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MARIO DA SILVA JUNIOR

VIOLÃO EXPANDIDO: PANORAMA, CONCEITO E ESTUDOS DE


CASO NAS OBRAS DE EDINO KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E
CHICO MELLO

CAMPINAS
2013

i
ii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES

MARIO DA SILVA JUNIOR

VIOLÃO EXPANDIDO: PANORAMA, CONCEITO E


ESTUDOS DE CASO NAS OBRAS DE EDINO KRIEGER,
ARTHUR KAMPELA E CHICO MELLO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Artes da Universidade Estadual
de Campinas para obtenção do título de Doutor em
Música – Área de Concentração: Processos Criativos,

Orientadora: Profa. Dra. DENISE HORTÊNCIA LOPES GARCIA

Este exemplar corresponde à versão final da Tese


defendida pelo aluno Mario da Silva Junior e orientada
pela Profa. Dra. Denise Hortência Lopes Garcia

___________________________________

CAMPINAS
2013

iii
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Silva Junior, Mario da, 1962-


Si38v SilViolViolão expandido: panorama, conceito e estudos de caso nas obras de Edino
Krieger, Arthur Kampela e Chico Mello. / Mario da Silva Junior. – Campinas, SP :
[s.n.], 2013.
SilOrientador:
Orientador: Denise Hortência Lopes Garcia.
Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Música brasileira - Século XXI. 2. Violão. 3. Música para violão - Século XXI.
I. Garcia, Denise Hortência Lopes,1955-. II. Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Extended technique guitar: overview, concept and case study in works
for guitar in Brazil by Edino Krieger, Arthur Kampela and Chico Mello
Palavras-chave em inglês:
Brazilian music - Twenty-first century
Guitar
Guitar music - Twenty-first century
Área de concentração: Processos criativos
Titulação: Doutor em Música
Banca examinadora:
Denise Hortência Lopes Garcia [Orientador]
Jônatas Manzolli
José Augusto Mannis
Gilson Uehara Gimenes Antunes
Teresinha Rodrigues Prada Soares
Data de defesa: 09-12-2013
Programa de Pós-Graduação: Música

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES

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1. Título

VIOLÃO EXPANDIDO: PANORAMA, CONCEITO E ESTUDOS DE CASO NAS OBRAS DE

EDINO KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E CHICO MELLO

2. Resumo

O trabalho investiga as obras para violão dos compositores Edino Krieger (1928)
(Ritmata, 1974 para violão solo), Chico Mello (1958) (Do Lado Do Dedo, 1987 para violão
solo e Dança para quatro violões, 1986) e Arthur Kampela (1960) (Percussion Study 1,1991-
93, para violão solo) visando criar um guia de interpretação e escrita da técnica expandida no
Brasil. As obras perpassam um âmbito produtivo dos compositores que se estende de 1974 a
1994. Investigaram-se conceitos e tendências em visão panorâmica da técnica expandida de
maneira histórica nacional e internacional. Tal investigação teve como objetivo a abordagem
das características complexas do ponto de vista rítmico-percussivo e timbrístico.
Procedimentos articulatórios variáveis da execução do violonista implicam aprimoramento e
enriquecimento da qualidade estética do repertório. Esses procedimentos consistem em
processos criativos de viabilização acústica e adequação mecânica, suportes instrumentais e
materiais para melhor clareza e exequibilidade nas obras. Elencou-se e categorizou-se cada
possibilidade sonora expandida encontrada nessas obras.

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1. Title

EXTENDED TECHNIQUE GUITAR: OVERVIEW, CONCEPT AND CASE STUDY IN


WORKS FOR GUITAR IN BRAZIL BY EDINO KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E CHICO
MELLO

2. Abstract

The thesis investigates the works of composers Edino Krieger (1928) (Ritmata 1974 for solo
guitar), Chico Mello (1958) (Do Lado do Dedo, 1987 for solo guitar and Dança for Guitar
Quartet, 1986) and Arthur Kampela (1960) (Percussion Study 1.1991-93, for solo guitar)
aiming to create a guide to interpreting and writing extended technique in Brazil. The works
permeate the productive time by the composers that extends from 1974 to 1994. It
investigated concepts and trends in technical overview of the expanded national and
international historical way. Such investigation was aimed at addressing the complex features
in terms of timbre and rhythmic- percussive procedures. Articulatory variables procedures
(diversified plucking, tapping and percussive procedures) implementing by the guitarists imply
improvement and enrichment of the quality of the aesthetic repertoire. These procedures
consist of creative processes viability acoustic and mechanical fit, instrumental support and
materials for clarity and feasibility in the works. Every extended sound found in these works
was listed and categorized.

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x
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS

1. INTRODUÇÃO 1
2. O PAPEL DO VIOLÃO COMO PROTAGONISTA DE EXPERIMENTAÇÕES 14
NO SÉCULO XX
2.1 CONTEXTO INTERNACIONAL 14
2.1.1 O uso do violão na instrumentação do repertório de câmara da primeira 22
metade do século XX: Manuel de Falla, Igor Stravinsky, Anton Webern,
Arnold Schönberg
2.1.2 Álvaro Company, Festivais de Varsóvia e Wlodzimierz Kotonski 30
2.1.3 Leo Brouwer 44
2.1.4 Seis exemplos estandarte do repertório do violão 53
2.1.4.1 Sonata op 47 (Alberto Ginastera) 53
2.1.4.2 Sequenza XI (Luciano Berio) 56
2.1.4.3 L`Aube du dernier jour (Francis Kleynjans) 59
2.1.4.4 Koyunbaba (Carlo Domeniconi) 63
2.1.4.5 Kurze Schatten II (Brian Ferneyhough) 66
2.1.4.6 Changes (Elliot Carter) 68
2.2 CONTEXTO BRASILEIRO 71
2.2.1 Heitor Villa-Lobos 74
3. 3 A TÉCNICA EXPANDIDA NAS OBRAS DE EDINO KRIEGER, ARTHUR 87
KAMPELA E CHICO MELLO
3.1 EDINO KRIEGER 87
3.2 ARTHUR KAMPELA 95
3.3 CHICO MELLO 114
4. PROCEDIMENTOS ARTICULATÓRIOS NO VIOLÃO: DO MODO 123
TRADICIONAL À TÉCNICA EXPANDIDA
4.1 TÉCNICA EXPANDIDA 123
4.1.1 Conceito 123

xi
4.2 MÉTODOS DE PRODUÇÃO DO SOM: MODOS TRADICIONAIS DE 124
REPRODUÇÃO E PERFORMANCE
4.3 MÉTODOS DE PRODUÇÃO (EXCITAÇÃO) DO SOM: MODOS NÃO- 135
TRADICIONAIS DE REPRODUÇÃO E PERFORMANCE, UTILIZADOS NAS
OBRAS DE KRIEGER, MELLO E KAMPELA.
4.4 QUADRO DE SONORIDADES UTILIZADAS NAS OBRAS ABORDADAS 154
4.5 QUADRO GERAL TÉCNICAS EXPANDIDAS E RECURSOS SONOROS 155
4.6 QUADRO GERAL DE MODOS DE TOCAR DE TODAS AS OBRAS 157
ABORDADAS
5. PROCESSO DE CRIAÇÃO - COMPO 2010 – MARIO DA SILVA 162
5.1 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES 163
6. INTRUMENTO, CORPO E PERFORMANCE 168
6.1 TRAJETÓRIA PESSOAL 169
7. CONCLUSÃO 176
REFERÊNCIAS 181
ANEXOS 197
I Anexo 1 Partituras dos compositores abordados 198
II Anexo 2 Compilação da entrevista com o compositor Edino Krieger 261
III Anexo 3 Corpo Performance Teatro 269
IV Anexo 4 Anatomia humana para o timbre 279
V Anexo 5 Timbre e Descrição do Som 281

xii
Dedico esse trabalho a
Nilcea Maria Campos da Silva (mãe)

xiii
xiv
AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora Dra. Denise Hortência Lopes Garcia pelo carinho do fim ao
começo de tudo.

Nilcea Maria Campos da Silva minha mãe que me ensinou tudo me fazendo observar as
coisas.

Rocio Infante, bailarina coreógrafa e esposa, me mostrando a sensibilidade das coisas


mesmo em assuntos pragmáticos.

Meus familiares Julie Hellen Weingartner (enteada), Guilherme Campos e Roberta Campos
(irmãos), Karina Gineste grande pianista e cunhada, Julio Campos e Elias Campos, meus
tios da minha idade. Leticia, Gabriela, Gabriel e Ana Vitória (sobrinhos)

Os compositores Edino Krieger, Arthur Kampela, Chico Mello

À Fundação Araucária pelo fomento me proporcionando multiplicidade no campo do


conhecimento artístico.

À Unicamp (Dr. Jônatas Manzolli, Dr. José Augusto Mannis, Dr. Silvio Ferraz, Dr. Claudiney
Carrasco, Joice e Letícia)

À Unirio, Profa. Dra. Carole Gubernikoff e ao Prof. Marcelo Carneiro

Aos colegas da Unespar/Embap: Maria José Justino (Diretora), Orlando Fraga, Luiz Claudio
Ribas Ferreira, Eloi Magalhães, João José Felix Pereira, Fernando Aguera e Fabio Poletto.

Aos amigos Fabio Scarduelli e Cristiane Otutumi

Agradecimento àqueles que contribuíram de longe (porém bem perto) Nicholas Ciraldo
(Universidade do Mississipi, EUA), Michael Newman, Laura Oltman (Mannes College, New
York Guitar Seminar), Dr. Roberto Capochi (New Mexico Highlands University, EUA), Rodolfo
Caesar (UFRJ), Stefano Candito (Paris, fotografias), Fernado Aguera, André Abujamra,
Melina Mulazani, Nenem Krieger, Turíbio Santos, Letícia Teixeira, Mônica Pimenta e Angel
Vianna (FAV).

xv
xvi
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. WALTON, William. Five Bagatelles. Manuscrito. 17


Figura 2. WALTON, William. Five Bagatelles. Oxford, 1974. 18
Figura 3. WALTON, William. Varii Capricci. Oxford, 1978, I movimento, Allegro Assai. 19
Figura 4. FALLA, Manuel. Hommage a Debussy cc-1-2 22
Figura 5. FALLA, Manuel. Hommage a Debussy cc 30-34 23
Figura 6. FALLA, Manuel. Hommage a Debussy cc- 62-64 23
Figura 7. STRAVINSKY, Igor: Quatro Canções Russas (1918, instrumentação 1953) 24
Figura 8 SCHÖNBERG Arnold: Serenade op. 24 (1924) 25
Figura 9. WEBERN, Anton. Drei Lieder, op. 18 27
Figura 10. Percutir com polpa do dedo (carne) 32
Figura 11. Percutir com ponta do dedo (mão esquerda) 32
Figura 12. Percutir com ponta da unha 32
Figura 13. Percutir com costas da unha 32
Figura 14. COMPANY, Álvaro. Las Seis Cuerdas, tabela. 33
Figura 15. Interromper o espectro harmônico 34
Figura 16. Mover pulso e acentuar nota aguda 34
Figura 17. Notas soltas com ponta dos dedos mão direita 35
Figura 18. Apoiar dedo mînimo na corda em que está tocando 35
Figura 19. Esfregar a corda rapidamente 36
Figura 20. Batendo com dedo da mão esquerda 36
Figura 21. Batendo acima dos trastes 36
Figura 22. KOTÓNSKI, W. A Battere Original do Manuscrito. 39
Figura 23. KOTÓNSKI, W. A Battere. Detalhe otimizado do manuscrito da obra 40
Figura 24. KOTÓNSKI, Wlodzimierz A Battere.Otimizado com zoom no violão 40
Figura 25. BROUWER, Leo. Elogio de La Danza, cc 1-5 45
Figura 26. BROUWER, Leo. Elogio de La Danza 46
Figura 27. BROUWER, Leo. Elogio de La Danza, Allegro Moderato 46
Figura 28. BROUWER, Leo. Elogio de La Danza, Vivace 47
Figura 29. VILLA-LOBOS, H. Estudo 10 E BROUWER, L. Elogio de La Danza 47
Figura 30. BROUWER, Leo. La Esperial Eterna, bula explicativa 49
Figura 31. BROUWER Leo. La Espiral Eterna, Seção B. 50
Figura 32. BROUWER, Leo. La Espiral Eterna, Seção B/3. 50
Figura 33. BROUWER, Leo. La Espiral Eterna. 51
Figura 34. GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Esordio 54
Figura 35. GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Esordio cc 8-16 55
Figura 36. GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Final cc 19-23 55
Figura 37. GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Scherzo, cc 56
Figura 38. BERIO, L. Sequenza XI, sistema 2 57
Figura 39. BERIO, L. Sequenza XI, p. 6, sistema 4. 57
Figura 40. BERIO, L. Sequenza Xp. 6, sistema 7 58
Figura 41. BERIO, Luciano. Sequenza XI , p. 5, sistema 7 58
Figura 42. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, Attente 60
Figura 43. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, Attente 60
Figura 44. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, Attente 61
Figura 45. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube 61

xvii
Figura 46. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube 62
Figura 47. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube ostinatos 62
Figura 48. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc-53-54 62
Figura 49. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 67-70 63
Figura 50. DOMENICONI, Carlo. Koyunbaba 64
Figura 51. DOMENICONI, Carlo. Koyunbaba nota final explicativa 65
Figura 52: FERNEYHOUGH, B. Kurze Schatten II 67
Figura 53. CARTER, E. Changes 68
Figura 54. CARTER, E. Changes c 3-5 69
Figura 55. Viola que tocava os pretos. 71
Figura 56. VILLA-LOBOS, Heitor. Suite Popular Brasileira-Chorinho 76
Figura 57. VILLA-LOBOS, Heitor. Preludio 2 77
Figura 58. VILLA-LOBOS, Heitor. Choro no 1 77
Figura 59. VILLA-LOBOS, Heitor. Choro no 1 77
Figura 60. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 78
Figura 61. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 78
Figura 62. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 8 79
Figura 63. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 8 79
Figura 64. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 12 80
Figura 65. VILLA-LOBOS, Heitor. Distribuição de Flores 82
Figura 66. Bi-tom 83
Figura 67. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 manuscrito fornecido pelo MVL 84
Figura 68. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 Max Eschig 84
Figura 69. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 2 Edição Nelson 84
Figura 70. KRIEGER, Edino. Ritmata 89
Figura 71. KRIEGER, Edino. Ritmata manuscrito 90
Figura 72. KRIEGER, Edino. Ritmata digitalizada pelo autor 90
Figura 73. KRIEGER, Edino. Ritmata 91
Figura 74. KRIEGER, Edino. Ritmata 91
Figura 75. KRIEGER, Edino. Ritmata 91
Figura 76. KRIEGER, Edino. Concerto para 2 Violões e Cordas 93
Figura 77. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 2 96
Figura 78. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 97
Figura 79. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 98
Figura 80. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 99
Figura 81. KAMPELA, Arthur. Gráfico de ocorrências 102
Figura 82. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 103
Figura 83. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 103
Figura 84. TARREGA, Francisco. Recuerdos de La Alhambra 104
Figura 85. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 1 Manuscrito 104
Figura 86. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 105
Figura 87. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 106
Figura 88. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 106
Figura 89. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 112
Figura 90. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 2 113
Figura 91. MELLO, Chico. Entre Cadeiras 116
Figura 92. MELLO, Chico. Entre Cadeiras 117
Figura 93. MELLO, Chico. Dança 118

xviii
Figura 94. MELLO, Chico. Dança 119
Figura 95. MELLO, Chico. Do Lado Do Dedo 120
Figura 96. Mão Direita (MD) e Mão Esquerda (ME) 124
Figura 97. Comparativo de notas do violão com o piano 125
Figura 98. Villa-Lobos, exemplo Preludio 5 para acordes fechados 126
Figura 99. Villa-Lobos, exemplo Estudo 5 para polifonias 126
Figura 100. Possibilidade de tessitura 127
Figura 101. Possibilidades e diversidades tímbricas de uma única nota ao violão 128
Figura 102. BRINDLE, Reginald Smith Guitarcosmos 1, Estudo 1 (1979) 131
Figura 103. CARLEVARO, Abel. Preludio Americano 1 Indicações do autor 132
Figura 104. VILLA-LOBOS, H. Preludio 1 132
Figura 105. VILLA-LOBOS, H. Estudo 7 133
Figura 106. Figura. Ligado ascendente e Ligado descendente 136
Figura 107. Ligado ascendente e Ligado descendente em Villa-Lobos e Brouwer 136
Figura 108. Bi-Tom. KRIEGER, Edino. Ritmata cc-1 138
Figura 109. Bi-Tom. Execução. 138
Figura 110. Percussão Tampo e Cordas KRIEGER, Edino. Ritmata cc-43-44 139
Figura 111. Percussão Tampo e Cordas. Execução 139
Figura 112. Percussão com deslisamento da MD. KRIEGER, Edino. Ritmata cc-46-49 140
Figura 113. Percussão com deslisamento da MD. Execução 140
Figura 114. MELLO, C. Do Lado do Dedo cc 3 141
Figura 115. MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 141
Figura 116. MELLO, C. Do Lado do Dedo cc 15 142
Figura 117. MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 142
Figura 118. MELLO, C. Do Lado do Dedo. 143
Figura 119 MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 143
Figura 120 MELLO, C. Do Lado do Dedo cc 50 144
Figura 121. MELLO, C. Do Lado do Dedo. Modo de Tocar 144
Figura 122. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 46-48 145
Figura 123. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1. Modo de Tocar 145
Figura 124. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 35 146
Figura 125. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 146
Figura 126. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 53 147
Figura 127. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 147
Figura 128. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 82 148
Figura 129. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 148
Figura 130. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 cc 76 149
Figura 131. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 149
Figura 132. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Final 150
Figura 133. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 Modo de Tocar 152
Figura 134. GINASTERA, Alberto. Sonata op.47 155
Figura 135. GINASTERA, Alberto. Sonata op.47.execução 156
Figura 136. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 163
Figura 137. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 164
Figura 138. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 164
Figura 139. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 165
Figura 140. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo 165
Figura 141. SILVA, Mario da. Compo2010 para violão solo. Harmônicos com o nariz. 166

xix
xx
LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Sons Indeterminados em Las Seis Cuerdas de Alvaro Company 31


Tabela 2. Estatística de Recuros em Técnica Expandia e Tradicional utilizados em
Percussion Study 1 de Arthur Kampela. (Por sistemas da partitura). 100
Tabela 3. Tabela Estatística de Recuros em Técnica Expandia e Tradicional utilizados em
Percussion Study 1 de Arthur Kampela. (Por tempo da obra e páginas). 101
Tabela 4. Cordas soltas e notas correspondentes ao violão e Bi-Tons 161

LISTA DE QUADROS

Quadro de Articulações em Drei Lieder de Anton Webern 28


Quadro de Sonoridades resultado da pesquisa em Company e Festivais de Varsóvia 42
Quadro de Recursos Sonoros em Edino Krieger 94
Quadro de Recursos Sonoros em Arthur Kampela 107
Quadro de Recursos Sonoros em Chico Mello 121
Quadro de sonoridades utilizadas nas obras abordadas 154
Quadro Geral de Modos de Tocar 157

xxi
xxii
LISTA DE ABREVIATURAS
asc. ascendente
desc. descendente
cresc. crescendo
decresc. decrescendo
T Técnica Tradicional
S Técnica Estendida
E Técnica Expandida
MD Mão Direita
ME Mão Esquerda
p polegar MD
i indicador MD
m médio MD
a anular MD
1 indicador ME
2 médio ME
3 anular ME
4 mindinho ME
t1 toque um, natural
t2 toque dois, com apoio
t3 toque três, com amplo
t4 toque quatro, com apoio amplo
t5 toque cinco, metálico
MVL Museu Villa-Lobos

xxiii
xxiv
1 INTRODUÇÃO

Minha experiência como intérprete ao violão sempre foi focalizada na música


contemporânea, especialmente brasileira. O repertório sempre me instigou muito pela rica
oferta em pesquisas sonoras. Além de informações sobre essas pesquisas sonoras, adquiridas
com o professor de instrumento, passei a buscar informações estéticas e morfológicas em aulas
de análise, contraponto e harmonia. Fui estudante de harmonia e análise com Chico Mello
(1985-1986) e Hans Joaquim Koellreutter (1991). No período com Koellreutter, ele me mostrou
entusiasmado a obra e as conquistas de seu aluno Arthur Kampela. Com Edino Krieger, tive a
oportunidade de gravar a sua obra Ritmata e também de interpretar o Concerto para Dois
Violões e Cordas1. Pessoalmente, é muito significativo tal filtragem em virtude de eu ter vivido
diversas experiências nesse período como intérprete, ouvinte e testemunha de
experimentações. Além dos estudos abordando repertórios de diversos compositores
contemporâneos, também interpretei obras dos compositores que serão investigados nesta
tese. Quando se mergulha nesse tipo de atividade musical, não encontramos paradigmas
preestabelecidos como é o caso da música histórica em relação a fraseados, articulações,
dinâmicas, etc. Acontece uma espécie de enfrentamento em relação à composição nova, que
usa recursos diversificados como rítmica complexa e irregular, seções pontilhísticas de
tessituras extremas causando grande complexidade não somente na interpretação como
também, mais ainda, na preparação da obra. Há inúmeros procedimentos indeterminantes,
como por exemplo, a raspagem perpendicular de uma corda durante 10” em dinâmica de pp <
ff > pp. O local onde essa corda deve ser raspada geralmente é explicado na partitura,
portanto, tal sonoridade não está de acordo com os padrões tradicionais da música. Tais efeitos
foram denominados de técnica expandida, termo que iremos conceituar no decorrer desse
trabalho. Durante essa experiência prática quase não nos damos conta de que vamos
memorizando determinados procedimentos e ações, alguns deles apreendidos de forma oral
em contato com os próprios compositores ou com intérpretes que obtiveram contato direto com
determinado compositor.
No Capítulo 2 O papel do violão como protagonista de experimentações no século
XX (2.1 Contexto Internacional), vamos tratar de algumas características e causas do

1
SILVA, Mário da. CD NOVA MÚSICA BRASILEIRA, Sonopress, Independente, 1997. Concerto “Edino Krieger 70
Anos”, produção Funarte, regido pelo próprio compositor com Orquestra de Câmara de Curitiba, novembro de
1998; Concerto “VI Simpósio Acadêmico de Violão da Embap”, com Orquestra Sinfônica da Embap, novembro de
2012.

1
surgimento de obras experimentais, consequentemente, de obras com técnica expandida. Uma
delas foi a aproximação de intérpretes com compositores de destaque contemporâneos e
autóctones. Na Europa violonistas tais como Julian Bream e John Williams proporcionaram o
surgimento de obras, que segundo alguns analistas, foram responsáveis pelo ressurgimento da
música britânica despontando nomes como William Walton, Malcolm Arnold, Benjamin Britten e
Lennox Berkeley. O segundo aspecto do século XX, e que está vinculado a tese com Chico
Mello e Arthur Kampela, é o retorno ao interesse pela composição por parte de violonistas
consagrados. Tal atitude acontecia no final do século XIX e começo do XX. Abordaremos aqui o
fato de muitos violonistas consagrados terem adquirido conhecimentos dos procedimentos
composicionais fazendo surgir obras com desenvolvimentos mais extensos e complexos. No
entanto percebemos que a experiência no âmbito da interpretação, e por alguns deles
interpretarem obras arrojadas do século XX, proporcionou nas suas composições uma síntese
dos conhecimentos composicionais e de padrões virtuosísticos do instrumento.
No Sub-Capítulo 2.2 Contexto Brasileiro, iremos expor que a contribuição
determinante do violonista Turíbio Santos proporcionou avanços consideráveis para o
surgimento de obras com possibilidade de técnicas expandidas. Assim como ocorreu com
Julian Bream (1933) e John Williams (1941), além de várias parcerias ao redor do mundo as
quais não comentaremos neste texto, pois estenderia demasiado esse trabalho, também no
Brasil houve semelhante atitude por parte de violonistas renomados. Na década de 1960
quando residia em Paris, Turíbio Santos firmou um importante contrato com a Editora Max
Eschig, a mesma responsável pelas edições de Villa-Lobos, criando um departamento somente
com edições de autores brasileiros para violão. Essas edições viabilizaram a produção e
gravação de obras pontuais de uma geração de compositores pós-Villa-Lobos. Entre eles
Cláudio Santoro, Edino Krieger, Ricardo Tacuchian, Francisco Mignone, Almeida Prado,
Radamés Gnattali, Nicanor Teixeira, dentre outros. Grande parte dessa produção foi dedicada a
Turíbio Santos. A ponte existente entre Turíbio Santos e a técnica expandida para violão no
Brasil se dá obviamente pelo seu contato com esses compositores, atuantes de sua época. Já
havia uma familiaridade com inovações no violão por parte de Turíbio Santos, visto que em
1962 ele foi o primeiro violonista brasileiro a interpretar em recital os 12 Estudos de Villa-Lobos
e também o responsável pela estreia do Sexteto Místico em 1963. Em 1976 grava a Ritmata de
Edino Krieger pela Erato e em 1982, obras latino-americanas no qual gravou a obra Elogio de

2
La Danza de Leo Brouwer, todos os discos pela Collection promovida pelo selo Erato2.
Embora saibamos da existência de outros intérpretes importantíssimos no Brasil na
segunda metade da década de 1950, consideramos adicionar e relatar a importância de Turíbio
Santos em função de uma das obras, objeto deste estudo, ser dedicada a este intérprete. As
técnicas utilizadas por Krieger na Ritmata são amplamente motivadas por Turíbio Santos que
concordou com o desafio da execução de obra tão complexa. Violonistas brasileiros
contemporâneos a Santos estavam em plena atividade como o Duo Abreu (formado pelos
irmãos Sérgio e Eduardo Abreu), Jodacil Damaceno e Henrique Pinto, que mais se dedicavam a
pedagogia, Darci Vila Verde, Antonio Carlos Barbosa Lima 3 , Dagoberto Linhares, Edelton
Gloeden4, dentre muitas personalidades importantes. Salvo raríssimas exceções, como a de
Barbosa Lima e Edelton Gloeden, tais violonistas se preocupavam mais com o repertório
consagrado internacional de violão solo e concertos com orquestra. Por sua vez, Turíbio
Santos, observava o interesse do público e crítica europeus para com a produção musical
brasileira tanto interpretativa quanto composicional. Consequentemente tal percepção fez com
que houvesse a motivação e acordo em realizar o segmento de produção de partituras com
obras brasileiras dentro da Editora Max Eschig em Paris.
No final do Sub-Capítulo 2.2 Contexto Brasileiro, iremos constatar que a geração de
compositores pós-Villa-Lobos iniciaria uma pesquisa muito substancial propondo novas
possibilidades sonoras. Essa geração, na qual incluimos Krieger, Kampela e Mello, realizou
uma produção consideravelmente volumosa, de diversificações estéticas e de formações
instrumentais variadas como violão solo, duos, trios, quartetos, bem como com instrumentos
diversos e concertos com orquestra. O comissionamento chegou a resultar em iniciativas
diferenciadas de instituições. No sentido de promover a busca por novas sonoridades houve a
produção do I Concurso Nacional de Composição pela Editora Irmãos Vitale (Biênio 1978/1979)
com apoio da Funarte. Esse concurso contemplou as obras Repentes de Pedro Cameron, Suíte
quadrada de Nestor de Hollanda Cavalcanti e Divagações poéticas (Verdades) de Marcio
Côrtes. Tal iniciativa de realizar um concurso nessa envergadura buscou atender à expectativa

2
A Collection com Turíbio Santos (ERATO) contou na sua totalidade com trinta e três números. A primeira
publicação ocorreu em 1972 e a última em 1993. (FARIA, p.32-33)
3
Barbosa Lima contribuiu para o violão contemporâneo de forma decisiva, pois estreou a Sonata op.47 (1976) de
Alberto Ginastera, recebendo a dedicatória do próprio compositor)
4
Em 1978 ele pertenceu ao Núcleo Instrumental do Grupo Música Nova nos Festival de Música Nova de Santos,
nos quais participou de 1977 a 1989. Lattes acesso em 1 de janeiro de 2014.
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4744907E1

3
da banca e dos patrocinadores no que diz respeito, sobretudo, à presença de influxos da
música europeia contemporânea. Público e crítica naquela situação política brasileira estariam
“ávidos pela possibilidade de acessar um repertório escrito por compositores brasileiros eruditos
[...], na qual a sonoridade do instrumento está associada à praticada na música folclórica ou
popular” (VETROMILLA).
Nossa investigação não está relacionada a determinâncias epistemológicas de
conteúdos sociopolíticos, porém, no decorrer da análise desse concurso, além da evidência que
tal evento visou motivar a produção brasileira, constatou-se que o incentivo à aproximação de
paradigmas eruropeus resultou em algumas pesquisas ligadas a técnica expandida. Resultante
disto foi a obra Divagações poéticas (Verdades) de Marcio Côrtes, com forte apelo
experimental, na qual “há uma vasta utilização de harmônicos naturais, percussão sobre o
tampo, trêmulos, rasgueios e glissandos” (RODRIGUES, 2011). O que pode se criticar em
VETROMILLA, seria a afirmativa de caráter muito duvidoso dizendo respeito à avidez de um
formato europeu que escapasse os paradigmas da prática do violão popular.
Portanto, ao longo de nossa investigação, fomos percebendo que nossa hipótese
principal era, justamente, esses paradigmas da música popular, fornecedores de sonoridades
novas e ingredientes de escape do formalismo e da hegemonia europeia. Muitos compositores
brasileiros pós Villa-Lobos souberam subliminarmente escapar desse formalismo hegemônico
usando o violão em suas obras. Não encontramos na literatura para violão abordagens
reflexivas sobre essas origens que se transformaram em ações afirmativas do instrumento,
marginalizado pela cultura da música tradicional europeia em atividade no Brasil na primeira
metade do século XX.
Em virtude da escassez de literatura para o assunto, nossa busca por informações foi
debruçada em trabalhos acadêmicos de pós-graduação, mestrado e doutorado no Brasil e
exterior. Encontramos trabalhos acadêmicos que consideravam o tema técnica expandida
dentro de pesquisas musicológicas, analíticas e histórico-biográficas relacionados à música
contemporânea para violão. Nossa filtragem engloba desde a tese de MARRIOT (1984), a
primeira dissertação de mestrado defendida no Brasil tendo como assunto o violão (REGHINI,
1991), até SANTOS DE SOUZA (2013). A maioria deles tratou de um compositor em questão,
abordando determinadas obras pontuais e estandartes do repertório violonístico. Tais pesquisas
objetivaram roteirizar de forma descritiva a preparação de obras específicas desses
compositores, além de suporte para compositores que gostariam de compor ao instrumento,

4
mas que não possuíam um tratado instrumental de localização de notas e possibilidades
melódicas, rítmicas, timbrísticas e polifônicas do instrumento.
Boa parte desses trabalhos acadêmicos abordaram, completa ou parcialmente, os
compositores objeto dessa tese. Edino Krieger por RODRIGUES (2012), BARBOZA (2010),
EGG (2000), SILVA JR (2002), KREUTZ (2012), TEIXEIRA NETO (1996); Chico Mello por
SILVA JR (2002), TEIXEIRA NETO (1996), LAURA MELLO (2001); e Arthur Kampela por
ADOUR (1999), BORTZ (2009), CURY (2006), SILVA JR (2002), TEIXEIRA NETO (1996).
No caso de Ritmata de Edino Krieger, após a leitura de trabalhos já realizados, nos
deparamos com o seguinte status quaestionis. RODRIGUES discute as influências que o
compositor Edino Krieger obteve do violonista Turíbio Santos para a criação da obra Ritmata, o
que iremos abordar também no Sub-Capítulo 3.1 Edino Krieger. Havia uma conexão entre os
dois para elaborar uma obra nova, buscando, porém, um equilíbrio entre as possibilidades de
exequibilidade e o fato novo. Edino Krieger iniciou estudos de violão para o reconhecimento de
processos técnicos tradicionais tais como possibilidade de acordes, polifonia aceitável a duas,
três e quatro vozes, passagens arpegiais e efeitos sonoros tradicionais como ligados e
trêmulos. Ainda em RODRIGUES há uma boa investigação comparativa entre o manuscrito e a
obra editada, e uma boa arguição em relação a acordes percutidos que foram suprimidos da
peça a pedido de Turíbio Santos, o que trouxe diversos questionamentos. Haveria fluência
performática nos trechos de percussão de acordes? A peça alcançaria uma popularidade dentre
violonistas e públicos caso não as houvesse suprimido? Porém o que RODRIGUES não discute
são as qualidades e diferenciações que as percussões inseridas por Krieger possuem. Iremos
discutir que essas estruturas de técnicas expandidas se transformaram em elementos temáticos
e desenvolvidos durante a obra.
EGG realiza boa investigação descritiva e analítica em Ritmata de Krieger, colocando
a obra como divisor de águas de compositores estigmatizados e influenciados pelo romantismo
e neoclassicismo no Brasil. Ele atribui tal importância ao fato da obra utilizar-se de pesquisas da
música experimental dos anos 60 e chega a mencionar a percussão e efeitos. Porém não se
aprofunda no tema que aqui será investigado. Além do mais EGG irá classificar Villa-Lobos
naquela gaveta neoclássica e romântica. No entanto, percebemos que este compositor
brasileiro se permitiu subliminarmente em alguns momentos usar potenciais sonoros do violão.
Tal discussão estará no Sub-Capítulo 2.2.1. Heitor Villa-Lobos.

5
BARBOSA talvez seja a investigação mais aprofundada no campo historicista sobre a
Ritmata de Edino Kriger. Ele afirma que a obra constitui uma linguagem ligada aos conceitos de
vanguarda, transpondo as barreiras do nacionalismo encontrado largamente na literatura para
violão brasileiro de concerto. Porém, como era de se esperar, as investigações historicistas
deixaram de lado os detalhamentos técnicos de execução que possibilitam um melhor resultado
quando emprega-se técnica expandida na performance.
Na minha investigação, SILVA JR (2002), passei levemente sobre a obra, pois estava
também focalizando a dissertação em um contexto historicista brasileiro e paranaense bem
como de catalogação das obras naquele momento. Essa investigação atual, me dá
oportunidade para aprofundar especificamente nas técnicas expandidas utilizadas. Ocorreu com
TEIXEIRA NETO também catalogar e discorrer historicamente, só que sua investigação
concentrava a produção do Espírito Santo para violão. Tal constatação vale aqui também para
os outros dois compositores investigados: Chico Mello e Arthur Kampela.
KREUTZ (2012) aborda o idiomatismo do instrumento tornando-se a pesquisa que
mais se assemelha a este trabalho proposto. Porém, em virtude da sua pesquisa ter sido
iniciada em 2012, há uma simultaneidade no tema proposto. Observamos que esta ocorrência é
comum no ambiente da música contemporânea por tratar e desenvolver assuntos que estão
abordando produções criadas agora. Isto irá ocorrer também com a dissertação de mestrado de
Daniel MURRAY.
No caso Chico Mello, após a leitura de trabalhos já realizados, nos deparamos com o
seguinte status quaestionis. Além das mesmas considerações abordadas em meu trabalho,
SILVA JR (2002), e TEIXEIRA NETO, vimos que LAURA MELLO (2001) irá investigar o
processo composicional de Chico Mello, comparando procedimentos literários de Julio Cortázar
em o Jogo da Amarelinha e a obra de Chico Mello em Amarelinha. Embora LAURA MELLO não
investigue as obras para violão, nos deixa passos para um entendimento da obra de Chico
Mello. Ela cita o compositor com intimidade (como sobrinha dele): “Não adianta escrever um
texto: o texto tem que me levar ao som que tem que me levar à imagem e de volta ao som e de
volta ao texto que procura abrir espaço entre os clichês da performance moderna”. Mesmo não
dizendo respeito às obras para violão, o pensamento não linear de Chico Mello, citado por
Laura Mello nos dará possibilidades de investigação na sua pequena produção para este
instrumento e iremos desenvolver essas subjetividades no Sub-Capítulo 3.3 Chico Mello.

6
No caso Arthur Kampela, após a leitura de trabalhos já realizados, nos deparamos
com o seguinte status quaestionis. Minhas considerações e de TEIXEIRA NETO abordavam
análises descritivas da obra de Kampela. No caso de BORTZ e CURY, veremos uma
investigação aprofundada e concentrada no fator do desenvolvimento rítmico. As quiálteras
aninhadas e sobrepostas pretendem ampliar o nível da escuta e dialogam com a dilatação e
modulação temporal desenvolvida por Carter. A complexidade rítmica empregada por Kampela
cria desafios na preparação fora do universo instrumental. Muitas vezes (isto já foi experiência
minha), quando estamos no estágio de preparação rítmica da obra, poucas vezes trabalhamos
no instrumento. Isto se dá porque a complexidade rítmica, da ação do som no tempo, na
maioria das vezes é muito maior do que a complexidade técnico-instrumental, mesmo que esta
seja uma técnica expandida, não convencional do dedo de ME pressionando a nota e da MD
dedilhando, pinçando num ponto da corda tradicionalmente usual. Portanto, mesmo nos sendo
úteis, nos ajudando no entendimento e preparação do ponto de vista rítmico, tais investigações
nesses trabalhos, não nos possibilitam um aprofundamento das variadas excitações da
produção sonora do violão, o que veremos no Sub-Capítulo 3.2 Arthur Kampela.
O livro de John Schneider serviu como escopo para o Sub-Capítulo 2.1,
Contextualização Internacional do violão no século XX. Esse documento preencheu a lacuna de
informações mais pormenorizadas de compositores e estilos musicais que estavam sendo
empregados, principalmente, a partir do pós-Guerra. Porém, Schneider deteve-se aos aspectos
físico-acústicos do instrumento e toda a investigação que houve em relação ao timbre, o que
coube como uma luva para as diversificações sonoras que o violão proporcionava. Ele irá
organizar progressivamente um compêndio sobre a produção sonora do violão analizando as
localizações possíveis de excitação sonora. Porém, nos faltou nesse livro a figura do intérprete,
o agente que irá produzir essas excitações, as novas técnicas que iriam produzir esses sons e
efeitos diferenciados. Optamos por deixar no Anexo 4 Timbre e Descrição do Som, parte das
pesquisas e análises laboratoriais criadas por Schneider por acharmos um bom documento de
averiguação.
Ainda na observância dos trabalhos acadêmicos relacionados ao violão, gostaríamos
de mencionar que, como o aspecto investigado neste trabalho serão as sonoridades
expandidas, não caberá nesta contextualização assuntos relacionados à trajetória do violão no
século XX abordando a música tradicional e histórica de concerto, bem como o repertório
tradicional no referido século. Tal assunto foi abordado profundamente em diversos estudos que

7
pesquisaram e analisaram a participação do instrumento seja no âmbito da interpretação,
composição e análise em níveis da música solo, de câmara e concertos com orquestra.
Todavia, será importante perpassar esses acontecimentos históricos, filtrando e focalizando na
produção indícios de utilização desta técnica na qual o trabalho irá se debruçar.
Trabalhos acadêmicos e referências, tais como PRADA (2008), MARRIOT (1984)
trataram do assunto no âmbito historicista e buscaram mapear as opções pela vanguarda por
um dos expoentes mundiais do violão contemporâneo, o cubano Leo Brouwer (1939), que se
utilizou da técnica expandida em diversas de suas obras. Através dessas pesquisas, foi
possível constatar que Brouwer frequentou os festivais de Varsóvia na década de 1960,
modificando suas direções composicionais radicalmente e foi um dos pioneiros da técnica
expandida obtendo uma legião de seguidores, inclusive por brasileiros renomados. Iremos
discutir e contextualizar tais assuntos nos Sub-Capítulos 2.1.2 Álvaro Company, Festivais de
Varsóvia e Wlodzimierz Kotonski e 2.1.3 Leo Brouwer.
Recorremos a diversos trabalhos acadêmicos no Brasil e no mundo sobre o assunto,
tais como BURTNER (2011), CASTELO BRANCO (2006), COPETTI&TOKESHI (2005), COSTA
(2004), CUERVO (2009), ONOFRE E ALVES (2010), PONTES (2010), SANTOS DE SOUZA
(2013), TRAUBE (2004), RAY (2011), e constatamos que o termo extended technique tem sido
traduzido como técnicas estendidas. Sonia Ray defende o termo “estendidas” por tratar-se de
ambiguidade no entendimento entre uma técnica que seria inovadora ou uma técnica tradicional
que evoluiu. Se inovadoras por seu ineditismo na forma de execução ou no contexto em que
são executadas? (RAY, 2011). Porém, arguimos que este termo limita a intenção para utilização
em procedimentos tradicionais composicionais. Como estamos no universo de avanços
estéticos e processos criativos em que esses recursos dirão respeito a técnica composicional,
não somente de performance, preferimos utilizar o termo técnica expandida para abarcar um
universo maior de possibilidades. Simpatizamos com SANTOS DE SOUZA (2013) que
desenvolve profundamente a discussão e esclarece o termo como expansão de possibilidades
técnicas contribuindo com os pensamentos estéticos inovadores:
“Por conseguinte, pode-se concluir que “técnica expandida” é a expressão que melhor se
adéqua, neste trabalho, ao que vem sido considerado por extended technique, pois tanto
traduz o aumento das possibilidades técnicas em um instrumento musical com “técnicas
inovadoras” em busca de timbres não explorados na execução do instrumento de forma
tradicional, perceptível nos significados “dar mais superfície a, alongar, espalhar”
(presentes nos dois termos “estender” e “expandir”); quanto traduz o conceito em que as
“técnicas tradicionais” vêm se desenvolvendo e se transformam em uma nova técnica,
perceptível nos significados “para fazer crescer, desenvolver” […] SANTOS DE SOUZA
(2013 P.7).

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Dessa forma, técnicas expandidas são aquelas usadas na área interpretativa da
música para descrever técnicas não-convencionais, não-ortodoxas e não tradicionais.
Compositores contemporâneos têm se esforçado muito para explorar novas possibilidades em
instrumentos distintos, provocando diversos avanços no sentido de novas cores instrumentais.
Entretanto, as técnicas expandidas promovem um grau de dificuldade, e às vezes extrapolam
as boas condições dos instrumentos. Em determinados casos, alguns instrumentos, tais como o
violão microtonal, são criados e construídos para atender determinada necessidade das
técnicas expandidas. Russolo afirmava: “Antigamente na vida tudo era silêncio. Com a invenção
das máquinas o ruído nasceu. Hoje, o ruído triunfa e reina soberano sobre a sensibilidade dos
homens” (RUSSOLO). Alguns desses ruídos seriam timbres oriundos da produção do universo
industrial, transpostos para a sala de concerto e produzidos por músicos de formação
tradicional. Um dos exemplos de ruído sarcástico com conteúdo político usando a técnica
expandida é o caso do Beba Coca-Cola, para coro a capela de Gilberto Mendes, em que um
cantor lírico de formação é convidado a dar um arroto durante a obra. Neste exemplo o ruído
empregado possui o poder de dessacralizar a prática coral erudita.
Burtner afirma que “os instrumentos têm sido tocados de forma não usual para
abarcar o mundo dos ruídos, acrescentando ainda que as técnicas expandidas requerem do
performer usar o instrumento fora das normas tradicionalmente estabelecidas” (BURTNER,
2011). Consequentemente, essas normas modificam-se de acordo com as necessidades das
mudanças na composição musical e do desenvolvimento instrumental. O violão, além de
procedimentos articulatórios, pode ser alterado na sua scordatura original e também preparado
no sentido Cageano da palavra. Iremos amplamente discutir e demonstrar esses conceitos no
Capítulo 4 Procedimentos Articulatórios no Violão: do modo tradicional à técnica expandida.
Compositores e violonistas foram persuadidos a reavaliar o papel do instrumento
musical como entidade geradora do som a partir das pesquisas musicais do começo do século
XX sobre o timbre inserido nas novas tendências estéticas. O timbre poderia ser um elemento
primordial para a estrutura musical. Isso fez com que a técnica e o vocabulário desse
instrumento ultrapassassem a fronteira do tradicional expandindo-se consideravelmente ao
campo do experimental. A procura por uma escala ou hierarquia de timbre análogas à escala de
alturas, ruídos e duração criou uma fascinação aos compositores os quais deram ao timbre a
possibilidade de uma nova representatividade, principalmente daqueles mais experimentalistas
do século XX. Arnold Schönberg começou a explorar o timbre e seu exemplo mais famoso foi o

9
movimento “Farben” da obra Five Pieces for Orchestra (1909), na qual mudanças orquestrais
sutis transcorrem no movimento. Isto foi o começo do que Schönberg intitulou
Klangfarbenmelodie (melodia de cores do tom), que ele discute no seu livro Harmonia.
Schönberg afirma que se criarmos estruturas com o timbre ele poderá ser usado em outra
dimensão. O uso do violão por Schönberg na Serenata op. 24 (1923) coincidiu um período de
mudanças radicais da linguagem musical, em que se proporcionou um renovado interesse pelo
violão em peças com pesquisas sonoras mais aprofundadas. Prescreveram-se acentos e
marcas expressivas de articulações tímbricas comuns a todos os instrumentos e foi possível
perceber a exploração sonora apurada do instrumento, aproveitando ao máximo suas
possibilidades tímbricas e polifônicas.
O timbre, a dimensão apontada por Schönberg no violão, proporciona a
compensação da lacuna da limitação de dinâmica e de duração pós-ataque do instrumento, nos
mostrando e possibilitando uma diversidade de cores. Dessa diversidade, surge a pergunta: O
violão, a partir da possibilidade de realizar alterações de timbre, com certa facilidade, facilitou o
surgimento de obras com técnica expandida?
A mão direita (propulsora tradicional da emissão sonora) e mão esquerda (propulsora
não-tradicional da emissão sonora) atuam diretamente nas fontes sonoras do instrumento: a
corda (fonte tradicional da sonoridade e suas variantes de ataques tradicionais e não
tradicionais), tampo, ponte, braço, cordas próximas a cravelha (fonte não tradicional da
sonoridade). Qualquer mudança de ângulo, comportamento e ação da mão direita alterará o
timbre significativamente no violão. Em casos específicos e sinalizados pelos compositores
essas ações também ocorrem com a mão esquerda. A possibilidade e facilidade de trabalhar
em qualquer fonte sonora do violão: caixa, aros, ponte, braço, cabeça irá desafiar o intérprete
aberto para experimentações e pesquisa para exploração de sonoridades distintas. Todos os
ruídos inesperados acontecem com movimentos corporais bastante sutis. Analisando o fato,
desconsiderando se mérito ou demérito, no piano, por exemplo, há muito movimento corporal
por parte do pianista para tocar a corda do piano, tirando-o da ação contínua ou limitando certos
procedimentos da composição. No caso do violonista essa ação de alternância tímbrica pode
ser continuada.
O contexto internacional de evolução técnica, estética e social do violão, e de outros
instrumentos, logicamente estava em sintonia com a composição musical. Do lado violonístico,
didatas e intérpretes do violão que colaboraram e foram parceiros de pensamentos

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progressistas, do outro, compositores que fizeram parte da vanguarda ocorrida no início do
Século XX, tais como De Falla, Stravinsky, Schönberg, Walton, Alban Berg e Webern, e que
utilizaram o violão em suas obras buscando, mesmo que ainda de forma incipiente, produzir
avanços e trazendo à tona seus potenciais sonoros. As obras produzidas por esses
compositores demonstram um leque curiosamente diversificado e geograficamente distante da
estética musical utilizada com violão. Isso nos proporcionou reflexões sobre a atividade
violonística daquele momento e quais sonoridades aqueles compositores estariam
interessados. Faremos um relato descritivo dessas obras no Sub-Capítulo 2.1.1 O uso do violão
na instrumentação do repertório de câmara da primeira metade do século XX: Manuel de Falla,
Igor Stravinsky, Anton Webern, Arnold Schönberg.
Constata-se que muito pouco foi tratado em relação ao que seria a válvula propulsora
do instrumento no século XX: a possibilidade de alterar a sonoridade no aspecto tímbrico de
diversas formas, hoje denominada como técnica expandida. Há inexistência, portanto,
necessidade de um guia prático de execução de técnicas expandidas para violão no Brasil, já
que houve uma produção significativa com esses recursos na produção pós Villa-Lobos. Esses
resultados serão apresentados no Capítulo 4 – Procedimentos articulatórios no violão: do modo
tradicional à técnica expandida.
Após esses questionamentos, chega-se à conclusão de que o trabalho tem como
objetivo principal a criação de um roteiro e classificação de técnicas expandidas para intérpretes
e compositores. Como complementação, levantar-se-ão e analisar-se-ão os elementos que
compõem a chamada técnica “expandida” a partir das obras escolhidas e delimitadas.
Talvez nesse universo, possamos utilizar o termo técnicas “expandidas” (extended
techniques) para aprofundamento da discussão do objeto e desenvolvê-lo além dos conceitos
estético, filosófico e político. Esse termo gerou o sub-capítulo 4.1.1 Conceito, na tese buscando
definir, redefinir e refletir, dando um panorama sobre conceitos e novos desenvolvimentos.
Também iremos investigar no decorrer do texto deste trabalho como ocorreu a
emancipação do violão, o que será principalmente abordado no Sub-Capítulo 2.2 Contexto
Brasileiro. Para podermos extrair uma amostragem de tão abrangente universo, buscamos filtrar
o repertório de compositores brasileiros que utilizaram a técnica expandida o que gerou o
Capítulo 3 A técnica expandida nas obras de Edino Krieger, Arthur Kampela e Chico Mello.
O recorte das obras escolhidas desses compositores vai de 1974 a 1994 e pertence a
uma época de enriquecedoras tendências e experimentações no Brasil. A relevância das obras

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se justifica: pelo pioneirismo no uso da técnica expandida em Ritmata (1974) de Edino Krieger
(1928-), assim como pela qualidade estética aplicada com esses recursos pela geração
seguinte, em Do Lado do Dedo (1986) e Dança (1984) de Chico Mello (1958) e Percussion
Study 1 (1991-92) de Arthur Kampela (1960).
Verificamos duas correntes distintas nos compositores abordados. De um lado Edino
Krieger, compositor que não domina, mas que se interessou pelo instrumento, realizando
estudos de iniciação e produzindo obras inovadoras sob o comissionamento do intérprete
Turíbio Santos. Edino Krieger além de sua representatividade na música brasileira sendo um
dos integrantes do Grupo Música Viva, no início de sua carreira em Londres teve contatos com
o compositor Lennox Berkeley, uma referência do violão mundial tendo obras divulgadas pelos
intérpretes britânicos John Williams e Julian Bream. Do outro, Arthur Kampela e Chico Mello,
compositores que dominam o violão, e que tiveram razoável atividade como concertistas e que
se tornaram importantes representantes da música contemporânea brasileira atual.
Sonoridades violonísticas abordadas por esses compositores em seus estilos
próprios, são influência direta de Villa-Lobos e Leo Brouwer no que diz respeito ao violão.
Todavia também iremos comentar sobre certas influências apontadas em seus estilos e
perceberemos que a estética de Elliot Carter e Brian Ferneyhough comunicava-se com a de
Arthur Kampela, assim como Helmut Lachenmann, John Cage e Coriun Ahanorian comunicava-
se com Chico Mello.
No contexto nacional brasileiro, a figura de Heitor Villa-Lobos surge mais uma vez
como sendo pioneiro, mesmo não estando explícitas em suas obras técnicas expandidas.
Muitos dos parâmetros principalmente abordados nos seus 12 Estudos (1929), utilizados por
renomados compositores da atualidade como Leo Brouwer, farão parte da análise.
No Sub-Capítulo 2.1.4 Seis exemplos estandarte do repertório do violão, abordamos,
dentre várias outras obras, a obra Sonata de Alberto Ginastera (Sonata), resultado da prática de
comissionamento, bem como obras consagradas produzidas por violonistas/compositores tais
como Carlo Domeniconi (Koyunbaba), Francis Kleynjans (L’Aube du Dernier Jour), Luciano
Berio (Sequenza XI), Elliot Carter (Changes), Brian Ferneyhough (Kurze Schatten II).
O trabalho irá demonstrar em forma ampla e também ilustrada visualmente as
sonoridades pretendidas, as formas de escrita, procedimentos articulatórios e forma de tocar do
intérprete, organizando uma tabela com cada sonoridade, a classificação delas e uma
estatística analítica. Além dessa tabela classificar as sonoridades aplicadas nas obras objeto do

12
trabalho, resolvemos também relacionar uma tabela com a grafia e impressão sonora de todas
as técnicas das obras abordadas, nacionais e internacionais.
A pesquisa irá investigar o âmbito das escrituras instrumentais de cada compositor na
escrita idiomática do violão. Consequentemente, em relação a esse ponto de vista,
compusemos uma obra com os recursos abordados, que será abordado no Capítulo 5 Processo
de Criação: Compo2010. Iremos discorrer sobre os processos e procedimentos dessa criação,
partindo da experiência pessoal de intérprete para investigação mais ampla no campo da
performance. Isso significa que através das nossas experimentações e imersões no universo da
interpretação da composição contemporânea com técnicas expandidas, pudemos experimentar
os recursos laboratorialmente, trazendo à superfície resultados, sob o ponto de vista do
intérprete familiarizado com o instrumento e habituado a obras contemporâneas, todavia sem as
pretensões de ser compositor. Nessa experiência, introduzimos a investigação do corpo como
propulsor dessas técnicas expandidas e o corpo performance, visto que ao longo de nossa
trajetória, temos desenvolvido projetos que buscam inserir a música contemporânea em um
contexto cênico. Para isso, buscamos literatura que pudesse trazer respostas quanto a essa
questão tão distanciada dos músicos. Além do mais o fator timbre tem sido abordado de
diversas maneiras. Isto dá suporte ao que Naomy Cumming comenta sobre o som como signo
condutor. Cumming dá indícios de que o signo corpo promove uma transcendência sonora que
em suma o instrumento não comporta (CUMMING, 2000, p.) Tal ideia vem de encontro a
conceitos do corpo performático e será desenvolvida no Capítulo 6 sobre Corpo Performance
na música contemporânea.
O trabalho se estrutura com a abordagem nas contextualizações do violão em nível
internacional e nacional brasileiro no Capítulo 2 (O PAPEL DO VIOLÃO COMO
PROTAGONISTA DE EXPERIMENTAÇÕES NO SÉCULO XX), os compositores abordados e a
técnica expandida no Capítulo 3 (A TÉCNICA EXPANDIDA NAS OBRAS DE EDINO
KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E CHICO MELLO), métodos de produção do som no Capítulo
4 (PROCEDIMENTOS ARTICULATÓRIOS NO VIOLÃO: DO MODO TRADICIONAL À
TÉCNICA EXPANDIDA), composições utilizando a técnica expandida no Capítulo 5
(PROCESSO DE CRIAÇÃO: COMPO2010), o corpo como agente da técnica expandida no
Capítulo 6 (INSTRUMENTO, CORPO E PERFORMANCE) e a CONCLUSÃO no Capítulo 7.

13
2 - O PAPEL DO VIOLÃO COMO PROTAGONISTA DE EXPERIMENTAÇÕES NO SÉCULO
XX - CONTEXTO INTERNACIONAL E CONTEXTO BRASILEIRO
O objetivo deste panorama em nível internacional e brasileiro é refletir sobre quais
impulsos e interesses tiveram os primeiros compositores que utilizaram técnicas expandidas no
violão, sejam eles violonistas ou não, haja vista que em entrevistas, com alguns dos pioneiros
da técnica, observou-se que não houve uma razão objetiva sobre a inserção delas em suas
obras. Por outro lado, para aqueles que hoje usam as técnicas expandidas como materiais
principais de suas composições, como em Leo Brouwer, Chico Mello e Arthur Kampela, as
razões de utilização estão relacionadas a intimidade com a diversidade sonora oferecida pelo
instrumento, em função de suas práticas.

2.1 CONTEXTO INTERNACIONAL

A diferença que encontramos no tratamento tímbrico do século XX é


predominantemente de ordem estética, mais ainda por uma busca de novas linguagens. Isto
não significa que não havia uma busca por novas sonoridades do violão no século XIX ou
anteriores, mas muito mais relacionadas à imitação de instrumentos, impressão de movimentos
da natureza. Além disso, geralmente, essa busca por novas sonoridades estavam ao subjugo
de formas musicais inseridas em estéticas preestabelecidas. É praticamente um padrão
interpretativo quando um violonista executa qualquer sonata do período clássico, na qual há
repetição temática: a primeira vez f (forte timbre natural ou doce), na segunda vez p (piano e
metálico). Para John Schneider, didatas e compositores dos séculos passados já
recomendavam duas posições para a mão direita, posições no âmbito da corda o que
modificaria os timbres para doce, natural e metálico (SCHNEIDER, 1985, p.3). Eram eles Pietro
Milloni (Intavolatura de Chitarra Spagnola, Rome, 1627, Michel Corrette (Lês Dons d’Apollon:
Méthode pour Apprendre Facilement à Jouer de la Guitarre, Paris, 1763) e Antoine Watteau
(1684-1721) (Sketches of a Guitarist). Em 1799, Fernando Ferandière fez alusão ao violão
orquestral que “poderia facilmente imitar outros instrumentos como flautas, trompetes e oboés”
(SCHNEIDER, 1985, p.99) e ainda teríamos o próprio Hector BERLIOZ (1803-1869) afirmando
que o violão é um instrumento delicado para acompanhar o canto e fazer parte de peças
instrumentais de caráter íntimo: “Este instrumento pode ser comparado a uma pequena
orquestra devido às múltiplas possibilidades tímbricas” (BERLIOZ, 1991, p.147).

14
É muito significativo que dois desenvolvimentos como a inclusão da clave de sol e o
conhecimento das diferenciações tímbricas ocorreram no mesmo período da história do violão.
Provavelmente a tradição oral e a tablatura forneciam alguns procedimentos os quais
significavam ornamentações, improvisações e alternâncias sonoras e tímbricas. A tablatura, por
exemplo, era um método de grafismo para os instrumentos de cordas dedilhadas que
determinava em que corda a nota deve ser tocada. Há estudiosos no assunto tais como
TRAUBE (2004), COELHO (1997), FRANCISQUE (1600), PICCININI (1983A) e no Brasil
CORREIA DE FIGUEIREDO (2011), BUDASZ (2004), BURMESTER (2010), SCARINCI (1998).
Segundo Caroline Traube, no mundo ocidental, nunca houve uma notação padrão para timbre,
no entanto no Oriente, um sistema altamente elaborado de notação de timbres foi realizada
para o Ch'in, um alaúde chinês de 7 cordas. A fonte dessas informações é um dos primeiros
relatos escritos deste sistema de notação, o Sixteen Rules for the Tones of the Lute de Leng
Ch'ien (século XIV a.C) (TRAUBE: 2004, P.6). Leng Ch’ien já descreve uma série de diferentes
toques com nomenclaturas semânticas alusivas às sonoridades tais como liso, áspero,
profundo, vazio. Isso significa que a tablatura, ou quaisquer que fossem os sistemas de
notação para alaúde na China daquele período, indicavam o nível de especificidade dos
sistemas de cordas dedilhadas. A notação atual, em claves a partir do início do século XIX,
deixou esse universo tímbrico consideravelmente mais relativo e limitado, sendo necessário
sistemas prescritivos. Há opiniões diversas sobre se essa mudança foi vantajosa ou não. De um
lado a determinância das notas e do ritmo nas claves podem, em acordo com sua precisão,
direcionar o intérprete, de outro, a flexibilidade que as tablaturas deixavam enriquecia e
fomentava a criatividade do intérprete. Porém, no que diz respeito ao timbre, a notação atual
deixa a critério do intérprete a localização múltipla de notas (mesmas notas em cordas
diferentes). Isso flexibilizou e transferiu também ao intérprete a produção tímbrica de seus
instrumentos:
notas agudas em cordas soltas de nylon = mais metálico com grande flexibilidade de
alteração tímbrica do cavalete ao tasto, porém sem possibilidade de vibrato;
notas agudas em cordas presas de nylon = mais aveludado com menos variações
tímbricas, porém com possibilidade de vibrato;
notas graves em cordas soltas de metal = som metálico com grande flexibilidade de
alteração tímbrica e som robusto, sem possibilidade de vibrato;

15
notas graves em cordas presas de metal: mais aveludado com menos variações
tímbricas, possibilidade de vibrato.
Acreditamos que ambos são sistemas relativos de notação musical cada um com
suas características próprias. Além do mais, observamos que se perdeu muito da prática oral
(no caso do instrumento, oral e visual).
Violonistas do século XIX já buscavam outros níveis para suas expressões musicais.
Dionísio Aguado menciona imitações de instrumentos no seu Nuevo Método de 1843
(AGUADO, APUD SCHNEIDER, 1991, p.99 ) e Fernando Sor dá instruções explícitas como
técnicas de imitação da trompa, oboé, trompete, flauta e harpa no seu Méthode. Segundo ele,
“a imitação de outros instrumentos não é exclusivamente o efeito da qualidade do som. É
necessário que a passagem deva ser arranjada como na partitura do instrumento imitado”
(FERNANDO SOR, Paris, 1830, p.101). Isto deve ser assumido por instrumentistas
contemporâneos que, vendo uma passagem semelhante de uma trompa na partitura, entendam
por convenção que eles devam usar a cor apropriada. Cor é também usada para contrastes
composicionais, entretanto, não somente para imitação instrumental em determinadas
tendências musicais.
Pascual Roch na difusão da escola de seu mestre Francisco Tárrega (A Modern
Method for the Guitar: School of Tarrega), adiciona um capítulo bastante interessante com o
nome de Efeitos Artísticos e Belos do Violão (Artistic and Beautiful Effects on the Guitar). Roch
descreve imitação de sons de harpa, sinos, efeito percussivo, trombone, clarinete e oboé e
como produzi-los (ROCH, 1921, p. 45). Há ainda como imitar uma voz de taquara-rachada de
um homem ou mulher velhos, soluçando, gaguejando e um gago cantando. Não é surpresa,
portanto, descobrir que as primeiras obras que exploraram efeitos de cores são de seu mestre
Francisco Tárrega. Na sua Gran Jota de Concierto (1872), ele inseriu sons de tambora e unha
sobre o ponticello; quando transcreveu The Umbrellas (uma mazurka da zarzuela El Año
Pasado ou Água por Checa), ele contrasta efeitos de ponticello com os de trombone.
O período do final do século XIX e início do século XX foi tomado pelo
posicionamento e afirmação do instrumento no universo da música tradicional. Instrumentistas
reuniram todos os seus esforços para que pudessem competir com os espaços ocupados pelas
orquestras, pelo piano, e pelos Quartetos de Cordas. Essa oportunidade de ascese e afirmação
do violão no meio musical, vem em conjunto com a importância do timbre crescer e ser utilizado
como elemento composicional na música do século XX, especialmente depois de 1945. Isto

16
implicava reflexões estéticas mais profundas do que somente aquela possibilidade potencial em
poder executar e ser um simulacro de obras do século XIX, fazendo com que instrumentistas
tais como Andrés Segovia (violão), ocupassem um lugar semelhante ao de CIaudio Arral (piano)
e Pablo Casals (cello). Paralelamente ao repertório solo, nos últimos 50 anos cresceu o uso do
violão na música de câmara e orquestra, combinado a abordagens inovadoras de
instrumentação e performance, o que proporcionou um novo tipo de literatura para o violão.
Paralelamente, pela primeira vez na história do instrumento, grande parte das obras mais
importantes, principalmente para violão solo, veio da escrita de compositores não violonistas.
Esse fato inédito muito peculiar, foi responsável pelas grandes mudanças na complexidade e
diversidade estilística do repertório. Isso estava simultaneamente ligado à prática instrumental
violonística que se tornou mais elaborada e exigente no início do século XX. Essa mudança de
paradigma distanciou os instrumentistas da atividade da composição, e fez surgir uma nova
prática de inter-relação entre violonistas e compositores não-violonistas, o que naquele
momento transformou-se em fator indispensável e constante no desenvolvimento do repertório.
Os compositores discutiam com os instrumentistas a viabilidade de execução de
suas ideias musicais; por outro lado, os violonistas podiam propor alternativas sonoras
idiomáticas ao instrumento. O manuscrito da III Bagatela do compositor britânico William Walton
é um exemplo que mostra o resultado dessas discussões (Figuras 1 e 2):

Figura 1. WALTON, William. Five Bagatelles.


Fonte: Manuscrito do compositor.
Fonte: Manuscrito, Biblioteca de Música da Royalwelsh Academy of Music, Cardiff, País de Gales.

17
Figura 2. WALTON, William. Five Bagatelles, III Alla Cubana
Fonte: Editora Oxford, 1974.
Mesmo solicitando ao violonista Julian Bream uma tabela de quais sonoridades o
violão poderia fazer, Walton ainda ficou sujeito a determinadas opiniões.

“Solicitei a Julian um mapa que me desse uma ideia do que o violão poderia soar. Eu
planejava escrever obras pequenas para Bream. Com exceção da primeira, cuja
peculiaridade é o seu início com as seis primeiras notas em cordas soltas do instrumento.
Quando ele começar, o público pensará que está se tratando de afinação e aquecimento”
5
(KENNEDY, 1989, p.)

As sugestões de harmônicos nos compassos 1 e 2 e percussão (tambora) no


compasso 8 vieram de Julian Bream e foram acatadas pelo compositor. A visível característica
de dança latina nessa obra, mais especificamente nos padrões cubanos como o título sugere,
consistida de compassos com longos trechos rítmicos sincopados, sutilmente sugerem esse
tipo de percussão muito frequente em manifestações musicais como o flamenco. Não podemos
esquecer que formas artísticas levadas pelos navegadores às Américas voltaram modificadas e
foram incorporadas à cultura, como ocorreu no caso do flamenco. As experimentações
tímbricas diversificadas por compositores espanhóis consistiam de padrões rítmicos ou, no
máximo, efeitos de rasgueados como observamos no Concierto de Aranjuez (1939) de Joaquin
Rodrigo. No caso de Walton é importante salientar que o simples fato de uma percussão no
5
“I asked Julian for a chart which would explain what the guitar could do.I managed to write some rather pretty
pieces for him, except that the first six notes of the first piece will need to be played on open strings. So when he
begins to play, the audience will probably think he’s tuning the bloody thing up. William Walton” [...]”.
http://www.music4classicalguitar.com/quotes.php acesso em 24 de abril de 2010

18
tampo, não torna a obra de grandes experimentações e de vanguarda, entretanto denota-se
uma característica de ampla liberdade e disponibilidade, tanto por parte do intérprete quanto do
compositor, para inovações. Pode parecer aos olhos dos violonistas que o exemplo de Walton
não seja adequado ao objeto e assunto proposto em virtude da sua escrita simplificada do
ponto de vista organizacional. Entretanto essa escolha é proposital em virtude das 5 Bagatellas
terem significado uma pesquisa tímbrica importante para o compositor, transformadas em peças
orquestrais denominadas Varii Capricci em 1978 (Figura 3).

Figura 3. WALTON, William. Varii Capricci., III movimento, Alla Cubana.


Fonte: Editora Oxford, 1978

19
Denota-se, no campo da produção de repertório para violão, uma mudança
cartográfica na Europa a partir da segunda metade do século XX. Antes uma estética dominada
pelo gosto de padrões românticos da produção latina, liderada pelo intérprete Andrés Segovia,
e depois, uma geração pós-Segovia de violonistas que apostavam em renovação e inclusão do
violão nas novas tendências e pesquisas que estavam ocorrendo. É por isso que na Europa,
embora o impulso inicial da atividade violonística seja proveniente da Espanha, o
desenvolvimento da produção de novos repertórios se difundiu para outros países. Como
exemplos citamos Quatro Peças Breves (1937) do suíço Frank Martin (1890-1974), Três Tentos
(1960) e Royal Winter Music (Sonata on Shakespearen Characters, 1975) do alemão Hans
Werner Henze (1926-), Suite (1957) do austro-americano Ernst Krenek (1900-1991), Cavatina
(1952) do franco-polonês Alexandre Tansman (1897-1986) e Sarabande (1960) do francês
Francis Poulenc (1899-1963). Diversas dessas obras foram pensadas e dedicadas a Segovia,
porém, estavam fora de seu paladar musical as de Martin (um dos primeiros estudos atonais
para violão na Europa) e Krenek (obra sistematicamente dodecafônica). Por outro lado, a obra
de Tansman atendia ao menu preferido de Segovia. Salientamos que Henze e Krenek estavam
mais voltados com as pesquisas experimentais que estavam surgindo como as que iremos
comentar sobre os Festivais de Varsóvia, Polônia.
Na Inglaterra, dois sucessores de Segovia viriam a ser os principais difusores do
repertório violonístico britânico contemporâneo a suas épocas, os violonistas Julian Bream
(1933) e John Williams (1941). Esses dois intérpretes, para os quais grandes obras foram
dedicadas, são os responsáveis pela modificação do panorama violonístico. Por razões de
demanda, pois os dois viveram um período fértil da produção fonográfica na Inglaterra,
dedicaram-se às obras tradicionais sem precedentes. Bream especializou-se também em
alaúde e possui uma literatura que abarca praticamente todo o período elisabetano e barroco.
John Williams realizou gravações de praticamente todo o repertório bachiano e de latino
americanos como o paraguaio Agustin Barrios. Consequentemente, observando suas práticas,
constata-se que ambos aproveitaram esse período de prosperidade mercadológica para
também oportunizar a produção contemporânea autóctone e estrangeira, e fizeram surgir um
repertório arrojado, resultando na maior transformação estética do século XX. Para citar alguns
dos principais títulos deste repertório são Sonatina op. 52/1 (1957) e Theme and Variations op.
77 (1970) de Lennox Berkeley (1903-1989), Nocturnal after John Dowland (1963) de Benjamin
Britten (1913-1976), Five Bagatelles (1971) de William Walton (1902-1983) e Partita (1965), de

20
Stephen Dodgson (1924), Guitar Concert (1959) de Malcolm Arnold (1921-2006), Guitar Concert
(1970) de Richard Rodney Bennet (1936-2012). As linguagens utilizadas por esses
compositores consistiam de: neoclassicismo com uso de formas clássicas, sistema tonal e
textura polifônica, como é o caso de Tansman e Britten; experimentações com novas
sonoridades, como percussões no tampo e uso de harmônicos utilizados por Dogson, Bennet e
Walton; e novos sistemas de composição, como o serialismo, experimentado pela primeira vez
ao violão por Martin, seguido de Henze, Krenek e Bennet.
Se refletirmos sobre a realidade politica e mercadológica da época, podemos afirmar
que houve mais procura pelo público especializado - aquisição de fonogramas e frequências
aos concertos - por obras tradicionais da música histórica. Ocorreram também bons atrativos
com obras de caráter neo-clássico como os casos de Arnold e Walton. As obras com
características experimentais ficavam resumidas a pequenas inserções em programas e
fonogramas diversificados e também em iniciativas estatais e universitárias. Estamos falando de
uma realidade que comporta a música ocidental, eixo-Europa Ocidental (Reino Unido) e Norte
Americano (Estados Unidos). Pode parecer incomum, mas a cartografia da música
contemporânea, e consequentemente, das técnicas expandidas para violão no Brasil, estão
mais influenciadas e relacionadas ao leste europeu comunista do que ao referido eixo ocidental.
Veremos que foi no leste europeu que surgiu o maior número de experimentações
radicais ao violão em razão dos inúmeros Festivais de música contemporânea que começaram
a ser produzidos na década de 1960. Provavelmente por questões políticas brasileiras mais
inclinadas ao ocidente, na década de 1980, as informações do Reino Unido e Estados Unidos
chegavam mais rapidamente aos meios violonísticos como novas composições, fruto de um
repertório interpretado por Williams e Bream. As informações sobre os Festivais do leste
europeu chegaram tardiamente. Felizmente o repertório de Leo Brouwer, que estava ligado ao
do leste europeu na área das experimentações, nos chegou via América Latina fruto da
amizade do compositor com o uruguaio Abel Carlevaro.

21
2 1.1 O uso do violão na instrumentação do repertório de câmara da primeira metade do século
XX: Manuel de Falla, Igor Stravinsky, Anton Webern, Arnold Schönberg

A obra Hommage pour le Tambeau de Debussy (1918) de Manuel de Falla (1876-


1946), é um exemplo das prescrições que possibilitavam procedimentos articulatórios
inovadores para solucionar a ideia musical. Vale lembrar que quando da morte do compositor
Claude Debussy (1862-1918) a editora teve a iniciativa de encomendar de diversos
compositores atuantes uma obra que homenageasse o compositor francês. A escolha de De
Falla pelo violão, por ser um instrumento representativo de seu país, adicionando
intercaladamente padrões da música espanhola com outros da obra do compositor francês,
possibilitou uma diversidade de ideias musicais que se transforam numa síntese de estilos. O
requinte e o rigor com notações transformou a obra em um marco para o violão no século XX.

Figura 4. FALLA, Manuel. Hommage a Debussy (1918) c-1-2.


Fonte: Digitalizado pelo próprio autor

Na Figura 4, no primeiro tempo do c-1, temos prescrições articulatórias muito ricas.


As notas graves, são executadas pelo polegar staccato ou pizzicato, sendo que as notas “tema”
acima (fa, mi, fa) são grafadas com um “x” nos quais o compositor menciona que deve ser
executado, além de legato, um pouco ritenuto. A riqueza tímbrica desta sonoridade
proporcionada por sons simultâneos (um staccato e outro legato) nos mostra conhecimento pelo
compositor da riqueza da emissão sonora e da construção do timbre do violão.

22
Figura 5. FALLA, Manuel. Hommage a Debussy (1918) c-30-34.
Fonte: Ricordi Italiana, 1920

O uso combinado de rasgueados, harmônicos e pizzicato proporcionam uma escuta


tímbrica bastante diversificada como vemos na Figura 5. As escalas em tercinas (solicitadas
livremente) subitamente chegam ao tema de La soirée dans Grenade (Estampas 1903 de
Claude Debussy (Figura 6).

Figura 6 FALLA, Manuel. Hommage a Debussy (1918) c-62-64.


Fonte: Ricordi Italiana, 1920

No primeiro movimento da obra Quatro Canções Russas de Igor Stravinsky (1882-


1971) nota-se um belíssimo resultado tímbrico advindo de uma melodia em oitavas executada
em legato pelo violão e pela flauta, agregado ao acompanhamento da harpa em non legato
(Figura 7).

23
Figura 7. Igor Stravinsky: Quatro Canções Russas (1918, instrumentação de 1953),
o
para voz, flauta, harpa e violão, I Movimento – The Drake, - cc. 1-10.
Fonte: digitalizada pelo próprio autor

Sabemos que desde a Primeira Escola de Vienna (Haydn, Mozart e Beethoven) a


presença do violão era volumosa nos ciclos de concertos daquela cidade, sendo o italiano
Mauro Giuliani (1781-1829), o violonista bem sucedido da época. Suas atividades semearam
uma tradição no violão vienense que continuou até a queda do Império Austro-Húngaro,
consequentemente com o limiar da Segunda Escola de Vienna (Schönberg, Webern e Alban
Berg).

24
Schönberg estava muito apreensivo em inserir bandolim e violão na Serenata op 24
(1921-4), sobre o Soneto 217 de Petrarca, uma obra com forte apelo teatral aos moldes de
Pierrot Lunaire. Isso se deu em virtude da concentração e condição desses instrumentistas,
habituados às práticas popular e improvisatória, a lerem em claves diversas, compassos
rítmicos que se modificavam e ainda seguir um regente. A instrumentação de Serenata op.24 é
consistida de narrador masculino grave, violão, bandolim, clarinete, clarone, celo, violino e viola
e sua construção sistêmica no mais radical dodecafonismo, com uma estrutura rítmica
altamente elaborada, e ainda, demonstrando uma pesquisa muito perspicaz sob o ponto de
vista da diversidade tímbrica (Figura 8).

Figura 8. SCHÖNBERG Arnold: Serenade op. 24 (1921 (manuscript, 1924), para


narrador masculino, clarinete, clarone, bandolim, violão, violino, viola e cello. Finale - cc. 39-43.
Fonte: digitalizada pelo próprio autor

25
O exemplo da Figura 8 nos indica que o timbre era matéria importante nessa obra.
Primeiramente, dada à variedade e diversidade na escolha dos instrumentos.
Consequentemente o trecho é rico na resultante sonora quando cordas executam em pizzicato,
enquanto que violão e bandolim realizam a resposta com seus timbres metálicos.
A obra Drei Lieder op 18 (1925) de Anton Webern reflete essa prática. Percebemos
que nessa obra há uso de dicção musical complexa no canto e simplicidade na organização dos
instrumentos (HAYES, p.145 e 155), do ponto de vista das alturas e simultaneidades. Webern
organiza intercaladamente estruturas articulatórias entre violão e canto e utiliza o potencial
polifônico para dar contraste às passagens melódicas do canto e clarinete. Webern introduz
acordes de 3 e 4 sons no violão, o que revela familiaridade com o instrumento, além de suas
variações de tessituras, frases escritas acima da 12ª casa, que não chegam a ultrapassar as
possibilidades do instrumento.
Podemos observar na primeira peça do Drei Lieder op 18 (Figura 9), a mesma
preocupação articulatória ocorrida em Manuel de Falla, porém em um outro contexto do
pensamento musical serial ainda embrionário:

26
Figura 9: WEBERN, Anton. Drei Lieder (1925), op. 18, clarinete, mezzo-soprano e violão.
Fonte: digitalizada pelo próprio autor

Webern chegou a organizar 19 tipos de articulações distintas e serializadas para o


violão no Drei Lieder op 18, procedimentos que o tornaram um dos precursores do serialismo
integral. (QUADRO DE ARTICULAÇÕES).

27
QUADRO DE ARTICULAÇÕES (ATAQUES) EM DREI LIEDER OP 18:

normal tenuto c fermata tremulo sforzando forte

marcatto harmônico ligado martelato


sforzando forte

staccato harmônico marcato ligado c/ staccato marcato


fortissimo
martellato harmônico staccato sforzando arpeggio

tenuto harmônico martellato martellato sforzando

Fonte: Drei Lieder op 18, Quadro elaborado pelo autor com símbolos da partitura editada.
Fonte: Vienna: Ed.Universal Edition 1927.

Além desses desafios enfrentados pelos instrumentistas, podemos também imaginar


a novidade dessas prescrições articulatórias em Webern. As razões pela qual Webern utilizou o
violão podem estar associadas ao envolvimento que esse compositor teve com a Serenata op.
24 de Schönberg. “Webern regeu a primeira audição privada da Serenata op 24 na casa do Dr.
Norbert Schwartzmann em maio de 1924” (MARRIOT, p 43). Observamos aqui uma gênesis
das técnicas expandidas embora não vejamos indícios de uso de sonoridades não-tradicionais.
Mas a prescrição articulatória e suas variedades podem nos dar pistas de como os violonistas
da época tiveram que criar um repertório de ações técnicas que pudessem representar as
articulações solicitadas.

Os exemplos acima demonstram o interesse pelas variações sonoras do violão,


muito embora ainda de forma incipiente sem explorar potenciais sonoros do instrumento.
Contextualizando essa situação e analisando correspondências de violonistas atuantes nessa
época (como as cartas de Andrés Segovia6), é possível perceber uma certa resistência por
parte dos instrumentistas. É sabido que Segovia recebeu das mãos de Schönberg uma cópia da
Serenata op. 24. Porém Segovia nunca se manifestou sobre a peça. Ficou a cargo de seu aluno
e amigo Theodore Normann a estréia e gravação americana da obra7.

6
Veja passagens interessantes sobre o comportamento de Segovia perante os compositores em
http://www.classicalguitardelcamp.com/viewtopic.php?t=5440. Acesso em 20 de janeiro de 2013.
7
Columbia Records. Robert Craft, 1956.

28
Comparando Webern e Schönberg observa-se que há unanimidade em realizar
misturas instrumentais para obter resultados tímbricos objetivos e diversificados. Denota-se que
os sistemas serial e dodecafônico tinham suas regras bem estabelecidas em organizar alturas e
articulações, e as liberdades em pesquisas, experimentações e improvisações ficavam no
âmbito da rítmica, da dinâmica e, principalmente, do timbre. A presença do violão nessas obras
nos permite também observar questões num âmbito extra musical determinado pelas relações
sociais dos compositores. Nas práticas musicais de cabarés, o que Schönberg citava com
frequência em suas obras, o instrumento estava sempre presente. No Capítulo 2.2 sobre
Contexto Brasileiro, iremos desenvolver e argumentar a hipótese de que procedimentos
musicais e suas resultantes, realizados por essas práticas, serviram às pesquisas da música
contemporânea. Principalmente no Brasil, o assunto será abordado e investigado amplamente.

29
2.1.2 Álvaro Company, Festivais de Varsóvia e Wlodzimierz Kotonski

As oportunidades para violão iriam ser favorecidas depois da Segunda Guerra


Mundial, onde para SCHNEIDER, nesse período as ênfases não eram somente
exclusividade da nota per se, mas do som e sua organização. Isso significou uma nova
abordagem em torno do instrumento, uma abordagem que incluía a utilização de todas as
partes do instrumento para produzir tantos sons quanto o instrumento e o instrumentista,
separados ou juntos, fossem capazes. Nem compositor, nem o instrumentista poderiam
confiar em convenções antigas para comunicar essas novas ideias, e foi essa lacuna que
criou uma nova era de notação experimental.
Um exemplo é do violonista e compositor Alvaro Company8:

Company criou um método de performance para músicos em geral intitulado


Biodinâmicas Musicais: essa técnica interpretativa, baseada na relação entre psico-
física e tempo, pulso, respiração e gesto, melhora a consciência corporal, sua energia
emocional natural, adaptação no contato com o instrumento com mais intimidade e
participação total na performance musical; a técnica facilita a integração espontânea
em diferentes situações ocorridas em teatros e grandes salas de concerto,
9
promovendo uma sensível e harmoniosa relação com o público”.

Álvaro Company organiza e cria especificamente, para sua obra Las Seis
Cuerdas, uma tabela própria de recursos sonoros. Curiosamente, consta na partitura o nome
“frequências indefinidas” das resultantes sonoras aplicadas e na bula o nome Tabela de
“sons indeterminados”. Observamos que a pesquisa e tentativa de classificação e
nomenclatura dessas sonoridades especiais (expandidas), ainda não estavam devidamente
desenvolvidas em termos de definição.

8
Alvaro Company além de compositor formado no Conservatorio Cherubini em Florença, estudou violão com
Andres Segovia na Accademia Chigiana de Siena, Itália de 1950 a 1954. Em 1996 na Primeira Convenção
Nacional de Violão em Pesaro, ele foi agraciado com o prêmio “Prêmio Professor de Violão” e em 1999 na 4ª
Convenção Nacional de Violão em Alessandria, ele foi premiado com o “Violão de Ouro” pela sua produção
composicional. Em 2010 ele recebeu o “Violão de Ouro” por sua vida dedicada ao instrumento
9
MARCHIONE, Carlo. Furthermore, he has created a performance method aimed at musicians in general,
which he has named “Musical Biodynamics”: this interpretative technique, based on the psycho-physical
relationship between tempo, pulse, breathing and gesture, increases awareness of the body and its natural
emotional energies and attunes contact with the instrument in a more intimate and complete participation in the
musical performance; it also facilitates spontaneous integration with the different situations occurring in theatres
and concert halls, promoting a sensitive and harmonious relationship with the audience
http://www.volterraguitar.org Acesso em julho de 2013.

30
Tabela 1: Tabela de Sons Indeterminados em Las Seis Cuerdas de Alvaro Company
Fonte: SCHNEIDER, 1985

Na primeira linha temos símbolos que significam a resultante sonora em golpes no


tampo, especificamente na ponte do instrumento (Figura 10, 11, 12, 13).

31
Notação Performance

Figura 10. Percutir com a polpa do dedo (carne)


Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

Figura 11. Percutir com a ponta do dedo (mão esquerda)


Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

Figura 12. Percutir com a ponta da unha


Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

Figura 13: Percutir com as costas da unha


Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

32
A notação no 1º Movimento de Las Seis Cuerdas (Figura 14) de Álvaro Company
parece ser uma tentativa de “direcionar a atenção do violonista para contrastar timbres
usando um sistema para cada corda” (MARRIOT, 1984, p. 57). Esse tipo de notação
promove a consciência de divisão contrapontística (contraponto timbrístico) entre as cordas,
como se houvesse seis instrumentos, atitude que parece estar muito ligada, conectada com
Five Pieces – Farben, de Schönberg, na qual mudanças sutis de timbre no mesmo
movimento, intitulado por ele mesmo de “melodia de cores do tom”. Embora do ponto de
vista prático tal notação tenha sua eficácia duvidosa, ela fornece elementos para reflexão e
análise, pois sua visualidade nos dá um panorama de como deve soar a obra.

Figura 14. Company, Álvaro. Las Seis Cuerdas.


Fonte: digitalizada pelo próprio autor

A ideia de seis sistemas de Company é de caráter ilustrativo para demonstrar o


nível de pesquisa da época. Atualmente violonistas se adaptam facilmente a recursos em
que se realiza a notação ao violão bem próximos à tablatura, não havendo a necessidade de

33
tantos sistemas, pois, isto inviabiliza a prática e a desenvoltura. Veremos que no caso de
Kampela, dois sistemas bastam: um para notação tradicional e outro para técnica expandida.
A técnica expandida de Company (envolvendo som e técnica novos) inclui:
a) tocar uma corda e imediatamente interromper o espectro harmônico com o dedo da mão
direita (Figura 15):

Figura 15
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

b) movendo o pulso da mão direita de forma que a unha do polegar venha acentuar a nota
mais aguda do acorde enquanto executando o efeito de tambora (Figura 16):

Figura 16
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012
c) tocando notas de cordas soltas com a ponta dos dedos da mão direita (Figura 17):
referência ao tímpano);

34
Figura 17
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

d) apoiando o dedo mínimo da mão direita em uma corda contra a ponte enquanto i, m, p
(indicador, medio, polegar) toca a corda Esta última técnica possibilita tons ordinários com
sons simultâneos com efeito de pizzicato (Figura 18).

Figura 18
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

Técnicas expandidas adicionais, que podem ser consideradas percussivas incluem:

35
e) esfregar a corda rapidamente com dedo da mão direita (Figura 19);

Figura 19
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

f) batendo as cordas com o dedo da mão esquerda em um ponto harmônico dado (Figura
20);

Figura 20
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

g) batendo nas cordas com a mão direita acima dos trastes, golpes com a unha do polegar
(Figura 21);

Figura 21
Fonte: fotografia, Stefano Candito, 2012

36
Company propõe 4 tipos de ataques no corpo do instrumento: ponta do dedo,
carne do dedo, ponta da unha, costas da unha.
De acordo com a notação de Company, esses ataques podem ser executados em
onze diferentes partes, produzindo 44 golpes de timbre. Álvaro Company, além de ter
composto mais de 70 estudos dizendo respeito a técnicas expandidas, pesquisou a
psicologia da energia natural e emocional, respiração e habilidade motora da performance
violonística, assunto comentado anteriormente (MARRIOT, P. 113).
A influência de Company no universo da música contemporânea e o interesse
despertado pela crítica e intérpretes pela obra do cubano Leo Brouwer (1939-) no cenário
musical violonístico, estão interligados aos Festivais de Música Contemporânea nas décadas
de 1960 realizados em diversos centros de pesquisa musical ao redor do mundo.
Curiosamente, além dos mais conhecidos Festivais de Darmstadt (Alemanha), foram os
Festivais de Varsóvia (Polônia) que ofereceram o maior número de técnicas expandidas para
violão. Após o conhecimento desses procedimentos, Brouwer modificou radicalmente sua
trajetória de compositor, naquele momento ainda influenciado por técnicas nacionalistas.
Entretanto, para se chegar a Leo Brouwer, considerado mundialmente como um dos
responsáveis pelo aprofundamento das possibilidades timbrísticas e coloridas do instrumento
transformadas em técnicas expandidas, um pequeno relato sobre esses festivais pode nos
dar pistas dessa alternância de paradigma adotado por esse compositor.
Em meados da década de 1960, o uso do violão como instrumento de “cores”
tornou-se popular em muitos países. Compositores poloneses contemporâneos a Company e
Bartolozzi, muitos deles envolvidos nos Festivais de Outono de Varsóvia no final da década
de 1950 e começo da década de 1960, foram os primeiros a empregar o violão como uma
fonte de sonoridades novas. Esses festivais anuais de Varsóvia tinham o propósito de
mostrar pesquisas musicais novas que surgiram tanto no mundo capitalista quanto
comunista, para alimentar a troca de experiências e ideias através do contato pessoal entre
compositores e críticos do mundo inteiro.
Alguns exemplos de poloneses usando o violão podem ser encontrados em
Muzyczka I (1967) de Henryk Gorecki para dois trompetes e violão; uso de baixo elétrico em
Capricco (1967), Diably a Loudun (1968), Kosmogonia (1970), Utrenja (1970-71), uso da
guitarra elétrica em Canticum Canticorum Salomonia (1970-73), Actions (1971) e Partita
(1971) todas de Penderecki, e muitas obras de câmara de Wlodzimierz Kotoónski, este,

37
naquele momento, o mais representativo compositor polonês em obras experimentalistas
para violão.
Depois da visita de Kotoónski aos Festivais de Darmstadt entre 1956 e 1960, seu
interesse pela música experimental iniciou sua reputação de compositor/musicólogo popular.
Logo depois do Festival de Darmstadt de 1960, Kotoónski completou sua primeira obra
incluindo o violão, Trio (1960) para flauta, violão e percussão. Esta, seguida pelo Concerto
per Quattro (1965) para harpa, violão, cembalo e piano, acompanhado por cordas, bandolim,
vibrafone e percussão; e A Battere (1966) para violão, cravo, viola, cello e três
percussionistas.
A obra Battere de Kotoónski, estreada no 10º Festival de Varsóvia (20 de
Setembro de 1966), foi a mais representativa desse período que incluiu uma variedade de
técnicas expandidas para violão (Figuras, 22, 23 e 24). A maioria das sonoridades criadas
em A Battere seja para violão, viola ou cello são de natureza percussiva. Essencialmente,
sua intenção era expandir o espectro do timbre de instrumentos de percussão incorporando
técnicas expandidas em instrumentos de corda, incluindo o violão. A parte de violão tem uma
técnica interessante e colorida: um dedo da mão esquerda interrompe o som de uma corda,
enquanto o dedo da mão direita atinge a corda em um traste designado, alcançando um
harmônico, ao mesmo tempo que um som percussivo com bizz (chiado). Este recurso será
utilizado por Kampela na década de 90. Isto será seguido pelo uso de bi-tons alternados com
movimentos de dedos da mão esquerda e direita. O uso mais intrigante da parte do violão
ocorre durante uma momento solo e percussivo do instrumento. Como ilustrado abaixo, o
violonista participa realizando inúmeras ações, como batendo no instrumento em locais
variados, batendo nas cordas, corpo do instrumento e cordas com as unhas dos dedos e
iniciando um pizzicato a la Bartok (puxando a corda deixando que bata contra o braço do
violão), o qual imediatamente é transformado em harmônico por um leve toque em um ponto
nodal do harmônico.

38
Figura 22. KOTÓNSKI, W. A Battere
Fonte: Original do Manuscrito

39
Figura. 23 KOTÓNSKI, W. A Battere.
Fonte: Detalhe otimizado do manuscrito da obra digitalizado pelo autor.

Figura. 24 KOTÓNSKI, W. A Battere.


Fonte: Detalhe otimizado do manuscrito. Zoom na grafia do violão digitalizado pelo autor.

40
Company, Kotonsky e muitos outros compositores buscavam novas propostas de
sonoridades que o violão pudesse proporcionar. No caso de Company, por ser violonista,
podemos concluir que suas pesquisas e resultados estavam diretamente ligados a sua
intimidade com o instrumento. No caso de Kotonsky e outros compositores, não obtivemos
informações sobre quais instrumentistas estariam dando suporte.
Sabemos que práticas adotadas por Williams e Bream com respeito a suporte e
comissionamento foram também adotas por outros violonistas e compositores
contemporâneos próximos. Sabemos também que Leo Brouwer, intérprete, contribuiu com
H.W. Henze e Cornelius Cardew. Magnus Andersson contribuiu com Brian Ferneyhough e
muitos outros. Antes de discorrermos sobre Leo Brouwer, gostaríamos de relacionar abaixo
algumas técnicas expandidas desenvolvidas nesse período, que provavelmente foram
resultados dessa troca entre intérpretes e compositores.

41
QUADRO DE TÉCNICA CONVENCIONAL (MODIFICADA)10
técnica maneira como se toca cl.
1.ATAQUES a Sem unha (carne), unha diagonal, unha em três ataques fundamentais T
NORMAIS que produzem três sons distintos.
b Cinco localidades de ataque – dividindo a corda entre a ponte e a 12a T
casa em três partes iguais, ataque perto da ponte, acima da 12a casa, e
acima de cada ponto nodal vai produzir cinco qualidades ditintas de som
2. PIZZICATO a. Normal: pizzicato de MD e ME. De MD é mais comum e é feito T
colocando a palma da mão parcialmente sobre as cordas perto da
ponte, e dedilha com o p; pizzicato de ME é adquirido colocando o dedo
da ME exatamente em cima do tasto (metal) e dedilhando com a MD.
3. HARMÔNICOS a Normal: natural e artificial – harmônicos naturais são obtidos tocando o T
ponto nodal com o dedo da ME e tocando com o dedo da MD;
harmônicos artificiais são obtidos pisando normalmente com a ME
sendo que deverá apontar com o dedo i o ponto nodal da oitava tendo
que dedilhar com o p ou a.
b Modificado: dois harmônicos artificiais (Alvaro Company, 1963) – tocar E
no ponto nodal de duas cordas adjacentes com i e tocar com a ou p.
c Modificado: harmônicos artificiais arpegiados (Company, 1963) – E
interromper todas as cordas com i e deslizar a transversal a corda
enquanto que i toca levemente a todas as cordas em pontos nodais.
d combinação modificada: pizzicato harmônico com MD S
e combinação modificada: harmônico tambora E
4. GLISSANDO a Normal– dedo da ME move uma corda para cima ou para baixo logo T
após ser tocada.
5. TAMBORA a a. a lateral de p e parte da palma da MD toca a corda perto da ponte. E
b Modificado: a nota aguda acentuada (Company, 1963) – as cordas são E
tocadas perto da ponte com as costas da unha de p sendo que a corda
aguda é mais acentuada.
c Modificado: “timpano” (Company, 1963) – ataca com a carne da ponta E
de um dedo da MD perto da ponte.

d Combinação modificada: glissando de tambora (Company 1963) – E


tambora em uma ou mais cordas com glissando.
6. EFEITO Normal (Francisco Tárrega, 1872) – cruzando uma corda sobre outra, E
TRANSVERSAL geralmente 6a e 5a, e tocando ambas com a MD.
DA CORDA
Combinação modificada: pizzicato de cordas cruzadas – efeito de MD E
com o efeito de corda cruzada
Combinação modificada: (Company, 1963) efeito de corda cruzada com E
glissando.
Combinação modificada: tambora com corda cruzada ou timpano. E

10
Abreviaturas: cl = classificação; T = técnica tradicional; S= técnica estendida; E = técnica expandida; ME =
mão esquerda (dedos 1, 2, 3, 4); MD = mão direita (p= polegar; i= indicador; m= médio; a= anular mu=
mindinho).

42
TÉCNICA EXPANDIDA (MODIFICADA)
técnica maneira como se toca cl.
1. PIZZICATO a Pizzicato Normal T
(SONS ABAFADOS)
b Pizzicato com dedo mu. Ele é apoiado sobre uma corda perto da ponte E
enquanto p toca a corda.
c Pizzicato com ME amortecendo as cordas (Company, 1963) – dedo 1 E
sem pressionar a corda enquanto que 2 e 3 suavemente roçam a corda
perto do dedo 1, enquanto a MD toca .
d Pizzicato de sons abafados– abafa todas as cordas com ME enquanto E
MD toca.
2. BI-TONS a Bi-tom Normal– ME martela contra a corda para produzir dois sons: E
entre a casa e a ponte e entre a casa e a pestana.
b Bi-tom pizzicato – usar o bi-tom normal com MD tocando pizzicato. E
3. HARMÔNICOS a Ataque normal do harmônico – (Company, 1963) a corda é tocada S
normalmente e um harmônico é produzido tocando levemente a corda
em um ponto nodal.
b Harmônico vibrato. O vibrato é produzido logo após o ataque. S
c Combinações Expandidas: harmônicos com pizzicato expandido E
d Combinações Expandidas: harmônicos com bi-tons em diferentes E
modalidades.
e Combinações Expandidas: (Kotonski, 1966) – ME sem pressão e ME E
ataca ou toca a corda em um ponto nodal acima da escala (braço)
f Pizzicato a la Bartok e imediatamente um harmônico em um ponto E
nodal.
4. SONS a Arranhados (Company, 1963) – a corda pode ser arranhada com golpes E
ESFREGADOS E longos ou curtos usando a carne ou a unha do dedo da MD.
ARRANHADOS
b Esfregando a corda rapidamente perto da ponte com a carne do dedo E
m.
c Esfregando cordas pressionadas sobre o diapasão com palma e dedos E
da MD.
d Combinações Expandidas: dedos i m a ligeiramente percutem cordas E
perto da ponte, paralelo as cordas, enquanto ME abafa as cordas
5. GUIZO, TAPA, a Pizzicato a la Bartok – p e i puxa a corda e deixa estalar no diapasão E
ESTALO (no caso de Kampela também com o p e ME)
b A unha de MD abafa a corda vibrando – a unha de MD gradualmente E
vai abafando uma corda em vibração.
c Tapa na corda – em várias posições e variações a corda pode ser E
atacada pela MD.
d Corda para fora do diapasão – a corda é puxada para fora do diapasão E
próximo a 12ª casa e tocada normalmente pela MD.
e Combinações Expandidas: guizo com bi-tom – percutir a nota com MD E
enquanto a ME puxa a corda para fora.
6.SONS a Tocar cordas além da cabeça E
FILTRADOS
b Vibrações por simpatia – tocar uma corda em staccato, deixando que S
sua vibração por simpatia flua.

43
2.1.3 Leo Brouwer (1939)
Leo Brouwer nasceu em Cuba, Havana em 1939. Seu pai era autodidata ao violão
e tocava de ouvido obras de Granados, Tárrega, Albeniz e Villa-Lobos. Brouwer iniciou seu
aprendizado no violão tocando música flamenca. Seus estudos com Isaac Nicola
proporcionaram ampliar seus horizontes musicais. Brouwer começa a despertar para a
composição já muito jovem e teve como nutrientes do seu panorama sonoro a música
popular de seu entorno, a prática musical da mãe e a afinidade violonística do pai (OROZCO
apud PRADA p.108). Há outros autores que apontam o estudo da pintura, anterior ao da
música, em especial Paul Klee e alguns aspectos da estética da escola Bauhaus. Leo
Brouwer possui uma produção volumosa e de qualidade estética, posicionando-o como um
dos mais importantes compositores para violão do século XX ao lado Heitor Villa-Lobos e
Joaquin Rodrigo. Mais de 30 obras para instrumento solista, 23 obras para Ballet e Teatro
com grupos de câmara e orquestra Sinfônica, 5 obras para Coro e Orquestra, 5 obras para
música eletroacústica, 60 0bras de música de câmara e orquestra e mais de 10 concertos de
violão e orquestra (HERNANDEZ).
Logo no início da revolução em 1959, Leo Brouwer já se destacava na música
cubana. Recebeu uma bolsa de estudos e esteve na classe de composição de Vincent
Persichetti na Juilliard School of Music (EUA). Foi no curto período nos Estados Unidos que
Brouwer iniciou seus Estudos Sencillos. Um grupo de 10 pequenas peças objetivando
técnica para iniciantes e que consistiam de alguns parâmetros básicos como melodia no
baixo, acompanhada de terças e quartas sobrepostas; ritmos e acentuações irregulares em
melodias agudas simples; efeitos de ligados intercalados por pausa, dando uma atmosfera
visivelmente aforista; emprego simples de politonalidade e atonalidade. Brouwer afirma que
sua intenção primordial era preencher lacunas técnicas e justificava que seu estilo de
escrever música influenciado por Bartok, Debussy e Stravinsky, significava simplesmente
que gostaria de tocar obras similares daqueles compositores. Depois de um ano volta a Cuba
e começa a envolver-se com a vanguarda europeia, em especial, por motivos de
aproximação política de seu país com os países do leste Europeu. Participou do V Festival
de Música Contemporânea Outono em Varsóvia (1961). A música que Brouwer ouviu no
Festival de 1961 influenciou suas direções composicionais de forma distinta. Se antes disso
ele era influenciado pelo nacionalismo neo-classicista de Manuel De Falla, Igor Stravinsky e
Bela Bartók, depois, muitos sistemas arrojados e experimentais surgiram no âmbito do seu

44
caput. Curiosamente no Festival de Varsovia, Brouwer declara a Hernandez (PRADA,
2008:110) que o que mais impactou foi sobre meios digitais na música eletrônica e concreta
advindos da Universidade de Columbia (NY, EUA).
Os primeiros trabalhos com técnicas contemporâneas em Cuba passam a ter forte
influência dos Festivais de Varsóvia. Após seu retorno dos Estados Unidos em 1960,
Brouwer teve como aliado o compositor Juan Blanco (1920) para realizar um programa de
obras de vanguarda juntamente com a Orquestra Sinfônica Nacional de Cuba. Receberam
várias críticas do partido por incompreensões quanto à estética das obras. Obviamente os
críticos se indispunham com manifestações culturais que não trouxessem padrões musicais
com características nacionais e socialistas. Aquilo que escapasse aos ouvidos e que não
representasse uma cultura autóctone popular de ritmo, cantoria, terra e trabalho poderia
provocar uma reflexão indesejável. Fatalmente o ruído externo, os efeitos e os sons
expandidos, foram interpretados nos seus mais diversificados significados inaceitáveis11.
Nessa volta a Cuba, não houve como frear a criatividade de Brouwer que nessa
época compõe Sonograma I (1963) e Variantes para un percussionista (1962), a primeira
peça aleatória escrita em Cuba.
A pedido do coreógrafo Luís Trapaga compõe Elogio de La Danza (1964) para
violão solo, provavelmente sua obra mais tocada. Algumas das inovações para o período em
que a obra foi escrita, percebemos grafia irregular rítmica e atonalismo livre no movimento
Lento. O objeto gerador da obra é o Mi2, 6a corda solta do instrumento (Figura 25), pleno de
harmônicos, tabula rasa e simplicidade técnica.

Figura 25 Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, cc 1-5


Fonte: Editora Schott Musas, 1964

11
Podemos ver que a indisposição a novas experimentações apontavam em diversas regiões da América
Latina. As cartas de Camargo Guarnieri atingindo o grupo Música Viva liderado por Koellreutter, são um
exemplo disto no Brasil e está amplamente desenvolvido em NEVES (2008).

45
Logo, esses elementos são contrastados no Allegro Moderato com pulsos mais
regulares alterando o movimento corpóreo do som, visto que se trata de obra para corpo e
movimento (Figura 26). É como se o Mi2 (6a corda solta) despertasse de sua condição
estática para realizar movimentos rítmicos e cedesse o lugar para alternância de frequência.
A influência da escrita orquestral da Sagraçãor t tda
.
Primavera de Igor Stravinsky é afirmada
Allegro moderato
por Brouwer. Desta forma podemos interpretar nos sons graves da partitura como sons de
II - Obstinato
cordas e os sons agudos como os sons de sopros (metais), como uma alusão à Dança s y s dos
; -. J. J.
ao! aaa aaa

Jovens (Les Augures Printaniers: Danses des Adolescentes).stacc, setnpre


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Figura 26 Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, Allegro Moderato
Fonte: Editora Schott Musas, 1964
4

Há também desenvolvimentos
' com texturas e rítmica irregular (Figura 27).
7 7 ve
gi sub. - ,nlp cresc.
poco rttert. f ,onorl
-3-., -J-.,
-t-- > g

T
I
ff marc.
2
7 "
I
tr
=
T
I v p t

Vivace Figura 27. raIL e dim.Leo. Elogio de La Danza, Vivace


Brouwer,
(Y"g€ raII.
golpe sobre m m
el ouente Fonte:t tEditora
l
Schott Musas, 1964
q,l

,n!p< > gp >ppp


7firy
-.'-
tJ.

>
tot

n " . t l f ?Na seção


3 final Vivace (Figura 28) há características tonais polarizadas e politonais
J rrtmtco
em mi maior/mi menor,
Lentotonalidades
(T mpo Il idiomáticas do instrumento porém aqui
più sobrepostas.
accel.
O
)-.
o4
J a - percussivo
|
fator4 de inovação fica a cargo do golpe no tampo utilizado como
V t l rantecedente
z I ou
transição para esta seção bi/tonal.
(1.v.) Curiosamente golpes
(1.v.) no tampo do instrumento são
d1_51
frequentemente utilizados por essa geração como fator surpresa,grybuscando
tnf sonoro
sub. deslocar a
escuta. Isso ocorreu com
@-q Walton na Bagatelle III, como mencionamos anteriormente, só que
t ral l. - allarg.
20 anos depois. 3
r:1
,=----- rall. ,q4-tgl +e

It cre.çc. poco a poco tr


(1.v.)
ùnlp sonor() :-- gp morendo pllp
attacca
46
T
I
ff marc.
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I
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=
T
I v
Vivace
golpe sobre m m
el ouente
q,l ttl

7firy
n "rrtmtco
.tlf? 3
J

)-.
Figura 28. Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, Vivace
4 Fonte: Editora Schott Musas, 1964

Outro aspecto apresentado em Elogio de La Danza diz d1_51 respeito a alguns


gry sub.
paradigmas desenvolvidos por Villa-Lobos. O ornamento utilizado por Brouwer (Figura 29)
apresenta o mesmo desenho @-q
utilizado
t por Villa-Lobos no Estudo 10 (1929). Tal padrão
produz um efeito sonoro peculiar e bastante idiossincrático que identifica o instrumento. No
,=-----
caso de Villa-Lobos, o efeito serve para acompanhar uma melodia modal na voz inferior com
It cre.çc. poco a poco tr
duração alargada. Já no de Brouwer o efeito serve para interligar uma passagem diatônica
com um acorde atonal, a mesma característica de politonalidade usada pelo compositor
frequentemente em suas obras.

Figura 29. Villa-Lobos, Heitor, Estudo 10, cc 22-23.Brouwer, Leo. Elogio de La Danza, II Ostinatocc-25-27
Fonte: Max Eschig (1951) e Schott Musas (1964) respectivamente

A visita de Hans Werner Henze (1926-2012) e Luigi Nono (1924-1990) a Cuba


(1967-70) proporcionou a Brouwer a internacionalização de sua carreira. Ele realizou uma
turnê em 1970 com Henze pela Alemanha e foi o violonista a interpretar a obra de câmara El
Cimarron deste compositor. Nessa mesma oportunidade conduziu sua obra Exaedros II

47
(Percussão solista e 2 Orquestas) com a Filarmônica de Berlim (PRADA:114). Nessa turnê,
aproveitou para viabilizar seu empreendimento mais ambicioso e que mostra sua estética
mais radical, com fortes tendências ao serialismo integral e também usando vários
paradigmas abordados nos Festivais de Varsóvia. Trata-se de sua tetralogia com obras
incluindo o violão La Espiral Eterna para violão solo, Personare a Due para dois violões,
Personare a Tre para flauta, viola e violão, e Concerto no 1 para violão e pequena e
orquestra.
O compositor ficou entusiasmado com a crítica alemã perante suas obras pois, o
que ressaltou foi a atualidade e autenticidade estética, ao contrário das tradicionais análises
ligadas ao exotismo quando se trata de um compositor da américa latina.
É na tetralogia de Brouwer que vamos perceber o maior uso de técnicas
expandidas. Há uma curiosidade na bula (Figura 30) de La Espiral Eterna (1970-71),
prescrevendo sucintamente como deve ser realizado o pizzicato a la Bartók (restallando
sobre el diapason). Hoje o sinal para o pizzicato a la Bartok no violão é interpretado quase
que automaticamente pelos violonistas. Isso nos faz refletir que o conceito e escrita de
técnica expandida é volátil.

48
Figura 30 Brouwer, Leo. La Espiral Eterna, bula explicativa.
Fonte: Schott Musas, 1970

Nesse segmento da tetralogia, o potencial tímbrico do violão foi meticulosamente


explorado e em La Espiral Eterna temos uma síntese desse pensamento. Isto ocorre não
somente em contrastes de clusters sonoros como forma de estrutura tímbrica, mas outras
seções que enfatizam as técnicas expandidas: glissando perpendicular com a unha do
polegar direito seguido de pizzicato a la Bartok; a mão direita realiza a sequência repetida de
colcheias indeterminantes e irregulares, a palma da mão abafando as cordas, realizando o
som em surdina (Figura 31).

49
Figura 31. Brouwer, Leo. La Espiral Eterna, Seção B.
Fonte: Schott Musas, 1970

A seção abaixo (Figura 32) apresenta o material dos clusters iniciais, porém com a
sonoridade modificada em surdina12. Essa surdina vai paulatinamente se transformando em
sons não determinados, consequência da ação sem pressionar as cordas. A rítmica e
métrica também vão se tornando indeterminantes em acelerandos e crescendos irregulares
com leves acentos prescritos.

Figura 32. Brouwer, Leo. La Espiral Eterna, Seção B/3.


Fonte: Schott Musas, 1970

12
A surdina é realizada no violão executando as cordas com a mão direita e abafando com a palma da mão.
Aqui, no caso, é uma técnica expandida na qual o dedo da mão esquerda não pressiona a nota enquanto a
direita executa, dando a sonoridade de surdina.

50
Aproveita-se a liquidação total deste material, de irregularidade e indeterminância
rítmica agora rarefeitos (Figura 33), para seguir com mão direita e esquerda percutindo nas
cordas e no braço do instrumento.

Figura 33. BROUWER, Leo. La Espiral Eterna.


Fonte: Schott Musas, 1970

A intenção de trazer a vanguarda para o violão se maximizou em La Espiral


Eterna, além de utilizar-se de aspectos extramusicais para a construção da obra. Segundo
Wistuba, “Brouwer desenvolve a espiral como forma comum a natureza, desde a galáxia até
o caracol” (WISTUDBA, APUD PRADA:52), associando a certas formas de comportamento
da sociedade. Eduardo Fernández argumenta a utilização das formas contidas na natureza,
cálculos numéricos e que geraram a teoria do segmento áureo de Leonardo Fibonacci (1170-
1230) (FERNÁNDEZ). Relações extramusicais à parte, fato é que Brouwer em Espiral Eterna
(Ca. 6’30”) apresenta o maior número de técnicas expandidas na obra em períodos do tempo
que vão dos 3’50” ao final da obra.
Brouwer na década de 1980 alterou consideravelmente seu estilo de composição.
Sua obra El Decameron Negro (1981) exerce forte apelo da música programática, além de
utilizar-se de processos reiterativos e um especial retorno a padrões da música popular. A
obra é dedicada à violonista americana Sharon Isbin, o que denota ainda alguma
reminiscência do seu período americano. Cresci ouvindo o discurso, de boa parte da geração
que me orientou nesse período, que o compositor havia abandonado seus princípios
estéticos de vanguarda da década de 1960. Radicalismos à parte, fato é que na obra não

51
são encontrados uso de técnica expandida e sim um forte apelo literário e programático,
revestido de um estruturalismo perspicaz.
Depois de analisar a obra e vida artística de Brouwer, iremos observar o que será
desenvolvido no Capítulo 2, sobre contexto nacional, sub-capítulo 2.2.1, Villa-Lobos. “É
Brouwer quem ouvirá o eco das mudanças, das inovações que Villa-Lobos propôs, e é
Brouwer quem incorporará as condições ideais para tamanha realização” (PRADA, 2008:
P.14). Diversas das sonoridades que foram investigadas por Villa-Lobos, principalmente nos
seus Estudos (1929), foram amplamente abordadas por Brouwer, mesmo que colocadas em
outras formas nas quais o compositor cubano desenvolveu durante sua trajetória musical.

52
2.1.4 Seis exemplos estandarte do repertório do violão: Sonata op 47 (Alberto Ginastera),
Sequenza XI (Luciano Berio), L`Aube du dernier jour (Francis Kleynjans), Koyunbaba (Carlo
Domeniconi), Kurze Schatten II (Brian Ferneyhough), Changes (Elliot Carter)

Nas décadas 1970 e 1980 alguns parâmetros da técnica expandida desenvolvidos


por Brouwer, cuja gênese percebemos em Villa-Lobos, passaram a fazer parte do repertório
geral de técnicas de escrita violonística. As obras para violão solo, a serem abordadas nesse
sub-capítulo, dominaram o repertório violonístico da década de 1980 e 1990 (inclusive até os
dias de hoje) e a análise dessas obras irá demonstrar o uso da técnica expandida em
diferenciados padrões estilísticos. Na Sonata op 47 (1976), o argentino Alberto Ginastera
realiza uma importante pesquisa rítmica do folclore de seu país sendo que vários dos
procedimentos são utilizados como ruídos com raspar de unhas, percussões no tampo,
acentuações na corda (tal qual um charango), etc; A obra L’Aube du Dernier Jour do francês
Francis Kleynjans é um exemplo bem aprimorado da música programática e toda a técnica
expandida servirá como sonoplastia de um universo externo e tenso de um condenado à
guilhotina. Em Koyunbaba, o alemão Carlo Domeniconi, através do uso da scordatura, da
improvisação e reiteração cíclica e mântrica irá valorizar as sonoridades microtonais e de
rasgueados. As obras Sequenza XI de Luciano Berio, Changes de Elliot Carter e Kurze
Schatten II de Brian Ferneyhough foram incluídas por estarem conectadas com algumas das
estéticas que serão abordadas em Kampela e Mello.

2.1.4.1 - Sonata op 47 (1976) de Alberto Ginastera


Obra para violão solo de Alberto Ginastera (1916-1983) que foi encomendada e
estreada pelo violonista brasileiro Antonio Carlos Barbosa Lima em 1976. Para WAGNER, o
impulso criativo de Ginastera para o violão “foi inibido em virtude de ser um instrumento
representativo para o folclore argentino, por isso o interesse tardio do compositor para o
instrumento já no final de sua vida”. A peça foi composta em Genebra (Suiça), cidade de
residência do compositor naquele momento. Por motivos da diplomacia internacional, havia
um fluxo de artistas de diversas regiões para esta cidade. Desse encontro com o violonista
brasileiro Barbosa Lima vem o fato da obra tornar-se um standard. Por outro lado, a amizade
com Andrés Segovia motivou o início de uma obra nos anos de 1930 ainda em Buenos Aires,
que nunca veio a ser concluída.

53
Ginastera criou uma simbologia própria que utiliza o violão como vértice de imagens
musicais referentes à tradição cultural sul-americana, principalmente remetendo à
pampa (planícies que englobam parte do Uruguai, da Argentina e do Brasil), e à puna
3 (região da pré- cordilheira ao norte da Argentina). Deste modo, dois dos principais
símbolos explorados pelo compositor em suas obras estão diretamente ligados ao
violão como representante da cultura criolla, relativa à pampa e ao gaúcho: o acorde
simbólico e o malambo (SCHWARTZ-KATES, 2001, p. 876 APUD WAGNER)

A Sonata de Ginastera possui quatro movimentos: Esordio, Scherzo, Canto,


Finale; e é uma das últimas obras instrumentais de sua produção musical. O prefácio da
partitura dá um mapa da construção da obra.
O primeiro movimento, Esordio, é um solene prelúdio, seguido por uma canção
inspirada na música quíchua e que encontra a sua conclusão numa repetição
abreviada desses dois elementos. O segundo movimento, Scherzo, que deve ser
tocado “il píù presto possibile”, é uma interpolação de sombra e luz, de ambientações
noturnas e mágicas, de contrastes dinâmicos, danças distantes, de impressões
surreais, assim como eu já havia usado em obras anteriores. Logo ao fim, o tema de
Sixtus Bekmesser [Wagner, Mestres Cantores de Nuremberg] aparece como uma
fantasmagoria. O terceiro movimento, Canto, é lírico e rapsódico, expressivo e
exânime, como um poema de amor. Este é conectado com o próximo movimento,
Finale, um rápido e enérgico rondó que relembra os ritmos fortes e intrépidos da
musica dos pampas. Combinações de “rasgueados” e “tamboras”, efeitos percussivos,
variados por outros elementos de cor metálica ou a ressonância das cordas, dão uma
tonalidade especial para esse abrupto e violento movimento que, desse modo, ganha
o aspecto geral de uma “toccata” (GINASTERA, 1984, prefácio).

Nossa abordagem irá apontar os recursos de técnica expandida utilizados por


Ginastera nessa obra. Já no Esordio há o uso de ruído da unha, cuja sonoridade, segundo o
compositor, representa um pássaro dos pampas. A grafia está apresentada e explicada na
bula (Figura 34):

Figura 34 GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Esordio, cc


Fonte: Editora Boosey and Hawkes, 1981

54
Neste mesmo movimento o compositor apresentará a sonoridade percussiva (que
será amplamente desenvolvida no Final) com uma indicação gráfica visual própria (Figura 35
e 36), o que provavelmente é fruto de discussões entre o intérprete Barbosa Lima e o
compositor13. Tal grafia buscou simbolizar como os intérpretes de charango posicionam a
mão direita para realizarem os ritmos e rasgueados dobrados com muita precisão.

Figura 35 GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Esordio, cc 8 e 16


Fonte: Editora Boosey and Hawkes, 1981

Figura 36 GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Final, cc 19-23


Fonte: Editora Boosey and Hawkes, 1981

No Scherzo, além do pizzicato a la Bartok, Ginastera utiliza outro paradigma do


compositor húngaro de glissandos rápidos (Figura 37) o que no violão adquire um efeito
sonoro muito rico.

13
A informação foi corroborada em minha conversa com Barbosa Lima em 30 de agosto de 2013.

55
Figura 37 GINASTERA, Alberto. Sonata op 47, I – Scherzo, cc
Fonte: Editora Boosey and Hawkes, 1981

2.1.4.2 Sequenza XI (1987-88) de Luciano Berio


Luciano Berio afirmou : «Quer mesmo saber, a Sequenza XI para violão foi a que
me deu mais trabalho» (CRUTCHFIELD)14. Embora ele houvesse composto obras de câmara
que incluiam o instrumento, nunca havia feito uma obra para violão solo. Ele reuniu todos os
esforços para que sua Sequenza XI para violão (1988), dedicada ao violinista Elliot Fisk,
fizesse parte da série de Sequenzas, tornando-a um estandarte do repertório violonístico. Na
mesma entrevista dada a Crutchfield, Berio afirma que em Sequenza XI "há componentes
idiomáticos relacionados à escrita do violão, um tipo de ‘música’ que acompanha o
instrumento". Berio estava em plena maturidade como compositor quando compôs Sequenza
XI para violão. Embora tenha declarado sua dificuldade em escrever para o instrumento, ele
conseguiu resultados surpreendentes, usando o instrumento de forma mais idiomática. O
objetivo de todas as Sequenzas foi lidar com instrumentos solo e voz equilibrando
virtuosismo e idiomatismo, explorando plenamente as técnicas expandidas e as
possibilidades tímbricas. A técnica em Sequenza XI é extremamente desafiadora. Berio
escolhe dois estilos instrumentais e gestuais: um com as suas raízes no violão popular
flamenco tradicional, com suas poderosas associações com exotismo musical latino-
americano, e outro nas práticas tradicionais do século XIX e XX da guitarra clássica.
Sequenza XI, é um complemento importante para o repertório solo do violão clássico, e
reúne conceitos inovadores de organização de motivos rítmicos e tímbricos dentro dos
parâmetros formais, além de técnicas tradicionais.

14
“If you want to know . . . [Sequenza XI] has cost me the most work of all”

56
A obra é de forma simples, com uma seção dramática multitextural que conduz a
uma resolução calma, se é que se pode conceituar em se tratando de Berio. Uma variedade
de técnicas violonísticas são exploradas nesta peça incluindo rasqueado (a partir da tradição
do flamenco), trêmulos, glissandos, harmônicos, percussão no tampo.
Berio emprega uma diversidade de técnicas expandidas disponíveis e explora toda
a gama de possibilidades de timbre do instrumento com idiomatismo surpreendente. Ele
também faz uso da notação em dois sistemas para técnica expandida usando martelattos de
ME e MD (Figura 38). A mão esquerda começa atacando o Fa# e Sol em trinado. Então, um
dos dedos da MD percute o Sol#, seguido do Fa# e Sol com trinado da ME. Esta técnica é
muito suave e fluída. Não contém ataques fortes tendo em vista que cada ataque é sutil e
não tradicional:

Figura 38. BERIO, Luciano. Sequenza XI, I –p. 4, sistema 2


Fonte: Universal Edition, Wien, 1988

Porém, dificuldades surgem quando ele emprega passagens em que a mão


esquerda imprime distenções desafiadoras com rápidas mudanças de posição (Figura 39),
assim como trêmulos, notas repetidas e alternâncias não usuais de ações em cordas
distintas:

Figura 39. BERIO, Luciano. Sequenza XI, I p. 6, sistema 4.


Fonte: Universal Edition, Wien, 1988

Bem como, passagens onde são necessárias extrema precisão de ataque e


velocidade (Figura 40), nas quais o maior desafio do violonista é manter a dinâmica e
movimento como jogos através de uma vitrine de possibilidades sonoras do violão:

57
Figura 40. BERIO, Luciano. Sequenza XI, I, p. 6, sistema 7
Fonte: Universal Edition, Wien, 1988

Existem dois planos: plano harmônico, com acordes baseados na scordatura do


instrumento predominantemente de 4ªs justas, e outro plano pós-serialista de construções
intervalares. Há um grupo de gestos violentos percussivos e um grupo de passagens
elegantes e doces. Outra característica importante da peça é uma “preocupação de Berio de
simetria, o que se manifesta tanto na construção de campo vertical e a dimensão temporal”
(DELUME, 1992, p.44).
A sensação geral da forma está relacionada à qualidade de improvisação na
composição, como podemos observar na forma de escrita do rasgueado (Figura 41),
empregado incessantemente, e que causa flexibilização temporal:

Figura 41. BERIO, Luciano. Sequenza XI , p. 5, sistema 7


Fonte: Universal Edition, Wien, 1988

Algumas técnicas desenvolvidas depois de 1960 usam procedimentos


denominados amétricos, frequentemente envolvendo algum grau de improvisação. Nesta
chamada música amétrica (ametric music), muito usada nas Sequenzas, “Berio usa uma
linha com traço para indicar o tempo no começo […] entretanto sua duração sempre será
indicada no compasso. Berio também usa notação proporcional, quando a nota ocupa maior
parte do compasso”. KOTSKA (1999, p. 124).

58
A função deste efeito de acordes rasgueados é para expandir a sustentação
limitada do instrumento. Veremos que na Dança de Chico Mello essa intenção é muito clara.
Os rasgueados e sustentações de acordes com procedimentos articulatórios especiais, com
relações intervalares próximas ou repetidos geralmente, bem como trêmulos de combinações
diversas, buscam transcender a sonoridade do instrumento. Esses recursos podem
proporcionar ao violonista desenvolver crescendo e decrescendos não usuais no
instrumento.
Em Sequenza XI, percebemos uma diversidade de repetições variadas, tanto na
pequena e grande estrutura, o que ajuda o ouvinte a “identificar e acompanhar os elementos
que operam em diferentes níveis e perceber a forma como um grande arco” DELUME, 1992,
p.52).
Berio realizou uma pesquisa aprimorada das possibilidades do violão, não só
dizendo respeito aos rasgueados e formas tradicionais do violão do século XIX como ele
mesmo afirma. Ele também usou o repertório violonístico contemporâneo de sonoridades
expandidas, o que provavelmente foi fruto do seu contato com Ellio Fisk. Veremos no Sub-
Capítulo 4.5 Quadro Geral de Todas as Obras Abordadas, o emprego de todas elas.

No seu uso das tamboras, por exemplo, ele geralmente empregada sem nota
preestabelecida, as vezes interrompidas pela mão esquerda, ou de cordas soltas. Berio usa
as tamboras “percussivas como ‘sombra’ das sonoridades empregadas nos acordes
circundantes (antes e depois), proporcionando grande movimentação rítmica” DELUME,
1992, p. 45).

2.1.4.3 L’Aube du Dernier Jour (1984) de Francis Kleynjans


A obra L’Aube Du Dernier Jour de Francis Kleynjans (1951) é uma obra
programática que descreve os últimos momentos de um condenado à guilhotina. A peça lhe
rendeu o prêmio de composição da Radio Francesa em 1988. Antes de realizarmos uma
abordagem analítica e classificarmos as técnicas expandidas utilizadas, será interessante
observar as palavras de um locutor (anônimo) da Radio Francesa (IRTF):

59
“Algumas notas sobre um ritmo ostinato tendem a reproduzir um tempo abstrato e
que repentinamente se tornam concretos, tangíveis porém com uma economia de
movimentos excepcional. Em seguida ao silêncio, segue um trecho de grande
turbulência, de distorções íntimas de um fundo temporal voluntariamente neutro, o
estourar de um baixo contra o braço do instrumento em forma de conclusão, o silêncio
tenso do público, um breve instante e depois os aplausos”.

As palavras do locutor, referindo-se a interpretação da obra L’Aube du Dernier


Jour pelo próprio compositor, nos dá uma referência verbal em relação ao impacto feliz que
poucas obras programáticas proporcionam.
No primeiro movimento da obra, entitulado Attente (A Espera) inicia-se com
intervalos de 5ªs diminutas (Figura 42) realizados pelos baixos e com sons tradicionais, com
organização de pausa que simbolizam o pulsar de um coração desgovernado e visivelmente
tenso. Característica interna e pessoal do personagem.

Figura 42. KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, Attente cc 1-3


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

Consequentemente o ambiente interno (psicológico e pessoal) é


agressivamente interrompido pelo externo (mecânico e inexorável), o pulsar mecânico do
tempo agora simbolizado por uma técnica expandida na qual o dedo da mão esquerda
encosta (Figura 43) sem pressionar a corda e a mão direita executa mecanicamente:

Figura 43. KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, Attente cc 4-6


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

60
Tal mecânica será sucessivamente sobreposta a intervenções com sons
tradicionais porém com prescrições de expressões típicas do romantismo (Figura 44) tais
como pesante e doloroso, muito expressivo, muito doloroso, acellerando e precipitado.

Figura 44. KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, Attente cc 7


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

A seção Attente é finalizada com o som expandido simbolizando a mecânica do


tempo. Consequentemente a segunda parte L’Aube (A Aurora) é iniciada por uma sonoridade
expandida (Figura 45) que dá outra perspectiva de tempo mecânico, agora com uma
informação sacra e que corresponde a arquétipos religiosos: o tocar do sino (de igreja?). Tal
procedimento é realizado dobrando a 6a e 5a cordas e pulsando somente a 5a para que o
batimento adquira uma sonoridade mais pura como o sino.

Figura 45. KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 1-3


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

Logo após (Figura 46) temos outro exemplo de sonoridade expandida,


simbolizando graficamente passos distantes se aproximando. Quando o personagem se
aproxima para abrir a porta (Figura 46), o ranger será simbolizado pelo arrastar das unhas
novamente nas cordas com maior densidade de metal (6a e 5a).

61
Figura 46 KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 5
Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

Deste ponto ao fim da obra, a execução simbolizada pelo pizzicato a la Bartok na


6a corda, segue uma série de elementos musicais tradicionais que buscarão simbolizar
estados subjetivos e psíquicos de um condenado momentos antes de sua finitude:

a) Ostinatos buscam simbolizar passos de uma e de duas pessoas quando duas vozes em
contraponto (Figura 47):

Figura 47 KLEYJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube ostinatos


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

b) Rasgueados cromáticos ascendentes que simbolizam tropeço ou escorregamento ao


caminhar (Figura 48):

Figura 48. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 53-54


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

62
c) Processos imitativos que podem simbolizar momentos nostálgicos, imagens do passado, a
vida que se foi (Figura 49):

Figura 49. KLEYNJANS, Francis. L’Aube du Dernier Jour, L’Aube cc 67-70


Fonte : Henry Lamoine, Paris, 1988

A obra totaliza 10 minutos sendo que mais de 8 correspondem aos poucos


momentos e passos que antecedem a sentença. Isto é justificado pelo tempo psicológico em
que o condenado se encontra buscando corroborar a frase “a vida passa em um segundo”.
Há uma excessiva característica programática em L’Aube du Dernier Jour e não nos
deparamos com algum procedimento composicional inovador. Há utilização de tonalismo, em
certos momentos alguma característica modal e também processos imitativos. Talvez tudo
seja proposital para evidenciar e esgotar o uso das técnicas expandidas como ferramenta de
tensões dramáticas que, talvez, sistemas composicionais oferecidos não pudessem dar. Em
L’Aube du Dernier Jour (1984) iremos denotar uma tradição programática e literária na
característica da composição francesa herdada desde François Couperin até Claude
Debussy.

2.1.4.4 Koyunbaba (1984) de Carlo Domeniconi


Carlo Domeniconi (1947) é um violonista e compositor italiano muito conhecido por
experimentar nos idiomas clássico e jazz. Após concluir seus estudos no Conservatório de
Pessaro, mudou-se para Berlin onde estudou composição na Universidade de Artes de
Berlim (1966). Mudou-se para Turquia e absorveu muito da cultura desse lugar. Lecionou no
Departamento de violão do Conservatório de Istanbul e desenvolveu um estilo composicional
que reflete a música regional turca. Domeniconi ficou internacionalmente conhecido com sua
obra Koyunbaba (1984).

63
O nome turco pode ser traduzido literalmente como pastor de ovelhas. Outras
fontes traduzem metaforicamente como o espírito das ovelhas. Koyunbaba também se refere
a figuras santas místicas bizantinas do século XIII. Suas batinas eram decoradas por
pequenas peças coloridas confeccionadas por pessoas simples, buscando resolver
problemas familiares.
Koyunbaba (1985) não seria um exemplo de técnica expandida na sua essência.
Porém, gostaríamos de comentar sobre uma obra que se tornou um dos últimos fenômenos
fonográficos da era de ouro das gravações, antes mesmo da internet. Em menos de 4 anos
de sua criação ela já havia atingido mais de 20 registros somente na Europa. Nossa
investigação quer buscar quais poderes uma obra de características de scordatura exótica,
estrutura modal ingênua, seções exageradamente reiterativas e que dão margens para
improvisações, possui para torná-la tão especial e de grande aceitação.
Um dos aspectos que nos debruçamos e trazemos para o nosso objeto - técnica
expandida - é que a scordatura parece despertar a audição para algo novo, que a princípio
será diferenciado, o que também iremos investigar em Chico Mello (Do Lado do Dedo).
A scordatura de Koyunbaba praticamente transpõe todas as cordas em diferentes
intervalos e direções (Figura 50). A dificuldade gerada na leitura é enorme e torna-se de
grande praticidade utilizar-se da tablatura. Portanto, no sistema inferior, lê-se o que está
escrito em acordo com a localização apropriada, porém a sonoridade real será o que está no
sistema superior.

Figura 50 DOMENICONI, Carlo. Koyunbaba, cc 1-4


Fonte: Editora Margaux, Neue Verlag Musik, Berlim, 1985

64
Ainda levamos em conta a escolha de altura empregada pelo violonista em acordo
com a sugestão do compositor (Figura 51):

Figura 51. DOMENICONI, Carlo. Koyunbaba, nota final explicativa


Fonte: Editora Margaux, Neue Verlag Musik, Berlim, 1985

Quando iniciamos a audição de qualquer peça para piano preparado de John


Cage nossa escuta se direciona para o lugar da modificação estrutural da origem sonora
tradicional e levamos algum tempo para nos concentrar no intérprete e na forma15. Acredito
que a comparação mais pertinente entre piano preparado seria o violão com scordaturas
não-tradicionais. As obras com execuções em técnica expandida possuem características
próprias sem comparativos.

15
Foi minha experiência ao ouvir pela primeira vez as peças de John Cage com Dr. Joel Sachs (Juilliard School
of Music, NY, USA) na Oficina de Música de Curitiba 1998. Sachs foi meu professor na pós-Graduação da
Embap (1997).

65
2.1.4.5 Kurze Schatten II (1983-89) de Brian Ferneyhough

Brian Ferneyhough e Elliot Carter criaram obras para violão em momentos


importantes de suas trajetórias musicais. Eles estão inseridos neste capítulo, não por terem
criado obras estandartes do repertório violonístico contemporâneo, mas porque são agentes
diretos da estética de Arthur Kampela, compositor abordado nesta tese. Elliot Carter compôs
Changes (1983) e Brian Ferneyhough, Kurze Schatten II (1983-89), ambas para violão solo.

A obra Kurze Schatten II, de Ferneyhough foi amplamente analisada por Castellani
e nos baseamos no seu artigo (CASTELLANI: 2009, p.24-34). Porém, iremos nos deter em
aspectos intrínsecos que se relacionem com a obra de Arthur Kampela e filtrar técnicas
expandidas utilizadas. No Capítulo sobre Arthur Kampela, iremos comparar tais influências.
A força energética comumente empregada nas obras de Ferneyhough será
16
trocada por texturas mais leves em Kurze Schatten II . Na escrita denotamos
frequentemente o uso de harmônicos e alternância de scordatura, caracterizando uma
sonoridade microtonal. Visivelmente o procedimento dá-se em função da escolha do tema
extra musical da obra, um texto de Walter Benjamin, argumentando sobre as mudanças de
forma e posicionamento da sombra em relação a luz, imagem fortemente aludida a alteração
da scordatura e sua transformação microtonal. Além do mais, achamos interessante a
abordagem de utilizar características intrínsecas do instrumento, em sua condição de pouca
sonoridade (intensidade) e possibilidade de texturas reduzidas. Buscar desenvolver através
do material oferecido pelo instrumento. Em Arthur Kampela e Chico Mello por exemplo,
observamos o contrário, a tentativa de transcendência das possibilidades sonoras do
instrumento. Vale observar parte do texto de Benjamin e seu clima reflexivo:
Quando se aproxima o meio-dia, as sombras ainda são apenas as orlas negras e
nítidas na base das coisas e estão prontas para, silenciosas, de improviso, se recolher
à sua estrutura, ao seu segredo (BENJAMIN, APUD CASTELLANI, 2009).

A obra é organizada tal qual uma suíte barroca, sendo que no terceiro movimento
há um maior número de técnicas expandidas (Figura 52). Cada transição entre movimentos
consiste de alternância de scordatura, o que potencializa sua abordagem microtonal e
multiplica sua sonoridade.

16
Kurze Schatten II de Ferneyhough foi uma obra encomendada pelo violonista Magnus Andersson.

66
o
Figura 52. FERNEYHOUGH, Brian. Kurze Schatten II, 3 movimento cc-21-24
Fonte: Hinrichsen Edition, Peter Edition, London, 1989

Embora as ideias musicais e extra-musicais em Ferneyhough sejam


extremamente criativas, os resultados práticos violonísticos não são desejavelmente
satisfatórios. Ferneyhough usa a “espessura perspectiva” em Kurze Schatten II. São
processos derivados do pensamento serial, ou seja, ele se utiliza de diversas acumulações,
sobreposições e filtragens (CASTELLANI, 2009, p.7). Acontece que tal procedimento
complexo em Kurze Schatten II é aplicado no sistema de scordaturas diversificadas. O
violonista terá uma partitura de execução com sons reais e terá que mapear as notas.
Ferneyhough não utilizou o sistema de tablatura tal qual Domeniconi em Koyunbaba (dois
sistemas: 1°) sons reais, 2°) tablatura=transposição). Seria como se o violonista tivesse de
administrar 6 (seis) instrumentos transpositores, tais como Trumpete em SiB para 1ª corda,
Trompa em Fa para 2ª, assim sucessivamente. Porém as scordaturas são ferramentas
técnicas muito restritas ao universo do violonista, o que funcionou muito bem em Koyunbaba
por Domeniconi ser um violonista. Não serão somente as frequências que se alteram e
mergulham em um universo microtonal, modificações da estrutura físico acústica do
instrumento, mas também as atitudes performáticas de dedilhado e digitação, alcance das
simultaneidades pela mão esquerda e mais uma série de fatores que põe em risco a
dinâmica performática da obra. Nossa pergunta seria: Será que Ferneyhough, em virtude do
seu conceito de restrições, não estaria relacionando também a este universo no qual ele não
domina? Pois:

“Restrições” (constraints), que Ferneyhough coloca dentro das suas peças, referem-se
a “erros” que podem ocorrer, e que modificariam todas as características direcionais
de um determinado trecho; esta “abertura” para o imprevisível caracteriza um dos
aspectos de sua chamada escrita informal (CASTELLANI, 2009, p.8)

67
Todavia, a organização da escrita mostra o uso de técnicas expandidas, o que
para nós se tornou de extremo interesse. O sistema superior indica as sonoridades
percussivas indeterminadas. Quanto ao uso de duas linhas no sistema superior do 3o
Movimento, referem-se a percussões no tampo em diferentes regiões do instrumento. Na
Figura 52, no último compasso, escrita sobre o espaço, há a indicação golpe sul pont, o que
caracteriza que há outros padrões diversificados, pois no 2o compasso a escrita está sobre a
linha. Esse procedimento também foi abordado por Alvaro Company em Las Seis Cuerdas e
Kotónski em A Battere. No sistema inferior, sonoridades tradicionais e não-tradicionais como
harmônicos, pizzicato a la Bartok17, são aplicadas.

2.1.4.6 Changes (1983) de Elliot Carter

Elliot Carter18 foi amplamente abordado na dissertação de mestrado de Thomas


Krönig Pires (PIRES: 2012). Nos concentramos em dois aspectos. Se Carter utiliza a técnica
expandida e também quais evidências no seu estilo mais peculiar, o da polimetria, poderiam
ser encontradas em Kampela. Curiosamente, Krönig ressalta o aspecto da percepção da
duração pelo ouvido humano. Para percebermos uma duração diferente de uma semínima,
por exemplo, necessitamos no mínimo que ela seja 10% mais longa (Figura 53).

Figura 53. CARTER, E. Changes


Fonte: Boosey and Hawkes, Nova Iorque, 1983 APUD PIRES, p. 28

17
Até o momento não foi encontrada a partitura manuscrita que contenha a bula dessa obra.
18
Partituras disponíveis em:
http://www.4shared.com/office/xkK5pTwj/elliott_carter_-_shard.html
http://pt.scribd.com/doc/92614377/Changes-Elliott-Carter acesso em 9 de dezembro de 2012

68
Segundo Krönig a informação foi imprescindível para sua estratégia de estudo do
ritmo, uma técnica denominada por Carter de Alteração Rítmica Menor, que consiste em
conscientemente gerar uma distorção no ritmo (Figura 54). Essa distorção do ritmo acontece
em função da complexidade da escrita e do que é absorvido pelo ouvido humano. Carter tece
um longo discurso sobre personagens em estilos contrastantes para cada camada de suas
texturas. Embora Carter não use a técnica expandida explicitamente em Changes "os
padrões de caráter ou estilos expressivos contrastantes, parecem estar baseados na
oposição de dois personagens principais, os dedilhados líricos e o rasgueados
extravagantes". (POUDRIER, 2008 apud KRÖNIG, p.39).

Figura 54. CARTER, Elliot. Changes, c-3-5


Fonte: Boosey and Hawkes, Nova Iorque, 1983

Serialismo integral, estruturalismo, politonalismo, ruidismo, aleatoriedade e muitos


outros sistemas musicais de compositores atuantes na segunda metade do século XX,
principalmente no eixo-ocidental Europa-Estados Unidos, estavam em evidência. Muitas
dessas experiências incluiam o violão em suas criações. Além das obras de compositores
citados no Capítulo 2.2 sobre os Festivais de Varsovia, fora desse eixo temos Ko-tha I, II, III
(1967), de Giacinto Scelsi, Tellur (1978), de Tristan Murail, Salut für Caudwell (1985), de
Helmut Lachenmann (1935-), assim como os já abordados Changes (1983), de Elliot Carter e
Kurze Schatten II (1983-89), de Brian Ferneyhough. Esses últimos, como já afirmamos,
influenciaram os compositores brasileiros Edino Krieger, Arthur Kampela e Chico Mello, que
são objetos dessa pesquisa. No Capítulo 3, sobre os compositores objeto dessa tese, iremos
abordar as influências de forma mais pormenorizada.
Através da abordagem dessas obras estandartes do repertório violonístico, foi
possível observar que a técnica expandida no violão é uma característica especial e
particular do instrumento. Ligados ascendentes e descendentes que não determinam técnica
expandida, geralmente propiciam uma sonoridade ambígua. A nota de início possui uma

69
sonoridade mais pura, enquanto que a nota ligada possui mais sons transientes em virtude
do atrito ou percussão do dedo da mão esquerda na corda. O pizzicato a la Bartok, que
atualmente está na fronteira entre técnica expandida e tradicional, consiste de uma
sonoridade mista entre o ruído da corda de metal contra o braço do instrumento de madeira.
As scordaturas, mudanças físico acústicas das propriedades e frequências usuais das
cordas, possibilitam-nos uma riqueza na expansão da tessitura. Para cada obra aqui
abordada o equilíbrio das utilizações dos efeitos e técnica expandida, em conjunto com uma
ideia musical coerente, foram alguns dos aspectos que possibilitaram suas popularidades.
Assim como os instrumentos de sopro, que caracterizam articulações especiais,
como toque de língua, projeção de fonemas, o instrumento articulatório de dedos também
proporciona articulações e alfabeto próprio. Suas possibilidades estão amplamente abertas e
cabe ao violonista expor aos compositores esses procedimentos diversificados.

70
2.2 CONTEXTO BRASILEIRO

Figura 55: Viola que tocam os pretos. Na época de Gregório de Mattos já se observava
nos ancestrais do instrumento a categorização social.
Fonte: Biblioteca Nacional, Divisão de Iconografia, APUD BUDASZ, 2005

O universo do violão clássico brasileiro criou sua própria atmosfera sonora atípica
e ambígua por evidências particulares e históricas. Isso provavelmente aconteceu em virtude
de seu banimento social, em parte provocado pelas produções musicais tradicionais (tanto
da monarquia quanto da república) de concertos clássicos e óperas no final do sec. XIX e
início do sec. XX, que tomavam conta dos espaços culturais não deixando chances para
outras manifestações artísticas. Para a sociedade, a sonoridade do violão, mesmo a
tradicional, era marginal, suspeita, “malandra” e seus intérpretes eram colocados na prisão.
“Era inferiorizado, pois naquela época o violão não era instrumento de salão, de música de
verdade, e sim instrumento vulgar, de chorões e seresteiros”. (GUIMARÃES: 1988).
Por outro lado, tal banimento proporcionou liberdade e oportunidades àqueles
compositores que estavam investigando e experimentando, ainda no âmbito de uma música
popular urbana. O repertório de multiplicidade sonora e rítmica é implícito em sua linguagem
de acompanhamento. Sua autonomia aconteceu quando da colocação desses potenciais em
primeiro plano. Quando essas sonoridades começaram a ser empregadas, invertendo,
colocando em segundo plano a memória sonora do estilo clássico, do flamenco e da canção
popular, o processo de autonomia foi se consolidando.
Villa-Lobos, por exemplo, produziu a Suite Popular Brasileira para violão solo na
década de 1910. Nessa obra já haviam vestígios de padrões da música popular, bem como

71
alguns paradigmas idiomáticos do violão, como movimento harmônico paralelo e pedais de
corda solta, que mesmo provocando algumas dissonâncias, aumentavam consideravelmente
o potencial sonoro. Acontece que Villa-Lobos demorou quase três décadas para assumir
essa influência, tendo experimentado várias outras tendências européias em suas obras.
Fato é que a Suite Popular Brasileira só veio a ser publicada na década de 1950, quando o
compositor já havia consolidado sua carreira. No princípio a ligação do instrumento com a
música urbana proporcionou desavenças entre os músicos e desmerecimentos dentre os
críticos.
Na discussão e afirmação de uma identidade nacional o violão foi eleito o timbre mais
característico – "o alto-falante da alma nacional". Essa visão de mundo ecoa no
trabalho de Lima Barreto, que fez seu Policarpo Quaresma proclamar: "É preconceito
supor-se que todo o homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais
genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede".
(TABORDA, p.71)

Por insistência e perseverança dos músicos a ele dedicados, o violão acabou


transformando-se em um ícone cultural brasileiro obtendo uma série de representantes ao
longo da primeira metade do século XX. Pioneiros representantes da prática da performance
instrumental ao violão criavam suas obras de acordo com as formas musicais em voga e que
eram na sua maioria versões instrumentais de obras clássicas conhecidas, canções e
danças.
O violonista Ernani de Figueiredo, devido à escassez de metodologia nos
princípios do século XX encontrou dificuldades no começo. "Nunca ouvira de meus
professores senão referência [...] a tal instrumento que reputavam de qualidade e de técnica
insignificantes" (TABORDA, p. 82). Após tomar conhecimento do método para violão de
Matteo Carcassi, Figueiredo inicia uma campanha de aprimoramento da técnica.
"Sobrevindo-me, por isso, grandes dissabores em consequência de minha teimosia em
querer elevá-lo. Em toda parte molestavam-me as pilhérias e ironias dos adversos enquanto
mais inabalável se tornava a minha convicção." (TABORDA, P.83).
Ernani de Figueiredo organiza em maio de 1916 no Edifício do Jornal do
Commercio (RJ), um concerto apoteótico, constituído de 7 entradas e que constituía, dentre
outras obras, de arranjos da Marcha Fúnebre de Chopin e Tannhäuser de Wagner. A crítica
da época ressaltou a incompatibilidade do violão "com ambientes da alta cultura":

72
"O violão não tem ido além de simples acompanhador de modinhas. E quando algum
virtuose quer dele tirar efeitos mais elevados na arte dos sons, jamais consegue o
objetivo desejado, ou mesmo resultado seriamente apreciado [...] Não quer isso dizer
que o popular instrumento não tenha seus apreciadores e mesmo apaixonados. E que
os tem em elevado número provou-o a concorrência de ontem no salão nobre do
edifício do Jornal do Commercio” (TABORDA, p.85).

Outros violonistas buscavam sonoridades que aludissem determinadas


representações sociais e cívicas, buscando no instrumento sonoridades não-tradicionais que
simbolizassem manifestações das mais diversas. O violonista e compositor brasileiro
Américo Jacomino (1889-1928), por exemplo, compôs a obra Marcha Triunfal Brasileira em
homenagem aos combatentes da Primeira Guerra Mundial. Na obra são inseridas
sonoridades timbrísticas que buscam imitar o rufar da caixa-clara19 e outros instrumentos
marciais como o trompete e tambor. “A força com que se apresenta a obra, os efeitos de
sopros (metais e flautins) e de caixa clara e a energia interpretativa do violonista fazem com
que a peça se destaque das gravações da época”. (ANTUNES: 2002). Entretanto, tais
sonoridades somente se aplicavam para dar um conteúdo programático e alusivo, inserido
numa construção musical tradicional na sua maioria usando o sistema tonal. Pelo menos,
não temos registro se havia indícios ou comentários sobre pesquisas sonoras elaboradas em
novos tipos de construção musical no Brasil naqueles momentos.

19
Recurso alcançado quando se dobra as cordas graves que, quando dedilhadas, ressoam semelhante ao rufar
de tambores marciais.

73
2.2.1 Heitor Villa-Lobos

Há inúmeros trabalhos acadêmicos sobre Heitor Villa-Lobos no Brasil e em


universidades estrangeiras. Além disso, foi possível elencar um número considerável de
livros publicados no qual destacamos Humberto Amorim, Paulo Tarso Salles e Teresinha
Prada por serem violonistas que tiveram (alguns continuam tendo) significativa atuação como
performers, pesquisadores e compositores. Para tanto, a leitura, investigação e filtragem
desse material buscou selecionar no decorrer dos diversos textos assuntos que poderiam vir
ao encontro de nossa hipótese: Villa-Lobos teria sido um dos precursores de técnica
expandida para violão no Brasil?
Iremos sustentar que Villa-Lobos, sim, acabou sendo, por razões da familiaridade
com o instrumento e suas inovações, o pioneiro das técnicas expandidas para violão no
Brasil. Turíbio Santos relata que Villa-Lobos usava o instrumento como um memorandum
sonoro:
Durante toda a sua vida, fez do violão seu caderno de anotações musicais [...],
percorrendo musicalmente as ruas do Rio de Janeiro com o instrumento, o que fez
subverter sua formação tipicamente europeia herdada do pai. Ele fez contato direto
com a nascente cultural musical brasileira. A música negra estava ainda restrita às
classes mais baixas pelo preconceito de uma sociedade que planejava um futuro
branco para si mesma. Mas as primeiras portas começavam a se abrir para a
influência africana, principalmente através do choro (SANTOS, p.97).

A série Choros, representa a incorporação da inspiração nativa e também da


assimilação de técnicas composicionais contemporâneas europeias, através de um
vocabulário técnico decididamente modernista. (BEHAGUE: apud PRADA, 2008, p. 65). Para
o todo da série, propositalmente ele iniciou com o Choros no. 1 (para violão solo) uma
expressão simplista do gênero urbano, mas que continha uma notação que aludia a
procedimentos de técnicas expandidas, como interrupção da sonoridade pela mão esquerda,
que será tratado mais adiante neste capítulo.
A partir da Semana da Arte Moderna, Villa-Lobos passou a compor de maneira
mais conectada com o pensamento estético de linha moderna. “Sua ida a Paris serviu para
reforçar e confirmar a aceitação internacional de sua “tendência estética prévia” (PRADA,
p.83). Nesta mesma viagem fez contato com diversos músicos, especialmente Edgard
Varèse, que para este trabalho é uma evidência importante. É dentro dessa fase do
compositor que os 12 Estudos (1929) para violão foram criados. Eles revelam a natureza

74
polimórfica do seu pensamento musical e é neste período onde se encontra a maior
produção de trabalhos no estilo moderno (dissonâncias e polirritmia) que ainda só estariam
sendo refletidos na textura dessa obra, diferentemente de outras para violão da época.
O uso da percussão no violão sempre foi empregado no sentido de dar apoio a
padrões rítmicos preestabelecidos por uma manifestação musical de características diversas.
No Flamenco, por exemplo, as percussões no tampo servem como acentuações e muitas
vezes são executadas simultaneamente às palmas, castanholas ou sapateios. Na música
popular brasileira não se tem registro da percussão no tampo do violão de forma tão
estereotipada tendo em vista a quantidade de instrumentos de percussão que
acompanhavam o batuque, o choro, o samba, o tambor de crioula tais como pandeiro,
agogô, afoxé, atabaque. Por outro lado, pode-se afirmar que as características de
acompanhamento do violonista de samba e choro, seja na mão direita ou esquerda, são
consideravelmente percussivas. A mão direita usando articulações non-legatto e variações
sincopadas e a esquerda interrompendo vibrações para que reforce o sentido percussivo
característico. A constatação de que as percussões estão de forma subliminar inseridas nos
padrões de acompanhamento da mão direita e esquerda reforça outra de que sonoridades
expandidas vão surgindo em acordo com esses paradigmas.
Villa-Lobos buscou prescrever em algumas de suas obras para violão algumas
dessas características escrevendo pausas, fermatas, símbolos de expressão (rit), ligaduras e
fórmulas rítmicas que representassem padrões percussivos desses acompanhamentos.
Do ponto de vista polifônico, os quatro compassos introdutórios do Chorinho da
Suíte Popular Brasileira (1913) podem ser considerados de construção simples nos moldes
tônica/dominante. Todavia, tal simplicidade é questionada por notas de passagem cromática
no centro da estrutura harmônica que não podem passar despercebidas ao violonista e este
terá a oportunidade de destacar com acentuações e variações tímbricas da mão direita o
movimento melódico. Entretanto a estrutura rítmica e a irregularidade nas acentuações tesis
e arsis no acorde de 7ª de dominante nos permite uma riqueza de detalhes com
possibilidades agógicas.

75
FIGURA 56. Villa-Lobos, H Suíte Popular Brasileira – Chorinho. Rítmica característica
Fonte: Ed. Max Eschig, 1951

Não podemos afirmar que tais estruturas possam estar relacionadas a livre
acentuações dos percussionistas (mais especificamente pandeiristas), mas quando
observamos a escrita musical, de Villa-Lobos por exemplo, esta nos mostra que alguns
desses padrões rítmicos estavam no subconsciente do compositor, de forma mimética,
devido às práticas na época da composição em grupos instrumentais populares.
Nossos relatos e constatações buscam desmistificar a teoria da música
contemporânea como original. Parece-nos que a reflexão e intenção da música
contemporânea é colocar no primeiro plano essas sonoridades e dizer objetivamente, de
forma consciente, que se está usando tais sonoridades como elemento principal.
No Brasil isso acontece relacionado à variação tímbrica, de dinâmica, de
expressões musicais não usuais, de agógicas irregulares da mesma forma. Principalmente,
em se tratando da influência da música indígena e afro-brasileira. O que modificou o
pensamento da música contemporânea é que tais “efeitos” podem ser manipulados,
invertidos, dilatados, colocados em primeiro plano e numa nova leitura, tal qual pudemos
observar em Schönberg e sua utilização da forma de música de cabaré.
Essa prática está muito ligada à forma como os chorões executavam tais obras
instrumentais. Um exemplo é André de Sapato Novo de Pixinguinha. Há uma espécie de
desafio no grupo instrumental quando da hora de repetir o início, quem deve dar a entrada,
os entre olhares, a nota longa da flauta, clarinete ou saxofone aguardando e o ar acabando.

76
A não necessidade de regência para dar a entrada da próxima seção, a descontração da
prática e o desafio com os possíveis bailarinos eram ingredientes passíveis de serem
transferidos ao campo da música erudita. Esse ambiente pode ser interpretado tanto em
Preludio 2 e Choro Típico no. 1 de Villa-Lobos (Figura 57, 58):

Figura 57. Villa-Lobos, H Prelúdio 2, Dedicado a Mindinha. Escrita com sugestão de agógica.
Fonte: Edição do Autor

Figura 58. Villa-Lobos, H Choro n. 1. Sugestão de indeterminância no início.


Fonte: Editora Arthur Napoleão, 1960

O trecho do Choro n 1 (Figura 59) nos mostra de forma simples a síncope e


também a acentuação natural que as notas em retardo da harmonia causam. É praticamente
intuitivo realizar o trecho non-legatto.

Figura 59. Villa-Lobos, H. Choro n. 1.


Pausa de semi-colcheia aludindo modelo rítmico percussivo non-legatto.
Fonte: Editora Arthur Napoleão, 1960

77
Figura 60. Villa-Lobos, H. Estudo 2. Deslocamento de tônica para ênfase rítmica.
Fonte: Manuscrito Museu Villa-Lobos

Se tomarmos como elemento básico a nota fundamental do acorde (Figura 60)


denotamos subliminarmente uma tendência percussiva na organização arpegial do mesmo,
diferente nas composições de similar padrão de compositores europeus (Figura 61).

Figura 61. Villa-Lobos, H. Estudo 2.


Fonte: Versão digitalizada pelo autor

78
Isto ocorre também a partir da segunda frase do Estudo 8 (Figura 62, cc 17-20).

Figura 62. Villa-Lobos, H. Estudo 8. cc 17-20


Fonte: Max Eschig

O Estudo 8 apresenta significativa pesquisa no que diz respeito à tessitura


harmônica do instrumento. A melodia no início é acompanhada por acordes fechados na
região grave de timbre metálico das cordas graves. Na segunda frase a melodia é
resignificada agora retomada duas oitavas acima com o acompanhamento em estrutura
harmônica mais aberta, porém com acompanhamento rítmico mais característico. Quando
separamos a figura rítmica que acompanha a melodia principal, também denotamos
características rítmica- percussivas subliminares (Figura 63).

Figura 63. Villa-Lobos, H. Estudo 8


Fonte: digitalizada pelo autor

Havia indícios significativos de que “Villa-Lobos concebia autonomamente as


camadas de suas texturas musicais, como dados sonoros que interagem livremente numa
atmosfera de ruídos” (SALLES, 20009, p.41). Diversos componentes texturais foram usados
nos 12 Estudos (1929) sendo que o aspecto mais inovador na exploração das texturas na
escrita violonística foram efeitos de contínuo sonoro. No Estudo 12 a alternância dos dedos
atinge duas cordas adjacentes e produz sons transientes resultantes do atrito das unhas com
a superfície metálica que envolve o nylon, além de outra fonte de ruídos como o rebote das

79
cordas em relação aos trastes e atritos da mão esquerda provocando chiados (Figura 64).
“Portanto, além de um contínuo de alturas definidas, temos estabelecido um contínuo de
ruídos transientes de altura indefinida” (SALLES, 2009, p.96).

Figura 64. Villa-Lobos, H. Estudo 12.


Fonte: Digitalizada pelo autor

Sustentar o argumento de Villa-Lobos ser a gênese da cultura de composições


para violão com recursos expandidos se justifica por perceber que nas suas partituras revela-
se sua “inquietação em relação a procedimentos que se tornaram acadêmicos. Isso se traduz
em sua concepção peculiar de forma, em que os sons circulam sem a tradicional noção do
desenvolvimento beethoviano, mas de acordo com suas potencialidades acústicas”
(SALLES, p.41). Isso está em Claude Debussy e vale salientar a influência que esse
compositor francês exerceu sobre os compositores brasileiros, especialmente no Rio de
Janeiro, no início do século XX.
Do ponto de vista dos instrumentistas, tais empreendimentos inovadores não eram
de fácil absorção na época. Em suas tentativas de promoção dos seus 12 Estudos, Villa-
Lobos frequentemente mostrava a intérpretes estrangeiros que passavam pelo Rio de
Janeiro. Como o próprio compositor não estava em condições de exemplificar sua obra
satisfatoriamente, o fazia através do seu amigo pianista Tomás Terán. O relato de Abel
Carlevaro nos demonstra essa prática. Carlevaro não diz quando encontrou Villa-Lobos no
Rio de Janeiro pela primeira vez, mas presumimos no final da década de 40 e início de 50,
pois o compositor entrega a Carlevaro cópias manuscritas próprias dos 5 Preludios, os quais
Carlevaro estreia em Montevideo

80
Pode ser interessante relatar como eu cheguei a ouvir os Doze Estudos. Eu conheci
Villa-Lobos na minha primeira viagem para o Rio de Janeiro [...], onde eu tinha ido
para dar um concerto [...]. Ele me parabenizou e me convidou para ir até o
Conservatório de Canto Orfeônico, o qual ele dirigia, e onde eu havia estudado com
ele por um tempo. [...]
Neste convite tive a oportunidade de ouvir alguns dos seus 17 Quartetos de Cordas.
Eu também ouvi os 12 Estudos pela primeira vez [..] quando Villa-Lobos apresentou-
me a Tomás Terán, um grande pianista e amigo. [...] Foi surpreendente ouvir de Terán
transcrições para piano desses estudos de violão.

Primeiro Villa-Lobos comentava sobre um dos estudos e depois Terán tocava ao


piano. Em suas mãos, os doze estudos foram transformados em verdadeiras obras de
arte. Suas interpretações, juntamente com as explicações do compositor, me fizeram
entendê-los musicalmente, em toda a sua beleza. [...] um fato ainda mais curioso é
que eles não estavam sendo tocados pelos violonistas. Foi uma grande experiência
perceber que valores abstratos da música podem estar nas mãos de um grande
artista.
Villa-Lobos fez nascer o violão moderno, trilhando um novo caminho de possibilidades
musicais e técnicas recém-expandidas que beneficiaram o repertório do instrumento.
Abel Carlevaro, 1987 (CARLEVARO, 1988, p.3)

Villa-Lobos utilizou a percussão no tampo do violão em 1932 na sua peça para


violão e flauta Distribuição de Flores. Segundo Amorim a peça é baseada no tema de
Melodia sobre Motivos Gregos para coral de Villa-Lobos e destaca-se o aspecto do uso do
efeito percussivo (Figura 65). O autor indica no manuscrito original “batendo nas seis cordas
perto do estandarte (cavalete) como um tambor usado” (AMORIM, 2009, p 37). Amorim
também revela que o compositor, subliminarmente, “sugere outros efeitos percussivos ao
longo de sua produção para violão, especialmente nos 12 Estudos. No entanto, a indicação
explícita, em Distribuição de Flores, é algo que não se repetirá em sua escrita violonística”
(Ibidem).

81
Figura 65. Villa-Lobos, H. Distribuição de Flores.
Fonte: Max Eschig

O potencial percussivo do tampo de instrumento é de característica físico-acústica.


Não podemos esquecer que os princípios de instrumento de percussão com pele esticada
são os mesmos de um instrumento que possui caixa de ressonância (tampo) como o violão.
Na obra Yanomami para coro, violão e tenor, Marlos Nobre irá usar somente esse potencial.
Durante praticamente todo o decorrer da obra o violão é executado como um instrumento de
percussão, todos os elementos sonoros abordados são de origem rítmica e timbrística. Tanto
em Distribuição de Flores de Villa-Lobos e Yanomami de Marlos Nobre há uma intenção em
demonstrar que o violão é um ícone psicossocial da cultura brasileira. Instrumento trazido
pelos colonizadores ocidentais que pode representar tanto padrões indígenas, africanos e
europeus.

82
Percebemos outro exemplo de sons expandidos em Villa-Lobos no Estudo 2, no
qual ele se utiliza de uma técnica hoje denominada de bi-tom. Geralmente ela é anotada
como pizzicato. Mas percebemos dois tipos de sonoridades bastante distintas no bi-tom. O
primeiro tipo, aquele em que é utilizado o martelato no qual teremos como consequência
duas frequências: a que parte da casa em que a corda está pressionada para esquerda (não
tradicional) e, a segunda, que parte da corda pressionada para direita (tradicional) Figura 66.

Figura 66. Bi-tom


Fonte: digitalizada pelo autor

O segundo tipo é aquele em que tocamos a nota tradicionalmente com a mão


direita naquele acima denominado som tradicional e a esquerda encarrega-se de dedilhar,
naquele acima mencionado som não-tradicional. Se na mão esquerda pisamos na casa com
o dedo 4 podemos pulsar a corda com o dedo 1, o que Villa-Lobos pretendia no final do
Estudo 2. Apresentamos aqui 3 exemplos de edições diferentes e fizemos comparações da
prática usal e do efeito sonoro proposto por Villa-Lobos (Figura 67, 68, 69) .

83
Figura 67. Villa-Lobos, H. Estudo 2.
Fonte: Versão do manuscrito cedido pelo Museu Villa-Lobos

Figura 68. Villa-Lobos, H. Estudo 2


Fonte: Edição Max Eschig, 1953

Figura 69. Villa-Lobos, H. Estudo 2


Fonte: Edição Nelson, C. 2000.

84
Observamos que no manuscrito (Figura 67) a notação é md (main doitre) acima
para as notas mais agudas com a mão direita e mg (main gauche) abaixo para as notas
graves, o que de fato foi publicado pela Editora Max Eschig (Figura 68). Todavia, como
vemos na edição de C. Nelson20 (Figura 69), há uma solução tradicionalmente arquitetada
pelos violonistas que configura uma sonoridade mais pura e clara, consequência do gosto
comum. Em minha opinião a alternativa empobrece acusticamente a intenção do autor. O
ruído era evitado taxativamente para não ferir o gosto da plateia e crítica. Essa questão
também pode ser estendida para procedimentos interpretativos tradicionais como cantabiles,
agógicas, articulação e fraseado. Segundo Orlando Fraga “seria a passagem mais
controvertida do estudo e que o efeito particular da viola caipira, evitado pelos violonistas, é
consequência da ‘europização’ dos Estudos distanciando-os de sua origem folclórica”
(FRAGA, 2011, p. 2). Esses procedimentos nos fornecem ótimos questionamentos sobre as
concepções de ruído sobre os quais veremos mais adiante pormenorizadamente.
Esse sub-capítulo buscou investigar alguns predecessores das técnicas
expandidas no Brasil, que confluíram nos compositores objetos dessa tese: Edino Krieger,
Chico Mello e Arthur Kampela. Observou-se que a produção de Villa-Lobos foi significativa
em influenciar essa geração devido a sua rica e diversificada pesquisa sonora.
A geração brasileira de compositores para violão pós-Villa-Lobos é incontável.
Citaremos os mais relevantes em número de obras e que usaram técnicas expandidas
(SILVA JUNIOR, 2002). Dentre os estados da região sul e sudeste temos:
Rio de Janeiro:
1. Edino Krieger (1928)
2. Marlos Nobre (1939)
3. Ricardo Tacuchian (1939)
4. Roberto Victório (1959)
5. Tato Taborda (1960)
6. Arthur Kampela (1960)
7. Neder Nassaro (1961)
8. Alexandre Faria (1972)

20 NELSON, C. Villa-Lobos, 12 Estudos para Violão. M.E. 9333 © 1953 Editions Max Eschig com redação e
dedilhação suplementares © 2000 C. Nelson

85
São Paulo:
1. Almeida Prado (1943)
2. Paulo Bellinati (1950)
3. Paulo Porto Alegre (1953)
4. Giácomo Bartoloni (1957)
5. Daniel Murray (1981);
Rio Grande do Sul:
1. Antônio Carlos Borges Cunha (1952)
2. Fernando Lewis de Mattos (1963)
3. Vinícius Corrêa (1965)
4. Daniel Wolff (1967)
5. James Correa (1968)
Paraná:
1. Jaime Zenamon (1953)
2. Chico Mello (1957)
3. João José Félix Pereira (1957)
4. Harry Crowl (1958)
5. Norton Dudeque (1958)
6. Guilherme Campos (1966)

Seguiremos abordando a produção na qual as técnicas expandidas se deram de


forma pioneira e mais aprofundada. Há particularidades muito pertinentes nos compositores
citados acima (inclusive muitos que ficaram de fora) e que merecem uma investigação mais
aprimorada. Tal procedimento não está sendo feito aqui pela simples questão de evitar a
extensão demasiada do trabalho. Como explicamos na introdução, os compositores
abordados são um filtro e uma extração de um comportamento composicional da década de
1970 até 1990 no Brasil.

86
3 A TÉCNICA EXPANDIDA NAS OBRAS DE EDINO KRIEGER, ARTHUR KAMPELA E
CHICO MELLO
Esta tese investiga o âmbito produtivo que vai de 1974 a 1994 dos três
compositores abordados. O som e suas diversidades acústicas despertava muito interesse
por essa geração. Não seria somente a densidade do som que iria preencher o espaço, mas
sim suas diversidades tímbricas e acústicas. Portanto, nas obras para violão são utilizados
recursos de diversificação tímbrica e uma gama de técnicas expandidas. De qualquer forma,
é claro que nos detemos neste aspecto. Mas vale salientar que os compositores abordados
também se concentravam em determinadas pesquisas estéticas que ventilavam nos
corredores de Salas de Concertos, Festivais de Música, Congressos e Simpósios específicos
de composição. É o caso claro e declarado da influência da estética de Carter e
Ferneyhough sobre Kampela, como abordamos anteriormente.

3.1 – EDINO KRIEGER


Edino Kriger (1928) é um compositor brasileiro, nascido em Brusque. Suas
composições da juventude eram de estilo romântico com leves toques impressionistas. Em
1944 entrou em contato com o Grupo Música Viva, passando a estudar composição com
Koellreutter, quando aderiu ao atonalismo e dodecafonismo. Mesmo sendo incluído no livro
História da Música no Brasil na polêmica classificação de “Entreato Dodecafônico”, Edino
Krieger é classificado como “Segunda Geração Pós-Nacionalista” (MARIZ, p.6). Suas
principais obras são Trio para Sopros (1945), Balada (1951) para três vozes femininas, flauta
e violão, Sonata para Piano (1953), Homenagem a Villa-Lobos (1953), Divertimento para
Cordas (1959), Ludus Symphonicus (1965) para orquestra, Canticum Naturale (1972) para
soprano e orquestra, Ritmata (1974) para violão solo, Estro armônico (1975), Concerto para
Dois Violões e Cordas (1994). “Ludus Sinfonicus, Estro Armonico e Concerto para Dois
Violões e Cordas são os trabalhos mais meritórios dos últimos anos e obtiveram êxito no
exterior (MARIZ, 2005, p.364). Edino Krieger sofreu influência direta da música popular
urbana carioca depois que aderiu ao neo-classicismo nacionalista por volta de 1952 (NEVES,
2008, p. 158 e 284). Essa afirmativa foi corroborada pelo próprio compositor 21 . Krieger
comenta que quando estudou em Londres com Lennox Berkeley, era conhecido como “o
brasileiro que tocava serestas ao violão”.

21
KRIEGER, Edino. Entrevista dada a Mário da Silva na residência do compositor em 19 de março de 2010.

87
De fato esse interesse aumentou na década de 1970 e Krieger estava mesmo
empenhado em absorver detalhes técnicos do instrumento e trocava aulas com Turibio
Santos22. Será neste projeto conjunto o primeiro registro da Ritmata (1974) tanto em partitura
quanto fonográfico.
Ritmata para violão solo é uma obra atonal livre na qual também são inseridos
explicitamente efeitos de técnica expandida, ocorridos pela primeira vez no Brasil. Ela foi
encomendada por Turíbio Santos que incentivou o uso desses efeitos. É a peça brasileira
com maior número de interpretações e gravações depois da obra de Villa-Lobos.
Consequentemente, também é uma das peças mais analisadas no universo
acadêmico musical. Porém, o que seria considerado especial e complexo, em resumo, as
partes em técnica expandida, geralmente é deixado a segundo plano ou analisado
superficialmente. Referências e análises sobre a Ritmata pesquisadas e encontradas em
artigos de revistas especializadas comumente abordam as análises temáticas ou de
procedimentos seriais livres RODRIGUES (2011, 2012), FRAGA (2011), EGG (2000). Em
Barretos Matos concentrou-se em “localizar os motivos básicos constituintes do tema e
identificar a reincidência literal ou alterada dos mesmos no decorrer da composição”.
Constantemente os textos discorrem que após o início da peça com procedimentos
percussivos, caracterizado por efeitos da mão direita e esquerda, surge o tema, ou grupos de
temas e motivos temáticos, em sequência dando mais importância a isto. Isto é, há somente
abordagens descritivas sobre o que foi usado em técnicas expandidas na obra.
Portanto, para a nossa abordagem em Ritmata, mesmo considerando que o
motivo “a” (BARRETO MATOS, 2012) é a sequência melódica de 4ª justas, a obra revela
uma reflexão do autor sobre estruturas físico-acústicas do instrumento (Figura 70). A
scordatura (afinação) mais comum do violão ocidental é a relação de 4ªs justas. O ré, la, mi
no final do motivo são respectivamente, 4ª, 5ª, 6ª, cordas soltas do instrumento.

22
“Ele me dava aulas de Percepção Musical, até Fuga e Contraponto, e eu dava aulas de violão para ele”
(SANTOS, apud PAZ, 2012, p. 41, vII). O depoimento foi no momento em que Santos estava fechando o
contrato e prazos venciam para a conclusão do projeto com compositores brasileiros. Edino Krieger, em um de
seus artigos do Jornal do Brasil, comenta sobre a gravação do LP de Turibio Santos dos 12 Estudos de H. Villa-
Lobos. Curioso destacar a declaração de Krieger que “Santos nunca esqueceu suas raízes culturais [...] e está
promovendo a edição, pela Max Eschig e a gravação, pela Erato, de obras de outros compositores brasileiros,
especialmente encomendados – por sugestão sua – pelo Itamaraty” (Jornal do Brasil, 14/08/1975, APUD PAZ,
p. 179, vI).

88
Figura 70. KRIEGER, Edino. Ritmata. cc-2-7.
Fonte: Max Eschig, 1974

Krieger justifica que sua adoção ao serialismo não o fez deixar de “retratar certos
aspectos da música popular” (NEVES, 2008, p 285). Ele demonstra melodicamente essa
prática dos baixos introdutórios do “choro” carioca no início do motivo a (Figura 70). Ainda
acrescenta que cada novo elemento técnico é acréscimo e enriquecimento de recursos
tradicionais. Por outro lado, “julga importante à pesquisa tímbrica instrumental dirigir-se à
independência do mundo sonoro eletroacústico, fazendo-se necessário, pois, um processo
de simplificação da escrita musical” (NEVES, p. 285). As técnicas expandidas na obra
Ritmata (percussão no tampo, braço e cordas do instrumento) são um bom exemplo dessa
postura. A intervenção dessas percussões e outras técnicas é precedida, procedida e
intercalada com desenvolvimentos diatônicos melódicos e atonais livres, sugerindo um
“contra-canto”, “contra-percussão” e “contra-rítmica” do tema principal. As células rítmicas
irregulares e percussivas são inseridas, condensadas, rarefeitas, através de permuta, que no
decorrer da narrativa faz com que a escuta torne-se plural. Ao longo da escuta de Ritmata
aos poucos vamos percebendo que as sonoridades com recursos expandidos pretendem
tomar o primeiro plano. É como se num quadro que objetiva representar paisagens os
materiais (tais como textura de tintas, gama de cores e traços leves e fortes) fossem tão
presentes e fortes que tomassem o lugar da informação proposta. É por essa razão que
defendemos o argumento da obra ser a primeira em que a técnica expandida é um dos
temas e motivos desenvolvidos como fatores estruturais primordiais.
No início da Figura 71 temos uma imagem dos manuscritos da obra na qual a
técnica expandida já é apresentada de súbito nos parecendo propor a gênese da obra.
Através de martelatos, sons percussivos são realizados pela mão esquerda e direita
causando a ambiguidade do bi-tom, a organização das alturas é cromática e será
reconfigurada como o motivo b cromático da Figura 70.

89
Figura 71. Krieger, Edino. Ritmata Introdução
Fonte: versão manuscrito do compositor, 1974

Figura 72. KRIEGER, Edino. Ritmata. cc-1.


Fonte: Edição digitalizada pelo autor

As técnicas expandidas aplicadas, ou percussões que se seguem são de som


indefinido através de golpes com as mãos direita e esquerda conforme a simbologia da
Figura 73.

90
Figura 73. Krieger, Edino. Ritmata cc-43-44
Fonte: Digitalizada pelo autor

A sequência da Figura 74 é uma expansão rítmica do anterior e sua organização


aplica padrões de acentuações e síncopes geralmente utilizados na música popular
brasileira.

Figura 74. Krieger, Edino. Ritmata cc-47-49


Fonte: Digitalizada pelo autor

Já na Figura 75 o padrão que continha rítmica determinada agora dá lugar ao


indeterminismo, sobrando somente a sonoridade expandida indefinida da percussão dos
dedos ima da mão direita, enquanto que rit e decresc no final extinguem a sonoridade.

Figura 75 Krieger, Edino. Ritmata cc-50.


Fonte: Digitalizada pelo próprio autor

91
Para André Egg:

A obra consegue ser ousada e inovadora mantendo o interesse auditivo. [..] É uma
grande contribuição para um repertório que ficou estigmatizado pela estética
neoclássica dos compositores que se dedicaram ao instrumento na primeira metade
do século XX (Villa-Lobos, Rodrigo, Falla, Ponce, Turina e outros). Incorpora
elementos pesquisados pela música experimental dos anos 60, como os golpes de
percussão no tampo e nas cordas, a escrita livre sem compassos em trechos da obra,
e o uso da células de repetição ad libitum escritas dentro de um retângulo. O timbre, a
dinâmica e a articulação têm importância capital na peça (EGG, 2000, p.19).

A afirmativa de Egg nos mostra o pensamento comum da época em classificar


ações dos compositores. No grupo de compositores os quais afirma que estigmatizaram o
repertório ele inclui Villa-Lobos. No entanto como vimos no Capítulo 2.2.1, Villa-Lobos pode
ser considerado o pioneiro nas experimentações timbristicas ao violão. A grande cartada de
Krieger foi colocar no primeiro foco essas técnicas que, de uma forma ou de outra, foram
utilizadas por aqueles e principalmente Villa-Lobos. O procedimento evolutivo se debruça na
questão da síntese sem haver a intenção de anular ou negar o que veio antes.
Krieger irá expandir e desenvolver o procedimento da Ritmata (1974) no Concerto
para Violão e Cordas (1994). Não iremos expandir a análise nessa obra, em função de que
recursos utilizados de técnica expandida já estão amplamente abordados em Ritmata.
Porém, decidimos por discorrer brevemente sobre este concerto por estar diretamente
relacionado à Ritmata em forma de citação, principalmente no primeiro movimento. Esse
concerto foi dedicado ao Duo Assad (formado pelos irmão Odair e Sergio Assad). A obra é
em três movimentos. O primeiro, uma visível expansão da Ritmata, o segundo movimento é
um aboio de modo mixolídio, com escrita livre. Os melismas do modo mixolídio são
acompanhados pelo outro violão em acordes arpegiados. A orquestra acompanha com
acordes de notas longas, cuja escrita é de rítmica sem precisão, ficando a cargo do regente o
início desses ataques. No terceiro movimento, um baião é empregado, derivado das escalas
no segundo movimento, sendo que agora a escrita rítmica é mais precisa, aludindo a dança
nordestina e o parâmetro violonístico abordado é o trêmulo de um violão, acompanhado dos
acordes com padrão rítmico do baião.
Será na coda final do 1º. movimento, que técnicas expandidas não-tradicionais
serão apresentadas, uma audível referência à Ritmata. É apresentada em sua totalidade por
percussões no tampo dos instrumentos solistas, sendo que a orquestra vai substituindo aos
poucos sons definidos por percussões no tampo nos violinos, violas, cellos e baixos (Figura
77):

92
Figura 76. Krieger, Edino. Concerto para 2 Violões e Cordas.
Fonte: digitalizada pelo autor

Considerando os 40 anos de Ritmata e 20 anos do Concerto, ambas constituem


um poder de síntese e percepção no que diz respeito a aglutinações de técnicas
composicionais inovadoras com padrões sonoros de música popular brasileira23.

23
Tive a oportunidade de ser o solista desse concerto em dois momentos importantes: Concerto de aniversário
de 70 anos do compositor, com Orquestra de Câmara de Curitiba, regido pelo próprio compositor em 1998. E
no concerto de abertura do Simpósio Acadêmico de Violão da Embap em 4 de novembro de 2012, no qual
homenageamos Edino Krieger por sua contribuição estética ao violão.

93
3.1.1 - QUADRO DE RECURSOS SONOROS EM EDINO KRIEGER.

A bula de notação está inserida no final da partitura e


indica percussão no tampo, nas cordas pela mão
direita e esquerda.

Percutir os dedos da mão esquerda e direita contra o


24
braço do violão . Não havia uma notação definida
para o martelato (hammer) razão pela qual o
compositor preferiu escrever o procedimento somente
usando as digitações tradicionais do violão (corda e
mão que deve executar a nota)

No manuscrito consta a notação “na caixa”, nome


dado popularmente ao tampo do instrumento.

25
Bater contra as cordas . No caso há sinal
diferenciado para cada mão.

Intercalação das duas mãos no ritmo proposto


proporciona diferença de timbre em função das
localizações que ambas percutem.

A notação que pede para subir gradativamente sobre


as 3 primeiras cordas causa imprevisibilidade sonora
no decorrer de sua trajetória.

24
(Lent percuter les doigts (main gauche et main droite) contre lê manche de la guitarre).
25
Frappez contre les cordes

94
O quadro acima demonstra quais recursos de técnicas expandidas são utilizados
na obra Ritmata e informações de execução. O que é considerado técnicas expandidas,
necessita de uma bula com explanações longas por não terem ainda uma notação comum na
escrita do instrumento.
Como afirmei anteriormente, as técnicas expandidas utilizadas nessa obra
constituem corpos estranhos dentro de um tecido organizacional diatônico e de serialismo
livre. No decorrer de seu desenvolvimento damos conta de que esses corpos dialogam-se,
permutam-se e fundem-se. Percussões no tampo apresentadas na primeira sessão em
número reduzido de vezes são mais desenvolvidas na cadência e na seção final. O conteúdo
de técnicas expandidas torna-se equiparado ao tecido musical, o que dá sustentação para a
primeira apresentação da obra nas Figuras 71 e 72.

3.2 – ARTHUR KAMPELA


Arthur Kampela (1960) é um compositor brasileiro nascido no Rio de Janeiro.
Estudou composição com Hans-Joachim Koellreutter e Ricardo Tacuchian no Brasil. Foi
bolsista do CNPq, tendo concluído seu mestrado em Composição na Manhattan School of
Music (1992) e Doutorado em Composição na Universidade de Columbia, Nova Iorque, EUA,
(1998). Também teve aulas com o compositor britânico Brian Ferneyhough (1943-). Sua
produção para violão é Balada (1981/82), Fandango (1983), Percussion Study 1 e 2 (1990-3)
para violão solo, Textorias (1994) eletroacústica violão e fita, Percussion Study 5 (2007) para
viola alla chitarra e fita. Recentemente foi premiado com uma encomenda para o
Contemporary Ensemble of New York Philarmonic que interpretou sua obra Macunaíma
(2009) para 20 instrumentistas incluindo o violão. Conquistou a bolsa do DAAD
(Departamento Cultural Alemão) e como conclusão dos estudos, estreou B (2012) no Festival
de Darmstadt em julho de 2012. Atualmente reside em Berlim (Alemanha).
Arthur Kampela explora os efeitos percussivos do violão executados com os dedos
e unha da mão direita e esquerda (no tampo, laterais e fundo da caixa do instrumento) e com
materiais percussivos como plástico, vidro e metal. Utilizando-se da mesma nomenclatura
dos instrumentos de percussão (instrumentos de sons determinados e indeterminados),
Kampela distribui estes sons no decorrer da peça de forma imprevisível e complexa. Esta
complexidade também acontece na organização rítmica de frequentes variações de fórmulas
de compassos (1/4, 3/16, 5/4).

95
Neste trabalho iremos investigar a obra Percussion Study 1. A obra recebeu o
prêmio de composição Rodrigo Rivera em Caracas, Venezuela, 1995. A justificativa de
escolha dessa obra neste trabalho é por sua qualidade de diversificação sonora usando a
técnica expandida. Isto é, não há o elemento de instrumento preparado, como é o caso de
Percussion Study 2 e Polimetria, no qual o compositor utiliza caneta, bola de ping-pong e
colher, não há utilização de recurso eletroacústico pré-gravado como em Textorias e
Percussion Study 5 (para viola alla chitarra), nem o recurso da modificação físico acústica do
instrumento como mudança de scordatura.
Na obra de Arthur Kampela, a percussão vai desde a experimentação simples,
como em Krieger, até o estruturalismo levado à mais alta complexidade. Suas obras estão
influenciadas pelas tendências das décadas de 1980-90 principalmente relacionadas às
produções de Elliot Carter e Brian Ferneyhough, citadas anteriormente.
O procedimento de quiálteras aninhadas abordados por Elliot Carter, são
encontrados em Kampela nos seus Percussion Studies (Figura 77). Todavia, essas
quiálteras aninhadas em Kampela nos dão uma sensação auditiva de simultaneidade. No
compasso 5 do Percussion Study 2 o jogo ambíguo se dá pela intercalação de cordas soltas
e presas (a nota Re é tocada 3 vezes na corda solta). O que não ocorre em Carter pela falta
de intimidade e talvez pela interlocução com David Starobin - a quem a obra é dedicada -
seguir para outros caminhos.

Figura 77. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 2, c-5.


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

96
Determinados procedimentos estéticos de Carter e Ferneyhough presentes em
Kampela, nos fizeram verificar que este último soube utilizar os elementos composicionais
associados ao seu domínio do instrumento e de sua experiência com a música popular
contemporânea da década de 1980-90.26
Além dessa visível e audível influência, Kampela soube aproveitar as
potencialidades articulatórias do violão, exploradas quase que em sua totalidade.
Sonoridades são extraídas desde ações com a mão direita nas cordas e no tampo, com
notação utilizada pela escrita de percussão, bem como a mão esquerda que irá atuar, em
certos momentos, tal qual um arpista dedilhando a corda, sem ação da mão direita (Figura
78):

Figura 78. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc.48)


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Ou ainda, como um percussionista batendo o dedo contra as cordas do


instrumento no braço e tampo. (Figura 79, cc-82).

26
Antes de mudar-se para Nova York em 1990, Kampela liderava uma banda de mpb contemporânea que
aplicava recursos da música erudita contemporânea. Alguns exemplos são Arrigo Barnabé, Grupo Rumo e
muitos outros pertencentes à Lira Paulistana.

97
27
Figura 79. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc.82) .
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Esta forma peculiar de performance e escrita usando técnica expandida é


denominada tapping technique pelo compositor. A técnica do “tapa” seria um conjunto de
padrões idiomáticos e sequenciais. Digo padrões idiomáticos porque nem sempre são
técnicas expandidas, mas procedimentos em acordo com determinadas escritas que nos dão
a sensação auditiva de que está sendo empregado algo não-tradicional na sonoridade. É a
organização do material que nos ilude, do ponto de vista sonoro, a “perceber” como técnica
expandida. Adicionamos o fato da virtuosidade instrumental contribuir para essa ilusão
sonora diversificada e difusa. A ação técnica mais peculiar do compositor é o pizzicato a la
Bartok somente com o polegar da mão direita (usualmente puxando com dois dedos). Isso
possibilita a continuidade de ações e dinamisa a obra (Figura 80, cc-3, 4 vermelho). É como
se um pianista descobrisse uma forma de pinçar a corda do piano sem se distanciar do
teclado.
No começo do Percussion Study 1, embora do ponto de vista da escuta o início
pareça uma inovação sonora, somente iremos considerar técnica expandida as 4 notas
pontuais a seguir (veja na Figura 80, números em vermelho de 1 a 4):

27
Colcheias 1 e 2 = som tradicional; colcheia 3 = percussão na 6ª e 5ª cordas; colcheia 4= percussão no tampo
inferior (MD); colcheia 5 = martelatto (bi-tom); ultima colcheia = percussão polegar (MD) tampo superior

98
Figura 80. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc.1-3)
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

O trecho (Figura 80) consiste de 26 notas, sendo que somente 4 (quatro) grafias
são consideradas de fato, técnica expandida:

c-3: 1a colcheia, 1o Tempo – percussão com dedo da ME (bi-tom)


c-3: 3a fusa, 4o Tempo – percussão tampo superior com MD
c-3: 4a fusa, 4o Tempo – percussão com dedo da ME (bi-tom)
c-3: 1a semicolcheia, 4o Tempo (anacruse), Pizzicato a la Bartok com p da MD.

Tal estatística é muito frequente no caput de obras para violão do compositor. Nas
tabelas 2 e 3 e Figura 81 fizemos uma avaliação estatística dessas ocorrências sonoras de
recursos abaixo. Não foram computadas pausas e repetições livres. Também não foi
computada a textura e ocorrências simultâneas e suas densidades.

Os recursos de técnica expandida utilizados nessa obra:


harmônicos, percussão no tampo, percussão nas cordas, pizzicato a La Bartok, martelatto de
mão esquerda, ruído provocado pelo deslocamento da corda fora do braço do instrumento;

Os recursos de técnica tradicional utilizados nessa obra:


nota tradicional, dedilhado tradicional, ligados, glissandos

99
TABELA 2: Estatística de Recursos em Técnica Expandia e Tradicional utilizados em
Percussion Study 1 de Arthur Kampela. (Por sistemas da partitura).
p/sistema tradicionais expandidas total de notas % expandida % tradicional
o
1/1 22 4 26 0,15 0,85%
o
1/2 13 6 19 0,32 0,68%
o
1/3 11 8 19 0,42 0,58%
o
1/4 16 21 37 0,57 0,43%
o
2/1 16 0 16 0,00 1,00%
o
2/2 20 0 20 0,00 1,00%
o
2/3 18 10 28 0,36 0,64%
o
2/4 19 2 21 0,10 0,90%
o
3/1 11 9 20 0,45 0,55%
o
3/2 24 6 30 0,20 0,80%
o
3/3 20 8 28 0,29 0,71%
o
3/4 15 8 23 0,35 0,65%
o
4/1 18 0 18 0,00 1,00%
o
4/2 14 4 18 0,22 0,78%
o
4/3 2 28 30 0,93 0,07%
o
4/4 4 14 18 0,78 0,22%
o
5/1 8 8 16 0,50 0,50%
o
5/2 22 0 22 0,00 1,00%
o
5/3 2 2 4 0,50 0,50%
o
5/4 2 2 4 0,50 0,50%
o
6/1 10 4 14 0,29 0,71%
o
6/2 4 2 6 0,33 0,67%
o
6/3 12 6 18 0,33 0,67%
o
6/4 19 3 22 0,14 0,86%
o
7/1 16 20 36 0,56 0,44%
o
7/2 7 9 16 0,56 0,44%
o
7/3 8 5 13 0,38 0,62%
o
7/4 8 5 13 0,38 0,62%
o
8/1 5 12 17 0,71 0,29%
o
8/2 6 13 19 0,68 0,32%
o
8/3 9 9 18 0,50 0,50%
o
8/4 11 14 25 0,56 0,44%
o
9/1 2 20 22 0,91 0,09%
o
9/2 3 24 27 0,89 0,11%
o
9/3 12 5 17 0,29 0,71%
o
09/4 9 6 15 0,40 0,60%
o
10/1 12 6 18 0,33 0,67%
o
10/2 8 5 13 0,38 0,62%
o
10/3 9 5 14 0,36 0,64%
o
10/4 22 6 28 0,21 0,79%
o
11/1 13 4 17 0,24 0,76%
o
11/2 14 14 28 0,50 0,50%
o
11/3 28 10 38 0,26 0,74%
o
11/4 13 25 38 0,66 0,34%
o
12/1 10 0 10 0,00 1,00%
o
12/2 21 2 23 0,09 0,91%
o
12/3 21 2 23 0,09 0,91%
o
12/4 5 1 6 0,17 0,83%
Fonte: Elaborada pelo próprio autor.

100
TABELA 3: Estatística de Recuros em Técnica Expandia e Tradicional utilizados em
28
Percussion Study 1 de Arthur Kampela. (Por tempo da obra [5’06”] e número de páginas).

tempo& pagina& notas& técnica& total de % %


min./seg.& tradicionais& expandida& notas expandida tradicional
&& & && &&
0 – 0.28 1 62% 39% 101% 39 61%
!! ! !! !! !! !!
0.50% 2% 73% 12% 85% !
14 86%
!! ! !! !! !! !!
1.11 3 70% 31% 101% !
31 69%
!! ! !! !! !! !!
1.34 4 38% 46% 84% !
55 45%
!! ! !! !! !! !!
1.56 5 34% 12% 46% !
26 74%
!! ! !! !! !! !!
2.23 6 45% 15% 60% !
25 75%
!! ! !! !! !! !!
2.50 7 39% 39% 78% !
50 50%
!! ! !! !! !! !!
3.07 8 31% 48% 79% !
61 39%
!! ! !! !! !! !!
3.26 9 26% 55% 81% !
68 32%
!! ! !! !! !! !!
3.44 10 51% 22% 73% !
30 70%
!! ! !! !! !! !!
4.05 11 68% 53% 121% !
44 56%
!! ! !! !! !! !!
4.09 - 5.06 12 57% 5% 62% 8! 92%

Fonte: Elaborada pelo próprio autor.

28
Tempo baseado em minha performance pública no Concerto da Americas Society, Nova York, abertura do
The New York Guitar Seminar em 19 de junho de 2012. http://www.youtube.com/watch?v=BAZt8prh9aw acesso
em 31 de agosto de 2013.

101
100

90

80

70

60

50 % expandida

40 % tradicional

30

20

10

0
0.28 0.50 1.11 1.34 1.56 2.23 2.50 3.07 3.26 3.44 4.05 4.09 -
5.06

Figura 81 Kampela, Arthur. Percussion Study 1. Gráfico de ocorrências de sons tradicionais e expandidos.
Fonte: Elaborado pelo autor

Continuando nosso raciocínio sobre as sonoridades intrínsecas ao instrumento,


avaliamos outros exemplos em Percussion Study 1. Quando puxa -se a corda para fora da
escala (mão esquerda) e pulsa-se com trêmulo contínuo e assimétrico (mão direita) (Figura
82) uma massa ruidosa sonora surge. Em função dessa ação de empurrar a corda, exigida
em Percussion Study 1, a frequência é alterada para cima e a escuta das notas em staccatto,
“aparentemente” simultâneas (Figura 83), enriquecem acusticamente, diversificando a
palheta de timbres e ruídos.

102
Figura 82. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 cc 62
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Figura 83. Kampela, Arthur. Percussion Study 1. cc – 63


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Voltando à discussão de procedimentos idiomáticos, e considerando estatísticas


razoáveis de emprego da técnica expandida, atentamos novamente para o fato da
sonoridade tradicional empregada. Kampela sempre procurou adequar padrões do repertório
violonístico inseridos no seu amálgama criativo. O mesmo exemplo das Figuras 82/83 está
relacionado à técnica do trêmulo, um artifício usado pelo violonista para simular o canto de
notas longas e suas propriedades de crescendo e sustentação. Comumente, o procedimento
é atingido usando o dedo p (polegar da mão direita) como responsável pelo tecido
harmônico, enquanto que dedos ima em repetição se alternam para sutilmente dissimular
essa sustentabilidade e alternância de dinâmica no transcorrer melódico. Esse procedimento
podemos observar em Francisco Tárrega (século XIX) (Figura 84).

103
Figura 84. TARREGA, Francisco. Recuerdos de La Alhambra.
Fonte: Vidal Llimona & Boceta. Editores-Proprietarios, Barcelona,

Outro padrão estaria relacionado a técnicas arpegiais. Na comparação, Villa-


Lobos (Figura 85) utiliza essas técnicas para desenvolver o Estudo 1 de acordo com padrões
de progressão harmônica do romantismo. Instrumentos harmônicos sem sustentação sonora
pós-ataque, usam a repetição para reforçar, variar e desenvolver a escuta.

Figura 85. VILLA-LOBOS, Heitor. Estudo 1


Fonte: Manuscrito cedido pelo Museu Villa-Lobos

Kampela utiliza esse padrão como transição sonora para a diversidade percussiva
e de ruídos das seções antecedente e consequente, um descanso auditivo entre seções
(Figura 86). Não há emprego de técnica expandida e sim organização atonal (serial) e rica
em harmônicos, fruto da combinação cordas soltas e ligados. Porém, como explicamos
anteriormente, tal ilusão auditiva é muito pertinente no contexto da obra do compositor.

104
Figura 86. KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1. C-9
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

105
A textura entre o som da corda deslizada para fora do braço do instrumento, em
glissandos (6ª corda som não tradicional) simultânea ao som tradicional (5ª corda) (Figura
87) aplica frequências ricas e imprevisíveis que trazem outras informações sonoras em
virtude da diferença de material das cordas (6ª, 5ª, 4ª – metal ; 3ª 2ª 1ª nylon):

Figura 87. Kampela, Arthur. Percussion Study 1


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Através da integração da percussão ao contexto de sonoridades diversificadas da


obra, a estrutura alcança uma plenitude de possibilidades nos Percussion Studies. O
amálgama textural de ruídos com sons definidos é representado, na sua maioria, pelo uso de
ligadura de mão esquerda sem nota precedente, além de pizzicato a la Bartok só com o
polegar na sexta corda intercalados com processos percussivos (Figura 88, cc-6).

Figura 88. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc.6)


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

106
3.2.1 - QUADRO DE RECURSOS SONOROS EM ARTHUR KAMPELA
Sinais com explicações pormenorizadas de
trechos complexos realizado pelo próprio compositor. Bula.
A linha abaixo constitui notas explicativas do autor.

1.Polegar mão direita. Bater no tampo acima com


a polpa do polegar. Essa ação deve ser feita
geralmente na parte superior do tampo. Não há um
ponto específico de bater, somente uma área
indicada na parte superior do tampo. Deve-se bater
o polegar, tirá-lo ou mantê-lo no tampo dependendo
do gesto posterior. Perceber que essa ação implica
em estender a mão para contrabalançar o polegar
enquanto preparado para atingir a parte inferior do
tampo com outros dedos.

No grupo percussão (X com círculo), martelato e pizzicato a la Bartok, o polegar realiza as 4


semilcolcheias restantes da quintina no mesmo local da percussão anterior, enquanto a ME
esquerda realiza o glissando. No grupo de tercinas, o X em retângulo, simboliza a percussão com
dedo m no tampo inferior. Aqui convém o polegar ficar apoiado para logo realizar o pizzicato a la
Bartok.
2.Polegar mão direita, parte inferior do tampo.
Bater com polegar na parte inferior do tampo.
Também não há ponto específico. O polegar
também poderá circular da parte inferior do tampo
ao braço, ou vice-versa, sempre de acordo com o
gesto seguinte.
Aqui no caso o retângulo é executado com dedo m da mão esquerda pois não há tempo para
executar a percussão nas cordas e com o polegar no tampo inferior.
3.Mão direita estendida. Bater entre o tampo e a
ponte na parte inferior com a mão direita estendida.
Perceber que para melhorar a velocidade do gesto,
é recomendável bater no violão com dedos m e a
estendidos. Sempre bata usando a poupa dos
dedos m e a. (Evite que a unha bata no tampo!).
Levante a mão do tampo do violão imediatamente
após bater.

Para esse caso também há a possibilidade de tocar com a mão esquerda. O cc 6 do Percussion
Study 1 proporciona essa sonoridade. Enquanto o mi é executado pela mão direita, a mão esquerda
percute o tampo com dedos m e i, que devem liberar o tampo imediatamente após o ataque para
que haja uma reverberação simultânea com o mi.

107
4.Mão direita/Metálico. Bater nas cordas E e A
(baixo) contra os trastes com polegar da mão direita.
Esta ação deve ser feita mais ou menos no meio do
braço e a região do círculo menor do tampo. É
importante apoiar-se as cordas para evitar sons de
cordas soltas. Antes de levantar a mão do tampo,
ter certeza de produzir um som seco e metálico.

Aqui no caso o x com retângulo vertical é executado com m da MD. Tendo em vista que o x no
círculo será executado pelo polegar da MD, tal ação deve ser realizada com o menor movimento de
da mão possível.
5. Dedos da mão direita, mesmo efeito (metálico)
de 4. Bater nas cordas E e A (baixo) contra os
trastes com dedos (m-a). É também possível atingir
a corda D. Esta ação deve ser feita mais ou menos
no meio do braço e a região do círculo menor do
tampo.

Para que haja um melhor efeito de crescendo e acellerando, conduzir os dedos do tasto para o
cavalete e retorna.
6. Dedos da mão esquerda, mesmo efeito
(metálico) de 6. Bater nas cordas E e A (baixos)
contra os trastes com dedos 2-3 (4 opcional) da
mão esquerda. É também possível atingir a corda
D. Note que a mão é colocada horizontalmente na
ponte. Deve-se atingir as cordas entre o fim do
braço e o círculo do tampo.

7. Mão esquerda, bater abaixo do braço. Usando


os dedos 2-3 (4 opcional) da mão esquerda, bater
no tampo abaixo do braço. Não há um ponto
específico. Note que a mão é colocada
horizontalmente na ponte. Perceber que para
melhorar a velocidade do gesto, é recomendável
bater no violão com dedos m e a estendidos.

8. Unhas da mão direita. Ataque das unhas (como


arpeggio). O polegar toca na parte inferior do tampo;
os dedos a, m e I tocam a lateral do instrumento
como um arpeggio.

O efeito é de castanhola. Perceber que o p toca o tampo do instrumento, enquanto que a m i tocam
a lateral do tampo, causando diversidade tímbrica. Não está prescrito na partitura, isso foi aprendido
de forma visual e conversas com o compositor.

108
9. Ligado de mão esquerda. O ligado (martelado
ou batido) é feito martelando a(s) corda(s) sem que
a mão direita toque iniciando o som. É diferente do
ligado tradicional no qual uma nota prévia é tocada
pela mão direita e a próxima é martelada pela mão
esquerda. Embora o ligado tradicional seja usado,
esta maneira nova pode ser útil no sentido de que
uma nota pode ser atingida sem ter sido tocada
antes pela mão direita. É também possível martelar
algumas notas com a mão direita.

No exemplo do compasso 49, a ação fica mais clara. Enquanto se executa a percussão com unha
no tampo e aro, o ligado de mão esquerda é executado. Só desta forma é possível pois não há
necessidade de ação da mão esquerda.
10. Pizzicato de mão esquerda. Tocar a corda
como a mão direita faz, geralmente em cordas
soltas. Este gesto usa o mesmo símbolo do
pizzicato de violino para enfatizar a ação de plectro.
É importante perceber que esse gesto pode ser feito
entre duas notas não necessariamente adjacentes.

No caso do compasso 97, o pizzicato de ME torna-se mais rico, pois além do efeito de pizzicato,
ouvimos um acorde arpegiado.
11. Mão esquerda puxando a corda para fora do
braço adquirindo um efeito de bizz. Puxe a corda
E (baixo) ou e (agudo) fora do braço na região
especificada glissando ou simplesmente tocando
padrões sugeridos com a mão direita. O efeito será
de um bizz, sem frequência definida. A mão
esquerda geralmente usa dedos 1, 2 e 3
empregando uma força leve e adicionando um
“nervosismo” no movimento. Esses três dedos são
necessários para evitar a volta da corda na sua
posição original comprometendo o ruído.

No caso desse exemplo, o bizz deve ser executado com dedo 2, pois haverá um contraponto
sonoro executado por dedos 1 e 3.

109
12. Amortecimento/mute da mão esquerda.
Amorteça as cordas entre tampo e ponte enquanto
arpeja ou toca as cordas indicadas com a mão
direita. A mão esquerda pode glissar quando
especificado para atingir frequências “mudas”
diversificadas. Observar que no segundo movimento
o intérprete é solicitado a intercalar rasgueados e
arpeggios. Isto pode ser feito especificando a área
do gliss. da mão esquerda do braço a ponte
enquanto que a mão direita toca os rasgueados.
Há diversos sinais para o efeito, como vimos em La Espiral Eterna (Brouwer), convém sempre
especificar descritivamente.
13. Caneta com mão esquerda. Segure a caneta
(de preferência com lados retos) contra as cordas
com a mão esquerda enquanto a mão direita realiza
arpeggios rápidos e irregulares. A caneta deve
mover-se entre braço e ponte variando
constantemente o espectro da textura. As
frequências altas próximas à ponte possuem uma
presença sonora bastante particular. Observar que
no segundo movimento o intérprete é solicitado a
intercalar rasgueados e arpeggios.
Nosso trabalho não diz respeito ao violão preparado, porém o exemplo reforça a afirmativa anterior
sobre especificar o efeito desejado
14. Mão direita efeito de tremulo e glissando com
colher. Começar o segundo movimento segurando
uma colher com a mão direita e colocá-la nas
cordas E, A (principalmente) e D (baixos) no
primeiro traste. Movimentando a mão para trás e
para frente como trêmulo, o mais rápido possível,
deslizar a colher devagar no sentido da ponte. No
meio ou final do braço executar um glissando curto
antes da mão esquerda martelar a primeira
frequência. Note que o braço deve apoiar-se no lado
superior do tampo para dar força à posição da mão.
No final do segundo movimento, o intérprete é
solicitado a levantar entre o trêmulo de mão
esquerda e mão direita tocando com a colher o
glissando curto, da ponte ao primeiro trasto. A
colher deve glissar, contra o baixo mas agora com
trêmulo.

15. Mão esquerda Reverber de colher/ efeito wa-


wa.
MD – colocar a parte de trás da colher sobre a corda
E no exato ponto entre cavalete e ponte fazendo
pressão contra a ponte enquanto martelando o
baixo E com a mão esquerda. As costas da colher
deve funcionar como o eixo do trêmulo no qual a
mão retorce a colher da esquerda para a direita. A
mão esquerda toca ligado sobre a corda E baixo
improvisando células rítmicas pequenas e rápidas.
Na última nota de cada célula rítmica dá-se um
tempo para a colher realizar o efeito (wa-wa). O
efeito deve ser similar ao pedal wa-wa da guitarra
elétrica ou de um reverber.

110
Após nossas considerações específicas, tecno-idiossincráticas em relação ao
instrumento e mostrar uma tabela que contem os recursos empregados por Kampela, vamos
agora demonstrar os recursos composicionais com apoio em trabalhos realizados.
BORTZ (2003), CURY (2006) e ADOUR (1999) pesquisaram sobre procedimentos
composicionais, desenvolvimento rítmico e orientações para intérpretes tendo como objeto
Arthur Kampela. O objetivo final era obter um guia que auxiliasse na preparação
interpretativa em virtude da complexidade das obras. Todavia, uma série de argumentações
sobre as estruturas composicionais e idiomáticas vão surgindo ao longo desses textos. Adour
menciona que “trechos pontilhistas combinados a diversos procedimentos proporcionam uma
escuta complexa, porém de fácil execução em função de sua característica idiomática”. O
pontilhismo está subentendido como “uma forma de desorganização das texturas. Todas
devem ser usadas, porém, devem ser evitadas no sentido de evitar continuidades texturais”.
(ADOUR, p. 220). Adicionamos à afirmativa de Adour que o pontilhismo pressupõe um jogo
de irregularidades entre a métrica das sucessões sonoras e também a relação de som e
silêncio. É esse jogo irregular que corrobora nossa tese da sensação sonora sempre parecer
técnica expandida.
Outro aspecto composicional diz respeito à forma (não-forma) e repetição também
bastante discutido no âmbito da alta complexidade. Citamos abaixo, um trecho do Percussion
Study 1 que poderá estender discussões relacionadas a estes conceitos.
Quatro sonoridades são percebidas neste trecho. Duas delas pela mão direita, na
qual unhas dos dedos ima (indicador, médio, anular) percutem a lateral inferior, promovendo
sons que se diferenciam das percussões pela unha do p (polegar) no tampo (Figura 89, cc-
43). E outras duas pela mão esquerda, na qual as notas em martelato são intercaladas pela
ligadura (especial só com ME) da nota mi. Esse processo nos remete um aspecto das
sonoridades de procedimentos percussivos de madeira do Flamenco como castanhola e
sapateado nos dando um contexto de repetição caleidoscópica.

111
Figura 89. Kampela, Arthur. Percussion Study 1 (cc. 43)
Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Silvio Ferraz discute sobre a ideia do informal e o automático na obra Études


Transcendentales de Brian Ferneyhough que “para transformar o material são utilizados
diversos procedimentos que envolvem diretamente a repetição e Ferneyhough realça em
seus rascunhos a ideia de “repetição caleidoscópica”, de “repetição literal” e “repetição em
negativo” (do diferente)” (FERRAZ, 1998, p. 229-230). O informal é questionado por
Ferneyhough que busca superar o problema da unidade formal estabelecendo um elemento
unificador como garantia da coerência da macroforma em relação aos seus constituintes
internos. A discussão do informal tem origem em Adorno no qual já na década de 1960 se
procurava uma saída para o rigor do serialismo integral:

A principal crítica a técnica serial se encontra, segundo Adorno, no fato de que todos
os processos aplicados ao material musical são irreversíveis e não podem ser
ignorados, a não ser que sejam negados. […] observa-se uma falta de sincronismo
entre os “meios” e os “resultados”, fazendo com que haja a necessidade de diagramas
que expliquem o seu sentido e justifiquem sua qualidade. Igualmente inaceitável é a
atitude dos compositores que negam todas as formas de organização, em prol de uma
espontaneidade absoluta (CASTELLANI, 2009, UFPR, p. 464).

Processos apriorísticos e externos ao material musical são definidos por


Ferneyhough como automático. Ele considera que esse processo pode gerar seções de uma
obra constituídas de partes inteiras. O efeito particular da unha da mão direita no tampo do
instrumento foi gerado por um procedimento automático (do ponto de vista técnico
violonístico) porém deslocado para outra fonte sonora que não a corda estendida, o que o
torna externo ao material musical e que está sendo definido ao longo deste trabalho como
técnica expandida. É neste procedimento, além de sua constituição de repetições para evitar

112
a extensão demasiada, que encontramos indícios da influência estética de Ferneyhough em
Kampela, muitas vezes citada e afirmada por este último em diversos artigos e entrevistas.
Kampela ainda afirma que em sua obra buscou quebrar barreiras em dois aspectos: 1)
fundindo um estilo popular e vernacular com texturas técnicas contemporâneas, o que lhe fez
ficar reconhecido como o Frank Zappa brasileiro; 2) desenvolvendo novas extensões
técnicas para instrumentos acústicos.
Como havíamos comentado antes sobre quiálteras aninhadas comparativamente
ao processo de Carter, dialogamos com BORTZ (2003), afirmando que a percussão
elaborada por Kampela perpassa um procedimento denominado micrometric modulation
(modulação micrométrica) e uma das características rítmicas é o uso frequente de quiálteras
aninhadas (também conhecida como rítmicas aninhadas) (Figura 90):

Buscando uma notação para suas ideias rítmicas, e influenciado pela escrita
complexa do compositor britânico Brian Ferneyhough, o compositor carioca Arthur
Kampela passou a usar em suas composições mais recentes (desde 1995) a técnica
que ele denominou modulação micrométrica, baseada, por sua vez, na modulação de
tempo de Elliott Carter. A ideia de modulação micrométrica de Kampela é a de
oferecer ao intérprete (ele mesmo intérprete virtuoso de suas próprias obras para
violão) a chance de se adaptar gradualmente às mudanças de velocidade de uma
cadeia de quiálteras a outra. Ao agrupar quiálteras secundárias mantendo a mesma
velocidade metronômica de um subgrupo a outro adjacente, Kampela adapta a ideia
de Carter a um contexto rítmico mais complexo. Para calcular a velocidade na
modulação micrométrica de Kampela da última quiáltera (último subgrupo) numa
cadeia de quiálteras, utiliza-se a propriedade comutativa e associativa da
multiplicação (KAMPELA, apud BORTZ, 1998, p.37).

Figura 90. Kampela, Arthur. Percussion Study 2


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

113
A técnica expandida utilizada por Kampela em Percussion Study 1, analisando
minha experiência com a performance da mesma, constitui um jogo de escuta. Como a
organização da peça é de caráter de sucessões sonoras, são raros os momentos de
frequências simultâneas. A saturação timbrística e velocidade das sucessões causam
ambiguidade, dando-nos a ilusão de simultaneidade. A escuta torna-se desafiadoramente
confusa, difusa e ambígua, em virtude da complexidade e da velocidade.

3.3 – CHICO MELLO


Chico Mello (Luiz Francisco Garcez de Oliveira Mello) nasceu em 1957 em
Curitiba. Iniciou seus estudos musicais através de aulas particulares de contraponto com
José Penalva e composição com Hans-Joachin Koellreutter (1978). Teve o início de sua
formação acadêmica realizada na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, onde estudou
violão com Jaime Zenamon e Orlando Fraga concluindo o bacharelado em Violão em 1984.
Embora seu interesse primordial fosse a composição, desenvolveu-se também como
intérprete. Foi professor de Harmonia e Violão da EMBAP de 1982 a 1985. Nessa época, já
exercia paralelamente sua carreira de compositor. Em 1987 ingressou na Escola Superior de
Artes de Berlim (graduação em Composição), onde estudou Composição com Dieter
Schnebel e Witold Szalonek, formando-se em 1992. Participa regularmente de festivais de
música contemporânea, tais como o Festival de Música Nova de São Paulo, o Encontro de
Música Nova de Curitiba, Oficina de Música de Curitiba, o Festival de Música Nova de
Donnaueschingen (Alemanha), o Festival de Música de Bourges (França) e o “Bang in a
Can” (Nova York, EUA). Atualmente reside em Berlim e seu mais recente trabalho
fonográfico é o CD Do Lado da Voz (2000) e também a defesa de sua tese sobre Mimesis e
Construção Musical29. Sua produção para violão consiste de Reflexões i (1977) para flauta e
violão, Improviso Xaxado (1979) para saxofone, violão, violoncelo e percussão, R.pressão
(1980) para flauta, saxofone, violão, piano e bexigas infláveis, Dança (1984) para quatro
violões, Do Lado do Dedo (1986) para violão solo, Peça para Oboé e Violão (1987),
Çnad/Dança (1999) para quatro violões, Entre Cadeiras (2000) para violão solo.

29
MELLO, Chico Mello. Mimesis und musikalische Konstruktion, Berlim Hoschule, 2012

114
Chico Mello tem um catálogo violonístico de apenas 9 obras, focando o violão
inserido em grupos de câmara. Porém, a justificativa em escolher este compositor para esta
investigação é porque ele utiliza as técnicas expandidas, não somente em recursos técnicos
do instrumento e estrutura formal das obras, mas também como posicionamento estético e
busca constante de novas linguagens. Na obra Do Lado do Dedo para violão solo, Chico
Mello propõe uma scordatura diferenciada do violão, buscando a sonoridade do berimbau e
da viola caipira brasileira. Nessa obra, os recursos composicionais utilizados são instrumento
preparado com uso de uma caneta e reiteração através de motivos percutidos no braço do
instrumento. Seu long play Chico Mello e Helinho Brandão (1985), com obras dos dois
compositores, inclui o primeiro registro fonográfico de sua produção, no qual executa sozinho
a sua obra Dança (1984) para quatro violões. Essa obra traz efeitos inovadores com técnica
expandida provocando dilatação do tempo e consequentemente da escuta. Essas duas
obras serão investigadas neste trabalho.
Por outro lado, vale salientar que Chico Mello tem experiências também com a
música cênica (Theatre Music) e música para teatro, sendo frequentemente convidado a
fazer a direção musical em peças de teatro encenadas em Curitiba, Rio de Janeiro e Berlim.
Isso se reflete em sua obra. Por exemplo, em sua última obra para violão, Entre Cadeiras
(2000)30, utiliza características cênicas: o violonista é solicitado a executar fragmentos de
canções intercalados com a troca de três cadeiras, sendo que os passos entre essas
cadeiras são organizados em número e em velocidade. Na cadeira 2, o violonista executa a
canção Minha Meia Preta, organizada em células curtas que vão aumentando
progressivamente; na cadeira 3, o violonista executa o tango Silêncio em La Noche (Carlos
Gardel) fragmentado; e na cadeira 1 as duas canções são sobrepostas, com o violonista
executando o acompanhamento do tango de forma bem espaçada e a canção Minha Meia
Preta cantada de forma bem articulada, para que apenas os sons percussivos da
movimentação dos lábios e língua sejam audíveis (Figura 91).

30
Entre Cadeiras fez parte de meu projeto música contemporânea para violão desconstruída sob encomenda, e
foi gravada em cd no ano de 2000.

115
Figura 91. Chico Mello: Entre Cadeiras
Fonte: Digitalização do autor

Tanto na organização das vozes quanto do violão, em quaisquer das três cadeiras
(partituras) há uso do recurso com técnicas expandidas. A disposição das cadeiras e do
intérprete no palco é determinada na partitura conforme instrução na Figura 92.

116
Figura 92. Chico Mello: Entre Cadeiras
Fonte: Fotografia Paola Faoro

As sonoridades expandidas também podem fornecer subsídios para intenções


subjetivas por parte dos compositores. Em muitos exemplos percebemos a busca de uma
espécie de transcendência sonora, “um veículo para criar sons que chamam à mente alguma
coisa que eles ‘literalmente’ não possuem, as qualidades de uma voz cantada por exemplo”
(CUMMING, 2000, p.29). Como na peça Dança de Chico Mello em que o pizzicato alla
Bartok, a corda tencionada, largada contra o metal e a madeira (Figura 90), produz uma
sonoridade muito específica da mistura desses materiais e dessa ação de impacto (mais até
do que nos instrumentos de corda friccionada). Essa tentativa em número de decibéis busca
equiparar a qualidade sonora a um instrumento que aparentemente não tem essas variações
de dinâmicas.

117
Figura 93. MELLO, Chico. Dança para quatro violões.
Fonte: digitalizada pelo autor.

O movimento contínuo de execução de acordes paralelos (verticalidade) em escala


diatônica faz com que a linha melódica de duração longa (horizontalidade) seja possível em
um instrumento aparentemente sem qualidades para essa vocalidade de sustentação do
vento e do sopro, ou seja, instrumentos considerados “melódicos” (Figura 93).
Tanto esta qualidade de rasguear os acordes, para dar a falsa impressão de
legatos, quanto a produção tímbrica própria do pizzicato a la Bartok, dão uma espécie de
mistura sonora, um pastiche, portanto, uma expansão sonora (Figura 94).

118
Figura 94. MELLO, Chico. Dança para quatro violões.
Fonte: digitalizada pelo autor.

119
Em Do Lado do Dedo (Figura 95) Chico Mello aborda a relação sensória, táctil e de
transformação do corpo do instrumento (mudança de scordatura, mudança de locais onde
extrair o som).

Do Lado do Dedo se refere à experiência táctil de “tocar” o violão, expandindo seus


limites como instrumento de corda e percussão, e em certos momentos, preparando o
instrumento no sentido “Cageano” da palavra. As rápidas vibrações produzidas pela
afinação microtonal e sua lenta e contínua percussão parecem trazer o violão mais
perto do corpo, ao mesmo tempo, produzindo sons associados a outros instrumentos
como o berimbau e a viola caipira. O violão é uma continuação de nós mesmos: uma
mão amiga, um amigo pra cantar com a gente. Alguém fricciona suas cordas, as
acaricia, pergunta algo, e um som nos dá a resposta (MELLO, OCOUGNE)

Figura 95. Mello, Chico. Do Lado do Dedo para violão solo.


Fonte: digitalizada pelo autor

120
3.3.1 - QUADRO DE RECURSOS SONOROS EM CHICO MELLO.
Esta percussão deve ser realizada com a ponta do dedo contra
a parte de trás do braço. Esse procedimento irá ressaltar as
sonoridades transientes advindas da afinação microtonal do
instrumento.

Executar a percussão da mão esquerda com pulso (punho)


fechado buscando o efeito da batida coronária grave.

Raspar o pulso da mão direita nas cordas E e A (baixo)


provocando ruídos transientes em virtude da movimentação
paralela com a corda o que ocasiona frequências diferentes em
virtude dos harmônicos diversificados. Aos poucos transformar
o movimento de raspar em batidas regulares.

A introdução da caneta deve ser executada lentamente e a


partir do primeiro bizz, buscar intercalar a sonoridade.

A sonoridade do bizz irá paulatinamente dando lugar à


sonoridade do corpo da caneta. Isto irá consequentemente,
transformar o diapasão do violão em duas partes.

A técnica expandida utilizada por Chico Mello tanto em Dança quanto em Do Lado
do Dedo, re-potencializa o instrumento em outras características acústicas (psico-acústicas).
Essas re-potencialidades são adquiridas através de reiterações complexas, com leves
deslocamentos (fasing) e uma nova leitura de liquidação de material. Em Dança a liquidação
é dada, desafinando a corda até a extinção de sua possibilidade de vibração.

121
Em Do Lado do Dedo a microtonalidade é anunciada por percussões no braço do
instrumento e a sua ressonância nos aproxima da pulsação cardíaca. Essa acentuação é
sugerida literalmente na escrita. Há reflexões pertinentes quando Wisnik afirma que se
pudéssemos percutir um tambor mais de 50 vezes por segundo obteríamos uma frequência
correspondente. O violão através da sugestão de Chico Mello pode ser “lido” ou interpretado
pela inversão de suas qualidades. A percussão é auditivamente predominante, porém ressoa
na sua profundidade suas características primordiais.
Em entrevista realizada por mim na década de 1980 31 , Chico Mello havia
comentado que nos Festivais Latino Americanos de Composição, realizados em Montevideo,
ficou muito próximo à estética de Coriun Ahanorian em que todos pregavam o uso da
reiteração como forma de reaproximação acústica e etnomusicológica. Não se admitia a
comparação com o minimalismo americano, pois os Estados Unidos naquela época
simbolizava o Estado opressor da América do Sul. Por isso vieram termos como o
“minimismo rio-platense” cunhado por Ahanorian. Silvio Ferraz comenta que Chico Mello “se
interessa por processos reiterativos por conta de um ‘protominimalismo’ que cercava muitos
compositores brasileiros na década de 90”. Através dessas peças, Chico Mello descobriu seu
fascínio pela reiteração, após ter entrado em contato com a produção do chamado
minimalismo norte-americano, do minimismo uruguaio e do elementarismo de H.J.
Koellteutter, com quem ele estudava na época. Para Mello, o fascinante era trabalhar
diretamente com o fenômeno que ligava mundos tão distintos como a música popular
brasileira, música étnica (africana, indígena, indiana, balinesa), música medieval e a música
contemporânea. Segundo Chico Mello “a percepção do tempo, dilatada através da
repetição”. Os pensamentos de Ferraz e Mello se convergem na ideia de que Ferraz desfaça
um pouco essa ideia de minimalismo ligado à repetição do mesmo, lançando a ideia sobre o
serialismo (o mesmo como ideia) e dedicou ao minimalismo a repetição diferenciada”32 .
Chico Mello usa a reiteração que não se configura como uma mera repetição, e seus
deslocamentos e dilatações vão de encontro a surpresas geralmente criadas por uso de
técnica expandida, microtonalidade e liquidação não tradicional do material. Para não sermos
tão técnicos na afirmativa, liquidação combinada ao humor.

31
SILVA JR, Mario da. O Violao no Paraná, dissertação de mestrado, UniRio, 2002.
32
Conversa por email realizada em agosto de 2011.

122
4 PROCEDIMENTOS ARTICULATÓRIOS NO VIOLÃO: DO MODO TRADICIONAL À
TÉCNICA EXPANDIDA
4.1 TÉCNICA EXPANDIDA
4.1.1 Conceito
Técnicas expandidas são aquelas usadas na área interpretativa da música para
descrever técnicas não-convencionais, não-ortodoxas e não tradicionais do canto, ou da
execução de um instrumento, no sentido de obter sons não-usuais ou timbres instrumentais
diferenciados. Este conceito é passível de subjetividade e variáveis na sua definição. Se
pensarmos, por exemplo, que esta técnica também possibilita sons no universo da música
tradicional ou programática, a questão fica um pouco mais indefinida. Alguns procedimentos
no passado eram considerados técnica expandida e hoje são técnicas tradicionais. Execução
de harmônicos em instrumentos de corda ou metais não são técnicas expandidas mas no
piano e instrumentos de madeira são. Dedilhar a corda de um violino não é técnica
expandida, porém bater no tampo sim. Tocar um instrumento de cordas com mute (deixar
mudo com a mão esquerda) não seria, porém tocar atrás do cavalete é. Portanto, a fronteira
entre técnica expandida e técnica tradicional é muito volátil. Ao violão a técnica expandida
está muito voltada para a diversificação de timbres e aquisição de sons não tradicionais.
O que interessa diretamente ao corpo desse trabalho é como essas técnicas
criaram um mapa de possibilidades tímbricas que poderiam ter servido e servem agora ao
universo da composição contemporânea. O violão já oferece uma quantidade de ruídos
incontável. Servem agora às pesquisas contemporâneas sônicas, e é imprescindível que
essas sonoridades sejam ordenadas, traduzidas, decodificadas e trazidas ao campo teórico
por observarmos que na práxis tais mecanismos ficam reduzidos a um número pequeno de
compositores que dominam o instrumento.
Neste Capítulo vamos apresentar procedimentos articulatórios complexos e
adequados à música contemporânea e, especialmente, à técnica expandida. Antes iremos
relatar em breves linhas alguns procedimentos articulatórios para uso na música tradicional.

123
4.2 MÉTODOS DE PRODUÇÃO DO SOM: MODOS TRADICIONAIS DE REPRODUÇÃO E
PERFORMANCE.

Os agentes da execução violonística são (Figura 96):

- mão direita (MD), responsável tradicionalmente pela produção do som na sua


intensidade, articulação e timbre;

- mão esquerda (ME), responsável tradicionalmente pela produção do som na


sua altura e articulação. Nas partituras são encontrados os seguintes símbolos para mão
direita e mão esquerda:

mão esquerda mão direita

Figura 96. Mão Esquerda (ME), dedos 1,2,3,4 e Mão Direita (MD), dedos p, i, m, a.
Fonte: Fotografia, Rocio Infante, 2012

124
Comparado ao piano, cada corda e casa do violão, quando pressionada,
corresponde a uma tecla branca ou preta Figura 97. Porém, se observarmos atentamente há
notas repetidas, possibilidades em outras casas e cordas. Nesse tipo de alternativa sempre
haverá a mudança tímbrica. Resumidamente, a corda solta é mais metálica que corda presa,
sendo que esta possui som mais aveludado dependendo do seu material, se nylon ou metal.
(Linha horizontal superior= corda mais aguda MI).

Figura 97. Comparativo de notas do violão com o piano


Fonte: Arte gráfica criada pelo autor

125
A questão das limitações e dificuldades apontadas anteriormente sobre o universo
social do instrumento, podem ser estendidas às suas propriedades de execução e produção
sonora. Como na Figura 98, vemos as limitações que os violonistas carregam do ponto de
vista harmônico, principalmente se há melodia acompanhada. Geralmente os acordes são
executados em posições fechadas e com certas notas de acordes suprimidas.

Figura 98. H. Villa-Lobos, Preludio 5, cc 17-21


Fonte: Max Eschig, 1951

Consideramos ainda, que a partir do mi4, as produções sonoras se realizam no


espelho do instrumento, próximo à caixa, o que torna de difícil execução se pensarmos em
alguma passagem polifônica como na Figura 99.

Figura 99. H. Villa-Lobos, Estudo 5, cc 17-21


Fonte: Max Eschig, 1951

126
Numa visão mais resumida, sem considerar pormenores e detalhes técnicos, o
fato do instrumento possuir 6 cordas numa relação intervalar predominantemente de 4as,
proporcionou uma tessitura real alcançável de duas 8vas e mais uma 3ª (região grave). Isto
amplia sensivelmente acima do espelho (da região média para a aguda). Estamos
considerando uma produção simultânea de duas vozes (1ª e 6ª cordas) com ambas “presas”
(a necessidade da mão esquerda=ME) (Figura 100).

Figura 100. Exemplo de possibilidades simultânea com maior tessitura possível


Fonte: digitalizada pelo autor.

Se utilizarmos o gráfico da Figura 97, poderemos transferir as possibilidades da


mão esquerda em outras cordas (5ª, 4ª, 3ª, etc) com relação à 1ª corda. Haverá outras
possibilidades intervalares, mesmo considerando o encurtamento da tessitura.
Porém tais fatores de dificuldade transformaram-se em busca de fatores de
possibilidades. No caso das tessituras, a scordatura e a busca de uma tonalidade mais
adequada podem auxiliar nos resultados sonoros. Dependendo do tempo da obra, linhas
melódicas acima do Mi4 pode ser bem solucionadas em harmônicos. Dependendo da
scordatura aplicada, tessituras podem ser ampliadas satisfatoriamente.
Consequentemente, serão os fatores de possibilidades de alternância tímbrica que
produziram o maior número de avanços, chegando atualmente ao seu ápice com o
densenvolvimento de técnicas expandidas. Para introduzirmos isso, um relato simplista pode
nos demonstrar as possibilidades que o violão possui para produzir um Mi333 e obtermos
todas essas diversidades de timbres a nossa disposição (Figura 101):

33
Vale salientear que violão soa 8va abaixo da nota escrita na clave de Sol.

127
Figura 101. Possibilidades e diversidades tímbricas de uma única nota ao violão
Fonte: digitalizada pelo autor

1 – a nota mi é produzida na 1ª corda (som leve do nylon) solta do instrumento e possui um


som aberto com possibilidades de variações tímbricas de acordo com a movimentação do
dedo da MD que poderá escolher entre sul tasto (som doce) e sul ponticello (som metálico).
Não há possibilidade de vibrato.

2 – a nota mi é produzida na 2ª corda (som leve do nylon), V casa do instrumento e possui


um som natural, possibilitando as variações tímbrica acima, porém, há possibilidade de
vibrato.

3 – a nota mi é produzida na 3ª corda (som leve do nylon), IX casa do instrumento e possui


um som doce, aveludado, possibilitando as variações de timbre acima, porém há
possibilidades de um vibrato mais intenso ainda.

4 – a nota mi é produzida na 4ª corda (som pesado, combinação de metal e nylon), XIV casa
do instrumento e possui variações tímbricas entre natural e metálico, porém há
possibilidades reduzidas de vibrato.

5 – a nota mi é produzida na 5ª corda (som pesado, combinação de metal e nylon), VII casa
do instrumento através de harmônico, somente encostando um dedo da ME que será retirado
assim que a MD pulsa a corda. Há possibilidades especiais de vibrato quando “vibramos”
com a ME uma outra corda em uma nota simpática àquela pinçada (pulsada). Por exemplo, a
nota do item 3.

6 - a nota mi é produzida na 6ª corda (som pesado, combinação de metal e nylon), V casa do


instrumento através de harmônico, somente encostando um dedo da ME que será retirado
assim que a MD pulsa a corda. Há possibilidades especiais de vibrato quando “vibramos”
com a ME uma outra corda em uma nota simpática àquela executa. Por exemplo, a nota do
item 3.

128
Introduzimos a mecânica de como o som é produzido no violão. Iremos transportar
a questão para a técnica do violonista. As possibilidades de amplitude de técnicas de
combinações polifônicas e outras texturas possíveis, criaram historicamente uma metáfora
do violão como sendo uma orquestra em miniatura. Isto não se dá somente porque o
instrumento é polifônico, ou que se possa realizar um trecho de melodia e acompanhamento.
Melhor, adicionamos a isto, como mencionado antes, a possibilidade de diversificação
tímbrica no momento do ataque em virtude da falta de intermediário na fonte sonora (arco,
martelo, etc).
Quando o violonista toca a corda ele ouve, não a forma da onda na corda, mas a
vibração do tampo. Essa vibração é determinada pela força da onda na ponte e a magnitude
disto é alcançada através da variedade de toques que o violonista desenvolve. Dado suas
características, as possibilidades de dinâmica ao instrumento são limitadas. Porém, a
diversidade de sonoridades tímbricas diversas multiplicam as alternativas de ação. Para se
obter sons metálicos é preferível que a ação da unha seja perpendicular (90º) à direção das
cordas e o toque deve ser preferencialmente perto da ponte (cavalete). Sons staccattos se
diferenciam se tocados em cordas soltas ou presas.
Para aquisição desses sons e muitos outros, foi convencionado, não de forma
padronizada ao longo da pedagogia do violão ao redor do mundo, uma paleta de tipos de
toques, ou simplesmente, toques. Alguns pesquisadores buscaram separar a paleta de
toques em tradicionais e não tradicionais. Tais denominações surgiram e tornaram-se usuais
como procedimentos articulatórios. Como exemplo, uso do polegar da mão direita para
execução de duas cordas em uma determinada passagem.
Procedimentos articulatórios são definidos como ações que determinam variáveis
timbrísticas em função da diversidade acústica que o instrumento proporciona. O grupo mais
comum é o relativo à fonte sonora direta, denominado grupo de toques nas cordas. O
34
uruguaio Abel Carlevar , em sua Serie Didactica para Guitarra, sistematizou
progressivamente a técnica violonística na década de 1970 (CARLEVARO, 1979, 1995). A
dimensão da técnica de Abel Carlevaro corresponde uma literatura volumosa de diversos
procedimentos tais como reprodução de escalas diatônicas (Cuaderno 1); técnica da mão

34
A escolha de Abel Carlevaro dá-se em função de sua amizade e proximidade com a linguagem de Heitor
Villa-Lobos. Carlevaro estreou os Prelúdios para violão na década de 1940. Além de sua amizade com Leo
Brouwer.

129
direita (Cuaderno 2); técnica da mão esquerda (Cuaderno 3); técnica da mão esquerda,
conclusão (Cuaderno 4). Após a publicação da Serie Didactica, Carlevaro publica Escuela de
La Guitarra – Exposición de La Teoria Instrumental. Por razões de aproximação ao nosso
assunto, nos concentramos no pensamento de Carlevaro respectivo à mão direita. Carlevaro
foi o primeiro a elencar uma série de toques específicos da mão direita. Esses toques são
utilizados em vozes determinadas, no todo polifônico da obra, para adequar, dar colorido ou
destaque, dependendo da necessidade musical.

toque um= t.1 toque natural

toque dois= t.2 toque com apoio

toque três= t.3 toque amplo

toque quatro= t.4 toque com apoio amplo

toque cinco= t.5 toque metálico

O t.1 é o toque natural. É aquele cuja sonoridade é adquirida simplesmente


pulsando a corda e fazendo com que a onda seja o mais regular possível. Ações que partem
mais perto da corda e que durante o treinamento adquirem uma sintonia fina com a proposta
do exercício na partitura proporcionam uma sonoridade mais aprimorada. Além disso, o
violonista usa unhas compridas nos dedos da mão direita. Estas deverão ter um tratamento
lapidado. Há tipos especiais de lixamento e polimento com materiais adequados que buscam
evitar atritos e sons transientes. Algo correspondente aos martelos e mecanismos do piano
os quais devem estar lubrificados e os feltros devidamente colados e em bom estado, sem
desgastes para que, quando acionados, atinjam as cordas de forma precisa para aquisição
do som ideal. De forma empírica, cada formato de unha e lixamento será testado diversas
vezes até se adequar à sonoridade exigida e preferida pelo violonista. Esse toque natural se
tornará a voz e a identidade de cada violonista.
O t.2, constitui a ação do dedo “dedilhar” a corda e imediatamente apoiar na corda
subsequente, o que ocasiona maior amplitude (maior nível de db) na sonoridade. No
Flamenco o t.2 é chamado de picado. No violão clássico (erudito) os toques com apoio
fornecem diversas alternativas para um bom colorido e adequação na informação musical.
De acordo com o aprimoramento técnico do violonista, a combinação dos dois toques produz

130
efeitos que enriquecem passagens arpegiais nas quais encontram-se combinados temas,
frases, acompanhamento e baixo.
O t.3 é um toque com apoio de ação ampla, usado raramente e geralmente em
peças contemporâneas. É uma variável do t.2 que usa toda a amplitude do dedo, porém sua
ação é mais lenta e não possibilita em muitos casos variáveis com outros toques.
Os t.4 têm como característica dinâmica forte, timbre aveludado e são
normalmente aplicados em destaque melódico de temas de duração longa como sugerido
abaixo (Figura 102). Há possibilidades de combinações com outros toques:

Figura 102. Brindle, Reginald Smith. Guitarcosmos 1, Estudo 1 (1979), Editora Schott Musas.
Fonte: Digitalizada pelo autor.

Os t.5, de timbres metálicos, são alcançados quando a ação da mão esquerda


ocorre próximo à ponte e com ataque de unha (MD) o mais perpendicular possível à corda.
Podem ser aplicados em temas secundários ou em cantos de vozes internas, ricos para a
aplicação na música contemporânea. Na Figura 103 a sugestão interpretativa é de um
colorido timbrístico mais variado, fazendo com que o tema principal se sobressaia com um
toque cantabile e legato, amplo e doce no começo. Entretanto quando se chega ao clímax a
execução é articulada em staccatto, usando o T.5 metálico, objetivando maior qualidade
articulatória.

131
Figura 103. CARLEVARO, Abel. Prelúdio Americano 1 (1978) Indicações de articulação do autor
Fonte: digitalizada pelo autor

Carlevaro também sistematizou os toques relativos ao uso do polegar. Em


passagens cuja melodia se encontra no baixo, toques com apoio e unha do polegar
possibilitam melhor amplitude (Figura 104):

Figura 104. Villa-Lobos, H. Preludio 1. cc 1-3


Fonte: Max Eschig

Temos também o toque com unha do polegar próximo ao cavalete (de timbre
metálico) o que favorece a intenção do compositor:

132
Figura 105. Villa-Lobos, H. Estudo 8. cc 17-20
Fonte: Max Eschig

A razão desse olhar panorâmico e rápido na técnica de Carlevaro foi em função de


introduzirmos conceitos tradicionais da produção sonora violonística percebendo parâmetros
que, de alguma forma, foram sendo transferidos ao universo das técnicas expandidas. Como
falamos, a obra pedagógica de Abel Carlevaro é vasta e aprofundada o que valeria como
objeto para pesquisas futuras.
Além disso, coube-nos escolher Carlevaro por estar conectado com a música
contemporânea utilizando a sonoridade do violão de forma diversificada no sentido tímbrico.
Essas técnicas de sonoridades, ou procedimentos articulatórios, eram defendidos de forma
radical e pragmática por Carlevaro que acreditava na afirmativa de Berlioz na qual o violão
seria considerado uma pequena orquestra, citada acima. Carlevaro foi o herdeiro de Andrés
Segóvia e contribuiu significativamente para o enriquecimento e difusão de produção
contemporânea para violão no Uruguai e demais países da América Latina. Carlevaro foi um
estudioso da composição e análise musical e produziu um catálogo significativo de obras
para violão, desde solo até concertos com orquestra. A sua linguagem abrange diversos
sistemas, como dodecafonismo em Cronomias e peças experimentais como no Concerto La
Plata para violão e orquestra, no qual processos percussivos e efeitos são utilizados criando
um jogo peculiar entre percussão e violão solista. A sua aproximação com o compositor
cubano Leo Brouwer (1939) determinou importante contribuição para o universo violonístico
latino americano.
Procedimentos articulatórios também poderão ser estendidos às percussões no
tampo e cordas, o que não deixa de ser uma variável tímbrica característica e idiomática do
instrumento. Schneider (1985), para descobrir e desenvolver totalmente as possibilidades
tímbricas do violão, optou por descrever todos esses timbres. A diferença tímbrica que

133
percebemos entre o som do violino e oboé é dada pelo envelope espectral e pela diferença
de ataque dos dois instrumentos. O envelope, ou seja, a trajetória do som no espaço-tempo,
é descrito pela sua amplitude no tempo de início, duração e fim (declínio). Essa amplitude, se
alterada, não irá modificar o timbre no violão. As formas de alterar essa amplitude é através
dos abafadores, seja de mão direita ou esquerda. Também podemos adquirir alteração para
mais auxiliando através de harmônicos, como por exemplo, quando executamos a 6ª corda
mi, podemos usar a mão esquerda num mi simpático (como por exemplo, da 5ª corda, VII
casa) utilizando o vibrato. Ou para menos, amortecendo a corda, o tampo, ou pouco a pouco,
amortecendo a ponte.
A alternância de ângulo no ataque da corda, muda a quantidade de ressonância
do ar no início. Se atacamos a corda na posição de 1/5 dela a quantidade de ar é maior do
que quando atacamos a mesma corda perto da ponte 1/4 ou 1/3 . Esse efeito vai ser alterado
dependendo de qual traste a corda está partindo e que tipo de corda está partindo o som.
Uma corda pode ser “batida”, diferente de “dedilhada”. Isso pode ser alcançado de duas
formas: pela mão esquerda, o que proporciona o bi-tom como foi falado no capítulo sobre
Villa-Lobos; pela mão direita em caso de martelatos. Acontece que conseguimos sons
transientes com maior intensidade e ruído se percutimos: tambura (percutir as cordas) e
golpe (percutir a madeira). A forma mais difundida de sons transientes no violão é o pizzicato
a la Bartok no qual se puxa a corda para fora, soltando-a imediatamente fazendo-a estalar no
braço do instrumento, provocando uma sonoridade ambígua de madeira e metal e não nos
dando uma verdadeira referência de frequência.

134
4.3 MÉTODOS DE PRODUÇÃO (EXCITAÇÃO) DO SOM: MODOS NÃO-TRADICIONAIS DE
REPRODUÇÃO E PERFORMANCE, UTILIZADOS NAS OBRAS DE KRIEGER, MELLO E
KAMPELA.

Métodos não convencionais de reprodução sonora na história pedagógica do


violão foram surgindo de diversas maneiras. Muitos eram demandas para se resolver trechos
de obras convencionais. Dissemos anteriormente que o conceito de técnica expandida se
modifica em acordo com os períodos musicais. Vimos que o Bi-Tom, é uma ação do dedo da
mão esquerda (percussiva) contra o braço do instrumento para produzir dois sons
simultâneos. Essa técnica tem origem em técnicas tradicionais, parâmetros básicos
necessários para a formação de um violonista tanto quanto, realizar uma escala, um arpegio,
desenvolver um motivo melódico na composição, produzir um crescendo na performance, ou
identificar e executar um contraponto de vozes. Como por exemplo, para o Bi-Tom o
parâmetro genético denomina-se ligado. O ligado no violão, é um recurso que também
atende aos conceitos universais de ligado, fazer uma frase melódica ligada, uma só
respiração. Entretanto, esses ligados são procedimentos expandidos que caracterizam o som
do violão e identificamos rapidamente a origem do reprodutor.
Ligado ascendente: Quando o violonista tem de realizar um ligado ascendente, sua ação
digital da nota “ligada”, (Figura 106, nota si), é de percutir a corda e consequentemente o
braço do instrumento causando uma produção sonora ambígua (Bi-tom) e distinta. O som
emitido da nota lá pela MD (dedilhado) é tradicional, elaborado, de sonoridade robusta e
arredondada, fruto de estudos de formação de som, polimento de unha. Diferente do som
emitido da nota si pela ME (percutido) não-tradicional, estalado e metálico.
Ligado descendente: Quando o violonista tem de realizar um ligado descendente, tudo se
modifica. O timbre da nota lá da MD (produtora do som) é igualmente tradicional, elaborado,
de sonoridade robusta e arredondada, fruto de estudos de formação de som, polimento de
unha. Diferente do som emitido da nota SOL (Figura 106), nota com produção sonora
arpística, na qual a ME torna-se MD, porém de efeito tímbrico mais aveludado da poupa do
dedo, pois a ME não possui unha comprida e polida.

135
Figura 106. Ligado Ascendente e Ligado Descendente
Fonte: digitalizada pelo autor

De fato, foi na pesquisa e observação do potencial desses fatores técnicos de


reprodução sonora dos violonistas, que muitos compositores criaram páginas de grandes
avanços estéticos para o violão. Basta olharmos e ouvirmos novamente o exemplo do Estudo
10 de Villa-Lobos com Elogio de La Danza de Leo Brouwer (Figura 107).

Figura 107. VILLA-LOBOS, H. Estudo 10 E BROUWER, L. Elogio de La Danza


Fonte: digitalizada pelo autor

No caso desse exemplo, a qualidade do efeito é potencializada pelo ligado misto.


Ou seja, o contorno sol, la, sol, mi em Villa-Lobos, combina a qualidade sonora do ligado
ascendente e descendente (imediato), com a finalização em nota de corda solta mi. A
diversidade tímbrica simultânea ao canto na voz tenor aveludada proporciona um resultado
sonoro inesperado. No caso de Brouwer há uma elisão, pois na primeira colcheia mi do

136
compasso subsequente, ele solicita que seja realizada em outra corda (2a) sendo
imediatamente seguida de um ligado descendente para nota si. O efeito metálico tímbrico
diversificado subitamente dá lugar ao intervalo sib=fa# aveludado porém de característica
atonal. Em ambos os casos, nos grupos simples de 4 semicolcheias teríamos 4 tímbres
distintos. Seria como se um pianista tivesse:

1a nota SOL = som da tecla;

2a nota LA = som piano preparado com uma peça de madeira na corda LA;

3a nota SOL = som pedal una corda SOL;

4a nota MI = som piano preparado com uma peça de metal na corda MI

O objetivo de realizar esse capítulo ilustrado é proporcionar a sensação visual da


técnica no momento da excitação e da realização. Alguns exemplos em Arthur Kampela,
optou-se por exemplificar a escrita original acompanhada de uma extração das técnicas
expandidas, suprimindo a escrita rítmica complexa.

137
1. BI-TONS (Figura 108)
Na obra de Edino Krieger – Ritmata o bi-tom é empregado da seguinte forma:

Figura 108. Krieger, Edino. Ritmata cc-1


Fonte: digitalizada pelo autor
Execução (Figura 109):

Deve-se posicionar o braço direito de cima para baixo tomando-se o cuidado para não
encostar nas cordas para que o som vibre pós ataque. É importante que o braço esteja
completamente imóvel para que a impulsão seja satisfatória. A ação deve ser rápida entre
repouso e ataque para obter um melhor resultado e um leve vibrato logo após o início da
sonoridade otimiza o resultado.

Figura 109. Modo de tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito, 2012.
Resultante:

O início da trajetória é amplamente tomado pelo impacto de corda, metal e madeira. É um


som aberto, esparramado, quase semelhante a um material excitando a água. A
continuidade e fim do som é metálica e decrescente.

138
2. PERCUSSÃO TAMPO E CORDAS (Figura 110)

Figura 110. Krieger, Edino. Ritmata cc-43-44


Fonte: digitalizada pelo autor
Execução Figura 111:

Há duas opções: percussão nas cordas ou no tampo. Em ambas as ações dos braços é
semelhante a execução dos bi-tons, porém com a complexidade da rítmica e temporalidade
medida. A sonoridade é obtida de duas formas: na mão esquerda, na qual o dedo 1 sustenta
a nota tradicional simultaneamente à percussão realizada pelos dedos 234 de mão esquerda.
A mão direita percute as cordas próximo ao tampo, mesclando mais ainda a sonoridade.

Figura 111. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante:

1) quando opta-se por realizar a percussão nas cordas teremos um som aberto e
esparramado consequência da mistura dos materiais, não tão sonoro quanto o anterior e
sem definição. O resultado da sonoridade mesclada é a percussão nas cordas com sons
transientes agudos e metálicos, somado a sonoridade na madeira, mais suave; 2) quando
opta-se por realizar a percussão no tampo teremos o som da madeira com sonoridade semi-
definida, ou seja, quase podemos ouvir a frequência do tampo.

139
3. PERCUSSÃO COM DESLISAMENTO DA MÃO DIREITA (E/OU ESQUERDA) SOBRE O
BRAÇO (Figura 112)

Figura 112. Krieger, Edino. Ritmata cc-46-49


Fonte: digitalizada pelo autor

Execução (Figura 113):

Enquanto o acorde soa, deve-se deslizar os dedos ami sobre as cordas até o final do braço
do instrumento. o trecho é indeterminado temporalmente e fica a critério do instrumentista se
a emissão é regular crescente e acelerando ou irregular.

Figura 113. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante:

O resultado sonoro obtido do acorde simultâneo ao deslizamento dos dedos sobre as cordas
é de uma sonoridade metálica e de duração caótica e irregular. No entanto, há a alternativa
usualmente aplicada, executando-se com as duas mão após o esvaimento do acorde. Isto
proporciona mais liberdade de improvisação nas sonoridades diversificadas em locais
diferenciados do braço do instrumento.

140
4. PERCUSSÃO ATRÁS DO BRAÇO DO INSTRUMENTO. NESTE CASO, A
CONFORMAÇÃO SONORA É ALTERADA EM VIRTUDE DA AFINAÇÃO MICROTONAL
ALTERADA (SCORDATURA) (Figura 114).

Figura 114. Mello, Chico. Do Lado do Dedo cc-3


Fonte: digitalizada pelo autor
Execução (Figura 115):
A percussão atrás do braço do instrumento deve ser feita evitando encostar o corpo no
instrumento e braço.

Figura 115. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante:

a sonoridade será mesclada em virtude da scordatura especial, com algumas cordas muito
frouxas. O resultado nos remete a um berimbau manipulado eletronicamente.

5. FRICÇÃO DO PULSO EM REGIÕES DIVERSAS DA CORDA (Figura 116)

141
Figura 116. Mello, Chico. Do Lado do Dedo cc-15
Fonte: digitalizada pelo autor

Execução (Figura 117):


com o punho fechado articula-se o mais rápido possível arrastando perpendicular a corda

Figura 117. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante:
mais uma vez a resultante aproxima-se do berimbau, adicionado ao ruído metálico
provocado pelo arrastar do pulso na corda.

142
6. PERCUSSÃO SIMULTÂNEA COM PADRÕES DE NOTAS LIGADAS (Figura 118).

Figura 118. Mello, Chico. Do Lado do Dedo


Fonte: Digitalizada pelo autor

Execução (Figura 119) :


ora no braço do instrumento, ora com o punho na ponte o ligado deve ser mecânico com a
corda bem articulada pelo dedo da mão esquerda para ressaltar a microtonalidade

Figura 119. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante:
O som da percussão é mesclado com madeira e o som da corda frouxa que rebate no 19o
traste. Simultaneamente estarão soando as cordas microtonais adicionadas a um leve
glissando de pressão do dedo na corda

143
7. RUÍDO COM OBJETOS EXTERNOS (CANETA) A CANETA DIVIDE A CONFORMAÇÃO
DO INSTRUMENTO E ISSO SERÁ EXPLORADO PELO INTÉRPRETE. HÁ
SIMULTANEIDADE DO SOM EM PIZZICATO PELA MD (Figura 120).

Figura 120. Mello, Chico. Do Lado do Dedo cc-50


Fonte: digitalizada pelo autor.

Execução (Figura 121):


A caneta deve ser inserida simultaneamente às surdinas. Aos poucos ela vai encostando nas
cordas graves provocando um bizar.

Os dois extremos sonoros devem ser explorados também.

Figura 121. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante:
A sonoridade na caneta é de alto grau de transiência e sons não desejáveis
provocativamente intensionais. Quando toda a caneta é introduzida, as duas sonoridades
relembrarão uma citara, sendo que a parte da caneta para a cabeça é uma sonoridade
menos definida e a outra, da caneta para a ponte com mais definicões de altura.

144
8. PERCUSSÃO COM A UNHA NO TAMPO SIMULTÂNEA AO MARTELATO (ME) (Figura
122)

Figura 122. Kampela, Arthur. Percussion Study cc-46-48


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor
Execução (Figura 123):
Apoia-se o final do cotovelo direito para que haja mais liberdade da MD ir do tampo ao aro. A
ME faz um movimento contrário entre o martelato e o pinçar da primeira corda para obter o
mi (ligado)

Figura 123. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante
A sonoridade caleidoscópica, conforme comentado. O martelato soa como uma voz fanha
procedida do legato (MI) mais cristalizado. Simultaneamente estamos ouvindo a unha no
tampo e aro que ressoa como uma castanhola. O resultado é uma emissão caótica.

145
9. PERCUSSÃO NO TAMPO DIVERSIFICADA SEGUIDA DE BARTOK SOMENTE COM O
POLEGAR, MARCA REGISTRADA DO COMPOSITOR (Figura 124).

Figura 124. Kampela, Arthur. Percussion Study cc-4-5


Fonte: digitalizada pelo autor.
Execução (Figura 125):
Deve-se percutir rapidamente e retirar imediatamente o dedo para que ressoe. o polegar
deve percutir muito próximo abaixo da 6ª corda para que imediatamente puxe para fora
atingindo o pizzicato a La Bartók.

Figura 125. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.

Resultante
Sem nenhum preconceito auditivo e semântico, pode ser comparada a pipoca estourando na
panela.

146
10. TRÊMULO COMBINADO AO BIZZ. DA CORDA PRESSIONADA PARA FORA DO
DIAPASÃO (Figura 126) .

Figura 126. Kampela, Arthur. Percussion Study cc-53


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Execução (Figura 127):


Após o martelato, inicia-se o trêmulo para aos poucos empurrar a corda para fora.

Figura 127. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.

Resultante
O bizar é extremamente desconfortável auditivamente, pois há inúmeras transiências visto
que a corda está encostando paralelamente à madeira. Todavia o trecho possui mais lisura,
abandonando o caráter pontilhista anterior.

147
11. COMBINAÇÃO MISTA: LIGADO, PERCUSSÃO NAS CORDAS E NO TAMPO (Figura
128).

Figura 128. Kampela, Arthur. Percussion Study cc-82


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Execução (Figura 129):


Imediatamente após o 1o martelato 6a e 5a cordas, abafar as cordas para que o evento seja
absolutamente percussivo.

Figura 129. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante

A sonoridade percussiva domina o acorde de sons tradicionais no princípio. Pipoca


estourando na panela novamente.

148
12. COMBINAÇÃO MISTA: PERCUSSÃO NO TAMPO EM LOCAIS DIFERENTES
FINALIZANDO COM STACCATO (Figura 130)

Figura 130. Kampela, Arthur. Percussion Study cc-76


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Execução (Figura 131):


É o trecho mais pantomímico da obra. O gesto tem de ser muito rápido para alcançar a
distância do Re# e percutir. A sensação é que essa nota foi colocado somente para obrigar o
gesto corporal exagerado.

Figura 131. Modo de Tocar


Fonte: Fotografia Stefano Candito.

Resultante
Em virtude da rítmica e do gesto, é inevitável o caráter humorístico

149
13. TRÊMULO MISTO: COMBINANDO O TRADICIONAL COM O BIZZ (Figura 132):

Figura 132. KAMPELA, Arthur. Percussion study 1, final


Fonte: partitura digitalizada pelo compositor

Execução (Figura 133):


Trêmulo associado à corda puxada para fora e quando chega ao final, a percussão será com
mão direita, enquanto que o Bartók final será pela primeira vez com a mão esquerda,
causando um movimento corporal pantomímico também.

150
151
Figura 133. Modo de Tocar
Fonte: Fotografia Stefano Candito.
Resultante
O bizar vai tomar conta e se apoderar do som tradicional. Podemos interpretar isso ao longo
da peça, aos poucos os sons expandidos vão tomando conta dos sons tradicionais. Só que
mais curioso ainda é que quando esse bizar (bizz) parece tomar conta do objeto, ele é
sumariamente executado.

Observou-se que nas combinações timbrísticas há varias referências nos


procedimentos de sons tradicionais, um som combinado e grupos de sons. Esses círculos
sonoros, além dos tradiconais abordados são raspar corda, tocar na cabeça, percussão aro e
tampo com polpa do dedo, arpeggio de dedos pami (MD) no tampo; com unha; percussão
com mão esquerda na corda (martelato); bater mão direita na corda.

Tais procedimentos foram classificados com nomenclaturas semânticas do timbre


do violão abordados por Caroline Traube. Chegou-se a 80 definições semânticas sobre
timbres diversificados do violão (TRAUBE, 2004, p.86). Vamos adequar tais nomenclaturas
semânticas para o nosso vocabulário expandido. Os adjetivos metálico, redondo e brilhante
foram escolhidos por mais de metade dos participantes das pesquisas da autora. Os
adjetivos fina, quente, aveludado, nasal e seco foram escolhidos por cerca de um terço dos
participantes. Além disto surgiram outros adjetivos não menos extravagantes:

chocolate; brilhante; transparente; lamacento; lanoso; vitreo; amanteigado; metálicos

152
Como havíamos comentado na introdução os termos técnica tradicional (T),
técnica estendida (S) e técnica expandida (E) são limítrofes. Vamos entender aqui que a
técnica estendida seria uma técnica tradiconal que evoluiu, porém ainda possuindo certas
sonoridades diferenciadas. A técnica expandida entenderíamos como a expansão das
possibilidades do violão. Dessa forma tanto no QUADRO DE SONORIDADES UTILIZADAS
NAS OBRAS ABORDADAS (4.4) quanto no QUADRO GERAL DE MODOS DE TOCAR DE
TODAS AS OBRAS ABORDADAS (4.5) optamos por classificar sempre na 3ª e 4ª colunas,
respectivamente, o tipo de efeito timbrístico usando as siglas: técnica tradicional (T), técnica
estendida (S) e técnica expandida (E).

153
4.4 QUADRO DE SONORIDADES UTILIZADAS NAS OBRAS ABORDADAS35
tipo modo cl. Krieger Mello Kampela
Excitação das cordas dedilhar natural (tradicional) T sim sim sim
dedilhar com apoio S sim sim sim
dedilhar doce (sul tasto) T sim sim sim
dedilhar metálico (sul ponticelo) S sim sim sim
dedilhar harmônicos (sem pressão ME) S sim sim sim
pizzicato S sim sim 0
dedilhar staccato ME pos ataque T sim sim sim
dedilhar 1 corda - duas cruzadas E 0 0 0
dedilhar 2 cordas - duas cruzadas E 0 0 0
dedilhar sem pressão ME E sim 0 0
dedilhar pressão fora do braço ME E 0 0 sim
dedilhar glissando pos ataque T sim 0 sim
golpear E sim sim sim
puxar (pizzicato a la Bartok) S 0 sim sim
raspar E 0 sim 0
deslizar E sim sim sim
Percussões nas cordas (sem pressão) E sim 0 sim
nas cordas (com pressão=bi-tom) E sim 0 sim
tampo menor (poupa, unha MD, ME) E sim 0 sim
tampo maior (poupa, unha MD) E sim 0 sim
aro menor (poupa, unha MD) E sim 0 sim
aro maior (poupa, unha MD) E sim 0 sim
cavalete (poupa, unha MD) E 0 0 0
braço frente (cordas) E sim 0 sim
braço atrás (poupa, unha MD) E 0 sim 0
cabeça E 0 0 0
Formas Combinadas dedilhar/percutir E 0 sim sim
percutir/puxar E 0 0 sim
percutir/raspar E 0 sim 0
percutir/harmônicos E 0 0 sim
percutir com duas mãos E sim sim sim
percutir tampo / bartok / glissando E 0 0 sim
percutir corda / bartok / glissando E 0 0 sim
arpegio ou trêmulo tampo, aros (pami) E 0 0 sim
arpegio tampo, aro + bi-tons ME E 0 0 sim
Utilização de Objetos utilização de caneta efeito glissando E 0 sim sim
Externos/Scordaturas
utilização de caneta (roçar a corda) E 0 sim 0
utilização de caneta subdividir escala E 0 sim 0
scordatura fixa tonal T sim sim sim
scordatura fixa micro-tonal E 0 sim 0
scordatura móvel (modifica durante a obra) E 0 sim 0
35
Abreviaturas: cl = classificação;
T = técnica tradicional; S e técnica estendida; E = técnica expandida; ME = mão esquerda; MD = mão direita.

154
4.5 QUADRO GERAL TÉCNICAS EXPANDIDAS E RECURSOS SONOROS

O objetivo deste sub-capítulo será elencar as técnicas expandidas abordadas


durante a tese num quadro com suas respectivas explicações, apontando para detalhes
relativos à sua factibilidade e exequibilidade. Muitas vezes compositores contemporâneos do
Século XX que se aventuraram no instrumento tiveram boas ideias, porém o movimento
corporal era incompatível de acordo com o som idealizado. De outra forma, cabe aos
instrumentistas buscar soluções. O exemplo da Figura 134 no III movimento da Sonata de
Ginastera ilustra bem esta abordagem como demonstraremos:

Figura 134. GINASTERA, Alberto. Sonata op.47, na cabeça do instrumento acima das cordas.
Fonte: Digitalizada pelo próprio autor.

155
Figura 135. Executar com a unha do polegar de forma abaixo.
Fonte: Fotografia, Stefano Candito, 2012

O movimento é rápido = 160, “cheio de luzes e cores”, contrastes sonoros


como o próprio compositor comenta. No entanto, exige uma movimentação cruzada do braço
direito para atingir a sonoridade expandida acima da cabeça do instrumento. Minha sugestão
é atingir a sonoridade com o polegar da mão direita em movimento de arpegio contrário ao
exigido. Dessa forma não alteramos a sonoridade solicitada e aumentamos a desenvoltura
ágil, não perdendo a riqueza sonora da passagem.

156
4.6 QUADRO GERAL DE MODOS DE TOCAR DE TODAS AS OBRAS ABORDADAS

Compositor/ Escritura estendida/ c maneira como os maneira como se toca


Obra expandida compositores
escrevem
Manuel de Falla: pizzicato S A marca prescrita foi uma A realização do segundo
Hommage pour le novidade para época. tempo é muito rica
Tambeau du quando na voz superior
Debussy usamos dedos i,m non
legato e na voz inferior p
staccatto.
Manuel de Falla: Ação S O compositor preferiu Após o movimento do
Hommage pour le combinada medir a velocidade do dedo a o staccato é
Tambeau du arpegio, arpegio do acorde com realizado pela ME, para
Debussy staccatto e quintinas. poder executar
harmônicos tranquilamente o arpegio.

Alvaro Company: Percutir com E Geralmente usa-se os Percutir com a polpa, de


Las Seis Cuerdas a polpa do sinais de percussão (x) preferência sem deixar
dedo (carne) em virtude da sonoridade as cordas soarem. O
indefinida. Detalha-se efeito proporciona uma
verbalmente o local na sonoridade mais
grafia. aveludada.
Alvaro Company: Percutir com E Geralmente usa-se os Percutir com a ponta, de
Las Seis Cuerdas a ponta do sinais de percussão (x) preferência sem deixar
dedo (ME) em virtude da sonoridade as cordas soarem. O
indefinida. Detalha-se efeito proporciona uma
verbalmente o local na sonoridade mais
grafia. madeirada.
Alvaro Company: nail Percutir com E Geralmente usa-se os Com a ponta da unha tal
Las Seis Cuerdas a ponta da sinais de percussão (x) qual um dedilhado nas
unha em virtude da sonoridade cordas. A unha e o
indefinida. Detalha-se tampo (madeira)
verbalmente o local na proporcionam uma
grafia. sonoridade mais aberta e
metálica.
Alvaro Company back nail Percutir com E Geralmente usa-se os Com as costas da unha
– Las Seis as costas da sinais de percussão (x) tal qual um estalado
Cuerdas unha em virtude da sonoridade (slaping) no tampo. A
indefinida. Detalha-se unha e tampo
verbalmente o local na proporcionam uma
grafia. sonoridade mais aberta,
com mais força.
Leo Brouwer: percussão E O primeiro sinal Existem procedimentos
Elogio de La no tampo prescreve o cavalete e o nos quais se golpeia o
a
Danza segundo deixa a revelia. cavalete próximo a 6 ,
obtendo-se as duas
sonoridades desejadas.
A ideia de Kampela para
percussão do p
simultânea a pizzicato a
la Bartok pode ser uma
boa solução.
Leo Brouwer: raspar de E O emprego da grafia foi De preferência com a
Elogio de La unha inovador. A linha curva e unha do p para evitar
Danza perpendicular a flecha indicam à danos nas unhas de
direção sonora. i,m,a e não prejudicar a
sequência da obra.

157
Leo Brouwer: tocar com a S A grafia possibilita O som é similar ao de
Elogio de La MD sem visualmente entender a piano preparado, como
Danza pressionar ambiguidade de um som se uma madeira ou
ME percussivo (se definido borracha estivesse sobre
ou não?). a corda.
Leo Brouwer: percutir o E A grafia é visivelmente Golpe dos dedos contra
La Espiral Eterna braço e percussiva, convém o braço do instrumento
cordas informar verbalmente. sobre as cordas.

Alberto Ginastera: raspar de E Outra grafia empregada O efeito sonoro será o


Sonata op. 47 unha para o mesmo som. mesmo em La Espiral
perpendicula Raspagem das cordas Eterna. Enotimbrismo
r em Brouwer, Ginastera e (grafia diferente para
Kleynjans. sons iguais).

Alberto Ginastera: Percussão E Grafia buscando mostrar Há várias soluções


Sonata op. 47 nas cordas o formato da mão de empregadas com a mão
como é realizado no fechada ou aberta,
“charango” instrumento conforme melhor
étnico. adaptação ergométrica
de cada um. A
sonoridade muda
sensivelmente.
Alberto Ginastera: Arpegiar ou E Como a escrita é Em virtude do trecho
Sonata op. 47 dedilhar semelhante aos anterior, a passagem é
atrás da harmônicos, há muito mais fluente
cabeça necessidade de usando o p desc.
especificar.
William Walton Percutir o E Percussão no tampo do Usualmente os
tampo do instrumento. violonistas em função do
instrumento contexto da escrita,
incluindo o próprio Julian
a
Bream, percutem nas 6
a
e 5 cordas.
Brian Percutir E A escrita só dispõe a Pode se realizar com a
Ferneyhough próximo à diferença de dinâmica. unha ou polpa, o que de
ponte acordo com a dinâmica
pode ter boas variáveis.

Francis Kleynjans Tocar com S Outra grafia que busca Encosta-se o dedo da
MD sem apropriar a um som ME sem pressionar e
pressionar a programático. Nesse toca-se normalmente
ME caso de um relógio. com MD.

Francis Kleynjans Sonoridade E A grafia foi feita Cruza-se as cordas com


ruidista de propositalmente com a ME e toca-se somente
corda desenhos para uma das cordas para dar
cruzada exemplificar a intenção. a sensação de sino.
Quando se tocam duas
cordas a sensação é de
uma caixa-clara.

158
Francis Kleynjans Percussão E Intenção programática de Melhor usar as costas da
de unha no chave abrindo a porta e unha do polegar.
tampo porta rangendo.
seguida de
raspar as
cordas
H. Villa-Lobos – Pizzicato S Não houve grafia Enquanto toca a nota
Estudo 2 mão específica, foi necessário superior, puxa-se com a
esquerda prescrever a intenção. mão esquerda a nota
inferior.

Edino Kriger - Bi-tom E Grafia tradicional Impulsiona-se o dedo da


Ritmata indicando verbalmente mão esquerda contra o
como se executa. braço do instrumento.
martelatto.

Edino Kriger – percussão E Grafia da percussão não Impulsiona-se os dedos


Ritmata no braço e definida da ME e MD contra o
cordas braço do instrumento

Edino Kriger – percussão E Grafia da percussão. Realiza-se levemente


Ritmata leve com MD passando os dedos no
dedos braço do instrumento.
i, m, a

Arthur Kampela- - Efeito (Bizar) E A grafia indica o ruído Puxar com o dedo a
Percussion Study provocado intencionado. corda para fora, realizar
1 pela corda o trêmulo de forma
fora do tradicional.
espelho
acrescido de
tremulo

Chico Mello – Do percussão E A grafia é utilizada com A realização é feita com


Lado Do Dedo atrás do símbolo de percussão. pulso fechado para
braço com ressaltar o efeito
percussão microtonal das cordas
de pulso soltas e frouxas.
simultânea
Chico Mello – Percussão E Grafia indicando a Punho fechado e
Do Lado Do Dedo na corda oscilação de timbre. percorrendo a corda.
com
raspagem
simultânea

Chico Mello – Efeito (bizar) E Grafia da percussão para A ponta da caneta deve
Do Lado Do Dedo provocado o momento da tocar e quando houver o
por objeto intervenção. efeito, tirar rapidamente.
(caneta)

159
Luciano Tambora S Tambora, Percussão A qualidade melhora
Berio com MD perto da ponte. usando as costas do
Sequenza XI polegar com unha.

Luciano Acorde S Primeiro acorde tocado Em alguns casos tocar o


Berio seguido de tradicional e outros 3 acorde com dedo i para
Sequenza XI tambora tambora. baixo e imediatamente o
p na ponte funciona.

Luciano rasgueado S Rápido com dedos mu, Técnica de rasgueado


Berio a) a, m, i. contínuo do Flamenco.
Sequenza XI

Luciano rasgueado S Rápido seguido de O compositor não


Berio b) acorde acentuado. O especifica se com
Sequenza XI polegar deve ser usado tambora ou p arpegiado,
no acorde com acento: mais usual.
mu, a, m, i p.

Luciano trinado a) S Tocar a 1ª nota com MD


Berio as demais somente com
Sequenza XI ME.

Luciano trinado c) S Tocar a 1a nota com MD. Essa sequência é muito


Berio Depois alternar utilizada na guitarra
Sequenza XI martelatto e dedilhar 1° elétrica pois há o auxílio
com dedo ME e depois do captador. No violão o
MD. resultado depende muito
da sala e do instrumento.

Luciano Berio glissando de S Glissando com dedos da A técnica foi bastante


Sequenza XI acordes ME enquanto MD toca empregada no Brasil.
rasgueado. Ao final o Krieger em Ritmata.
último acorde deve ser
tocado com p.
Luciano combinada Tocar
S O dedoo 3Do# ME,e solta
Eb com p
o DO Operadores
Exige de
sincronicidade das
Berio da MD.
ao mesmo Gliss. comem
tempo dedo
que execução,
duas mãos,como p em 2
pois o
Sequenza XI 4 ME,
MD até o omiarpegio
finaliza 6a. na cordas podem auxiliar a
procedimento
Depois
nota Ré.inicia um trêmulo fluência da passagem
articulatório não é muito
no MI com MD na 6a e usual.
5a.

Fonte: Quadro geral criado pelo próprio autor.

160
TABELA 4 - BI-TONS. Na tabela criada teremos as seguintes resultantes:
As cordas soltas do instrumento correspondem às seguintes notas:

Fonte: Digitalizada pelo autor.


Os números à esquerda do sistema indicam a corda do instrumento. Todas as notas do exemplo partem de
uma localização próxima a primeira oitava.

161
5. PROCESSO DE CRIAÇÃO - COMPO 2010 – MARIO DA SILVA
Para efeitos de aplicabilidade, resolvi inserir uma análise descritiva de um
resultado composicional da disciplina do Doutorado: Composição. Quando iniciei no
Doutorado em Composição da Unicamp, fui desafiado, ou melhor, motivado a compor uma
obra para violão usando os recursos e efeitos pesquisados. A obra composta, entitulada
COMPO2010, como diz o titulo foi submetida a uma banca no curso de Doutorado.
Ela foi também apresentada em concertos no Brasil e no exterior e algumas
críticas vêm surgindo e criando um corpo para este trabalho em progresso.36
Tradicionalmente no universo da música contemporânea há um comentário comum
de compositores não violonistas, ou que de certa forma nunca experimentaram praticar o
instrumento. A escrita para violão é complexa em virtude da falta de conhecimento dos
procedimentos no âmbito da tablatura violonística.
Por outro lado, compor para violão sabendo exatamente como funciona o âmbito
de toda sua tessitura de frequência, dinâmica e timbre, além de estar familiarizado com
procedimentos de preparação para interpretação da música contemporânea, pode
impossibilitar a fluência criativa. O inconsciente, a relação corpórea do intérprete com
instrumento, estão conectados com um universo de clichês e procedimentos composicionais
abordados na performance musical, tais como passagens acordais, arpegios, efeitos de
ligados, harmônicos, percussões no instrumento, de tal forma que quando se dá o início de
qualquer procedimento composicional as ideias são frequentemente substituídas por
caminhos errantes e inconscientes, vindo a se deparar com sonoridades auditivamente
copiadas.
Em virtude das argumentações acima iniciei um processo de redução de
paradigmas com ações da origem sonora fora dos padrões clássicos. A obra inicia com um
conjunto de frequências limitadas. Uso somente a 6ª corda do instrumento, “percutida” com
as costas da unha do polegar da mão direita entre o cavalete e a 12ª casa. Percebi que havia
um universo de sonoridades transientes promovido por essa corda sejam percussões,
harmônicos, sons ambíguos (bi-tons). A respeito dessa abordagem, o jornalista crítico
Lampila:

36
A obra foi gravado no meu cd TU TAUSAN TU ELVE, que consiste de composições minhas e de André
Abujamra. Desde já agradeço o corpo docente da Pós-Graduação em Composição por me encorajarem nessa
empreitada: Denise Garcia, Jônatas Manzolli, Ney Carrasco e Silvio Ferraz.

162
“Mario da Silva Compo 2010 […] aproveita características de potenciais percussivos e
sons não-tradicionais do instrumento. Expande e moderniza uma escala de
expressões ao violão com surpreendente criatividade. Compo 2010 mapeia
sistematicamente as possibilidades peculiares da forma de tocar e também todas as
dimensões possíveis de vibração em uma única corda. Ao mesmo tempo é um poema
37
moderno de impulsos para a dança.
A seguir, apresento o processo composicional desse trabalho, resgatando os
passos para sua produção.

5.1 – PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES


Por razões dos dois temas abordados na minha trajetória pessoal, um abordado
nessa tese, astécnicas expandidas, e outro, os gestos instrumentais na performance
contemporânea, a obra Compo2010 teve como fio condutor esses gestos e não uma imagem
sonora que buscasse no instrumento como realizá-las.
Nos primeiros três compassos, apresento o material sonoro da 6ª. Corda Mi e sua
respectiva possibilidade de sons transientes em virtude dos harmônicos da escala.

Figura 136 – Silva, Mario. Compo2010 para violão solo.


Fonte: digitalizada pelo autor

A ação com o polegar da mão direita não está nos paradigmas tradicionais da
técnica violonística. Frequentemente a ação do polegar é realizada com seu giro natural
articulatório (Figura 136). Aqui, a ideia é movimentar o braço, fazendo com que as costas do
polegar abarque todo o âmbito da unha num ângulo diferente que quando no ataque da
corda, a sonoridade seja distinta (vimos o mesmo exemplo em Alvaro Company). Cada

37
LAMPILA, Hanny-Ilari HELSINGIN SANOMAT Journal, Helsinque, Finlândia, 14 de abril de 2011. Artigo
sobre o concerto de Mário da Silva no Pop Jazz Konservatorion, Helsinque, Finlânida. “Mario da Silva Compo
2010 and Arthur Kampela Percussion Study 1 take advantage of the guitars percussionist features and the
power of different sounds. They expand and modernize de guitars scale of expression with an astonishing
creativity. Compo 2010 charts quite systematically almost all possible peculiar ways to play and also studies all
the smallest possible dimensions of the vibrations of a one single string. At the same time it is a modern poem
with dancing impulses.

163
posicionamento diferente em que o polegar ataca a corda haverá um harmônico distinto e
transiente (Figura 137).

Figura 137. Silva, Mario. Compo2010 para violão solo.


Fonte: Digitalizada pelo autor.

Por exemplo, teríamos sons aproximados para o polegar atacando (percutindo)


(Figura 138):

Figura 138. SILVA, Mario. Compo 2010.


Fonte: digitalizada pelo autor

Na Figura 139 a mesma exploração de sons transientes ocorrerá em forma de


espelho. A ação contínua do polegar de mão direita tocando (alzapua: significa para cima e
para baixo tal qual os intérpretes de flamenco). Por isso a opção de grafia de instrumentos de
arco para a partitura e a mão esquerda deslizando pela corda da 12ª até a 1ª casa, irá
explorar, agora em maior número em virtude do âmbito contrário da corda, os mesmos sons
harmônicos transientes.

164
Figura 139. SILVA, Mario. Compo 2010
Fonte: Digitalizada pelo autor

Após a apresentação de sons transientes (harmônicos) outro som será aplicado, o


da percussão simultânea do polegar no tampo enquanto da primeira ação do polegar. O
material agora está composto de sons definidos e indefinidos (Figura 140).

Figura 140. SILVA, Mario. Compo 2010 som executado na 6ª corda.


Fonte: Digitalizada pelo autor

Elementos cênicos foram inseridos aos poucos como harmônicos executados com
o nariz para reforçar a questão da impossibilidade de execução de certos processos (no que
diz respeito à composição, “onde fui colocar o meu nariz”). A simultaneidade dos sons e
possibilidade de factibilidade dos harmônicos só é possível com o nariz desta forma:

165
Figura 141. SILVA, Mario da. Compo2010. Harmônicos com o nariz.
Fonte: Digitalizada pelo autor

166
O único momento em que todas as cordas do instrumento são tocadas é
justamente na scordatura tradicional do instrumento, isto é, a série harmônica da 6ª. corda. A
onomatopéia hã-hã proferida no final é para simbolizar as interferências externas que
acontecem ao acaso e toda a diversidade de aceitação que nos submetemos ao universo
acadêmico e artístico.
A afirmativa de Grisey que “é essencial, para o compositor, atuar não sobre o
material, mas sobre o espaço, sobre a diferença que separa os sons” (GRISEY, 1982, p. 46
apud COPINI, 2010, p. 49) é análoga ao pensamento sobre a dança contemporânea. A
dança moderna tem se preocupado com a diversidade do movimento enquanto que a dança
contemporânea se concentra no que está entre os movimentos. O processo de Compo2010
surgiu de estudos na Faculdade de Dança Angel Vianna, no NEC (Núcleo de Estudos do
Corpo). Participei de alguns processos de criação juntamente com as responsáveis pelo
núcleo, as bailarinas Leticia Teixeira, Rocio Infante e Mônica Pimenta.

A obra Compo2010 me fez refletir sobre o universo da composição. Mesmo sem


ter estudado academicamente os processos básicos da composição, independente do
resultado estético, pude realizar uma peça. Atualmente nas novas obras que tenho estudado
e preparado, ou apreciado em concertos, busco direcionar minha audição mais para o
procedimento composicional do que para performance.

Porém, percebi que após vivenciar o universo das técnicas expandidas e preparar
a interpretação da música contemporânea nas suas mais variadas vertentes, passei a
direcionar o meu projeto criativo para formas simples.

167
6 INTRUMENTO, CORPO E PERFORMANCE

Esse capítulo irá discorrer sobre a performance propriamente dita inserida no


universo da música contemporânea, mais especificamente relacionada ao instrumento
expandido. Para isso, decidimos abordar desde experiências pessoais, processos empíricos
e repetitivos até chegar a alguns estudos do corpo experimentados 38 e incluídos em
trabalhos de ação cênica, dirigidos por Rocio Infante, dos quais fiz parte. Primeiro, busquei
em minha trajetória, uma resposta (ou não) sobre constatações observadas dentro da
experiência pessoal com a música contemporânea. Decifragem, decupagem, preparação e
memorização são procedimentos que necessitam outro tipo de abordagem distintos da
música história. Na música contemporânea, em virtude de sua complexidade de construção e
por obter uma diversidade de signos novos, observa-se que em contrapartida a exaustiva
pesquisa de entendimento para preparação interpretativa, a sua execução se corporifica de
distintas formas. Outras estruturas estão em jogo como dinâmica artificial, variações
tímbricas em células reduzidas, alterações de fórmulas de compassos que ocasionam
instabilidades no pulso contínuo. Mais complexo ainda, atitudes gestuais não-tradicionais
como movimentação para alcançar o tampo do instrumento e executar trecho percussivos;
raspagem nas cordas; paradigmas técnicos que sempre vão exigir gestos distintos, como
“beliscar” a corda para atingir um pizzicato a la Bartok. Na música histórica e consagrada de
concerto, processos de leitura, análise e entendimento já estão determinados, quase que
automatizados nos intérpretes: quando se localiza na partitura um baixo d’Alberti ou uma
linha melódica de compassos simétricos que é repetida em seu consequente, há ações
automáticas por parte do intérprete e leitor em alterar essas similaridades. A música
contemporânea perpassa o corpo com características mais laboratoriais/experimentais. É
como se houvesse um exame, um raio “x” do objeto. O corpo (visão, cérebro, dedos) leva um
período mais dilatado para absorver o material, entretanto, quando corporifica aquelas ações
se aloja na memória impregnadamente. No entanto, para não absolutizarmos tais afirmativas
acima, podemos sincronizá-las com conceitos na semiologia considerando que, mesmo na
música histórica, reconhece-se “que há na interpretação pelo menos outro autor a habitar o
texto musical” e que “acaba por dismistificar o tradicional esforço da fidelidade absoluta ao
original” (LABOISSIÈRRE, p 16).

38
Investigados e conceituados como corpo/mídia amplamente desenvolvido por DAMASIO, GREINER e KATZ

168
6.1 TRAJETÓRIA PESSOAL
Dentro da minha experiência diversificada no universo musical, deparo-me com a
pergunta: o que poderia o corpo, habituado à música popular, música histórica e música
contemporânea, ter absorvido para incorporar essa música contemporânea? Essas ações
geraram no corpo propriedades como “gestos, tensões, posturas (do intérprete) e emoções
provenientes de propriedades psicossomáticas ou neuro-químicas de movimentos sonoros
percebidos como experiência somática” (PORTO, 1990). Nesse denominado corpo/mídia é
permitido repassar esses conceitos acústicos fluidamente? Arguimos durante a experiência
na praxis artística, o que de certa forma é considerada uma ciência (consciência), que ações
cênicas auxiliam a absorção, por parte da audiência, de qualidades estéticas da música
contemporânea que ficam obscurecidas quando apresentadas num formato de concerto
tradicional.
Como havia dito antes, iniciei um trabalho de pesquisa, juntamente com a bailarina
e coreógrafa Rocio Infante, num processo de ação cênica, denominado Abraço de Câmara,
tendo a música contemporânea para violão (com ênfase em obras com técnica expandida)
como objeto principal. As abordagens desenvolvidas por Infante junto a ação cênica, estão
diretamente relacionadas à técnica de Alwin Nikolais, que além de coreógrafo, bailarino e
lighting designer, foi compositor. Rocio Infante estudou três anos em Nova York
desenvolvendo, além da formação como bailarina, técnicas de performance.
Além dos meus estudos no campo da música e técnica interpretativa ao violão,
também experimentei no teatro e, mais atualmente, com estudos do corpo como a Técnica
de Alexander, e também no NEC39 da Faculdade Angel Vianna (RJ), num trabalho de ação
cênica usando a música contemporânea para fins de produção com dança contemporânea.
Um dos últimos resultados foi Compo2010.
As atividades na performance violonística praticamente começaram como todo
brasileiro: acompanhando canções. Não houve nenhuma orientação pedagógica. Durante as
práticas musicais, interessavam-me mais as sonoridades que acompanhavam as canções
(introduções, harmonias, solos de guitarra) do que o que a canção propriamente dizia. O
texto seria inevitável em determinado momento, considerando que era um período bastante

39
Núcleo de Estudos do Corpo da Faculdade Angel Vianna, desenvolvido pelas bailarinas Letícia Teixeira,
Mônica Pimenta e Rocio Infante. Angel Vianna é contemporânea e colega de Edino Krieger.

169
criativo e rico da música popular brasileira: Chico Buarque, Caetano Veloso, além de outros.
Na discoteca da casa havia um disco do violonista Baden Powell e chamava muito a atenção
Deve ser amor e Choro para Metrônomo. Na década de 70 edições do Clube da Esquina de
Milton Nascimento e músicos de Minas Gerais como Lô Borges, Toninho Horta, além de
outros, traziam novidades que buscavam expandir o universo da canção popular.
Progressões harmônicas e tímbricas de guitarras, baterias e contra-baixos aguçavam a
curiosidade e em muitos momentos, a audição não era suficiente para repetir e entender
aquilo. Frequentemente as progressões harmônicas eram flutuantes, o desenvolvimento
rítmico consistia de alternância de fórmulas de compassos. Eu não tinha conhecimento de
teoria musical, muito menos sobre leitura, harmonia ou contraponto. O único contato
intermediário visual gráfico era com revistas VIGU (violão e guitarra) que consistiam
precariamente de letra da música, uma cifra (que representava o acorde) na sílaba de
acentuação na qual o acorde mudava. Todo o restante, era apreendido “de ouvido”, como
popularmente é chamada a assimilação musical através da tradição oral.
Outra audição chamava muito a atenção. O disco Solo de Egberto Gismonti trazia
novidades. Além de suas próprias composições, ele interpretava estudos de um compositor,
até então desconhecido: Leo Brouwer. Em Curitiba tive a oportunidade de realmente
ingressar nos estudos musicais. Foi então que conscientemente percebi estar num universo
paralelo dentro da Escola de Música (Embap). Nessa Instituição, ao mesmo tempo em que
eu estava imergindo em formas e padrões de períodos musicais (estranhos??? externos???
expandidos???), como renascença, barroco, clássico, e é claro, Villa-Lobos, também
experimentava com outros mais familiares como os Estudos e Peças de Leo Brouwer; obras
de Reginald Smith Brindle, Poulenc. Na Embap (Escola de Música e Belas Artes do Paraná)
eu vivi um período favorável e muito criativo da música contemporânea na década de 1980.
Por um lado, eu tinha companheiros (alunos) ávidos por experiências novas, que não
consideravam nenhum tipo de música que não aquela composta hoje, e afirmavam que
Machaut, Dowland, Mozart e Beethoven, eram uma verdadeira perda de tempo. Por outro,
além destas questões interpessoais e íntimas que iam aos poucos formatando meu gosto
pessoal, tínhamos a convivência muito corriqueira nos corredores, salas de aula, teatros e
conferências de pessoas ligadas à música contemporânea no Paraná como José Penalva,
Henrique Morozowicz (de Curitiba), Jaime Zenamon e Chico Mello. Meu ouvido musical,
acostumado àquelas experimentações do Clube da Esquina e experimentações

170
performáticas do Caetano Veloso, achavam em Mozart e Bach uma harmonia
exageradamente simples e tradicional e, consequentemente, chatas. Era quase inconcebível
ouvir uma Sinfonia em Dó, iniciando com um acorde de Dó Maior perfeito maior, e além do
mais, na primeira posição. É lógico que após analisar e conhecer esses procedimentos,
como síntese aprendi a gostar dessa música e que hoje dou importância tanto para Mozart e
Beethoven, quanto Sciarrino, Scelsi, Almeida Prado, Chico Mello ou Arthur Kampela. As
convivências nos corredores entre-disciplinas (inter-disciplinares ou indisciplinares) com
figuras conhecidas da música contemporânea paranaense me colocavam em um universo
único e novo. José Penalva tanto em suas disciplinas da Embap quanto nos módulos da
Oficina de Música de Curitiba trazia informações importantes da produção contemporânea
mundial. Através dele fui apresentado a Schönberg e Stravinsky, outra descoberta
importante. Porém, Penalva também nos atualizava com Boris Porena (com quem Penalva
estudou na Itália) e Penderecki. As audições de Stravinsky e Schönberg por razões históricas
e sob o ponto de vista de ambos se interessarem pelo violão em suas experimentações
sonoras, eram as mais visitadas e repetidas a sua exaustão. A primeira audição da Sagração
da Primavera foi estonteante. O impacto que causava aquela energia sonora realmente
mexia com minhas sensações ancestrais. Até hoje viajo quilômetros para ver a execução
dessa obra ao vivo, seja numa orquestra de alunos da Oficina de Música de Curitiba, seja
com a Orquestra Filarmônica de Londres, no Royal Festival Hall. Outro impulso visivelmente
orquestrado por Jose Penalva e motivado por Chico Mello, com quem eu estudava harmonia
e análise (1985-86), foi estudar análise e estética com H.J. Koelreutter, o que de fato
aconteceu no ano de 1992. Com Koellreutter estudei análise de obras como Appasionata de
Beethoven e o Concerto para Violino de Alban Berg. Em certas afirmativas ingênuas da
juventude que mencionei nas aulas, principalmente em Beethoven, Koellreutter me chamou
de “muito positivista”. Era muito divertido. Mas lembro sua presença (ou tentativa de, pois foi
barrado) nos nossos concertos do Quarteto de Violões de Curitiba na Funarte, Rio de
Janeiro, Sala Sidney Muller em 1991. O Edino Krieger nos havia convidado pois o Quarteto
havia gravado (e naquele momento também interpretava) obras de compositores
contemporâneos (incluindo brasileiros).
Além de estudos musicais, enveredei para as artes cênicas. Havia a produção e
montagem da peça Mulheres de Atenas de Augusto Boal e fui convidado a fazer a direção
musical, bem como compor canções sugeridas no texto para escapar dos direitos autorais da

171
conhecida versão de Chico Buarque. Haviam estudos aprofundados sobre o Teatro do
Oprimido orientados por Paulo Venturelli. Nesse momento participamos de um Workshop
ministrado por Luiz Otávio Burnier40, em 1983 ou 1984, no palco principal do Teatro Guaíra.
Tive a informação de meus companheiros de teatro, ainda que incipiente, de que esse ator
havia desenvolvido uma técnica de interpretação com base em procedimentos musicais, o
que me deixou muito curioso. Comecei a despertar naquele momento a vontade de realizar
alguma coisa diferenciada na performance musical.
Eu estudava performance e interpretação musical ao violão com o Orlando Fraga
(isso iniciou exatamente em 1983) que observou que já havia um repertório
consideravelmente contemporâneo para a época e me considerou apto para realizar um
concerto num teatro público. Tudo foi muito intuitivo e incipiente para se tentar algo
diferenciado: roupa branca, cenografia (um manequim em cima de um tapete com um lenço,
até hoje sem saber o significado disso). Mas o fato é que havia a insatisfação com a forma
do concerto tradicional. Todos vestidos de preto, entra, cumprimenta, senta, toca, aplaude,
levanta, abaixa. Eu me incomodava com isso, considerando ainda que aqueles que
realizavam a música com esses protocolos transmitiam esse desconforto. Eu tinha que fazer
algo diferente.
O repertório que realizei no primeiro concerto importante em 1986 no Teatro Paiol,
era no mínimo diversificado, para não dizer arrojado. Consistia de peças da Renascença e
Barroco, depois peças de Villa-Lobos e encerrava com Livro para Seis Cordas de Almeida
Prado e Momentos I do Marlos Nobre. Repertório altamente influenciado por Orlando Fraga.
Quando eu realizava a performance de Livro para Seis Cordas de Almeida Prado buscava

40
Luís Otávio Sartori Burnier Pessôa de Mello (São Paulo SP 1956 - Campinas SP 1995). Diretor e ator.
Intérprete e performer de largos recursos, ligado à antropologia teatral, um dos fundadores e líder do grupo
LUME. Conhece as manifestações asiáticas em 1979, num curso sobre kathakali, no Centre Mandapa, e a
Ópera de Pequim, com Mme. Tang (do Musée de l'Homme), na Sorbonne. Em 1983 inicia-se na Antropologia
Teatral, através de um estágio com Tereza Nawrot, aprofundado, no ano seguinte, com Togeir Wethal e
Roberta Carreri, no Odin Theatr de Eugênio Barba.Ccria o Laboratório Unicamp de Movimento e Expressão,
LUME, iniciando a pesquisa e divulgação mais estruturada da antropologia teatral no país. Cria, dirige e
interpreta muitos espetáculos, com destaque para Burna, 1974; La Statuaire Mobile, 1978; Curriculum, 1979,
Hablando Com El Cuerpo, 1981, e Linguagem do Corpo, 1982. Em 1983 faz a direção de atores de Rei Lear, de
Shakespeare, montagem de Celso Nunes para o Teatro dos Quatro. Após a criação do LUME dirige Macário,
1984; Circo da Paz, de Juan Rulfo, em Campinas, 1986, e O Guarani, de Carlos Alberto Soffredini, em 1986, no
Teatro Ruth Escobar. Em 1988 encena Kelbilim, O Cão da Divindade, solo do ator Carlos Simioni. Em 1991
encena Wolzen, uma adaptação livre da Valsa nº 6, de Nelson Rodrigues. Torna-se membro da International
School of Theatre Anthropology, ISTA, em 1992. É o tradutor brasileiro de duas importantes publicações: Além
das Ilhas Flutuantes e A Arte Secreta do Ator - dicionário de antropologia teatral.

172
deslocar a escuta e durante a peça central (mais lenta e diatônica), outro violonista ao fundo
da platéia tocava o trecho. Orlando Fraga na maioria das vezes fazia o violonista invisível. O
contrário era realizado por mim quando o concerto era dele. Já havia uma certa inquietação
em deslocar a escuta tradicional, ou seja, aquilo que é chamado de acadêmico, que será
discutido aqui. Inquietava-me e continua me inquietando, contando mais de 20 anos de
atividades na performance musical, a circunstância de vermos um músico do século XXI,
interpretar músicas do século XX com postura do século XIX. No âmbito da performance
musical, há a “sensação”, para amenizarmos a crítica, e algumas evidências de que a música
parece ainda não fazer parte da contemporaneidade após visitarmos pesquisas nas outras
áreas artísticas.
Outro momento importante da Embap foi a chegada do compositor alemão Bertold
Türcke na cidade de Curitiba na década de 1990. Türcke foi um dos mentores para a criação
do grupo ContempoSonoro do qual fiz parte da fundação e dei algumas contribuições. Como
por exemplo, nos FolkSongs do Luciano Berio, transcrevi da Harpa para dois violões, já que
o harpista da cidade não se prestava a fazer música contemporânea. Nesse mesmo grupo
trabalhamos as Canções op. 18 (1927) de Anton Webern. O universo da música serial já
havia despertado interesse em virtude da aproximação com Koelreutter de um lado e da
admiração pelo trabalho de Arrigo Barnabé que trazia sensações muito similares às da
Sagração da Primavera. Todo aquele universo sonoro, urbano, violento, de gibis (comics)
que Arrigo Barnabé criava, intrigava-me profundamente. Anos mais tarde, Arrigo Barnabé
viria contribuir com meu projeto Música Desconstruída sob Encomenda de 2000 e
supervisionei (viabilizando acústica e performaticamente) a sua composição para violão solo
Fragmentos gravada no CD.
O último aspecto ligado a minha experiência musical, é praticamente simbiótico e
simultâneo ao texto que está sendo lido (produzido) agora. Quando fui “provocado” a criar
composições com os materiais que estava elaborando e pesquisando dentro da técnica
expandida para violão, vislumbrei registrar o material. Só não esperava que fosse tão rápido
e que viesse por outras produções. Realizei em 2012 a produção, gravação e edição do meu
cd TU TAUSAN TU ELVE, que consiste de composições minhas e de André Abujamra. Neste
trabalho, inseri a obra COMPO2010, obra que singelamente dedico a este departamento de
processos criativos da Unicamp.

173
No decorrer deste relato descritivo e pessoal de experiências e práticas da
performance musical, busquei desvendar as origens no interesse pela música
contemporânea. Paralelamente fui verificando na literatura sobre a performance musical
alguns conceitos que pudessem ser confrontados com a experiência. Normalmente saio
relativamente frustrado quando leio literaturas sobre a performance musical. A frustração não
está relacionada a qualidade dos textos, mas sim nas lacunas e até de certa forma, falta de
prática na performance de alguns autores. Para ser mais claro, falta de coragem no mergulho
das subjetividades que a performance musical proporciona. Os textos parecem estar
estranhamente desconectados do que eu acredito que é a essência da música, ou seja, a
ação de fazer música. Com os adventos da grafia através da notação musical e, do
tecnológico, da gravação musical, passamos por um período estranho de observação do
objeto musical. Passamos pelo que Walker chamou de estado “desencarnado estranho”. Nós
olhamos para o que significa a recepção, o consumo e a produção de sons (ou até mesmo
os próprios sons), ao invés de nas ações e interações humanas que os produzem.
Identifiquei-me com Marilia Laboissiérre que sustenta o argumento afirmando que como
“cognição e reflexão, a performance pressupõe uma determinada teoria da interpretação que
vai além das análises técnicas da partitura e do desenvolvimento dos movimentos
necessários a sua realização” (LABOISSIÈRRE p. 16). A interpretação musical pressupõe
um co-autor, aquele que interpenetra dentro da definição do latim: interpretar= enter – petras
= entre pedras. Michelangelo interpenetra o mármore (pedra) bruto e o transforma. A
interpretação e criação estão implícitas e simultâneas, mesmo que atemporais, desta forma
sem a necessidade do co-autor. Resta saber, investigar, se o som que o compositor tem ao
redor (real) ou interno (conceitual) é uma pedra bruta. Resta saber se a partitura, também
como o som, é pedra (polida, lapidada, finalizada). Resta saber o que o intérprete faz com
essa, ou com essas, pedra(s).
Embora não seja muito frequente, quem já não ouviu o comentário após o
concerto de como esse(a) pianista ou violonista compõe muito bem, sendo que ele(a) havia
intepretado obras de outros compositores. Há uma espécie de confusão entre o criador e o
intérprete por parte da audiência não especializada. O reconhecimento de que há outro autor
a habitar o texto musical trata da música tradicional no aspecto dessa transfiguração.
Consequentemente, na música contemporânea, tal transfiguração transforma-se em outras
reflexões pois as ações dos intérpretes afloram mais perante a audiência em função do texto

174
ser altamente complexo. Complexo do ponto de vista estético organizacional (Boulez,
Ferneyhough e Berio por exemplo) e não técnico-virtuosístico – idiosincrático (Listz, Chopin e
Mahler por exemplo). Como o texto musical não é reconhecido em sua expectativa auditiva,
mesmo sendo uma segunda oportunidade da audiência, não é de fácil absorção, ficando os
olhos e ouvidos atentos para o produtor/excitador do som. Aquele intérprete/peformer
defronte a audiência, estará mais interligado às responsabilidades dos resultados sonoros
reais e inesperados do que os pressupostos e ideais.
Porém, além de Laboissièrre, a linha de pensamento que mais me instigou foi a da
escritora e violinista Naomi Cumming. Sua investigação sobre o significado musical perpassa
a sua observação semântica que determinados professores pronunciavam. Tais como
quando ela estava executando para um professor uma linha melódica cantabile e ele lhe
pedia “Emoção, Emoção!!!”. Cumming aprendeu que o vibrato e a variação agógica,
associada ao timbre doce do seu violino poderiam signficar fatores afetivos e subjetivos cuja
palavra proferida buscava “significar”. Cumming defende entusiasmadamente respostas
subjetivas, geralmente rejeitadas por estudiosos, tornando dessa forma a subjetividade como
parte necessária do discursos musical (CUMMING, 2000, p. 290). É lógico que os
argumentos de Cumming, dentro de um posicionamento pessoal subjetivo, dizem respeito a
uma estrutura social e semiótica mais ampla. Porém, nos servem determinados argumentos
para o universo da música contemporânea, em especial com recursos expandidos. Serve
porque percebemos que no âmbito das técnicas expandidas há fatores que se movem a
cada performance, paradoxalmente por serem movimentos sonoros muito específicos.
Mesmo observando a experiência musical de Cumming na música histórica e tradicional de
concertos, certas afirmativas convergem com nossas reflexões como “significado musical só
existe através de ações e mudanças a cada performance” (CUMMING, 2000, p. 343).

175
7 CONCLUSÃO
Deparamo-nos e confrontamo-nos com uma realidade bastante prática na qual o
violão se insere. Se tomamos os compositores que dominam o instrumento como Villa-
Lobos, Arthur Kampela e Chico Mello41, observamos que o instrumento é um facilitador no
qual é possível apresentar suas obras para um grupo seleto ou uma platéia em um concerto
tradicional. Consequentemente houve uma caminhada por parte desses três compositores
particularmente, desde suas primeiras e tímidas manifestações até os seus reconhecimentos
depois de enriquecerem suas trajetórias. Cada um conseguiu o seu lugar no restrito espaço
da música contemporânea e muito do material que desenvolveram surgiu da experiência com
o violão. Isto de fato se constata em entrevistas e declarações proferidas por Villa-Lobos,
Krieger, Kampela e Mello. Em Villa-Lobos e Krieger constataram-se diferentes aspectos de
abordagem composicional. A linguagem de Villa-Lobos ao violão estava notoriamente
refletida em duas tendências aparentemente antagônicas: a música francesa impressionista
e a música popular brasileira urbana. No caso de Krieger, mesmo ele tendo criado o seu
serialismo vertical, fruto de sua experiência como compositor atonal, em suas obras para
violão afloraram sua proximidade mecânica do instrumento e da música orgânica
(consequentemente popular brasileira) em virtude de ter estudado e dominado o instrumento
satisfatoriamente. Talvez em consequência disso surgiram determinadas liberdades e ideias
que culminaram em procedimentos com uso da percussão e outras técnicas expandidas (em
alguns de forma bastante intrínseca) em suas obras. Esta afirmativa nos faz concluir que
realmente em Krieger, especialmente após Ritmata, a produção para violão no Brasil ganhou
outros impulsos além daqueles já sedimentados pela tradição e presença do instrumento em
círculos da música popular e clássica. Em Mello e Kampela nos deparamos com linguagens
distintas de incrível semelhança. Kampela irá selecionar o material buscando um sentido em
re-potencializar a voz do instrumento. Dessa forma ele afirma que os Percussion Studies irão
re-expor o instrumento para “acordar” percepções adormecidas, suas expectativas e
repetições usando sons inesperados:
“Isso nos traria para a questão central do empreendimento de se fazer música: o
que se está ouvindo? Como nossos sentidos doam para ter a capacidade de percepção do
que se está ouvindo? No mundo atual no qual a música deve ser vista de forma cômoda e

41 Recentemente seus dois últimos feitos são respectivamente, Macunaíma (2008), obra encomendada pelo
Ensemble de Música Contemporânea da Filarmônica de Nova York, e Telebossa-Oper (2009) em Berlim.

176
passiva, pois tudo é uma forma de entretenimento, as pessoas ouvem massivamente e estão
muito inconscientes dos seus hábitos, rotinas e repetições42”.
A obra Percussion Study de Arthur Kampela, enquanto interpretando, me dá uma
sensação curiosa. A partitura é altamente elaborada, porém a performance nos faz parecer
uma criança que toma o instrumento e inicia uma série de procedimentos aparentemente
aleatórios, irregulares e indeterminados. Normalmente quando vemos crianças brincando
percebemos isso.
Chico Mello irá fazer a re-potencialização do instrumento por outra via, da
reiteração. Portanto, numa reiteração complexa, com distorções de frequências tanto em
Dança (com a desafinação das cordas e pizzicato a la Bartok) quanto em Do Lado do Dedo
(usando afinação microtonal e percutindo no braço). Em Do Lado do Dedo a percussão
reiterativa surge e fornece outro ambiente sonoro, outra camada de sons inesperados, além
do fator surpresa da afinação microtonal.
Coube-nos investigar esses efeitos, não só do ponto de vista físico-acústico, mas
também do ponto de vista social. É bom saber que o instrumento possui certas formas de
excitação sonora que os caracterizam, não há dúvidas quanto ao emissor. De fato isto muito
se deve às técnicas expandidas, mesmo aquelas em que hoje não consideramos como tal.
Observando tais empreendedores/compositores que buscam sempre elementos
novos para uma tentativa de sons inesperados, vimos que neste campo das técnicas
expandidas (extended technique) não seria producente haver padronização, sistematização e
nomenclatura de grafias para os efeitos sonoros desejados. Em se tratando de música
contemporânea tal atitude poderia inibir, limitar e pasteurizar avanços e possibilidades,
perdendo-se um leque de possibilidades que ainda estão em pleno desenvolvimento. Aquilo
que o compositor está sugerindo ou pensando em termos de resultante sonora pode não ser
a palheta ofertada e padronizada que irá dar uma sonoridade preestabelecida. Ou mesmo,
como experiência própria, algumas das minhas incipientes composições começaram
simplesmente realizando gestos e padrões aleatórios no violão, o que fui aos poucos
anotando e grafando. Portanto, bastou-nos elencar esse universo de possibilidades e
gostaríamos de mencionar que não se estanca aqui. O compositor, em parceria com o
violonista, pode sugerir, verbalizar, experimentar e propor ao instrumentista. Os

42 Entrevista dada no http://www.kampela.com/interview_marlon.htm Acesso em 27 de maio de 2010

177
instrumentistas devem evitar frases feitas como “isso ou aquilo” não é possível de realizar e
buscar uma adequação técnica que poderá chegar a ideia proposta.
Ainda sobre padronizações, nos vemos um pouco desconfortáveis com o assunto
técnica43 , que muitas vezes é encontrado em ramos comerciais, de marcas e patentes:
técnica de Alexander (Alexander Technique), técnica de Pilates (Pilates Technique). Tudo
nos dá a sensação de parecer estar acompanhado de ferramentas e métodos à venda.
O que é a técnica? Meio para um fim e atividade humana. Seria a produção e uso
de ferramentas, assim como estas formam o conjunto da técnica. Ou seja, um compositor
quando organiza eventos súbitos de raspar a unha na corda ou bater no tampo, tanto a
criação desse processo quanto sua execução (no caso pelo intérprete ou compositor-
intérprete) serão, segundo Heidegger, a técnica.
Mas, e se técnica não for um simples meio? Afinal de contas, o correto, a
determinação instrumental da técnica, afirma apenas algo exato e acertado naquilo que se
dá e está em frente. A essência do que se dá fica, no entanto, não descoberta. O verdadeiro
acontece onde se dá esse descobrir da essência e deste modo nos conduz a uma atitude
livre com a técnica. A busca da verdade da técnica se dá através do questionamento da
instrumentalidade, daquilo a que pertence meio e fim. Onde se perseguem fins, aplicam-se
meios, onde reina a instrumentalidade, aí também impera a causalidade (HEIDEGGER apud
CASTRO, MC, 2005).

Ainda no mesmo raciocínio de Heidegger, também somos simpáticos com Derrida.


Se a filosofia tem se posicionado em não considerar a escritura um objeto absoluto e
intocável, ou seja o texto é “algo fragmentado, inacabado e incoerente” [...] a música também
não vem [...] marcada de significados estáveis e independentes que supostamente a
protegem” (LABOISSIÈRE, 2007, p. 34-35). Se a filosofia já flexibiliza em se tratando da
partitura histórica, porque deveríamos normatizar com a música contemporânea? Além das
cordas, cada milímetro do espaço físico do violão é passível de excitação sonora se o
intérprete estiver aberto para essas propostas.

43 No que diz respeito a técnica interpretativa do violão, iniciei meus estudos em uma era em que havia as
afirmativas de técnica do professor Carlevaro, técnica do Tárrega. Atualmente, aquele que se diz pertencer a
uma escola ou técnica determinada muitas vezes é rotulado de ultrapassado, pois, o que se entende como
processo progressista é justamente absorver conhecimentos de diversas linhas de pensamento, exercitando
tanto seu poder de síntese quanto de concentração no foco dos objetivos e metas naquilo que empreendeu.

178
A problematização do conceito ténica surgiu em virtude de um dos compositores e
objeto desse estudo, Arthur Kampela, ter intitulado seu processo de composição como
tapping technique (técnica do bater/técnica do tapa?). É óbvio que no que diz respeito ao uso
pessoal do compositor vemos que tais efeitos são determinados por ele no âmbito de sua
familiaridade com o instrumento e de sua inquietação pessoal. Restringiríamos as
possibilidades se fizéssemos uma via oposta, advinda dos intérpretes oferecendo, por
exemplo, sempre que a percussão na ponte deva ser com o dedo “x” obterá o atrito tímbrico
“xy”. Com certeza os compositores devam ter suas opiniões e ideias relacionadas à
resultante sonora. Acreditamos que as ideias de Brian Ferneyhough em Kurze Schatten II
ligada a teorias visuais, luz, etc associadas a sonoridades intrínsecas do violão são boas
ideias. Porém na prática, por uma ordem técnica instrumental, não caíram no gosto da
crítica.
Todavia, estamos em um universo acadêmico no qual podemos questionar
comportamentos. Porém, tais questionamentos devem estar suportados, embasados com
suas ferramentas metodológicas. Portanto, a intenção é aprofundarmos a reflexão o mais
dialeticamente possível numa tentativa de conceituar o fenômeno para uma adequação ao
universo técnico e estético violonístico. Por isso organizou-se, como resultado da pesquisa, o
Capítulo 4, Procedimentos Articulatórios no Violão, que busca traçar um relatório das ações
buscando suas resultantes, tudo de forma muito subjetiva, para que não percamos as
surpresas das autenticidades futuras de intérpretes vindouros. O DVD com exemplos de
obras completas e também de fragmentos dos efeitos pode ser uma ótima ferramenta de
apoio e reflexão. Além disso, exemplificamos no quadro geral de obras abordadas dos sub-
capítulos 4.4 e 4.5, suas respectivas informações classificatórias sobre os timbres
violonísticos.
Nossa hipótese permeou o texto do trabalho e concluimos que não somente
possibilidades de variáveis tímbricas foram a causa da diversidade de repertório violonístico
contemporâneo. Justificamos a importância do violão na música experimental, não só pelo
fato da técnica expandida desenvolvida, mas também por ter sido um instrumento
marginalizado no espaço erudito brasileiro. Isso permitiu aos músicos que trabalhavam com
o instrumento total liberdade e espaço para experimentação tímbrica que talvez outros
instrumentos e contextos musicais não permitissem. Nesse sentido se ouvimos Kampela e
Mello, vemos que muito da técnica é fruto dessa mistura. Não só a herança da música formal

179
europeia, mas com a música popular brasileira. A legitimação que Kampela busca são as
sonoridades espontâneas para que não se chegue a comparação.
Quanto ao objeto propulsor desses questionamentos, o corpo, ficou muito evidente
a correspondência entre ele, o instrumento, tido como uma verdadeira extensão das
possibilidades daquele e as resultantes da técnica expandida. Discorremos sobre
experiências próprias em universos diversificados da música: popular? erudita?
contemporânea?
Observei que uma performance musical permite conceber variáveis fora do
sistema (sistemas de articulação com vocabulários individuais corporais). Por isso se fez
necessário uma pesquisa no assunto, pois, issopoderia auxiliar a criar novos gestos com o
objetivo de produzir novos meios de mensagens. O corpo possui certas habilidades e está
ligado ao raciocínio, emoções e sensações. Também observamos gestos criados dentro da
escritura musical que buscavam resultados nitidamente pantomímicos, forçando o corpo do
instrumentista buscar posicionamentos e gestos que sem eles a sonoridade desejada não
seria atingida.
Nossa trajetória é contínua, por sorte. Se há perguntas nessa tese que não foram
respondidas, fico satisfeito. Como aquela de trazer à tona efeitos indesejáveis da prática da
música popular brasileira para a música contemporânea: ruído de cordas pelas unhas,
gestos de execução de acordes buscando efeito percussivo, etc. Kampela irá demonstrar no
longo de Percussion Study 1 uma batalha entre o som tradicional e o expandido, finalizando
a obra com um som expandido (pizzicato a la Bartok). A pergunta que se faz é se o som
expandido venceu o jogo ou foi eliminado para não estender demasiado a pergunta. Em
Chico Mello, a scordatura que resignifica o som da viola caipira com a percussão atrás do
braço do instrumento é depois alterada pela caneta (instrumento preparado, porém
instrumento de eruditos e letrados) e que modifica etnicamente a intenção para uma música
“visivelmente” reiterativa indiana. Isso responderia às nossas questões? Quem sabe. Prefiro
que continuemos e que os compositores continuem cheios de perguntas para que sigamos
produzindo um repertório belo e de qualidade.

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PACHECO, Fernando Antonio. Heitor Villa-Lobos: O Processo de Composição dos 5
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PEREIRA, Marcelo Fernandes. A Escola Violonística de Abel Carlevaro. Dissertação de
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PIRES, Thomas Kronig. Changes (1983) para violão de Elliot Carter: a construção de um
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PONTES, V. Técnicas expandidas – um estudo das relações entre comportamento
postural e desempenho pianístico sob o ponto de vista da ergonomia. 135 f.
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PRADA, Teresinha Rodrigues. A Obra Violonística de Heitor Villa-Lobos (Brasil) e Leo
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TRAUBE, Caroline. An Interdisciplinary Study of the Timbre of the Classical Guitar,
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ULLOA, Mario. Recursos Técnicos, Sonoridades e Grafias do Violão para Compositores
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VETROMILLA, Clayton Daunis. O “CONCURSO INM-VITALE” e a presença do repertório
violonístico na música erudita brasileira dos anos 1970, tese de Doutorado, Unirio, 2011.
WAGNER, Marcos Víctora. Scherzo da Sonata op. 47 para violão de Alberto Ginastera:
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190
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191
OBRAS CITADAS ENCONTRADAS NO YOUTUBE
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Society (New York guitar Seminar), http://www.youtube.com/watch?v=BAZt8prh9aw acesso
em 11 de outubro de 2013.

192
DOCUMENTOS SONOROS - COMPACT DISCS

1. TÍTULO: Música Nova do Brasil – Sérgio Assad, Violão (1981)


DADOS EDITORIAIS: 1980, Funarte
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco digital 4,8 polegadas.
ENCARTE:Texto de Aylton Escobar
CONTEÚDO: Lado A; Lina Pires de Campos: Ponteio e Tocatina
1 Ponteio 2 Tocatina; Marcio Côrtes: Verdades 3 Harpa eólea 4 Ciclo da espiral 5 Interlúdio /
Ludus 6 Olho eterno; Nestor de Hollanda Cavalcanti: Suíte quadrada 7 Samba simétrico 8
Modinha tonal 9 Valsa quebrada 10 Choro enigmático; Lado B; Pedro Cameron: Repentes I
– Vivo 2 II – Calmo 3 III – Galante / Agitado 4 IV – Presto 5 V – Com humor 6 VI –
Ondulando 7 VII – Triste 8 VIII – Como um lamento 9 XIX – Scherzando; Amaral Vieira: 10
Divagações poéticas
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Grupo Instrumental 2.Erudito 3. Música Contemporânea
INTÉRPRETES: Sergio Assad, violão solo

2. TÍTULO: Florilége de La Guitare, Turíbio Santos


DADOS EDITORIAIS: 1976, (Erato - STU 70.913) no 20 Turíbio Santos (Violão)
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco 33 1/3 RPM Stereo Vinil 12 pol
ENCARTE:Texto de Turibio Santos
CONTEÚDO: 01 – Edino Krieger: Ritmata (1974), 02 – Almeida Prado: Livro para Seis
Cordas, 03 – Marlos Nobre: Momentos 1, 04
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Grupo Instrumental 2.Erudito 3. Música Contemporânea
INTÉRPRETES: Turíbio Santos

3. TÍTULO: Chico Mello e Helinho Brandão


DADOS EDITORIAIS: 1984, Sir Laboratório
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco 33 1/3 RPM Stereo Vinil 12 pol
ENCARTE:Texto de Chico Mello
CONTEÚDO: Lado A: Hélio Brandão e Chico Mello: Água; Hélio Brandão: Improviso I; Chico
Mello: Baiando; Lado B: Chico Mello: Matraca; Hélio Brandão e Chico Mello, Gerson Kornin:
Improviso II; Chico Mello: Dança p/ 4 violões
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Grupo Instrumental 2.Erudito 3. Música Experimental
INTÉRPRETES: Chico Mello e Helinho Brandão

4. TÍTULO: Orlando Fraga, violão


DADOS EDITORIAIS: 1987, Fundação Cultural de Curitiba, Skylab
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco 33 1/3 RPM Stereo Vinil 12 pol
ENCARTE:Texto de Orlando Fraga
CONTEÚDO: Lado A- Francis Poulenc: Sarabande (1960); Abel Carlevaro: Preludios
Americanos n. 4 "Ronda"; Marlos Nobre: Momentos I (1974); Leo Brouwer 1939-: Elogio de la
Danza (1969); Lado B – Almeida Prado: Livro para Seis Cordas (1974); Chico Mello: Do Lado
do Dedo (1986).
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Violão 2.Erudito
INTÉRPRETE: Orlando Fraga

193
5. TÍTULO: Quarteto de Violões de Curitiba
DADOS EDITORIAIS: 1991, Fundação Cultural de Curitiba
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco 33 1/3 RPM Stereo Vinil 12 pol
NOTA: Transcriçõs e Arranjos: Orlando Fraga
CONTEÚDO: Lado A – Antonio de Cabezon: 5 Diferencias sobre el Canto del Caballero;
John Dowland: The Earl of Essex, his Galliard - Captain Digorie Piper's Galliard - The King of
Denmark, his Galliard; Igor Stravinsky 1862-1971: Waltz – Andante – Balalaika; Guilherme
Campos da Silva: Cidade 87; Lado B – Homero Perera,: Hojas – Charcos – Domingo; Astor
Piazzolla: Tango de Angel - Verano Poteño
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Música de Câmara 2.Violão 2.Erudito
INTÉRPRETES: Quarteto de Violões de Curitiba (Mario da Silva, Guilherme Campos, Paulo
Demarchi, Rogério Budasz e Orlando Fraga).

6. TÍTULO: Música Brasileira De(s)composta


DADOS EDITORIAIS: 1996, Wandelweisers Records
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco Digital 4,8 pol
ENCARTE:Texto de Chico Mello
CONTEÚDO: 1. John Cage na praia n. 1 Mello/Ocougne; 2. Hermeto Paschoal: Bebê. 3.
Chico Buarque: Samba e Amor 4. John Cage na praia n. 2 Mello/Ocougne; 5.
Mello/Ocougne: Dentro do Tubo 1. 6. Mello/Ocougne: Dentro do Tubo 2 7. John Cage na
praia n. 3 Mello/Ocougne; 8. Chico Mello: Do Lado do Dedo 9. Baden Powel: Berimbau 10.
Pixinguinha: 1x0; 11. Adoniran Barbosa: Trem das Onze; 12. John Cage na praia n. 4
Mello/Ocougne.
ASSUNTO/GÊNERO: 1.Grupo Instrumental 2.Erudito 3. Música Experimental
INTÉRPRETES: Chico Mello e Silvia Ocougne, violão

7. TÍTULO: Nova Música Brasileira - Mario da Silva


DADOS EDITORIAIS: 1997, Fundação Cultural, Lei de Incentivo -Sonopress
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco Digital 4,8 pol, 59’45”
ENCARTE:Texto de Mario da Silva e Octávio Camargo
CONTEÚDO: Garoto: Jorge do Fusa - Lamentos do Morro; Waltel Branco: Argamassa
(Prelúdio) - Ninho de Cobra; Radamés Gnatalli: Dança Brasileira; Edino Krieger: Ritmata;
José Eduardo Gramani: Pinho; Jaime Mirtenbaum Zenamon: The Black Widow; Guilherme
Campos: Divertimento 5; Octávio Camargo: Desafignado; Norton Dudeque: Peça para Violão
Solo; Chico Mello: Dança
ASSUNTO/GÊNERO: 1. Violão 2. Erudito
INTÉRPRETE: Mario da Silva

8. TÍTULO: Música Contemporânea Desconstruída sob Encomenda


DADOS EDITORIAIS: 2000, Fundação Cultural, Lei de Incentivo –CD+
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco Digital 4,8 pol
ENCARTE:Texto de Mario da Silva
CONTEÚDO: José Eduardo Gramani : Suíte Araucária: Dança do Pião Bailarino / Madeira
Verde / Morretes / Largo da Ordem. Guilherme Campos: Balacubaco: Prelúdio / Interlúdio /
Final. Octávio Camargo: Agguas de Março e Grosa. Norton Dudeque: Continuum. Arrigo
Barnabé: Fragmentos. Chico Mello: Entre Cadeiras
ASSUNTO/GÊNERO: 1. Violão 2. Erudito
INTÉRPRETE: Mario da Silva

194
9. TÍTULO: Tu Tausan Tu Elve
DADOS EDITORIAIS: 2012, Maximus,
DESCRIÇÃO FÍSICA: 1 disco Digital 4,8 pol
ENCARTE:Texto de Ruy Castro
CONTEÚDO: 1 Baião Mario da Silva 2 Jardins do Céu de Audí Andre Abujamra 3 Delicando
Andre Abujamra 4 Dna Da Dança Mario da Silva 5 Canção Estranha Mario da Silva 6
Compo2010 Mario da Silva 7 Pesteou o Lagarto Mario da Silva
8 Tu Tausan Tu Elve Mario da Silva & Andre Abujamra 9 8 em 6 Andre Abujamra
ASSUNTO/GÊNERO: 1. Violão 2. Erudito. 3 Música Contemporânea
INTÉRPRETE: Mario da Silva, violão solo, duo de violões e octeto de violões.

A Collection Turíbio Santos (FARIA)


01. ME 8057 – Fernando Sor – Variations sur Malbrough s’en va-t’en guerre
02. ME 8056 – Robert de Visée – Suite em sol majeur 31
03. ME 8063 03 – Adrian Le Roy – 3 Pièces en recueil 1. Gaillarde (j’aimeroy mieulx dormir)
2. Allemande 3. Passemèze
04. ME 8119 – Gaspar Sanz – Chansons populaires su XVIIe siècle
05. ME 8118 – Gaspar Sanz – Marizapalos – 5 Partidas (original 7 partidas)
06. ME 8117 – Gaspar Sanz – Canarios (15 diferencias escogidas sobre el Canário)
07. ME 8178 – Johann Sebastian Bach – Suite em mi mineur (BWV 996)
08a. ME 8171-3 – Turíbio Santos – Chansons Brésiliennes 1er recueil: Sambalele
O cravo e a Rosa, Sapo Cururu
08b. Me 8174-6 – Turíbio Santos – Chansons Brésiliennes 2er recueil:4. 5. 6.
Passa passa gavião Sozinho eu não fico O pião entrou na roda
08c. ME 8344 – Turíbio Santos – Chansons Brésiliennes 3er recueil: Carneirinho, Mora um
anjo Boi, Boi
09. ME 8158 – Marlos Nobre – Momentos I
10. ME 8196 – Edino Krieger - Ritmata
11. ME 8301 – Ldwing van Beethoven – Variations (en la majeur) (2 guitares)
12. ME 8300 – Ldwing van Beethoven – Sonatine (en la mineur) (2 guitares)
13. ME 8302 – Ldwing van Beethoven – Sonatine (em mi majeur) (2 guitares)
14. ME 8197 – José Antônio de Almeida Prado – Livre pour six cordes
15. ME 8199 – Issac Albeniz – Sevilla (sevillanas)
16. ME 8200 – Issac Albeniz – Astúrias (leyenda)
17. ME 8368 – Marlos Nobre – Momentos II
18. ME 8400 – Marlos Nobre – Momentos III
19. ME 8526 – Johann Sebastian Bach – Suite IV (BWV 1006a)
20. ME 8501 – Turíbio Santos – Prélude no 1
21. ME 8502 - Turíbio Santos – Prélude no 2
22. ME 8503 - Turíbio Santos – Prélude no 3
23. ME 8504 - Turíbio Santos – Prélude no 4
24. ME 8527 – Marlos Nobre – Momentos IV
25. ME 8345 – Issac Albeniz – Recuerdos de Viaje (no 6 Rumores de la Caleta)
26. ME 8492 – Ricardo Tacuchian – Lúdicas I
27. ME 8549 – Radamés Gnattali – Brasiliana no 13
28. ME 8550 – Cláudio Santoro – Dois Prelúdios
29. ME 8583 – Francisco Mignone – Lenda Sertaneja
30. ME 8585 - Turíbio Santos – Prélude no 5

195
31. ME 8586 - Turíbio Santos – Prélude no 6
32. ME 8676 – Radamés Gnattali – Pequena Suite
33. ME 9105 – Turíbio Santos – Suíte Teatro do Maranhão

PARTITURAS

KRIEGER, Edino. Ritmata. Max Eschig, França, 1974.


KAMPELA, Arthur. Percussion Study 1 e 2. Edição digitalizado do próprio autor, Nova
Iorque, 1991-2.
MELLO, Chico. Do Lado Do Dedo, digitalizada por Orlando Fraga, Curitiba, 1989.
__________ Dança. Editora da UFPR, 1990.
NELSON, C. Villa-Lobos, 12 Estudos para Violão. M.E. 9333 © 1953 Editions Max Eschig
com redação e dedilhação suplementares © 2000 C. Nelson

196
ANEXOS

ANEXO 1

Partituras utilizadas

197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
Dança
Para 4 violões Chico Mello
Mais ou menos rápido

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ANEXO 2

Compilação da entrevista com o compositor Edino Krieger

261
Edino Krieger. Entrevista cedida à Mário da Silva no dia 19 de março de 2010, na
residência de Edino Krieger no Rio de Janeiro.
Mário - Eu comecei esse projeto (sobre técnicas expandidas) e estava trabalhando muito
essas obras com percussão no tampo, inclusive você sabe que eu gravei a Ritmata em 1997.
Do ponto de vista sonoro, quais os impulsos que o levaram a compor uma obra tão inovadora
como a Ritmata (1971) na qual você utiliza sonoridades não tradicionais e expandidas como
percussão no tampo.Como você chegou a esse nível de informação com o violão?

EK – Para te falar muito a verdade eu não sei. Isso foi uma coisa assim mais ou menos sabe,
aconteceu. A única coisa que eu tinha feito para violão era um Prelúdio para violão. Que eu
nunca tinha dado para ninguém, porque eu achei que aquilo era uma peçazinha que eu tinha
feito pra conhecer melhor o instrumento. Um tratamento muito tradicional do violão, mais ou
menos na linha (sem a qualidade) dos Prelúdios de Villa-Lobos. Foi na década de 70
(Ritmata é de?)
Mário – Ela é datada de 1974 e a edição 1975, não sei quando ao certo você terminou?
EK – Foi 74. Aí o Turíbio (Santos) chegou. Eu tinha dado uma cópia do Prelúdio para ele.
Mas eu disse que é só como documento, não para tocar. Isso não é uma peça de concerto.
Ele chegou com uma proposta de fazer uma peça, um projeto com a Max Eschig de Paris e
editar uma coleção de música brasileira nova e gravar também pela Erato de Paris. Ele me
disse que queria uma peça nova para violão, e eu comecei a demorar: “ou você faz uma
peça nova ou eu vou tocar o Prelúdio”. Eu disse: - Turíbio isso é chantagem mas tudo bem
(risos). O Turíbio disse “eu vou aí pra gente conversar um pouco sobre as técnicas de
violão”. Eu tinha estudado um pouco de violão com ele. Mas pra gente conversar um pouco
sobre as possibilidades técnicas do violão. Ele veio uma noite e tomamos uns vinhos e
conversamos mais sobre .mas não se falou sobre tapping1, Isso aí não. Eu comecei a fazer a
peça e terminei uma semana depois. Eu telefonei e disse Turíbio está pronta a peça, dá uma
passada aqui. Eu chamei Tocata para violão e ele pegou olhou a peça e disse “olha tem
umas coisas interessantes aqui, o negócio aqui é batido?” Eu disse sim. “Que idéia
interessante”. Eu disse olha se você acha que não está bom, eu faço outra. Ele disse “não ta

1
tapping technique, percutir partes do corpo de instrumento para obter efeitos percussivos diversos e
expandidos

262
ótimo, ta muito bom mas eu acho que tem demais”. E na verdade tinha demais mesmo.
Várias coisas de bater com as duas mãos.
Mário – Mas você tem esse manuscrito ainda?
EK – Eu devo ter sim esse manuscrito. Ele achava que não ia soar suficientemente bem.
Aconselhou a deixar alguns tappings do início e outros tirar, fazer normal. Mas enfim ele
mesmo sugeriu. Eu chamei Tocata porque eu gosto dessa pulsação rítmica da Tocata, esse
dinamismo rítmico sempre gostei muito. Não da Tocata de Bach, mas da Tocata mais
contemporânea de Prokofiev que tem aquela pegada e ligada rítmica. Eu sempre gostei
muito da Tocata. Ele disse: “mas olha tem tanto ritmo que eu chamaria isso de Ritmata,
posso rebatizar”. Eu disse pode, essa é sua é dedicada a você e pode fazer o que quiser. Ele
rebatizou como Ritmata
Mário – De fato um nome que pegou mesmo?
EK – É. Ritmata. Foi assim. Uns tempos depois o Sérgio Assad me disse “você sabe que
você inovou com esse negócio de batida nas cordas do violão. Isso é uma coisa pioneira da
Ritmata, depois aquele americano o Stanley Jordan usou e eu acho que você deveria cobrar
direito autoral dele (risos)
Mário – Você tinha o interesse já pelo serialismo integral, pois, foram eles que começaram a
serializar timbres.
EK – Não eu não fiz, eu nunca fiz serialismo integral. Eu fiz serialismo normal e serialismo
vertical que eu inventei
Mário – Que você fez no Estro Armonico.
EK – Estro Armonico. Mas de serializar tudo nunca consegui, sempre achei que isso inibia
um pouco a criação, a fantasia, ficava uma coisa muito esquemática, matemática demais.
Mario – Mas atraia no violão (a questão rítmica e tímbrica)
EK – Isso me atraia sim, certamente. Nessa peça, na verdade eu não sei. O Turíbio me disse
“pensa alguma coisa no violão bem moderno”. Eu disse também, e pensei e saiu isso. Se eu
tinha planejado, não tinha.
Mário – Você chegou a ter conhecimento do repertório, como obras de Leo Brouwer?
EK – Não. Na verdade não, não sei se Leo Brouwer tinha feito isso não.
Mario – Ele fez em 1964 a Espiral Eterna e Elogio de La Danza com batidas e percussão no
tampo, no braço nas cordas

263
EK - Na verdade eu conhecia muito pouco as coisas do Leo Brouwer. Eu não estava muito
ligado no repertório contemporâneo do violão.
Mario - Mas é interessante isso mesmo que o Assad falou, você e o pioneiro nisso no Brasil.
Você acabou gerando, foi uma gênese que culminou no Kampela por exemplo. E ele
radicalizou no elemento não tradicional.
EK - Mas eu não tive nenhuma preocupação de ser pioneiro de coisa nenhuma. As vezes
acontece de você ter uma idéia, não foi intencional do tipo “vou fazer uma coisa
revolucionária”. Foi a proposta de usar o violão, uma fonte sonora contemporânea. Eu gosto
muito do violão porque a sonoridade não reforça a dissonância, de uma certa maneira ele a
suaviza, você pode fazer qualquer tipo de dissonância no violão que soa bem. Não tem uma
sonoridade agressiva, se você fizer dissonância no cravo ela fica reforçada pelo timbre, pelo
ataque, do cravo, no piano por exemplo. No violão não, você pode fazer o que quiser. Soa
muito bem, tudo que você quiser, acho fantástico. Por isso certamente eu não economizei
em matéria de sonoridade e dissonância, embora também não tenha uma linguagem
dissonante e propositalmente agressiva.
Mario – A Ritmata intercala esse panorama do violão como símbolo nacional, uma espécie
de reflexo do que Villa-Lobos fazia, mas especialmente uma parte inovadora (inovativa) que
você conduz do violão, no começo nas percussões e na parte central.
Como foi estender essas idéias da Ritmata no concerto para violão e Orquestra. Foi divertido
isso, principalmente no I Movimento?
EK - Você fala do (Edino escreveu outro concerto para violão e cordas?
Mario – Estou falando do Concerto para Dois Violões e Cordas?
EK – Esse sim, é uma espécie de extensão da Ritmata. As experiências todas da Ritmata me
valeram muito para fazer essa peça para dois violões. Embora ela tenha talvez um cunho
mais virtuosístico do que a própria Ritmata. O virtuosismo da Ritmata está nas dificuldades
técnicas que a peça propriamente tem. O Turíbio disse “ta bem que você caprichou, mas não
precisava fazer uma coisa difícil”.
Mario – O que eu acho interessante da Ritmata é a associação de ser uma obra com
conteúdo muito profundo de desenvolvimento mas com um idiomatismo não usual em
compositores que não conhecem muito o violão. Tanto é que você falou que estudou o
instrumento. Tanto é que Berkeley (que você estudou com ele) e Walton, com orientação do

264
Bream, tiveram que fazer muitas modificações nelas. Eram compositores que não tinha
aproximação com o idiomatismo. No seu caso você mostra essa aproximação.
EK Na verdade quando escrevo para violão, tento verificar se aquilo que eu escrevi é
exeqüível. Isso eu consigo fazer. Eu não consigo tocar, não consigo tocar a Ritmata de jeito
nenhum. Mas eu conhecia suficientemente o violão para depois de escrito, testar. Colocar os
dedos nas posições, colocar o dedo onde ia bater. Esse conhecimento básico eu tenho, sei
onde estão as notas, as posições. Isso ajuda muito, porque te dá a certeza que você não
está fazendo nenhuma besteira. Fazendo acordes de três notas na mesma corda (risos).
Mario - Tem uma coisa que você estudou instrumento de Cordas.
EK – Eu estudei violino. Claro, também já ajudou.
Mario - No caso do concerto para dois violões tem tappings na Orquestra
EK – Sim, na orquestra inclusive. Mas, mais no corpo dos instrumentos. Não lembro se nas
cordas.
Mario - Você tem um certo fascínio pelo timbre, em manipular nos instrumentos?
EK. Sim mas não é um preocupação primordial. Nunca foi. Tenho explorado timbres,
sobretudo nas cordas, harmônicos e várias maneiras de produzir o som. Mas não é uma
preocupação fundamental. Uso timbre como componente normal e natural de uma
linguagem. Não procuro fazer uma música só de Timbres. Tem alguma coisa como as Três
Imagens de Nova Friburgo na qual tem esse negócio de timbres nas cordas. Mas tinha uma
relação com aspecto visual, um primeiro movimento que se chama Nevoeiros. Essas
sonoridades fluídicas, superposição de cluster e harmônicos. Uma sugestão de ambiente,
mas enfim, o timbre é um componente importante.
Mario – No violão, uma das características principais é o timbre, principalmente em função da
deficiência de volume. Por isso a Ritmata tem esse privilégio e potencial. Quando você
compõe você pensa no som, na forma, ou nos dois?
EK Geralmente é uma coisa que acontece mais ou menos simultânea. No caso da Ritmata o
Turíbio tinha falado numa peça curta de 5 ou 6 minutos, então já tinha esse plano. Para mim
sempre foi importante o ponto de partida a primeira idéia que você tem para trabalhar em
cima dela.
Mário - Tem algumas análises da Ritmata que tratam muito pela organização modal e
diatônica dela, das quartas justas associadas à corda solta. Às vezes eu acho um pouco

265
injusto nas análises. A Ritmata fornece muito mais, que é justamente o contraponto das
formas tradicionais com sonoridade não tradicionais, e como elas interferem.
EK - Se bem que a Ritmata ela não é serial. Ela é um atonalismo livre. Uma coisa que
sempre me preocupa muito, é que a seqüência das idéias tenha uma certa lógica entre si,
que elas aconteçam com uma certa lógica. Eu procuro não fazer nada que de repente você
se questione porque você fez isso. Isso tem a ver com o quê, não tem haver com nada? É
uma coisa que me preocupa. Que tenha uma estrutura uma lógica de pensamento. Enfim,
que quem ouça não tenha sustos de vez em quando, se bem que o susto às vezes é
importante, elemento de choque, de surpresa, é também um elemento de construção da
música, claro que é. Isso tem haver com o timing das coisas, porque muitas vezes você ouve
certas peças e você se pergunta porque tanto tempo dentro da mesma coisa, esgotou o
tempo psicológico, já está saturado ouvindo. O compositor não se dá conta, acabou aquele
tempo, ele já devia estar com uma idéia nova, uma surpresa qualquer. Essa lição você tem
em todos os grandes compositores, alguns não (risos). Parece que não tem. De repente você
ouve uma sinfonia de Bruckner, (e se pergunta): mas muda o tom, sai de ré maior!!!
Mario – Eu lembro que no Teatro Guairá a Orquestra da Renhania improvisou toda a 5ª.
Sinfonia de Bruckner... (a luz do teatro havia acabado). Atualmente o pessoal na música
contemporânea vem citando muito as questões que Pierre Schaffer desenvolvia, a análise
sobre o espectro sonoro, tentar analisar a música pelo som e não sua forma, por isso eu fiz
essa pergunta de som e forma. Se forma é importante ou as vezes estraga.
EK - São dois componentes da música que andam juntos ou em conflito, as vezes na história
tem períodos que eles estão juntos, a forma e expressão, linguagem expressiva, outras
vezes não, eles entram em choque. Há momentos no século XX que a preocupação maior,
não estava no aspecto expressivo, estava com os componentes timbricos, espectro do som,
o som enquanto fenômeno acústico passou a ser uma preocupação maior do que o som
enquanto instrumento de expressão musical, houve um momento de descompasso entre
esses dois componentes. Sempre me preocupei muito em que o som fosse a serviço do
pensamento musical, da linguagem musical, da expressão musical, e não somente um
fenômeno físico acústico, pelos componentes formais da fonte sonora, isso sempre me
preocupou muito. Mesmo quando eu fiz música serial, a série nunca foi uma coisa
determinante, a técnica, do serialismo por exemplo, você tem que utilizar e não ser utilizado
por ela. A finalidade sempre é fazer música, não importa que técnica você utilize, porque há

266
muitos compositores que se deixam envolver de tal maneira por procedimentos técnicos,
valores intrínsecos da matéria sonora em si, que são evidentemente uma fonte de pesquisa,
uma coisa admirável você entender e poder dominar esse aspecto orgânico da fonte sonora.
Mario - Não virar um virtuosismo composicional.
EK Exatamente. Mas eu acho que, pelo menos não perder de vista que tudo isto existe em
função de você ter alguma idéia musical, que possa estabelecer um contato, um poder
comunicativo, uma forma de comunicação. Não está fazendo por elucubração pessoal, mas
para alguém que vai escutar e que deve entender aquilo que você estava pensando.
Mario – Ou que deva fruir.
EK – Sim claro, exatamente.
Mario – É um pouco parecido com os instrumentistas, que são virtuoses puros e aqueles que
buscam passar uma expressão.
EK - Eu acho que esse dualismo básico que tem na música, uma matéria que é transformada
em expressão, isso aí existe em todos os campos, tanto da criação quanto da interpretação.
Às vezes tem um instrumentista que é um prodígio, fantástico, mas do ponto de vista musical
ele não passa nada. Passa o assombro, o domínio que ele tem da técnica musical, sobre a
matéria sonora, mas fica te devendo um pouco em relação a comunicação, a capacidade de
comunicação que deve ser fundamental.
Mario - Quando você esteve em N.Y onde estudou na Juilliard School com Peter Menin, já
falavam sobre o instrumento preparado e sonoridades expandidas. Isso foi na década de 50.
EK Sim havia alguns estudantes que se interessavam por isso. Na Juilliard eu estudei com
Peter Minin que foi aluno da Nadia Boulanger em Paris. Ele vinha desta escola mais
tradicional, era um compositor neoclássico.
Mario – Mas o Henry Cowel, você teve contato com ele?
EK Não. Eu visitei o Henry Cowel, ele não fazia parte do staff da Juiliiard, não era professor
da Juilliard. Eu fui visitá-lo e sabia da importância dele. Eu não tive contato com esse
pessoal, o próprio Koellreutter havia falado “se você puder escolher na Juilliard, não procure
um vanguardista, procure um professor que tenha outro tipo de formação, isso será melhor
para você, isso amplia o teu leque de conhecimento”.
Mario - Claro pois com o Koellreutter você já havia aprendido.
EK - Ele disse “você não vai pra Juilliard pra aprender o dodecafonismo, isso você já
aprendeu comigo”.

267
Mario – Como foi o contato com Lennox Berkeley, foi na Inglaterra quando?
EK - Foi 1955.
Mario – A sonatina já havia sido publicada mais o concerto que o Bream gravou. Mas você
ainda não tinha contato.
EK - O meu contato com violão em Londres era porque frequentemente a gente fazia
reuniões em casa de brasileiros, as pessoas queriam cantar música brasileira, Noel Rosa, eu
tocava um pouquinho de violão popular, e quando descobriram isso me puseram o violão na
mão. Eu tive que participar tocando serestas, canções do Caymmi e música do Noel.
Mario – Isso era comum, meu pai me trazia para o Rio pra tocar.
EK - Os brasileiros lá em Londres me conheciam como o rapaz do violão.
Mario – O violão não tem manifestações rítmicas estereotipadas.
EK - É verdade. Tinha inclusive um secretário da embaixada brasileira lá em Londres, era
excelente pianista o Manoel Antonio Browne. Inclusive um dos Choros de Villa-Lobos para
piano e orquestra foi dedicado à ele. Ele fez a primeira gravação com Villa-Lobos em
Londres. Muito bom pianista, mas tinha pavor de tocar em público. Nunca mais tocou em
público. Mas tocava às vezes, fazíamos reuniões na casa dele. Sobretudo quando ia algum
pianista brasileiro pra lá, ele tocava música brasileira. Inclusive a Sonata a quatro mãos que
eu fiz lá em Londres a gente lia e tocava. O Manoel Antonio Browne gostava que cantasse
Noel. Insistiu de me apresentar aqueles antros no Soho. Tem aquelas caves onde se
apresentam artistas nos pubs, e ele queria muito que eu fosse me apresentar lá. “Vou
apresentar você”. Aí eu ri, eu vim estudar composição em Londres, não vou tocar em pub
(risos).
Mario – Mas é sempre bom experimentar tudo você vira uma parabólica. Fonte Sonora
EK – Eu tenho certeza que todo esse tipo de experiência ele acaba aparecendo de alguma
forma, na maneira de você pensar, acho que tudo é lucro. As minhas impressões seresteiras.
A gente pode optar entre um vinho do porto, cointreau. Ou licor de cachaça. Acho que
podemos encerrar. Mas não posso pegar o licor de cachaça amarrado ao microfone.
FIM

268
ANEXO 3

Corpo, Performance, Teatro

269
CORPO E PERFORMANCE E O TEATRO

O assunto corpo dentro do universo da música é muito ausente a ponto de


acharmos que é proibido, como aconteceu no passado em algumas tendências filosóficas
religiosas que separaram corpo, espírito e mente. O músico realmente esquece que possui
um corpo. Ele só é lembrado quando se manifesta através de dores, problemas de fadigas
musculares, tendinites e, a atual vedete, a distonia focal. Isso é comprovado quando vamos
buscar na literatura assuntos relacionados a performance e ao corpo. Só encontramos
trabalhos que dizem respeito a medicina, versando sobre a saúde (doença) do músico. David
Leisner é um exemplo dessa situação, só que capitalizou sua questão (como bom americano
pragmático). Leisner teve um problema gravíssimo de distonia focal e veio a estudar
profundamente a questão2. Hoje ele divulga suas pesquisas e o conteúdo de suas aulas é
praticamente interligado a relaxamento, boa postura, todos os quesitos relacionados ao bem
estar do músico.
Não é o que este capítulo pretende versar, embora esse fato sirva para constatar
que o músico não tem corpo. Só vai percebê-lo quando aquele “corpo” reclama e reage. De
fato, já reagiu algumas vezes, mas esse músico achou que era algum problema técnico
musical que ele não alcançou e que teria de repetir o trecho, exercício ou seqüência mais
algumas vezes. Podemos investigar essa obsessão do músico. Acontece que o instrumento
é um verdadeiro confessionário, divã e, principalmente amigo. Em determinados estágios
psicológicos do músico, de angústia e depressão, ou em momentos de motivada competição
como o mercado impera, não há limites para o que está sendo feito. Em músicos que
focalizam concursos de interpretação, processos são realizados e repetidos a sua exaustão e
como não há consciência de um corpo não há fim. O corpo do músico não tem os limites de
atividades aeróbicas e anaeróbicas do atleta, portanto é fácil seguir em frente, mesmo
quando é suficiente. O “treinamento” pode ocorrer mais de 8 horas seguidas, pois, a princípio
o corpo parado “não cansa”. É justamente neste estágio que manifestações corporais
começam a surgir. É lógico que há questões relacionadas ao uso de técnicas musicais
insuficientes, mau uso de técnicas do instrumento, (excesso de pressão nas cordas, força
excessiva), desperdício de energia, pedagogia ultrapassada, ditatorial, equivocada, na qual
2
LEISNER, David. Home Page Oficial. http://www.davidleisner.com/FocalDystonia.html acesso em 30 de abril
de 2011. Iniciei um trabalho de interpretação musical com David Leisner em 2004 no DMA (Doctoral in Musical
Arts) da Manhattan School of Music (não concluído).

270
os métodos de educação “de cima para baixo” ainda imperam, onde o detentor do
conhecimento é rei e não há espaço para a discussão. Isso é muito freqüente em
conservatórios musicais e até mesmo em algumas universidades com graduação em música.
Em minha opinião, a música não adoece, ao contrário, cura o indivíduo. Há relatos míticos e
científicos em relação a isso3.
Observa-se que há situações diversificadas dos músicos, como músicos de
orquestra que tem de cumprir horários e obedecer a um repertório não programado para sua
propriocepção ou ergonomia. Ao contrário do músico solista, que escolhe o horário de suas
práticas, tornando mais flexível a atividade corporal, além de repertório adequado às suas
condições técnicas. Se há o desejo do corpo parar, pode fazê-lo o que não acontece com um
músico de orquestra. Concluindo, há um limite para o corpo. Não entendemos por que estes
aspectos acontecem principalmente dentro do universo da música histórica tradicional. Já
experimentei isso realizando concursos. Parece que interpretar a música clássica ou
romântica requer uma autocrítica aguçada. Não há satisfação. Nunca o que está sendo feito
é suficiente, parece que tem de melhorar. Observei que era obedecido um modelo de
paradigma interpretativo estrangeiro. Se não fosse equivalente ou melhor que o pianista ou
violonista europeu “x” fizesse não estaria satisfatório. Isso é o que pode ser conceituado de
função reprodutiva do conhecimento do músico segundo padrões preestabelecidos. A
seleção competitiva das espécies Darwiniana contaminando o universo musical. Vislumbrei
um campo mais do ponto de vista de Maturana, quando as espécies se amalgamam no
tecido misterioso da vida para sobreviverem.

3
A MEDICINA E A MÚSICA. Os gregos [...] souberam separar para um só deus – Apolo – a medicina e a
música. Zeus sabia [...] que deveria colocar essas duas artes sob o domínio do mesmo. Francis Bacon afirma:
“Os poetas fizeram bem unindo a Medicina e a música em Apolo; porque o ofício da medicina nada mais é que
afinar a curiosa harpa do corpo humano e levar harmonia”. Esculápio, filho de Apolo, herdou do seu pai a
medicina e cirurgia, [...] assim, tratava toda e qualquer doença com os sons de sua lira. Na Odisséia, Homero
contou que Ulisses, ao ser ferido no joelho, sarou a própria ferida com o entoar de trovas. Orfeu, quando
desceu ao inferno para buscar sua amada Eurídice, trouxe as lágrimas aos espíritos, através do som
comovente de sua lira. E conseguiu ainda fazer com que Tânatos, mesmo sedento, parasse de buscar água e
que Sísifo deixasse a inútil tarefa de rolar uma pedra até um topo. (Souza NA: “As duas faces de Apolo”; 2000).
Inúmeros são os trabalhos envolvendo a terapia da música. O japonês, Dr. Masuru Emoto, desenvolveu a
“Mensagem das águas”, colocando a molécula da água sob a influência de diversos sons, dentre os quais
músicas de Bach e Chopin, e evidenciou uma nítida harmonia nos cristais da água. O corpo humano tem na
sua constituição 70% de água e pode estar aí uma das explicações para o efeito benéfico da música.
http://www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=16968&AUT_ID=93 acesso em 30 de abril de
2011.

271
Na música contemporânea o processo para aquisição de resultados estaria mais
próximo pois há relação entre os agentes da composição e interpretação. A opção por um
repertório brasileiro contemporâneo significava ser porta voz da criação autóctone.
Entretanto, ainda faltava uma ligação mais apurada entre os estudos de preparação para a
performance musical e as ações que acontecem durante a performance propriamente dita.
Desta forma, constata-se que o estado corporal sobre a performance de uma obra
musical se instaura em dois aspectos distintos, porém complementares: aquele estado
corporal que prepara o entendimento para performance musical e o estado corporal que
realiza a performance “temporal” musical per si. O ideal é quando estes dois estados se
equiparam. Aquele corpo que está preparando o estudo da obra para performance será o
mesmo do start da performance musical. A reflexão sobre o mesmo corpo gera uma série de
ambiguidades. Nunca um corpo será o mesmo. Porém, há sempre o desejo dos
instrumentistas de se sentirem bem no momento da performance, tal qual no aconchego do
seu “lar’, que também pode ser traduzido por “corpo”. Mas a palavra “estado” corporal ajuda
a aprofundar e problematizar. É como esse “agora” de escrever o que o cérebro está
processando e refletindo. Processando o que a memória/corpo guardou nas experiências e
refletindo o que foi escrito a respeito do assunto e o que serviu para este “agora”, que já não
é mais na sua leitura. Estou falando/escrevendo de você/eu que está/estou lendo.
A leitura posterior irá trazer outros estados corporais. Como o objetivo de todo
compositor é criar novas possibilidades sonoras para determinados instrumentos, há a
distensão de um corpo performático de novos signos que acontecem no corpo e do corpo, o
que ficou definido como corpomídia4 por Antonio Damasio (DAMASIO, 2003) e Helena Katz
(GREINER & KATZ, 2001). Essa distensão irá dialogar com nosso tema, técnicas
expandidas. Mesmo não considerando o movimento corporal inserido no processo
composicional como em Mauricio Kagel e Guilherme Bertissolo, novos gestos se integram a
novos procedimentos composicionais. Não podemos esquecer que a música instrumental no
longo de sua história, emancipou-se justamente por suas fortes características de difusão

4
A idéia de corpomídia é aquela do lugar como informação; a idéia do corpo como estágio do corpo e do
mundo; não é a idéia de atravessar o corpo, mas sim, traduzir o sentido da existência em “tempo real”, pois o
corpo e a informação são juntos. A informação o faz, ou seja, “faz” o corpo. Este corpo é co-evolutivo, pois
qualquer sistema é um sistema “aberto” onde a processabilidade não cessa nunca, pois corpo e ambiente estão
se construindo, trocando informações com o ambiente (corpo como sistema aberto). A informação que ele vai
emitir é ele mesmo – o corpo. Ele – o corpo – é a informação; é o arauto deste processo. O corpomídia é que
“faz” a informação, conseqüentemente, todos os corpos são corpos-mídia.

272
sonora. A chamada música sem palavras. “A música existe para dizer o que palavra não
pode dizer” segundo Sainte-Colombe, porém ficamos com a proposição de Carrasco: “A
palavra existe para dizer o que a música não pode dizer” (CARRASCO, 2003, p.12).
Então, se palavra serve como elemento catalisador e ferramenta de uma tentativa
de definição, iremos substituir para “a música existe para dizer o que o corpo não pode
dizer” ficando automaticamente com a proposição “o corpo existe para dizer o que a música
não pode dizer”.
Antes de desenvolvermos isto, uma breve abordagem dos aprendizados no
universo das ações cênicas, ou teatro música como é chamado será discorrida à seguir.
Observei que para usar o corpo conscientemente conforme as afirmativas acima
eu teria que me aprofundar num intermediário lógico que iniciei na minha formação. Estudos
sobre o teatro e como estar em “cena”. Mais do que isso, o que esse estudo poderia
contribuir para a música contemporânea na qual eu estava militando e imergindo, afinal de
contas, não era somente uma busca técnica, melhor, uma busca estética.
A dimensão visual da música não é um fenômeno novo. Desde os tempos das
primeiras civilizações, a música fez parte de um rito; nas celebrações religiosas e nas
representações de espetáculo, a música, a ação e a reação da platéia estiveram
estreitamente ligadas. É lógico, portanto, ampliar a música contemporânea por meio do
interesse visual, e tratar de provocar o público de uma forma mais direta. O velho conceito
dos concertos interpretados com uma imobilidade relativamente rígida, com uma platéia
completamente passiva é considerado obsoleto para os dias de hoje. Para John Cage, a
música pode ser ação, os movimentos e os gestos do intérprete podem ser uma extensão de
seu instrumento, um prolongamento de sua personalidade. Se em algum momento os
intérpretes falam, isto pode ser parte integral dos padrões sonoros como em Sonant 1960 de
Mauricio Kagel.
Definir teatro musical categorizado na música contemporânea é extremamente
complexo em função de haver o musical e o teatro musical. No musical encontramos a
definição de Stanley Sadie na qual é “um enredo construído sem rigidez, onde se combinam
elementos cômicos e românticos; a música consiste geralmente de canções, números de
conjunto de danças, com melodia de fácil apreensão e de caráter sentimental” (Stanley
Sadie, 1994). Porém essa definição também é encontrada se procuramos teatro musical:
Teatro musical é um estilo de teatro que combina música, canções, dança, e diálogos

273
falados. Ambas estão delimitadas por um lado pela sua co-relação com a ópera e por outro
pelo cabaré. Finalmente se procuramos por teatro musical de Mauricio Kagel encontramos
interessantíssimas filtragens no qual o teatro experimental vem de encontro ao projeto
proposto do corpo desse texto. Relaciona-se principalmente com o teatro instrumental,
usando uma linguagem de corte neodadaísta, renovando o material sonoro, empregando
instrumentos estranhos e material eletroacústico e explorando os recursos dramáticos da
linguagem musical5.
Por sua vez, agora este conceituado teatro instrumental teve mais história nos
Estados Unidos do que na Europa. Os Festivais Once na Universidade de Michigan eram
muito populares e constituía um foro aberto. Artistas criativos exploraram conscientemente
elementos da interpretação que vão além da “música pura” e do som. Estes elementos da
interpretação podem ser abarcados dentro da categoria “teatro” e incluíam dança (atividade
física, gestos humanos e movimentos diversos), cenografia (luzes, justaposição e
manipulação das propriedades dos materiais usados), sons naturais (a integração artística
dos sons e o discurso da atividade no cenário) e a disposição espacial da interpretação
(formas de comprometer e confrontar a platéia).
As partituras para teatro instrumental podem compreender notação convencional
mesclada com direções de movimentos, e também incluem instruções de gestos, discurso,
movimento e sons livres. Aspectos essenciais das interpretações são efeitos com luzes e a
inclusão de filmes, dispositivos diversos, sons gravados, etc. O objetivo era produzir uma
influência de meios combinados sobre os sentidos em geral. Peças de John Cage como o
Theatre Piece (1960) eram peças que poderiam ser executadas tanto por músicos como por
bailarinos e atores e consistia de ações de indeterminância em que grupo de pessoas ou
pessoas isoladas diziam verbos e substantivos espacializados, sendo que os significados
das frases iam se modificando de acordo com as escolhas. Os resultados musicais nas obras
de Cage sempre foram questionados e críticos aprenderam a flexibilizar suas ações e
pensamentos conceituais.
Por outro lado, o teatro instrumental na Europa teve um desenvolvimento musical
mais aprimorado do que na América. Os resultados cênicos e teatrais são mínimos, sem

5
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mauricio_Kagel acesso em 13 de agosto de 2011; BRINDLE, Reginald Smith. La
Nueva Música: El movimiento avnt-garde a partir de 1945. Tradução de Alicia Artal da 2ª. edição revisada
pelo autor, Buenos Aires, Ricordi Americana, 1996.

274
espontaneidade. Porém Kagel, a quem podemos considerar o líder europeu no teatro, tratou
de uma obra no estilo americano: Sur Scène (1959-1960). Esta obra, bastante extensa, é
chamada “música de câmara teatral em um ato” para narrador, mímico, fita gravada, cantor e
três instrumentistas. Os intérpretes surgem e começam a tocar espasmodicamente. Entra o
mímico e executa algumas ações inconsequentes. Por fim aparece o narrador e começa
titubeando uma palestra sobre a música contemporânea. A palestra se faz incompreensível
quando a confusão e a dinâmica aumenta. Em Match, Mauricio Kagel sugestiona a platéia no
texto do programa afirmando que a peça se tratava de um mesmo sonho que surge três
vezes, e que a versão diz respeito ao último no qual seria uma obra para dois violoncelos e
percussão. A obra, a princípio, parece dizer respeito a um duo altamente virtuosístico de
violoncelo com certas intervenções da percussão. Porém, um vai se dando conta que está
tratando de superar os esforços do outro, enquanto que o percussionista atua como um
árbitro, interrompendo de vez em quando com um comentário musical.
Ainda sobre o teatro europeu, em Passion selon Sade (1966) de Sylvano Bussoti
constitui uma amálgama com pitadas de dadaísmo decadente. Um organista vestido com
uma túnica vermelha sangue toca clusters. O cenário fica escuro. Algumas luzes ocasionais
mostram outros músicos, o cantor entra, canta, encosta-se a uma poltrona. Escuridão.
Correntes são arrastadas ao longo do cenário. Uma luz descobre o cantor e o diretor
abraçados, há um desenlace musical geral. O material cênico parece fraco, mas a música é
surpreendente e o efeito geral é soberbo. Esta parece definir a melhor categoria de
expressão do teatro europeu: a música de câmara entendida (ou expandida) através da
associação de um tema ideal, onde os efeitos de luz e os movimentos estão subordinados a
sugestão antes que a ação, e onde a substância musical se mantém a um nível alto.
Resumindo, o teatro europeu, tende a continuação de uma tradição européia substância
musical=significado relevante, enquanto que o teatro americano é um fórum aberto a
experimentação, que cria suas próprias tradições e convenções.
As duas tendências tiveram influência decisiva no Brasil e um dos grandes
representantes foi Gilberto Mendes. Beba Coca-Cola (1967) e Opera Aberta (1976) são
obras que usaram o teatro para argumentar críticas no fazer musical e no comportamento
social e político de um período da década de 1960 e 1970. As sugestões (antes da ação) de
ambas as peças são muito mais fortes do que o tecido sonoro empregado. Embora Beba
Coca-Cola possua um apelo político muito forte nos períodos de afirmação nacionalista, pois

275
estava criticando um produto que vinha do exterior e dominava o comportamento e estilo de
vida do país, a obra musicalmente transmitia críticas fortes à cultura do canto lírico e coral. A
obra é para Coro com palavras sem fonação na qual os procedimentos rítmicos eram
amalgamados a construção concreta do poema de Pignatari. Em determinado momento da
obra, um tenor lírico que consumiu anos de sua vida para sua formação vocal, é convidado
(como intérprete) a arrotar e imprimir a frase “babe coca-cola”. Há depoimentos do próprio
Mendes que a crítica a multinacional do refrigerante nem sempre é percebida. Muitas vezes
não se presta atenção no texto, só se ouve “Beba Coca-Cola” 6. Isso nos faz avaliar a crítica
em relação aos resultados sonoros obtidos em obras de teatro instrumental. Visto que minha
trajetória perpassou esses ambientes, pois vi e vivenciei alguns coros em festivais de
música, inclusive interpretando Beba Coca Cola (Fetival de Londrina 1985), os resultados em
relação ao corpomídia, se não estavam dentro de padrões satisfatórios ou aceitáveis,
estavam ali de alguma forma. Fato este que comecei a incorporar muitos procedimentos em
minhas performances ao violão.
A música contemporânea lida com mecanismos novos e inovadores, estes vão se
corporificando juntamente com a prática e experiência. De acordo com esses mecanismos de
criação inovadores, que levam a uma ação do signo, há uma continuidade por meio de
distribuição e transformação da informação. Esfregar uma corda, ao invés de pulsá-la
desloca o significado do som visualmente, corporeamente e, por conseqüência,
auditivamente (uma das bases do meu pensamento em Compo2010). Dessa forma, como a
cultura em seu todo está no corpo, os sons artificiais e não artificiais, são atos corpóreos,
pois consideramos o instrumento uma extensão do corpo/braço/ante-braço-
mão/dedos/unhas/carne. O som é corporificado, pois lida com a concretude sonora. Na
música contemporânea, além de novas sonoridades (expandidas e preparadas) há
estranhamento e novidade organizacional, como procedimento caleidoscópico desenvolvido
por Ferneighough comentado no capítulo sobre Kampela. Por essa questão novos
procedimentos composicionais lidam com a continuidade e novidade na distribuição e
transformação da informação. Mais interessante ainda, é que dentro dessas composições há
a possibilidade do senso comum e do não controlável, o que nos fornece a “não certeza”
conforme Cerqueira afirma:

6
PRADA, Teresinha. Gilberto Mendes: Vanguarda e utopia nos mares do sul, São Paulo, Terceira Margem,
2010. p.77

276
No instante que uma obra é criada, um novo sistema de certo modo nasce – o
sistema obra –, incorporando e re-funcionalizando em seu eixo outros macro e micro-
sistemas. Assim, todo material e suas leis (naturais ou não) se relativizam e subordinam à
autoridade da obra. Esta, tomando o lugar do autor, termina por criar o seu próprio mundo
(CERQUEIRA, 1991,apud BERTISSOLO).

Tais afirmativas sobre o corpo sonoro lidam com o conceito de que nós somos um
ser sonoro. John Cage foi introduzido numa câmara iconoidal e percebeu que não havia
silêncio, pois seu corpo emitia sonoridades graves (corrente sanguínea) e agudas (sistema
nervoso). Portanto, se o movimento corporal (ou simplesmente o estado corporal) é um
movimento sonoro por si, este movimento integra e qualifica consideravelmente a obra
musical na performance musical. Há desta forma, sonoridades transientes corporais
implícitas na performance musical que contribuem com uma diversidade de informações
estéticas acústicas, que de certa forma podem ser controláveis, manipuláveis ou deixadas ao
indeterminismo.

277
Bertissolo, pg 26. Símbolos para as partes do corpo segundo Laban.

278
ANEXO 4
Anatomia Humana para o timbre

279
Figura 1: O sistema auditivo.

Do ponto de vista dos estudos da anatomia humana há certas reservas em relação


à percepção tímbrica. Podemos encontrar em estudos sobre o aparelho auditivo que “o
ouvido externo coleta o som, o ouvido central transfere energia através do ar para o líquido
do ouvido interno (responsável pelas freqüências altas). O ouvido interno é semelhante a um
caracol e contém fibras (Figura 1). As fibras na parte inicial (externa) detectam as
freqüências graves enquanto que as da parte final (internas) detectam as freqüências mais
agudas. A ciência ainda admite ser um mistério como o cérebro decodifica os sinais elétricos
e os transforma em sensações sonoras7. Desta forma, mais mistérios ainda encontraremos
junto a decodificação do timbre. Por que detectamos diferenças entre as vozes das pessoas
ou, uma mesma freqüência emitida por instrumentos diferentes? Portanto, nosso conceito de
timbre ficará no plano virtual e conceitual.

7 th
RUSSEL & BRADLEY. K. Hobbie, J. Roth. Intermediate Physics for Medicine and Biology, 4 Edition,
Sringer, USA, 2007. p.348. A Medicina do Som.
http://www.amattos.eng.br/Public/INSTRUMENTOS_MUSICAIS/Textos/Medic_Som/Medicina_Som.htm, acesso
em 17 de julho de 2011.

280
ANEXO 5
Timbre e Descrição do Som

281
1 TIMBRE E DESCRIÇÃO DO SOM NO VIOLÃO

O componente básico de qualquer linguagem musical é o som, todavia até o


século XX mesmo o mais elaborado trabalho que lidou com o assunto visivelmente evitou
falar desse vocabulário. Como compositores e intérpretes (performers) ficaram muito
interessados nas sutilezas dessa arte, a necessidade tendeu para uma linguagem comum
permitindo surgir uma eficiente descrição de ideias musicais.
No passado, timbre era definido como a característica do som de diferenciar a
fonte mesmo dividindo o mesmo volume, freqüência e duração, uma característica que
poderia ser grosseiramente exemplificada como a distinção entre “violino” ou “violão”. O que
falar das diferenças sutis dentro dessa categoria instrumental, isto é, diferenças entre um
violino Stradivarius e um Guarneri, ou um violão Ramirez ou um Rubio? E mais importante,
do ponto de vista dos performers, qual é a diferença tímbrica entre uma nota tocada no
mesmo instrumento nas formas abaixo:

ou
J.F. Schouten subdividiu os parâmetros musicais do timbre em cinco sub-
parâmetros:
1. Envelope do tempo no decorrer da ascendência, duração e queda do som.
2. Prefixo – o ataque do som, totalmente distinto da última vibração mais próxima.
3. Envelope espectral – a amplitude das parciais do som
4. Mudança: do envelope espectral (formant glide) e freqüência fundamental (micro-
entonação)
5. A extensão entre o caráter tônico e quase ruído (a extensão da escala da perfeita
periodicidade a imperfeita periodicidade de um ruído randômico, casual)8

8
Schouten, J.F. The Perception of Timbre, Reports of the Sixth International Congress on Acoustics
(Tokyo: GP-6-2, 1968), p.42. Somente os quatro primeiros parâmetros são usuais para descrever o som do
violão em virtude das notas abordarem a periodicidade perfeita, sendo que os elementos ruidistas durante a
duração e declínio da nota são desconsideráveis.

282
Os parâmetros tímbricos podem ser usados para descrever exatamente qualquer
som, de um ranger de porta até o trêmulo de um violino, porém é comum usar equipamentos
científicos para analisar o som nestes componentes. O ouvido humano pode perceber a
frequência de objetos vibrando em qualquer lugar de +ou- 20 vezes por segundo (20hz) até
aproximadamente 20.000 (20kHz). Se um objeto vibra mais de 20kHz, o som não pode ser
percebido como freqüência, e se vibra menos de 20hz, o som é ouvido mais como uma
coleção discreta de eventos do que uma freqüência. O que significa, 20 hz é o tempo
constante do ouvido, o ponto no o qual o cérebro integra eventos discretos. Esse fenômeno é
análogo ao que acontece quando uma imagem em movimento é desacelerada: quadros
individuais são vistos e o movimento é congelado de um quadro ao próximo. Como o filme é
acelerado, um ponto é atingido de forma que o cérebro interpreta a recorrência das
repetições das imagens como um movimento fluente. Para analisar o timbre de um som,
deve-se compreender o que está acontecendo com a vibração do objeto durante essas
vibrações. Uma vez o intérprete entendendo essas ações, ele ou ela poderá manipular as
maneiras com as quais o instrumento vibra para controlar esses parâmetros perfeitamente.
A literatura para violão que aborda o assunto se resume ao livro de Emilio Pujol
que traçava aspectos romantizados das possibilidades e dificuldades de se obter um bom
som. Na época ainda se discutia se o violonista deveria tocar o instrumento com unha
comprida ou sem unha. Porém no final da década de 1980, Schneider publica o seu livro
sobre o violão contemporâneo que traz uma pesquisa assídua sobre a produção sonora no
violão9. Para Schneider, do ponto de vista do violonista, timbre é determinado quase que
completamente pela relação da mão direita com a corda. Isto porque a corda é o primeiro
componente do sistema de geração do som, e porque é o componente com o qual o/a
violonista tem o contato mais íntimo e deve entender como as cordas funcionam. Depois de
entender como as cordas interagem com o resto do sistema, o/a violonista pode aprender
como controlar a sua relação com a(s) corda(as), em termos de parâmetros separados do
timbre, tanto que ele/ela pode utilizar as possibilidades musicais inerentes desse sistema
versátil.

9
SCHNEIDER, John. The Contemporary Guitar (Music) (The New Instrumentation Series) (Paperback), Lt.
Gen. B. E. Trainor USMC (Foreword), Los Angeles,1985.

283
1.1 A CORDA

A maneira como a corda vibra é determinada por sua extensão, tensão e material
com o qual é fabricada. Uma corda vibrando gera simultaneamente diversas freqüências que
são produzidas pela vibração da corda em 2, 3, 4, 5... seções iguais (Figura 3). A frequência
de cada uma dessas divisões iguais é 2, 3, 4,vezes a freqüência fundamental da corda. Por
exemplo, se a freqüência fundamental da corda na Figura 3A for a mesma da 5a. corda do
violão (110 Hz ou ciclos por segundo), quando a corda vibra em duas seções iguais (Figura
1B), sua frequência vai ser 220 Hz; quando ela vibra em três seções iguais (Figura 1C), a
freqüência de cada terça-parte vai ser 330 Hz.

Figura 1. Primeiros quatro modos da vibração da corda.

284
Quando as vibrações são em relações matemáticas simples de 1 : 2 : 3 : 4...., elas
são chamadas harmônicos, e suas frequências são pela série harmônica (Figura 2):

Figura 2. Série Harmônica da 5a. corda (110 Hz).

Tocando a corda em diferentes pontos de sua amplitude, o/a violonista pode


suprimir algumas freqüências e realçar outras, desta forma mudando o conteúdo harmônico
(envelope espectral) global da vibração da corda.
Vários termos frequentemente usados e emprestados para descrever vibrações
musicais na verdade usam sentidos específicos. Os termos são modo, parcial, overtom, e
harmônico10. Modo é usado para descrever a forma de vibração de um objeto, aonde um
parcial é um componente do som, isto é, parte do todo. A freqüência de vibrações mais baixa
é chamada de fundamental e é o primeiro modo ou primeira parcial. Um overtom é qualquer
som parcial encontrado acima da fundamental e harmônicos são aqueles parciais cujas
freqüências são em simples relação com os outros, como definido através da série
harmônica. Dessa forma, o primeiro harmônico de uma nota é a fundamental e não o
primeiro overtom, enquanto que os componentes de uma freqüência do som de um sino, por
exemplo, não são harmônicos e sim parciais, como eles são usualmente chamados
inharmônicos.
Uma vez a corda tocada, o resultado do som depende em parte de número e
resistência das parciais no som – a qualidade chamada de envelope espectral do som. O
“ataque” na corda vai determinar quais parciais vão se apresentar. Quando uma corda é
“atacada” (dedilhada), dois pulsos ou ondas são enviadas em uma trajetória de direções
opostas decrescendo no sentido longitudinal da corda (Figura 3):

10
No original: mode, partial, overtone, and harmonic

285
11
Figura 3. Movimentos de uma corda “atacada”, tocada .

Quando cada uma dessas ondas vibrantes alcança seu limite (Figura 4), é
refletido de volta novamente na direção oposta, invertida:

Figura 4. Reflexo de uma onda do fim de uma corda.

Cada onda então vibra para o outro fim da corda, aonde o processo é repetido.
O fato de essas duas ondas vibrantes estarem se movendo na mesma corda, fará
com que elas se cruzem e interfiram umas com as outras da mesma forma como elas vibram
de um fim a outro da corda. Aonde quer que as ondas se encontrem, suas amplitudes são
adicionadas juntas; se em um determinado ponto as duas ondas são positivas, o valor
combinado vai ser mais amplo do que aquele sozinho. Se em outro ponto uma for positiva e
outra negativa, elas vão se anular e para isso o valor combinado vai ser zero.

11
MORSE, P.M. Vibration and Sound. New York: McGraw-Hill, 1948, p.73.

286
Figura 5. Produção de uma onda ereta de uma corda. (a), (b), (c), (d), e (e) são uma oitava de um ciclo
12
separado.

Na Figura 5a, as ondas vibrantes estão em fase (a crista e o baixo coincidem), e a


resultante da amplitude é mostrada pela forte curva diretamente abaixo. Figura 5b mostra a
resultante da amplitude momentos depois, e como as ondas começam a se mover fora de
fase, e Figure 5c ilustra como duas ondas se anulam uma das outras quando elas estão
completamente fora de fase (a crista de uma onda coincide com o baixo de outra). O
resultado dessa superposição de ondas é chamado onda ereta (standing wave), em virtude
da resultante da onda não se mover ao longo da corda. De fato, em certas partes, os nódulos
de uma onda ereta, não se move; essas são chamadas N na Figuras 6. As seções vibratórias
de uma corda entre os nódulos são chamadas de loops, com o centro de cada loop
designado como antinódulo.

Figura 6. Nódulos (N) e antinódulos (A) onda ereta de uma corda.

12
BACKUS, John. The Acoustical Foundations of Music. W.W. Norton ad Co., Inc, N.Y, and John Murray,
London. © 1977, 1969 by W.W.Norton and Co., Inc.

287
Quando a corda de um violão está vibrando, um nódulo vai ocorrer no suporte dos
dois fins; então, o primeiro ou modo fundamental da oscilação é uma onda ereta com o
antinódulo ao centro e um nódulo para cada fim (Fig. 6). O segundo modo de vibração (ou
segundo harmônico – Fig. 6B) ocorre quando uma onda ereta é produzida com três nódulos
e dois loops. o terceiro modo tem quatro nódulos e três loops, etc. Para um modo de
vibração ocorrer numa corda real, a onda viajante que cria a onda ereta deve ter o mesmo
formato como as loop desse modo. Isto é o que acontece quando um harmônico é produzido:
o dedo da mão esquerda produz um nódulo e o dedo da mão direita (dedilha) cria o loop.
Quando uma corda é dedilhada de maneira tradicional, muitos modos de vibração
são excitados simultaneamente porque o “dedilhador” ativa somente loops e antinódulos de
um modo particular, o que também significa que não produz nenhum modo que tenha um
nódulo no ponto de ataque. Fourier, físico francês do século XIX, mostrou que qualquer
forma de onda pode ser reproduzida pela superposição de senos de ondas escolhidos
sutilmente (ondas harmônicas simples). A Figura 7 mostra fora do lugar (ou afrouxada) para
formar um triângulo ACB, o qual é analisado dentro dos componentes de seus primeiros
quatro senos:

Figura 7. Representação das séries de Fourier da forma de uma onda numa corda para um violão acústico.
Figuras sólidas à direita mostram o efeito de adicionar componentes senos sucessivos das séries; figuras
pontilhadas mostram a forma atual dada pelas séries inteiras.

288
Todos os componentes têm um antinódulo comum no ponto C, o que significa que
a onda é composta somente de harmônicos de números ímpares, desde que todos os
harmônicos de números pares tenham um nódulo no ponto central (Figura 8). É também
evidente que para baixar os lados do triângulo (i.e, reconstituir o modelo inicial da corda),
harmônicos superiores devem ser adicionados a série até que o loop do antinódulo do
componente superior esteja comparável com a amplitude do plectro (ou no nosso caso
unha). É lógico que o fenômeno ocorre de outra forma; a corda não vai produzir harmônicos
que tenham um loop menor que a ponta do plectrum, nem produzir modos com nódulos a
partir do ponto tocado da corda.
Há um método de determinância com o qual harmônicos vão estar ausentes em
qualquer ponto tocado da corda. Para ponto tocado no meio (l=1/2). os números harmônicos
n perdidos são 2 n- , em outras palavras, todos os harmônicos pares estão ausentes.
Quando a corda é tocada em um terço de seu tamanho (l=1/3), cada harmônico terço, ou 3n,
estarão perdidos; quando l-1/4, 4n vão estar perdidos. Em geral, para uma corda ideal tocada
com um plectro muito fino, os múltiplos do denominador na amplitude tocada vão ser o
número de harmônicos perdidos neste espectro. Esta corda ideal é, dentre outras coisas,
completamente flexível. No mundo real, desde que toda corda tem uma rigidez e uma
imperfeição e todo plectro (ou unha) uma amplitude finita, é muito mais realista dizer que
parciais com nódulos na posição tocada vão ser suprimidos, não completamente ausentes.
Como as séries de parciais altas se apresentam, assim como suas intensidades relativas, vai
depender do diâmetro e do material da corda. A diferença entre o tom das cordas de metal e
de nylon dá-se em função da fraqueza elástica do nylon, que tende a extinguir as parciais
mais altas. Falta de uniformidade também ocorre ao longo do comprimento da corda,
mudando a performance da corda.

289
1.2 O TAMPO
Ainda estamos longe, pois falamos somente de uma corda vibrando. O som é
transmitido pela pressão do ar flutuante ou oscilante. Desde que uma corda com sua
espessura fina não é suficiente para mover o ar, precisamos de meios de comunicação da
vibração das cordas com o ar circundante. Isto é obtido quando anexamos as cordas em um
tampo com área e superfície eficientes para irradiar vibrações. A ligação entre as cordas e o
tampo é a ponte. Esta ponte não tem só a função de prender as cordas, mas também ajuda a
determinar o som do instrumento pela influência do quanto a vibração das cordas será
transmitida ao tampo. A construção do tampo é o primeiro fator determinante do caráter
(sonoro) de um instrumento.
Uma corda pode ser considerada um sistema uni-dimensional; o que significa que
seu comprimento é mais importante do que o seu diâmetro. O tampo é um sistema bi-
dimensional: ele tem comprimento e largura (por agora vamos ignorar sua profundidade).
Esse tipo de superfície é chamado membrana ou lâmina (checar com os luthiers, n.t). e
dependendo da sua inflexibilidade, ou da sua amplitude de movimento, pode vibrar em
números de modos simples e complexos simultaneamente, assim como uma corda (Figura
8).

Figura 8. Forma dos quadro primeiros modos normais de um tampo (membrana) retangular.
as flechas indicam as linhas nodas.

Um membrana retangular em modos harmônicos: as freqüências não vão ser em


relações simples como são nas cordas. Um prato ou lâmina, circular, o que é muito mais
semelhante ao do violão, também vibra em número de modos (Figura 10):

290
Figura 10. Formas de uma fração de modos normais de vibração de uma lâmina circular amarrada ou presa ao
seu canto. (flechas apontam para linhas nodais).

Em função do tampo suportar uma tensão muito grande das cordas, assim como
vibrar por simpatia o quanto for possível, as travessas e leques no seu interior são de grande
importância. Deve ser forte o suficiente para suportar a tensão da ponte, porém não deve
inibir importantes modos de vibração. A arte do luthier está em equilibrar esses dois objetivos
para produzir um som vibrante e forte do tampo.

291
Dois tipos modernos de estrutura de leques e travessas são mostrados abaixo:

Figura 11: Modelo Bouchet

Figura 12: Modelo Torres Tradicional.

292
Pesquisadores tem usado técnicas holográficas para gravar os padrões vibratórios
de ressonâncias diversas do violão.

Figura 13: Imagem de holografias.

293
Figura 14: Holograma de um tampo de violão Levin LG17 vibrando em algumas de suas freqüências. Feito na
Universidade Técnica Real de Stocolmo por Dr. Ian Firth da Universidade de St. Andrews, Escócia.

Cada padrão de vibração desse exemplo é um registro holográfico, feito por um


transformador, de um violão vibrando numa freqüência dada. Os padrões da franja ótica das

294
imagens do violão indicam o deslocamento sonoro do tampo. Essas franjas são linhas que
contornam e representam o movimento em três dimensões. Deslocamento máximo
(antinódulos) ocorrem dentro de franjas fechadas, e linhas ou áreas de não deslocamento
(nódulos) são mostrados pelas áreas brancas. Cada holograma representa a vibração do
tampo em uma freqüência dada, porém como somente uma corda pode constituir muitas
ondas simultaneamente, uma membrana também pode vibrar de maneira complexa,
produzindo um tom composto constituído de mais de um modo e desta forma conter mais de
uma parcial.
Esses hologramas são registros de tampo vibrando em seus modos ou
ressonâncias naturais, as quais são determinadas pelo seu tamanho, forma e material. Uma
lâmina pode ser obrigada a vibrar em qualquer freqüência, mas sua resposta a algumas
freqüências vão ser maiores do que de outras. A curva de resposta de freqüência do violão
pode ser determinada por ter criado uma sino onda de movimento no corpo (através da
excitação da ponte com o tradutor mecânico). O resultado dos níveis de pressão do som são
mensurados com um microfone e um gravador de níveis. A freqüência introduzida
gradualmente circula entre 40hz e 20.000hz (20khz), enquanto que amplitude introduzida
permanece constante, e o microfone e gravador registram o nível da pressão do som da
resposta do corpo do violão em freqüências diferentes. Luthiers universalmente não
concordam sobre novos materiais, suportes, ou até mesmo instrumentos de tamanho e forma
anormais. No exemplo abaixo, dois violões de origem nacional diferente, variam amplamente
a curva de resposta de freqüências (Figura 15 e 16).

Figura 15: Violão de construção no estilo do norte Europeu.

295
Figura 16: Violão Manuel Reyes (Espanha, Córdoba, 1966)

Outro fator muito importante envolve a ressonância da lâmina, e de que há ar


dentro da caixa sonora. O corpo do violão atua como um ressonador de Herlmholtz; a
ressonância do ar resulta de uma onda perpendicular criada dentro da caixa sonora. A
freqüência da ressonância do ar frequentemente é de 100hz, e é normalmente mais de uma
quinta perfeita abaixo do que a ressonância da primeira lâmina.
Quando um ressonador como o corpo do violão é excitado por um tom complexo
como um tom vibrador da corda, a curva de resposta do resonador irá moldar o espectro do
sinal da corda advindo, e desta forma afeta o espectro da produção sonora resultante (Figura
17):

Figura 17: A. Espectro de Fourier de pulsos de um trem. B. Curva de ressonância do resonador. C.


13
Espectro de resposta do resonador ao pulso do trem.

13
A Wayne Slawson. Sound, Electronics and Hearing. no The Development and Pratice of Electronic Music.
Ed. Appleton and Perera, p. 41. 1975.

296
1.3 CORDA E TAMPO: UM SISTEMA DUPLO

A corda transmite sua vibração ao tampo pela força que ela exerce no cavalete. A
direção na qual a corda se move vai determinar o movimento do tampo, porém a flexibilidade
do tampo vai também determinar o movimento da corda. Os dois sistemas afetam um ao
outro, isto é, eles são casados, e o violonista pode controlar a quantidade e qualidade da
força aplicada ao tampo pela forma como a corda é dedilhada.
Helmholtz mostra que a força exercida sobre a ponte pela corda, conforme
representação da onda sonora que a corda produz (Figura 18), tem a forma de uma onda
quadrada assimétrica:

Figura 18: Movimento da corda da forma inicial A, e a forma ondular da corda sobre a ponte.

297
Quando o violonista toca a corda ele ouve, não a forma da onda na corda, mas a
vibração do tampo. Essa vibração é determinada pela força da onda na ponte, a magnitude
disto é controlada.
1.4 SONS TRANSIENTES

Todo instrumento musical contém sistema duplo de emissão. Com o movimento


da corda o tampo irá vibrar, mesmo levando algum tempo para o tampo sair do repouso.
Esse “argumento” cria interações complexas entre esses dois agentes que por sua vez,
fazem com que a onda sonora possa ser percebida no início do som. Esse som é chamado
transiente porque acontece rapidamente e desaparece logo que a corda nos informa sua
freqüência própria.
A complexidade dos sons transientes se multiplica quando partimos de diferentes
pontos da corda, iniciando pelo mais tradicional, sul tasto e sul ponticello nos quais os pontos
criam ondulações diferenciadas, até posicionamentos perpendiculares e diagonais da unha
em relação a corda. Proporciona-se uma outra multiplicidade de sons, quando essas técnicas
passam para outros toques como por exemplo, apoiar logo depois do ataque, na corda
subseqüente.
Este capítulo foi necessário para expor as constituintes físicas do instrumento que
proporcionam esse universo sonoro. Aliás, percebemos aqui o porque da investigação e
nomear o trabalho como violão expandido. A expansão nos proporciona uma série
diversificada de ramificações. Consequentemente iremos abordar o sujeito propulsor dessas
expansões. O intérprete violonista que com suas variantes corporais irá expandir as
possibilidades sonoras.

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