tanto seu poder de síntese quanto de concentração no foco dos objetivos e metas naquilo que empreendeu.
178
A problematização do conceito ténica surgiu em virtude de um dos compositores e
objeto desse estudo, Arthur Kampela, ter intitulado seu processo de composição como
tapping technique (técnica do bater/técnica do tapa?). É óbvio que no que diz respeito ao uso
pessoal do compositor vemos que tais efeitos são determinados por ele no âmbito de sua
familiaridade com o instrumento e de sua inquietação pessoal. Restringiríamos as
possibilidades se fizéssemos uma via oposta, advinda dos intérpretes oferecendo, por
exemplo, sempre que a percussão na ponte deva ser com o dedo “x” obterá o atrito tímbrico
“xy”. Com certeza os compositores devam ter suas opiniões e ideias relacionadas à
resultante sonora. Acreditamos que as ideias de Brian Ferneyhough em Kurze Schatten II
ligada a teorias visuais, luz, etc associadas a sonoridades intrínsecas do violão são boas
ideias. Porém na prática, por uma ordem técnica instrumental, não caíram no gosto da
crítica.
Todavia, estamos em um universo acadêmico no qual podemos questionar
comportamentos. Porém, tais questionamentos devem estar suportados, embasados com
suas ferramentas metodológicas. Portanto, a intenção é aprofundarmos a reflexão o mais
dialeticamente possível numa tentativa de conceituar o fenômeno para uma adequação ao
universo técnico e estético violonístico. Por isso organizou-se, como resultado da pesquisa, o
Capítulo 4, Procedimentos Articulatórios no Violão, que busca traçar um relatório das ações
buscando suas resultantes, tudo de forma muito subjetiva, para que não percamos as
surpresas das autenticidades futuras de intérpretes vindouros. O DVD com exemplos de
obras completas e também de fragmentos dos efeitos pode ser uma ótima ferramenta de
apoio e reflexão. Além disso, exemplificamos no quadro geral de obras abordadas dos sub-
capítulos 4.4 e 4.5, suas respectivas informações classificatórias sobre os timbres
violonísticos.
Nossa hipótese permeou o texto do trabalho e concluimos que não somente
possibilidades de variáveis tímbricas foram a causa da diversidade de repertório violonístico
contemporâneo. Justificamos a importância do violão na música experimental, não só pelo
fato da técnica expandida desenvolvida, mas também por ter sido um instrumento
marginalizado no espaço erudito brasileiro. Isso permitiu aos músicos que trabalhavam com
o instrumento total liberdade e espaço para experimentação tímbrica que talvez outros
instrumentos e contextos musicais não permitissem. Nesse sentido se ouvimos Kampela e
Mello, vemos que muito da técnica é fruto dessa mistura. Não só a herança da música formal
179
europeia, mas com a música popular brasileira. A legitimação que Kampela busca são as
sonoridades espontâneas para que não se chegue a comparação.
Quanto ao objeto propulsor desses questionamentos, o corpo, ficou muito evidente
a correspondência entre ele, o instrumento, tido como uma verdadeira extensão das
possibilidades daquele e as resultantes da técnica expandida. Discorremos sobre
experiências próprias em universos diversificados da música: popular? erudita?
contemporânea?
Observei que uma performance musical permite conceber variáveis fora do
sistema (sistemas de articulação com vocabulários individuais corporais). Por isso se fez
necessário uma pesquisa no assunto, pois, issopoderia auxiliar a criar novos gestos com o
objetivo de produzir novos meios de mensagens. O corpo possui certas habilidades e está
ligado ao raciocínio, emoções e sensações. Também observamos gestos criados dentro da
escritura musical que buscavam resultados nitidamente pantomímicos, forçando o corpo do
instrumentista buscar posicionamentos e gestos que sem eles a sonoridade desejada não
seria atingida.
Nossa trajetória é contínua, por sorte. Se há perguntas nessa tese que não foram
respondidas, fico satisfeito. Como aquela de trazer à tona efeitos indesejáveis da prática da
música popular brasileira para a música contemporânea: ruído de cordas pelas unhas,
gestos de execução de acordes buscando efeito percussivo, etc. Kampela irá demonstrar no
longo de Percussion Study 1 uma batalha entre o som tradicional e o expandido, finalizando
a obra com um som expandido (pizzicato a la Bartok). A pergunta que se faz é se o som
expandido venceu o jogo ou foi eliminado para não estender demasiado a pergunta. Em
Chico Mello, a scordatura que resignifica o som da viola caipira com a percussão atrás do
braço do instrumento é depois alterada pela caneta (instrumento preparado, porém
instrumento de eruditos e letrados) e que modifica etnicamente a intenção para uma música
“visivelmente” reiterativa indiana. Isso responderia às nossas questões? Quem sabe. Prefiro
que continuemos e que os compositores continuem cheios de perguntas para que sigamos
produzindo um repertório belo e de qualidade.
180
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192
DOCUMENTOS SONOROS - COMPACT DISCS
193
5. TÍTULO: Quarteto de Violões de Curitiba
DADOS EDITORIAIS: 1991, Fundação Cultural de Curitiba
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco 33 1/3 RPM Stereo Vinil 12 pol
NOTA: Transcriçõs e Arranjos: Orlando Fraga
CONTEÚDO: Lado A – Antonio de Cabezon: 5 Diferencias sobre el Canto del Caballero;
John Dowland: The Earl of Essex, his Galliard - Captain Digorie Piper's Galliard - The King of
Denmark, his Galliard; Igor Stravinsky 1862-1971: Waltz – Andante – Balalaika; Guilherme
Campos da Silva: Cidade 87; Lado B – Homero Perera,: Hojas – Charcos – Domingo; Astor
Piazzolla: Tango de Angel - Verano Poteño
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Música de Câmara 2.Violão 2.Erudito
INTÉRPRETES: Quarteto de Violões de Curitiba (Mario da Silva, Guilherme Campos, Paulo
Demarchi, Rogério Budasz e Orlando Fraga).
194
9. TÍTULO: Tu Tausan Tu Elve
DADOS EDITORIAIS: 2012, Maximus,
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco Digital 4,8 pol
ENCARTE:Texto de Ruy Castro
CONTEÚDO: 1 Baião Mario da Silva 2 Jardins do Céu de Audí Andre Abujamra 3 Delicando
Andre Abujamra 4 Dna Da Dança Mario da Silva 5 Canção Estranha Mario da Silva 6
Compo2010 Mario da Silva 7 Pesteou o Lagarto Mario da Silva
8 Tu Tausan Tu Elve Mario da Silva & Andre Abujamra 9 8 em 6 Andre Abujamra
ASSUNTO/GÊNERO: 1. Violão 2. Erudito. 3 Música Contemporânea
INTÉRPRETE: Mario da Silva, violão solo, duo de violões e octeto de violões.
195
31. ME 8586 - Turíbio Santos – Prélude no 6
32. ME 8676 – Radamés Gnattali – Pequena Suite
33. ME 9105 – Turíbio Santos – Suíte Teatro do Maranhão
PARTITURAS
196
ANEXOS
ANEXO 1
Partituras utilizadas
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
Dança
Para 4 violões Chico Mello
Mais ou menos rápido
4 #œ»»» #œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» »»»œ œ»»» œ»»» »»»œ œ»»» œ»»» œ»»» »»»œ #œ»»» #œ»»» »»»œ »»»œ œ»»» »»»»œ œ»»» œ»»» »»»œ œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» »»»»œ œ»»» œ»»» #œ»»» #œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» »»»œ »»»œ »»»œ œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»» œ»»»
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cresc.
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l & l cresc. l l
l F l l l
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afrouxar tarrachas até que o som extingua
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ANEXO 2
261
Edino Krieger. Entrevista cedida à Mário da Silva no dia 19 de março de 2010, na
residência de Edino Krieger no Rio de Janeiro.
Mário - Eu comecei esse projeto (sobre técnicas expandidas) e estava trabalhando muito
essas obras com percussão no tampo, inclusive você sabe que eu gravei a Ritmata em 1997.
Do ponto de vista sonoro, quais os impulsos que o levaram a compor uma obra tão inovadora
como a Ritmata (1971) na qual você utiliza sonoridades não tradicionais e expandidas como
percussão no tampo.Como você chegou a esse nível de informação com o violão?
EK – Para te falar muito a verdade eu não sei. Isso foi uma coisa assim mais ou menos sabe,
aconteceu. A única coisa que eu tinha feito para violão era um Prelúdio para violão. Que eu
nunca tinha dado para ninguém, porque eu achei que aquilo era uma peçazinha que eu tinha
feito pra conhecer melhor o instrumento. Um tratamento muito tradicional do violão, mais ou
menos na linha (sem a qualidade) dos Prelúdios de Villa-Lobos. Foi na década de 70
(Ritmata é de?)
Mário – Ela é datada de 1974 e a edição 1975, não sei quando ao certo você terminou?
EK – Foi 74. Aí o Turíbio (Santos) chegou. Eu tinha dado uma cópia do Prelúdio para ele.
Mas eu disse que é só como documento, não para tocar. Isso não é uma peça de concerto.
Ele chegou com uma proposta de fazer uma peça, um projeto com a Max Eschig de Paris e
editar uma coleção de música brasileira nova e gravar também pela Erato de Paris. Ele me
disse que queria uma peça nova para violão, e eu comecei a demorar: “ou você faz uma
peça nova ou eu vou tocar o Prelúdio”. Eu disse: - Turíbio isso é chantagem mas tudo bem
(risos). O Turíbio disse “eu vou aí pra gente conversar um pouco sobre as técnicas de
violão”. Eu tinha estudado um pouco de violão com ele. Mas pra gente conversar um pouco
sobre as possibilidades técnicas do violão. Ele veio uma noite e tomamos uns vinhos e
conversamos mais sobre .mas não se falou sobre tapping1, Isso aí não. Eu comecei a fazer a
peça e terminei uma semana depois. Eu telefonei e disse Turíbio está pronta a peça, dá uma
passada aqui. Eu chamei Tocata para violão e ele pegou olhou a peça e disse “olha tem
umas coisas interessantes aqui, o negócio aqui é batido?” Eu disse sim. “Que idéia
interessante”. Eu disse olha se você acha que não está bom, eu faço outra. Ele disse “não ta
1
tapping technique, percutir partes do corpo de instrumento para obter efeitos percussivos diversos e
expandidos
262
ótimo, ta muito bom mas eu acho que tem demais”. E na verdade tinha demais mesmo.
Várias coisas de bater com as duas mãos.
Mário – Mas você tem esse manuscrito ainda?
EK – Eu devo ter sim esse manuscrito. Ele achava que não ia soar suficientemente bem.
Aconselhou a deixar alguns tappings do início e outros tirar, fazer normal. Mas enfim ele
mesmo sugeriu. Eu chamei Tocata porque eu gosto dessa pulsação rítmica da Tocata, esse
dinamismo rítmico sempre gostei muito. Não da Tocata de Bach, mas da Tocata mais
contemporânea de Prokofiev que tem aquela pegada e ligada rítmica. Eu sempre gostei
muito da Tocata. Ele disse: “mas olha tem tanto ritmo que eu chamaria isso de Ritmata,
posso rebatizar”. Eu disse pode, essa é sua é dedicada a você e pode fazer o que quiser. Ele
rebatizou como Ritmata
Mário – De fato um nome que pegou mesmo?
EK – É. Ritmata. Foi assim. Uns tempos depois o Sérgio Assad me disse “você sabe que
você inovou com esse negócio de batida nas cordas do violão. Isso é uma coisa pioneira da
Ritmata, depois aquele americano o Stanley Jordan usou e eu acho que você deveria cobrar
direito autoral dele (risos)
Mário – Você tinha o interesse já pelo serialismo integral, pois, foram eles que começaram a
serializar timbres.
EK – Não eu não fiz, eu nunca fiz serialismo integral. Eu fiz serialismo normal e serialismo
vertical que eu inventei
Mário – Que você fez no Estro Armonico.
EK – Estro Armonico. Mas de serializar tudo nunca consegui, sempre achei que isso inibia
um pouco a criação, a fantasia, ficava uma coisa muito esquemática, matemática demais.
Mario – Mas atraia no violão (a questão rítmica e tímbrica)
EK – Isso me atraia sim, certamente. Nessa peça, na verdade eu não sei. O Turíbio me disse
“pensa alguma coisa no violão bem moderno”. Eu disse também, e pensei e saiu isso. Se eu
tinha planejado, não tinha.
Mário – Você chegou a ter conhecimento do repertório, como obras de Leo Brouwer?
EK – Não. Na verdade não, não sei se Leo Brouwer tinha feito isso não.
Mario – Ele fez em 1964 a Espiral Eterna e Elogio de La Danza com batidas e percussão no
tampo, no braço nas cordas
263
EK - Na verdade eu conhecia muito pouco as coisas do Leo Brouwer. Eu não estava muito
ligado no repertório contemporâneo do violão.
Mario - Mas é interessante isso mesmo que o Assad falou, você e o pioneiro nisso no Brasil.
Você acabou gerando, foi uma gênese que culminou no Kampela por exemplo. E ele
radicalizou no elemento não tradicional.
EK - Mas eu não tive nenhuma preocupação de ser pioneiro de coisa nenhuma. As vezes
acontece de você ter uma idéia, não foi intencional do tipo “vou fazer uma coisa
revolucionária”. Foi a proposta de usar o violão, uma fonte sonora contemporânea. Eu gosto
muito do violão porque a sonoridade não reforça a dissonância, de uma certa maneira ele a
suaviza, você pode fazer qualquer tipo de dissonância no violão que soa bem. Não tem uma
sonoridade agressiva, se você fizer dissonância no cravo ela fica reforçada pelo timbre, pelo
ataque, do cravo, no piano por exemplo. No violão não, você pode fazer o que quiser. Soa
muito bem, tudo que você quiser, acho fantástico. Por isso certamente eu não economizei
em matéria de sonoridade e dissonância, embora também não tenha uma linguagem
dissonante e propositalmente agressiva.
Mario – A Ritmata intercala esse panorama do violão como símbolo nacional, uma espécie
de reflexo do que Villa-Lobos fazia, mas especialmente uma parte inovadora (inovativa) que
você conduz do violão, no começo nas percussões e na parte central.
Como foi estender essas idéias da Ritmata no concerto para violão e Orquestra. Foi divertido
isso, principalmente no I Movimento?
EK - Você fala do (Edino escreveu outro concerto para violão e cordas?
Mario – Estou falando do Concerto para Dois Violões e Cordas?
EK – Esse sim, é uma espécie de extensão da Ritmata. As experiências todas da Ritmata me
valeram muito para fazer essa peça para dois violões. Embora ela tenha talvez um cunho
mais virtuosístico do que a própria Ritmata. O virtuosismo da Ritmata está nas dificuldades
técnicas que a peça propriamente tem. O Turíbio disse “ta bem que você caprichou, mas não
precisava fazer uma coisa difícil”.
Mario – O que eu acho interessante da Ritmata é a associação de ser uma obra com
conteúdo muito profundo de desenvolvimento mas com um idiomatismo não usual em
compositores que não conhecem muito o violão. Tanto é que você falou que estudou o
instrumento. Tanto é que Berkeley (que você estudou com ele) e Walton, com orientação do
264
Bream, tiveram que fazer muitas modificações nelas. Eram compositores que não tinha
aproximação com o idiomatismo. No seu caso você mostra essa aproximação.
EK Na verdade quando escrevo para violão, tento verificar se aquilo que eu escrevi é
exeqüível. Isso eu consigo fazer. Eu não consigo tocar, não consigo tocar a Ritmata de jeito
nenhum. Mas eu conhecia suficientemente o violão para depois de escrito, testar. Colocar os
dedos nas posições, colocar o dedo onde ia bater. Esse conhecimento básico eu tenho, sei
onde estão as notas, as posições. Isso ajuda muito, porque te dá a certeza que você não
está fazendo nenhuma besteira. Fazendo acordes de três notas na mesma corda (risos).
Mario - Tem uma coisa que você estudou instrumento de Cordas.
EK – Eu estudei violino. Claro, também já ajudou.
Mario - No caso do concerto para dois violões tem tappings na Orquestra
EK – Sim, na orquestra inclusive. Mas, mais no corpo dos instrumentos. Não lembro se nas
cordas.
Mario - Você tem um certo fascínio pelo timbre, em manipular nos instrumentos?
EK. Sim mas não é um preocupação primordial. Nunca foi. Tenho explorado timbres,
sobretudo nas cordas, harmônicos e várias maneiras de produzir o som. Mas não é uma
preocupação fundamental. Uso timbre como componente normal e natural de uma
linguagem. Não procuro fazer uma música só de Timbres. Tem alguma coisa como as Três
Imagens de Nova Friburgo na qual tem esse negócio de timbres nas cordas. Mas tinha uma
relação com aspecto visual, um primeiro movimento que se chama Nevoeiros. Essas
sonoridades fluídicas, superposição de cluster e harmônicos. Uma sugestão de ambiente,
mas enfim, o timbre é um componente importante.
Mario – No violão, uma das características principais é o timbre, principalmente em função da
deficiência de volume. Por isso a Ritmata tem esse privilégio e potencial. Quando você
compõe você pensa no som, na forma, ou nos dois?
EK Geralmente é uma coisa que acontece mais ou menos simultânea. No caso da Ritmata o
Turíbio tinha falado numa peça curta de 5 ou 6 minutos, então já tinha esse plano. Para mim
sempre foi importante o ponto de partida a primeira idéia que você tem para trabalhar em
cima dela.
Mário - Tem algumas análises da Ritmata que tratam muito pela organização modal e
diatônica dela, das quartas justas associadas à corda solta. Às vezes eu acho um pouco
265
injusto nas análises. A Ritmata fornece muito mais, que é justamente o contraponto das
formas tradicionais com sonoridade não tradicionais, e como elas interferem.
EK - Se bem que a Ritmata ela não é serial. Ela é um atonalismo livre. Uma coisa que
sempre me preocupa muito, é que a seqüência das idéias tenha uma certa lógica entre si,
que elas aconteçam com uma certa lógica. Eu procuro não fazer nada que de repente você
se questione porque você fez isso. Isso tem a ver com o quê, não tem haver com nada? É
uma coisa que me preocupa. Que tenha uma estrutura uma lógica de pensamento. Enfim,
que quem ouça não tenha sustos de vez em quando, se bem que o susto às vezes é
importante, elemento de choque, de surpresa, é também um elemento de construção da
música, claro que é. Isso tem haver com o timing das coisas, porque muitas vezes você ouve
certas peças e você se pergunta porque tanto tempo dentro da mesma coisa, esgotou o
tempo psicológico, já está saturado ouvindo. O compositor não se dá conta, acabou aquele
tempo, ele já devia estar com uma idéia nova, uma surpresa qualquer. Essa lição você tem
em todos os grandes compositores, alguns não (risos). Parece que não tem. De repente você
ouve uma sinfonia de Bruckner, (e se pergunta): mas muda o tom, sai de ré maior!!!
Mario – Eu lembro que no Teatro Guairá a Orquestra da Renhania improvisou toda a 5ª.
Sinfonia de Bruckner... (a luz do teatro havia acabado). Atualmente o pessoal na música
contemporânea vem citando muito as questões que Pierre Schaffer desenvolvia, a análise
sobre o espectro sonoro, tentar analisar a música pelo som e não sua forma, por isso eu fiz
essa pergunta de som e forma. Se forma é importante ou as vezes estraga.
EK - São dois componentes da música que andam juntos ou em conflito, as vezes na história
tem períodos que eles estão juntos, a forma e expressão, linguagem expressiva, outras
vezes não, eles entram em choque. Há momentos no século XX que a preocupação maior,
não estava no aspecto expressivo, estava com os componentes timbricos, espectro do som,
o som enquanto fenômeno acústico passou a ser uma preocupação maior do que o som
enquanto instrumento de expressão musical, houve um momento de descompasso entre
esses dois componentes. Sempre me preocupei muito em que o som fosse a serviço do
pensamento musical, da linguagem musical, da expressão musical, e não somente um
fenômeno físico acústico, pelos componentes formais da fonte sonora, isso sempre me
preocupou muito. Mesmo quando eu fiz música serial, a série nunca foi uma coisa
determinante, a técnica, do serialismo por exemplo, você tem que utilizar e não ser utilizado
por ela. A finalidade sempre é fazer música, não importa que técnica você utilize, porque há
266
muitos compositores que se deixam envolver de tal maneira por procedimentos técnicos,
valores intrínsecos da matéria sonora em si, que são evidentemente uma fonte de pesquisa,
uma coisa admirável você entender e poder dominar esse aspecto orgânico da fonte sonora.
Mario - Não virar um virtuosismo composicional.
EK Exatamente. Mas eu acho que, pelo menos não perder de vista que tudo isto existe em
função de você ter alguma idéia musical, que possa estabelecer um contato, um poder
comunicativo, uma forma de comunicação. Não está fazendo por elucubração pessoal, mas
para alguém que vai escutar e que deve entender aquilo que você estava pensando.
Mario – Ou que deva fruir.
EK – Sim claro, exatamente.
Mario – É um pouco parecido com os instrumentistas, que são virtuoses puros e aqueles que
buscam passar uma expressão.
EK - Eu acho que esse dualismo básico que tem na música, uma matéria que é transformada
em expressão, isso aí existe em todos os campos, tanto da criação quanto da interpretação.
Às vezes tem um instrumentista que é um prodígio, fantástico, mas do ponto de vista musical
ele não passa nada. Passa o assombro, o domínio que ele tem da técnica musical, sobre a
matéria sonora, mas fica te devendo um pouco em relação a comunicação, a capacidade de
comunicação que deve ser fundamental.
Mario - Quando você esteve em N.Y onde estudou na Juilliard School com Peter Menin, já
falavam sobre o instrumento preparado e sonoridades expandidas. Isso foi na década de 50.
EK Sim havia alguns estudantes que se interessavam por isso. Na Juilliard eu estudei com
Peter Minin que foi aluno da Nadia Boulanger em Paris. Ele vinha desta escola mais
tradicional, era um compositor neoclássico.
Mario – Mas o Henry Cowel, você teve contato com ele?
EK Não. Eu visitei o Henry Cowel, ele não fazia parte do staff da Juiliiard, não era professor
da Juilliard. Eu fui visitá-lo e sabia da importância dele. Eu não tive contato com esse
pessoal, o próprio Koellreutter havia falado “se você puder escolher na Juilliard, não procure
um vanguardista, procure um professor que tenha outro tipo de formação, isso será melhor
para você, isso amplia o teu leque de conhecimento”.
Mario - Claro pois com o Koellreutter você já havia aprendido.
EK - Ele disse “você não vai pra Juilliard pra aprender o dodecafonismo, isso você já
aprendeu comigo”.
267
Mario – Como foi o contato com Lennox Berkeley, foi na Inglaterra quando?
EK - Foi 1955.
Mario – A sonatina já havia sido publicada mais o concerto que o Bream gravou. Mas você
ainda não tinha contato.
EK - O meu contato com violão em Londres era porque frequentemente a gente fazia
reuniões em casa de brasileiros, as pessoas queriam cantar música brasileira, Noel Rosa, eu
tocava um pouquinho de violão popular, e quando descobriram isso me puseram o violão na
mão. Eu tive que participar tocando serestas, canções do Caymmi e música do Noel.
Mario – Isso era comum, meu pai me trazia para o Rio pra tocar.
EK - Os brasileiros lá em Londres me conheciam como o rapaz do violão.
Mario – O violão não tem manifestações rítmicas estereotipadas.
EK - É verdade. Tinha inclusive um secretário da embaixada brasileira lá em Londres, era
excelente pianista o Manoel Antonio Browne. Inclusive um dos Choros de Villa-Lobos para
piano e orquestra foi dedicado à ele. Ele fez a primeira gravação com Villa-Lobos em
Londres. Muito bom pianista, mas tinha pavor de tocar em público. Nunca mais tocou em
público. Mas tocava às vezes, fazíamos reuniões na casa dele. Sobretudo quando ia algum
pianista brasileiro pra lá, ele tocava música brasileira. Inclusive a Sonata a quatro mãos que
eu fiz lá em Londres a gente lia e tocava. O Manoel Antonio Browne gostava que cantasse
Noel. Insistiu de me apresentar aqueles antros no Soho. Tem aquelas caves onde se
apresentam artistas nos pubs, e ele queria muito que eu fosse me apresentar lá. “Vou
apresentar você”. Aí eu ri, eu vim estudar composição em Londres, não vou tocar em pub
(risos).
Mario – Mas é sempre bom experimentar tudo você vira uma parabólica. Fonte Sonora
EK – Eu tenho certeza que todo esse tipo de experiência ele acaba aparecendo de alguma
forma, na maneira de você pensar, acho que tudo é lucro. As minhas impressões seresteiras.
A gente pode optar entre um vinho do porto, cointreau. Ou licor de cachaça. Acho que
podemos encerrar. Mas não posso pegar o licor de cachaça amarrado ao microfone.
FIM
268
ANEXO 3
269
CORPO E PERFORMANCE E O TEATRO
270
os métodos de educação “de cima para baixo” ainda imperam, onde o detentor do
conhecimento é rei e não há espaço para a discussão. Isso é muito freqüente em
conservatórios musicais e até mesmo em algumas universidades com graduação em música.
Em minha opinião, a música não adoece, ao contrário, cura o indivíduo. Há relatos míticos e
científicos em relação a isso3.
Observa-se que há situações diversificadas dos músicos, como músicos de
orquestra que tem de cumprir horários e obedecer a um repertório não programado para sua
propriocepção ou ergonomia. Ao contrário do músico solista, que escolhe o horário de suas
práticas, tornando mais flexível a atividade corporal, além de repertório adequado às suas
condições técnicas. Se há o desejo do corpo parar, pode fazê-lo o que não acontece com um
músico de orquestra. Concluindo, há um limite para o corpo. Não entendemos por que estes
aspectos acontecem principalmente dentro do universo da música histórica tradicional. Já
experimentei isso realizando concursos. Parece que interpretar a música clássica ou
romântica requer uma autocrítica aguçada. Não há satisfação. Nunca o que está sendo feito
é suficiente, parece que tem de melhorar. Observei que era obedecido um modelo de
paradigma interpretativo estrangeiro. Se não fosse equivalente ou melhor que o pianista ou
violonista europeu “x” fizesse não estaria satisfatório. Isso é o que pode ser conceituado de
função reprodutiva do conhecimento do músico segundo padrões preestabelecidos. A
seleção competitiva das espécies Darwiniana contaminando o universo musical. Vislumbrei
um campo mais do ponto de vista de Maturana, quando as espécies se amalgamam no
tecido misterioso da vida para sobreviverem.
3
A MEDICINA E A MÚSICA. Os gregos [...] souberam separar para um só deus – Apolo – a medicina e a
música. Zeus sabia [...] que deveria colocar essas duas artes sob o domínio do mesmo. Francis Bacon afirma:
“Os poetas fizeram bem unindo a Medicina e a música em Apolo; porque o ofício da medicina nada mais é que
afinar a curiosa harpa do corpo humano e levar harmonia”. Esculápio, filho de Apolo, herdou do seu pai a
medicina e cirurgia, [...] assim, tratava toda e qualquer doença com os sons de sua lira. Na Odisséia, Homero
contou que Ulisses, ao ser ferido no joelho, sarou a própria ferida com o entoar de trovas. Orfeu, quando
desceu ao inferno para buscar sua amada Eurídice, trouxe as lágrimas aos espíritos, através do som
comovente de sua lira. E conseguiu ainda fazer com que Tânatos, mesmo sedento, parasse de buscar água e
que Sísifo deixasse a inútil tarefa de rolar uma pedra até um topo. (Souza NA: “As duas faces de Apolo”; 2000).
Inúmeros são os trabalhos envolvendo a terapia da música. O japonês, Dr. Masuru Emoto, desenvolveu a
“Mensagem das águas”, colocando a molécula da água sob a influência de diversos sons, dentre os quais
músicas de Bach e Chopin, e evidenciou uma nítida harmonia nos cristais da água. O corpo humano tem na
sua constituição 70% de água e pode estar aí uma das explicações para o efeito benéfico da música.
http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=16968&AUT_ID=93 acesso em 30 de abril de
2011.
271
Na música contemporânea o processo para aquisição de resultados estaria mais
próximo pois há relação entre os agentes da composição e interpretação. A opção por um
repertório brasileiro contemporâneo significava ser porta voz da criação autóctone.
Entretanto, ainda faltava uma ligação mais apurada entre os estudos de preparação para a
performance musical e as ações que acontecem durante a performance propriamente dita.
Desta forma, constata-se que o estado corporal sobre a performance de uma obra
musical se instaura em dois aspectos distintos, porém complementares: aquele estado
corporal que prepara o entendimento para performance musical e o estado corporal que
realiza a performance “temporal” musical per si. O ideal é quando estes dois estados se
equiparam. Aquele corpo que está preparando o estudo da obra para performance será o
mesmo do start da performance musical. A reflexão sobre o mesmo corpo gera uma série de
ambiguidades. Nunca um corpo será o mesmo. Porém, há sempre o desejo dos
instrumentistas de se sentirem bem no momento da performance, tal qual no aconchego do
seu “lar’, que também pode ser traduzido por “corpo”. Mas a palavra “estado” corporal ajuda
a aprofundar e problematizar. É como esse “agora” de escrever o que o cérebro está
processando e refletindo. Processando o que a memória/corpo guardou nas experiências e
refletindo o que foi escrito a respeito do assunto e o que serviu para este “agora”, que já não
é mais na sua leitura. Estou falando/escrevendo de você/eu que está/estou lendo.
A leitura posterior irá trazer outros estados corporais. Como o objetivo de todo
compositor é criar novas possibilidades sonoras para determinados instrumentos, há a
distensão de um corpo performático de novos signos que acontecem no corpo e do corpo, o
que ficou definido como corpomídia4 por Antonio Damasio (DAMASIO, 2003) e Helena Katz
(GREINER & KATZ, 2001). Essa distensão irá dialogar com nosso tema, técnicas
expandidas. Mesmo não considerando o movimento corporal inserido no processo
composicional como em Mauricio Kagel e Guilherme Bertissolo, novos gestos se integram a
novos procedimentos composicionais. Não podemos esquecer que a música instrumental no
longo de sua história, emancipou-se justamente por suas fortes características de difusão
4
A idéia de corpomídia é aquela do lugar como informação; a idéia do corpo como estágio do corpo e do
mundo; não é a idéia de atravessar o corpo, mas sim, traduzir o sentido da existência em “tempo real”, pois o
corpo e a informação são juntos. A informação o faz, ou seja, “faz” o corpo. Este corpo é co-evolutivo, pois
qualquer sistema é um sistema “aberto” onde a processabilidade não cessa nunca, pois corpo e ambiente estão
se construindo, trocando informações com o ambiente (corpo como sistema aberto). A informação que ele vai
emitir é ele mesmo – o corpo. Ele – o corpo – é a informação; é o arauto deste processo. O corpomídia é que
“faz” a informação, conseqüentemente, todos os corpos são corpos-mídia.
272
sonora. A chamada música sem palavras. “A música existe para dizer o que palavra não
pode dizer” segundo Sainte-Colombe, porém ficamos com a proposição de Carrasco: “A
palavra existe para dizer o que a música não pode dizer” (CARRASCO, 2003, p.12).
Então, se palavra serve como elemento catalisador e ferramenta de uma tentativa
de definição, iremos substituir para “a música existe para dizer o que o corpo não pode
dizer” ficando automaticamente com a proposição “o corpo existe para dizer o que a música
não pode dizer”.
Antes de desenvolvermos isto, uma breve abordagem dos aprendizados no
universo das ações cênicas, ou teatro música como é chamado será discorrida à seguir.
Observei que para usar o corpo conscientemente conforme as afirmativas acima
eu teria que me aprofundar num intermediário lógico que iniciei na minha formação. Estudos
sobre o teatro e como estar em “cena”. Mais do que isso, o que esse estudo poderia
contribuir para a música contemporânea na qual eu estava militando e imergindo, afinal de
contas, não era somente uma busca técnica, melhor, uma busca estética.
A dimensão visual da música não é um fenômeno novo. Desde os tempos das
primeiras civilizações, a música fez parte de um rito; nas celebrações religiosas e nas
representações de espetáculo, a música, a ação e a reação da platéia estiveram
estreitamente ligadas. É lógico, portanto, ampliar a música contemporânea por meio do
interesse visual, e tratar de provocar o público de uma forma mais direta. O velho conceito
dos concertos interpretados com uma imobilidade relativamente rígida, com uma platéia
completamente passiva é considerado obsoleto para os dias de hoje. Para John Cage, a
música pode ser ação, os movimentos e os gestos do intérprete podem ser uma extensão de
seu instrumento, um prolongamento de sua personalidade. Se em algum momento os
intérpretes falam, isto pode ser parte integral dos padrões sonoros como em Sonant 1960 de
Mauricio Kagel.
Definir teatro musical categorizado na música contemporânea é extremamente
complexo em função de haver o musical e o teatro musical. No musical encontramos a
definição de Stanley Sadie na qual é “um enredo construído sem rigidez, onde se combinam
elementos cômicos e românticos; a música consiste geralmente de canções, números de
conjunto de danças, com melodia de fácil apreensão e de caráter sentimental” (Stanley
Sadie, 1994). Porém essa definição também é encontrada se procuramos teatro musical:
Teatro musical é um estilo de teatro que combina música, canções, dança, e diálogos
273
falados. Ambas estão delimitadas por um lado pela sua co-relação com a ópera e por outro
pelo cabaré. Finalmente se procuramos por teatro musical de Mauricio Kagel encontramos
interessantíssimas filtragens no qual o teatro experimental vem de encontro ao projeto
proposto do corpo desse texto. Relaciona-se principalmente com o teatro instrumental,
usando uma linguagem de corte neodadaísta, renovando o material sonoro, empregando
instrumentos estranhos e material eletroacústico e explorando os recursos dramáticos da
linguagem musical5.
Por sua vez, agora este conceituado teatro instrumental teve mais história nos
Estados Unidos do que na Europa. Os Festivais Once na Universidade de Michigan eram
muito populares e constituía um foro aberto. Artistas criativos exploraram conscientemente
elementos da interpretação que vão além da “música pura” e do som. Estes elementos da
interpretação podem ser abarcados dentro da categoria “teatro” e incluíam dança (atividade
física, gestos humanos e movimentos diversos), cenografia (luzes, justaposição e
manipulação das propriedades dos materiais usados), sons naturais (a integração artística
dos sons e o discurso da atividade no cenário) e a disposição espacial da interpretação
(formas de comprometer e confrontar a platéia).
As partituras para teatro instrumental podem compreender notação convencional
mesclada com direções de movimentos, e também incluem instruções de gestos, discurso,
movimento e sons livres. Aspectos essenciais das interpretações são efeitos com luzes e a
inclusão de filmes, dispositivos diversos, sons gravados, etc. O objetivo era produzir uma
influência de meios combinados sobre os sentidos em geral. Peças de John Cage como o
Theatre Piece (1960) eram peças que poderiam ser executadas tanto por músicos como por
bailarinos e atores e consistia de ações de indeterminância em que grupo de pessoas ou
pessoas isoladas diziam verbos e substantivos espacializados, sendo que os significados
das frases iam se modificando de acordo com as escolhas. Os resultados musicais nas obras
de Cage sempre foram questionados e críticos aprenderam a flexibilizar suas ações e
pensamentos conceituais.
Por outro lado, o teatro instrumental na Europa teve um desenvolvimento musical
mais aprimorado do que na América. Os resultados cênicos e teatrais são mínimos, sem
5
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mauricio_Kagel acesso em 13 de agosto de 2011; BRINDLE, Reginald Smith. La
Nueva Música: El movimiento avnt-garde a partir de 1945. Tradução de Alicia Artal da 2ª. edição revisada
pelo autor, Buenos Aires, Ricordi Americana, 1996.
274
espontaneidade. Porém Kagel, a quem podemos considerar o líder europeu no teatro, tratou
de uma obra no estilo americano: Sur Scène (1959-1960). Esta obra, bastante extensa, é
chamada “música de câmara teatral em um ato” para narrador, mímico, fita gravada, cantor e
três instrumentistas. Os intérpretes surgem e começam a tocar espasmodicamente. Entra o
mímico e executa algumas ações inconsequentes. Por fim aparece o narrador e começa
titubeando uma palestra sobre a música contemporânea. A palestra se faz incompreensível
quando a confusão e a dinâmica aumenta. Em Match, Mauricio Kagel sugestiona a platéia no
texto do programa afirmando que a peça se tratava de um mesmo sonho que surge três
vezes, e que a versão diz respeito ao último no qual seria uma obra para dois violoncelos e
percussão. A obra, a princípio, parece dizer respeito a um duo altamente virtuosístico de
violoncelo com certas intervenções da percussão. Porém, um vai se dando conta que está
tratando de superar os esforços do outro, enquanto que o percussionista atua como um
árbitro, interrompendo de vez em quando com um comentário musical.
Ainda sobre o teatro europeu, em Passion selon Sade (1966) de Sylvano Bussoti
constitui uma amálgama com pitadas de dadaísmo decadente. Um organista vestido com
uma túnica vermelha sangue toca clusters. O cenário fica escuro. Algumas luzes ocasionais
mostram outros músicos, o cantor entra, canta, encosta-se a uma poltrona. Escuridão.
Correntes são arrastadas ao longo do cenário. Uma luz descobre o cantor e o diretor
abraçados, há um desenlace musical geral. O material cênico parece fraco, mas a música é
surpreendente e o efeito geral é soberbo. Esta parece definir a melhor categoria de
expressão do teatro europeu: a música de câmara entendida (ou expandida) através da
associação de um tema ideal, onde os efeitos de luz e os movimentos estão subordinados a
sugestão antes que a ação, e onde a substância musical se mantém a um nível alto.
Resumindo, o teatro europeu, tende a continuação de uma tradição européia substância
musical=significado relevante, enquanto que o teatro americano é um fórum aberto a
experimentação, que cria suas próprias tradições e convenções.
As duas tendências tiveram influência decisiva no Brasil e um dos grandes
representantes foi Gilberto Mendes. Beba Coca-Cola (1967) e Opera Aberta (1976) são
obras que usaram o teatro para argumentar críticas no fazer musical e no comportamento
social e político de um período da década de 1960 e 1970. As sugestões (antes da ação) de
ambas as peças são muito mais fortes do que o tecido sonoro empregado. Embora Beba
Coca-Cola possua um apelo político muito forte nos períodos de afirmação nacionalista, pois
275
estava criticando um produto que vinha do exterior e dominava o comportamento e estilo de
vida do país, a obra musicalmente transmitia críticas fortes à cultura do canto lírico e coral. A
obra é para Coro com palavras sem fonação na qual os procedimentos rítmicos eram
amalgamados a construção concreta do poema de Pignatari. Em determinado momento da
obra, um tenor lírico que consumiu anos de sua vida para sua formação vocal, é convidado
(como intérprete) a arrotar e imprimir a frase “babe coca-cola”. Há depoimentos do próprio
Mendes que a crítica a multinacional do refrigerante nem sempre é percebida. Muitas vezes
não se presta atenção no texto, só se ouve “Beba Coca-Cola” 6. Isso nos faz avaliar a crítica
em relação aos resultados sonoros obtidos em obras de teatro instrumental. Visto que minha
trajetória perpassou esses ambientes, pois vi e vivenciei alguns coros em festivais de
música, inclusive interpretando Beba Coca Cola (Fetival de Londrina 1985), os resultados em
relação ao corpomídia, se não estavam dentro de padrões satisfatórios ou aceitáveis,
estavam ali de alguma forma. Fato este que comecei a incorporar muitos procedimentos em
minhas performances ao violão.
A música contemporânea lida com mecanismos novos e inovadores, estes vão se
corporificando juntamente com a prática e experiência. De acordo com esses mecanismos de
criação inovadores, que levam a uma ação do signo, há uma continuidade por meio de
distribuição e transformação da informação. Esfregar uma corda, ao invés de pulsá-la
desloca o significado do som visualmente, corporeamente e, por conseqüência,
auditivamente (uma das bases do meu pensamento em Compo2010). Dessa forma, como a
cultura em seu todo está no corpo, os sons artificiais e não artificiais, são atos corpóreos,
pois consideramos o instrumento uma extensão do corpo/braço/ante-braço-
mão/dedos/unhas/carne. O som é corporificado, pois lida com a concretude sonora. Na
música contemporânea, além de novas sonoridades (expandidas e preparadas) há
estranhamento e novidade organizacional, como procedimento caleidoscópico desenvolvido
por Ferneighough comentado no capítulo sobre Kampela. Por essa questão novos
procedimentos composicionais lidam com a continuidade e novidade na distribuição e
transformação da informação. Mais interessante ainda, é que dentro dessas composições há
a possibilidade do senso comum e do não controlável, o que nos fornece a “não certeza”
conforme Cerqueira afirma:
6
PRADA, Teresinha. Gilberto Mendes: Vanguarda e utopia nos mares do sul, São Paulo, Terceira Margem,
2010. p.77
276
No instante que uma obra é criada, um novo sistema de certo modo nasce – o
sistema obra –, incorporando e re-funcionalizando em seu eixo outros macro e micro-
sistemas. Assim, todo material e suas leis (naturais ou não) se relativizam e subordinam à
autoridade da obra. Esta, tomando o lugar do autor, termina por criar o seu próprio mundo
(CERQUEIRA, 1991,apud BERTISSOLO).
Tais afirmativas sobre o corpo sonoro lidam com o conceito de que nós somos um
ser sonoro. John Cage foi introduzido numa câmara iconoidal e percebeu que não havia
silêncio, pois seu corpo emitia sonoridades graves (corrente sanguínea) e agudas (sistema
nervoso). Portanto, se o movimento corporal (ou simplesmente o estado corporal) é um
movimento sonoro por si, este movimento integra e qualifica consideravelmente a obra
musical na performance musical. Há desta forma, sonoridades transientes corporais
implícitas na performance musical que contribuem com uma diversidade de informações
estéticas acústicas, que de certa forma podem ser controláveis, manipuláveis ou deixadas ao
indeterminismo.
277
Bertissolo, pg 26. Símbolos para as partes do corpo segundo Laban.
278
ANEXO 4
Anatomia Humana para o timbre
279
Figura 1: O sistema auditivo.
7 th
RUSSEL & BRADLEY. K. Hobbie, J. Roth. Intermediate Physics for Medicine and Biology, 4 Edition,
Sringer, USA, 2007. p.348. A Medicina do Som.
http://www.amattos.eng.br/Public/INSTRUMENTOS_MUSICAIS/Textos/Medic_Som/Medicina_Som.htm, acesso
em 17 de julho de 2011.
280
ANEXO 5
Timbre e Descrição do Som
281
1 TIMBRE E DESCRIÇÃO DO SOM NO VIOLÃO
ou
J.F. Schouten subdividiu os parâmetros musicais do timbre em cinco sub-
parâmetros:
1. Envelope do tempo no decorrer da ascendência, duração e queda do som.
2. Prefixo – o ataque do som, totalmente distinto da última vibração mais próxima.
3. Envelope espectral – a amplitude das parciais do som
4. Mudança: do envelope espectral (formant glide) e freqüência fundamental (micro-
entonação)
5. A extensão entre o caráter tônico e quase ruído (a extensão da escala da perfeita
periodicidade a imperfeita periodicidade de um ruído randômico, casual)8
8
Schouten, J.F. The Perception of Timbre, Reports of the Sixth International Congress on Acoustics
(Tokyo: GP-6-2, 1968), p.42. Somente os quatro primeiros parâmetros são usuais para descrever o som do
violão em virtude das notas abordarem a periodicidade perfeita, sendo que os elementos ruidistas durante a
duração e declínio da nota são desconsideráveis.
282
Os parâmetros tímbricos podem ser usados para descrever exatamente qualquer
som, de um ranger de porta até o trêmulo de um violino, porém é comum usar equipamentos
científicos para analisar o som nestes componentes. O ouvido humano pode perceber a
frequência de objetos vibrando em qualquer lugar de +ou- 20 vezes por segundo (20hz) até
aproximadamente 20.000 (20kHz). Se um objeto vibra mais de 20kHz, o som não pode ser
percebido como freqüência, e se vibra menos de 20hz, o som é ouvido mais como uma
coleção discreta de eventos do que uma freqüência. O que significa, 20 hz é o tempo
constante do ouvido, o ponto no o qual o cérebro integra eventos discretos. Esse fenômeno é
análogo ao que acontece quando uma imagem em movimento é desacelerada: quadros
individuais são vistos e o movimento é congelado de um quadro ao próximo. Como o filme é
acelerado, um ponto é atingido de forma que o cérebro interpreta a recorrência das
repetições das imagens como um movimento fluente. Para analisar o timbre de um som,
deve-se compreender o que está acontecendo com a vibração do objeto durante essas
vibrações. Uma vez o intérprete entendendo essas ações, ele ou ela poderá manipular as
maneiras com as quais o instrumento vibra para controlar esses parâmetros perfeitamente.
A literatura para violão que aborda o assunto se resume ao livro de Emilio Pujol
que traçava aspectos romantizados das possibilidades e dificuldades de se obter um bom
som. Na época ainda se discutia se o violonista deveria tocar o instrumento com unha
comprida ou sem unha. Porém no final da década de 1980, Schneider publica o seu livro
sobre o violão contemporâneo que traz uma pesquisa assídua sobre a produção sonora no
violão9. Para Schneider, do ponto de vista do violonista, timbre é determinado quase que
completamente pela relação da mão direita com a corda. Isto porque a corda é o primeiro
componente do sistema de geração do som, e porque é o componente com o qual o/a
violonista tem o contato mais íntimo e deve entender como as cordas funcionam. Depois de
entender como as cordas interagem com o resto do sistema, o/a violonista pode aprender
como controlar a sua relação com a(s) corda(as), em termos de parâmetros separados do
timbre, tanto que ele/ela pode utilizar as possibilidades musicais inerentes desse sistema
versátil.
9
SCHNEIDER, John. The Contemporary Guitar (Music) (The New Instrumentation Series) (Paperback), Lt.
Gen. B. E. Trainor USMC (Foreword), Los Angeles,1985.
283
1.1 A CORDA
A maneira como a corda vibra é determinada por sua extensão, tensão e material
com o qual é fabricada. Uma corda vibrando gera simultaneamente diversas freqüências que
são produzidas pela vibração da corda em 2, 3, 4, 5... seções iguais (Figura 3). A frequência
de cada uma dessas divisões iguais é 2, 3, 4,vezes a freqüência fundamental da corda. Por
exemplo, se a freqüência fundamental da corda na Figura 3A for a mesma da 5a. corda do
violão (110 Hz ou ciclos por segundo), quando a corda vibra em duas seções iguais (Figura
1B), sua frequência vai ser 220 Hz; quando ela vibra em três seções iguais (Figura 1C), a
freqüência de cada terça-parte vai ser 330 Hz.
284
Quando as vibrações são em relações matemáticas simples de 1 : 2 : 3 : 4...., elas
são chamadas harmônicos, e suas frequências são pela série harmônica (Figura 2):
10
No original: mode, partial, overtone, and harmonic
285
11
Figura 3. Movimentos de uma corda “atacada”, tocada .
Quando cada uma dessas ondas vibrantes alcança seu limite (Figura 4), é
refletido de volta novamente na direção oposta, invertida:
Cada onda então vibra para o outro fim da corda, aonde o processo é repetido.
O fato de essas duas ondas vibrantes estarem se movendo na mesma corda, fará
com que elas se cruzem e interfiram umas com as outras da mesma forma como elas vibram
de um fim a outro da corda. Aonde quer que as ondas se encontrem, suas amplitudes são
adicionadas juntas; se em um determinado ponto as duas ondas são positivas, o valor
combinado vai ser mais amplo do que aquele sozinho. Se em outro ponto uma for positiva e
outra negativa, elas vão se anular e para isso o valor combinado vai ser zero.
11
MORSE, P.M. Vibration and Sound. New York: McGraw-Hill, 1948, p.73.
286
Figura 5. Produção de uma onda ereta de uma corda. (a), (b), (c), (d), e (e) são uma oitava de um ciclo
12
separado.
12
BACKUS, John. The Acoustical Foundations of Music. W.W. Norton ad Co., Inc, N.Y, and John Murray,
London. © 1977, 1969 by W.W.Norton and Co., Inc.
287
Quando a corda de um violão está vibrando, um nódulo vai ocorrer no suporte dos
dois fins; então, o primeiro ou modo fundamental da oscilação é uma onda ereta com o
antinódulo ao centro e um nódulo para cada fim (Fig. 6). O segundo modo de vibração (ou
segundo harmônico – Fig. 6B) ocorre quando uma onda ereta é produzida com três nódulos
e dois loops. o terceiro modo tem quatro nódulos e três loops, etc. Para um modo de
vibração ocorrer numa corda real, a onda viajante que cria a onda ereta deve ter o mesmo
formato como as loop desse modo. Isto é o que acontece quando um harmônico é produzido:
o dedo da mão esquerda produz um nódulo e o dedo da mão direita (dedilha) cria o loop.
Quando uma corda é dedilhada de maneira tradicional, muitos modos de vibração
são excitados simultaneamente porque o “dedilhador” ativa somente loops e antinódulos de
um modo particular, o que também significa que não produz nenhum modo que tenha um
nódulo no ponto de ataque. Fourier, físico francês do século XIX, mostrou que qualquer
forma de onda pode ser reproduzida pela superposição de senos de ondas escolhidos
sutilmente (ondas harmônicas simples). A Figura 7 mostra fora do lugar (ou afrouxada) para
formar um triângulo ACB, o qual é analisado dentro dos componentes de seus primeiros
quatro senos:
Figura 7. Representação das séries de Fourier da forma de uma onda numa corda para um violão acústico.
Figuras sólidas à direita mostram o efeito de adicionar componentes senos sucessivos das séries; figuras
pontilhadas mostram a forma atual dada pelas séries inteiras.
288
Todos os componentes têm um antinódulo comum no ponto C, o que significa que
a onda é composta somente de harmônicos de números ímpares, desde que todos os
harmônicos de números pares tenham um nódulo no ponto central (Figura 8). É também
evidente que para baixar os lados do triângulo (i.e, reconstituir o modelo inicial da corda),
harmônicos superiores devem ser adicionados a série até que o loop do antinódulo do
componente superior esteja comparável com a amplitude do plectro (ou no nosso caso
unha). É lógico que o fenômeno ocorre de outra forma; a corda não vai produzir harmônicos
que tenham um loop menor que a ponta do plectrum, nem produzir modos com nódulos a
partir do ponto tocado da corda.
Há um método de determinância com o qual harmônicos vão estar ausentes em
qualquer ponto tocado da corda. Para ponto tocado no meio (l=1/2). os números harmônicos
n perdidos são 2 n- , em outras palavras, todos os harmônicos pares estão ausentes.
Quando a corda é tocada em um terço de seu tamanho (l=1/3), cada harmônico terço, ou 3n,
estarão perdidos; quando l-1/4, 4n vão estar perdidos. Em geral, para uma corda ideal tocada
com um plectro muito fino, os múltiplos do denominador na amplitude tocada vão ser o
número de harmônicos perdidos neste espectro. Esta corda ideal é, dentre outras coisas,
completamente flexível. No mundo real, desde que toda corda tem uma rigidez e uma
imperfeição e todo plectro (ou unha) uma amplitude finita, é muito mais realista dizer que
parciais com nódulos na posição tocada vão ser suprimidos, não completamente ausentes.
Como as séries de parciais altas se apresentam, assim como suas intensidades relativas, vai
depender do diâmetro e do material da corda. A diferença entre o tom das cordas de metal e
de nylon dá-se em função da fraqueza elástica do nylon, que tende a extinguir as parciais
mais altas. Falta de uniformidade também ocorre ao longo do comprimento da corda,
mudando a performance da corda.
289
1.2 O TAMPO
Ainda estamos longe, pois falamos somente de uma corda vibrando. O som é
transmitido pela pressão do ar flutuante ou oscilante. Desde que uma corda com sua
espessura fina não é suficiente para mover o ar, precisamos de meios de comunicação da
vibração das cordas com o ar circundante. Isto é obtido quando anexamos as cordas em um
tampo com área e superfície eficientes para irradiar vibrações. A ligação entre as cordas e o
tampo é a ponte. Esta ponte não tem só a função de prender as cordas, mas também ajuda a
determinar o som do instrumento pela influência do quanto a vibração das cordas será
transmitida ao tampo. A construção do tampo é o primeiro fator determinante do caráter
(sonoro) de um instrumento.
Uma corda pode ser considerada um sistema uni-dimensional; o que significa que
seu comprimento é mais importante do que o seu diâmetro. O tampo é um sistema bi-
dimensional: ele tem comprimento e largura (por agora vamos ignorar sua profundidade).
Esse tipo de superfície é chamado membrana ou lâmina (checar com os luthiers, n.t). e
dependendo da sua inflexibilidade, ou da sua amplitude de movimento, pode vibrar em
números de modos simples e complexos simultaneamente, assim como uma corda (Figura
8).
Figura 8. Forma dos quadro primeiros modos normais de um tampo (membrana) retangular.
as flechas indicam as linhas nodas.
290
Figura 10. Formas de uma fração de modos normais de vibração de uma lâmina circular amarrada ou presa ao
seu canto. (flechas apontam para linhas nodais).
Em função do tampo suportar uma tensão muito grande das cordas, assim como
vibrar por simpatia o quanto for possível, as travessas e leques no seu interior são de grande
importância. Deve ser forte o suficiente para suportar a tensão da ponte, porém não deve
inibir importantes modos de vibração. A arte do luthier está em equilibrar esses dois objetivos
para produzir um som vibrante e forte do tampo.
291
Dois tipos modernos de estrutura de leques e travessas são mostrados abaixo:
292
Pesquisadores tem usado técnicas holográficas para gravar os padrões vibratórios
de ressonâncias diversas do violão.
293
Figura 14: Holograma de um tampo de violão Levin LG17 vibrando em algumas de suas freqüências. Feito na
Universidade Técnica Real de Stocolmo por Dr. Ian Firth da Universidade de St. Andrews, Escócia.
294
imagens do violão indicam o deslocamento sonoro do tampo. Essas franjas são linhas que
contornam e representam o movimento em três dimensões. Deslocamento máximo
(antinódulos) ocorrem dentro de franjas fechadas, e linhas ou áreas de não deslocamento
(nódulos) são mostrados pelas áreas brancas. Cada holograma representa a vibração do
tampo em uma freqüência dada, porém como somente uma corda pode constituir muitas
ondas simultaneamente, uma membrana também pode vibrar de maneira complexa,
produzindo um tom composto constituído de mais de um modo e desta forma conter mais de
uma parcial.
Esses hologramas são registros de tampo vibrando em seus modos ou
ressonâncias naturais, as quais são determinadas pelo seu tamanho, forma e material. Uma
lâmina pode ser obrigada a vibrar em qualquer freqüência, mas sua resposta a algumas
freqüências vão ser maiores do que de outras. A curva de resposta de freqüência do violão
pode ser determinada por ter criado uma sino onda de movimento no corpo (através da
excitação da ponte com o tradutor mecânico). O resultado dos níveis de pressão do som são
mensurados com um microfone e um gravador de níveis. A freqüência introduzida
gradualmente circula entre 40hz e 20.000hz (20khz), enquanto que amplitude introduzida
permanece constante, e o microfone e gravador registram o nível da pressão do som da
resposta do corpo do violão em freqüências diferentes. Luthiers universalmente não
concordam sobre novos materiais, suportes, ou até mesmo instrumentos de tamanho e forma
anormais. No exemplo abaixo, dois violões de origem nacional diferente, variam amplamente
a curva de resposta de freqüências (Figura 15 e 16).
295
Figura 16: Violão Manuel Reyes (Espanha, Córdoba, 1966)
13
A Wayne Slawson. Sound, Electronics and Hearing. no The Development and Pratice of Electronic Music.
Ed. Appleton and Perera, p. 41. 1975.
296
1.3 CORDA E TAMPO: UM SISTEMA DUPLO
A corda transmite sua vibração ao tampo pela força que ela exerce no cavalete. A
direção na qual a corda se move vai determinar o movimento do tampo, porém a flexibilidade
do tampo vai também determinar o movimento da corda. Os dois sistemas afetam um ao
outro, isto é, eles são casados, e o violonista pode controlar a quantidade e qualidade da
força aplicada ao tampo pela forma como a corda é dedilhada.
Helmholtz mostra que a força exercida sobre a ponte pela corda, conforme
representação da onda sonora que a corda produz (Figura 18), tem a forma de uma onda
quadrada assimétrica:
Figura 18: Movimento da corda da forma inicial A, e a forma ondular da corda sobre a ponte.
297
Quando o violonista toca a corda ele ouve, não a forma da onda na corda, mas a
vibração do tampo. Essa vibração é determinada pela força da onda na ponte, a magnitude
disto é controlada.
1.4 SONS TRANSIENTES
298