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Ricardo Dias
(organizadores)
Sérgio Abreu
e seu tempo
Sérgio Abreu e seu tempo. / Humberto Amorim; Ricardo Dias; Felipe de Almeida Ribeiro e Fábio
Guilherme Poletto (Orgs.). v.1. Curitiba: Revista
. Vortéx, 2023.
228 p. . il.
Catalogação na publicação elaborada por Mauro Cândido dos Santos – CRB 1416-9
1 e-book: (PDF)
DOI: https://doi.org/10.33871/23179937.2023.11.2.8345
ISBN: 978-65-00-82808-5
1. Violão. 2. Música Brasileira. 3. Violão – Sérgio Abreu. I. Amorim, Humberto. II. Dias,
Ricardo. III. Ribeiro, Felipe de Almeida. IV. Poletto, Fábio Guilherme. V. Título.
Catalogação na publicação elaborada por Mauro Cândido dos Santos – CRB 1416-9ª.
Sumário
24 Sérgio Abreu: Classic Guitar’s Renaissance Man (1948-2023) | A Personal Tribute | Alice Artzt
55 Por onde quer que vá, estaremos sempre juntos | Daiane Boza
57 Sérgio Abreu: um modelo que permeou minha trajetória musical | Daniel Wolff
65 Sérgio Abreu: lições do maior de todos | Raphael e Thadeu Maia / Duo Maia
132 Sérgio Abreu: lição de humildade e generosidade que nunca será esquecida | João Luiz
150 Depoimento sobre o arranjo livre para três violões de Sérgio Abreu da obra “Variações sobre um
196 António da Costa Rebelo (1902-1965) e Sérgio Rebello Abreu (1948|2023): breve panorama de
Lista de Figuras
23 Figura 1: Adélia Issa e Sérgio Abreu interpretando, em reunião particular, I will give my love an
apple, do ciclo Folk Song Arrangements, de Benjamin Britten. Foto: Vera de Andrade.
30 Figura 2: Sérgio Abreu e Alice Artzt. Fonte: Acervo pessoal de Alice Artzt.
30 Figura 3: Sérgio Abreu e Alice Artzt. Fonte: Acervo pessoal de Alice Artzt.
50 Figura 4: Paulo Bellinati e Cristina Azuma. Fonte: Acervo pessoal de Cristina Azuma.
50 Figura 6: Cristina Azuma com o seu violão Sérgio Abreu (1987). Fonte: Acervo pessoal de Cristina
Azuma.
56 Figura 7: Outubro de 2022. Sérgio Abreu à esquerda. Crispin Vieira, seu fiel assessor de luteria em
primeiro plano. Jan de Kloe, violonista musicólogo e editor belga à direita. Frederico Sheppard,
64 Figura 8: Daniel Wolff e Sérgio Abreu no apartamento de Sérgio, em Copacabana. Fonte: Acervo
64 Figura 9: Daniel Wolff e Sérgio Abreu empunhando violões. Fonte: Acervo pessoal de Daniel Wolff.
64 Figura 10: Daniel Wolff e Sérgio Abreu ensaiando um duo. Fonte: Acervo pessoal de Daniel Wolff.
72 Figura 11: Programa do Recital-Palestra citado no texto e no qual Edelton Gloeden utiliza dois
112 Figura 13: Piano Stuart & Sons com nove oitavas e 108 teclas.
114 Figura 14: Ex 1 - Paganini Grand Sonata para violino e violão versão para violão solo de Sérgio
Abreu c.1-4
115 Figura 15: Ex 2 - Paganini Grand Sonata para violino e violão versão para violão solo de Sérgio
115 Figura 16: Ex 3 - Paganini Grand Sonata para violino e violão versão para violão solo de Sérgio
117 Figura 17: Ex 4 - PaganiniPaganini Grand Sonata para violino e violão versão para violão solo de
117 Figura 18: Paganini Grand Sonata para violino e violão versão para violão solo de Sérgio Abreu
140 Figura 24:Tonadilla (c. 81-82) violão 1 original.Fonte: elaboração do autor (editoração da partitura
publicada).
140 Figura 25:Tonadilla (c. 81-82) violão 1 alternativa Sérgio Abreu. Fonte: elaboração do autor.
141 Figura 26: Tonadilla (c. 73-74) violão 1 original. Fonte: elaboração do autor (editoração da partitu-
ra publicada).
141 Figura 27: Tonadilla (c. 73-74) violão 1 alternativa Sérgio Abreu. Fonte: elaboração do autor.
142 Figura 28: Tonadilla digitação de Sérgio Abreu (1999). Fonte: arquivo pessoal do autor.
170 Figura 29:Humberto Amorim, Marcelo Fébula, Ricardo Dias y Sérgio Abreu.
171 Figura 31: Humberto Amorim y Vicente Paschoal sumergidos en los archivos personales de Sér-
gio.
173 Figura 34: Marcelo Kayath, Sérgio Abreu and Leo Brouwer.
175 Figura 36: “Cinquentenário / Homenagem ao 50º aniversário do grande amigo Marcelo Kayath.
178 Figura 37: Sérgio Abreu, Prof. Monina Távora e Eduardo Abreu.
180 Figura 38: Sérgio e Olga no júri do 2º Concurso Internacional de Violão, Rio de Janeiro, 1980.
193 Figura 39: Encontro na Cinelândia após o recital do violonista Flávio Apro no Centro Cultural da
Justiça Federal em 20 de julho de 2019, pela série Violões da AV-Rio. Em primeiro plano: Vicente
Pascoal (violonista) e Sérgio Abreu. Em segundo plano: Roberta Mourim (violonista e pesquisado-
ra) e Flávio Apro. Em terceiro plano: Raphael e Tadeu Maia (Duo Maia).
193 Figura 40: Foto tirada após o concerto realizado na sala Cecília Meireles em homenagem à Olga
Praguer Coelho, quando Nelson Freire, Fábio Zanon, Marcia Taborda e Rosana Lamosa apresenta-
ram uma seleção de obras em tributo à cantora e violonista. Na Foto: Suely Franco, Sérgio Abreu,
197 Figura 41: Viola da Terra, dos Açores. Foto: Cortesia do guitarrista açoriano Rafael Carvalho.
PREFÁCIO
Fabio Zanon
violão com quinze anos de idade; a gente notava até um certo desdém
pelos seus próprios feitos. Todos nós, seus herdeiros, teremos uma
história de dificuldades intransponíveis que foram superadas com
um comentário lacônico e certeiro como um raio laser, vindo da boca
do Sérgio. Esse segredo era revelado com tanta naturalidade que não
havia como não pensar que ele já tinha chegado ao mundo assim,
pronto, mas sem a menor necessidade de propagandear suas habili-
dades ou de colocar os mortais de joelhos com sua formidabilidade.
Ele estava contente como um anjo classe II, não precisava brilhar ou
rufar as asas.
De anjo, Sérgio carregava também um pouco do desconforto de
existir num mundo que lhe era um pouco alheio. Isso foi ficando mais
acentuado nos últimos anos; parecia que a cabeça dele estava sempre
em outro lugar. De uma certa forma, sua gentil intransigência foi a
maneira que encontrou para se encaixar um pouco melhor no mundo.
Muita gente não consegue definir como intransigente uma pessoa tão
polida, suave e marota, mas o fato é que ele abriu mão de seu maior
bem - a carreira de concertista - e escolheu uma profissão sedentária,
em que podia consolidar seu trabalho sem o esforço de ter de se exer-
citar somente para manter o que já sabia fazer, ou de se deslocar cons-
tantemente. Ele evitava viajar sem necessidade; acordava, dormia e
trabalhava quando queria, sem olhar para o relógio; só ouvia a músi-
ca que queria, comia a comida que queria, bebia o vinho que gostava
e pouca atenção dava para a roupa que vestia, os objetos que tinha
em casa ou para as preocupações mais comezinhas que consomem a
maior parte das horas de quem tem um trabalho mais convencional.
Sua proverbial generosidade e polidez, que o impediam de cometer
qualquer indelicadeza e de negar ajuda foram contrabalançadas por
uma vida pessoal discreta em que era devotado aos parentes e amigos
mais próximos, mas que não incluiu vínculos afetivos agregados a al-
deu um sorrisinho.
-Conversei com o maestro e ele aceitou minhas sugestões de me-
xer um pouquinho na orquestração...
Estive com o saudoso e grande Nelson Freire numa apresentação
na qual eu estava na organização. Conversamos um pouco, perguntou
se o Sérgio estaria lá também (Estaria). Nos anos 70 eles tiveram a
mesma empresária, comentou que não o via havia muitos anos.
-Era um músico extraordinário, além de uma pessoa encantado-
ra.
Além, claro, de ter sido um dos maiores violonistas da história.
Alguns diriam O Maior, mas isso não existe em música. Está no Olim-
po, e pronto.
Mas ser músico é mais que isso. Possuir um ouvido único ajuda.
Ser capaz de discernir na massa sonora esta ou aquela característica,
como deveriam os maestros, idem. Mas ter gentileza e disponibilida-
de para orientar TODOS que se acerquem já amplia o espectro. Sérgio
passou a vida distribuindo conhecimento, mas de forma despreten-
siosa, delicada. Um amigo querido estava compondo uma música e
estava travado. Ele ouviu a peça, e comentou:
-Por que você não tenta na metade da velocidade?
Tentou. Destravou. E ficou ótima.
Mas isso é apenas um pedaço de sua vida. O que mais o motiva-
va era a luteria. Tinha um método único, passo a passo – mas passos
minúsculos. De um instrumento para outro modificava algo quase
imperceptível. Com toda a razão, achava que para saber qual a altera-
ção sonora causada pela mudança, deveria haver uma e apenas uma
razão. Fez 496 violões para a fábrica Giannini e 767 com seu nome.
De um número para o outro, quem inspecionasse o instrumento não
distinguiria nenhuma diferença; mas do centésimo para o ducentési-
mo a diferença era gritante, e assim por diante. Mas cada um deles de
primeira qualidade.
E era intransigente. Fazia violões que ELE gostasse. Era seu cri-
tério único, nunca fazia concessões. Ajustava de forma quase mágica
a sonoridade para quem o fosse tocar, mas sempre dentro de seu es-
pectro. Integridade artística em seu apogeu.
Mas Sérgio era um ser humano único, e é dele que, como disse,
quero falar.
Toda vez que viajava, ele deixava comigo cartões de banco, cha-
ves, senhas. Nunca temeu a morte, sempre – como eu já disse – acei-
tava o inevitável. Antes de uma dessas viagens, eu havia comprado
uma mala com rodinhas. Sim, havia um tempo em que malas não ti-
nham rodas! E ele usava umas muito velhas, meio caindo aos pedaços.
Liguei para ele contando a novidade, dizendo das maravilhas desse
objeto. Ele, pouco afeito a novidades, não ligou a mínima. Fui até ele,
levando o novo tesouro. Ele olhou para aquilo com desconfiança, pe-
gou, andou pela sala – pequena. Voltou. Foi. Voltou. Ficou indo de lá
para cá empurrando a mala. Foi na oficina e pegou um torno, coisa de
uns 10, 15 quilos. Colocou na mala, e continuou andando de um lado
para o outro. Colocou umas madeiras para aumentar o peso, e repetiu
o processo. Uma hora depois, se declarou satisfeito:
-É, parece que isso funciona.
Comprou 5 no dia seguinte.
Como disse, o conheci quando ele tinha 37 anos. Nos deixou exa-
tos 37 anos depois. Fomos amigos por metade de sua vida. Me formou
como músico, como luthier, como ouvinte. Fui das poucas pessoas
que teve aulas formalmente com ele – uma experiência assustadora,
seu nível de exigência era brutal. Ele buscava a perfeição em tudo
o que fazia. Se não merecia ser perfeito, não merecia ser feito (não,
essa frase de efeito não é dele, saiu sem querer). Era obcecado pela
coisa certa. Nunca se esforçou para ser diferente, nunca mudou seu
comportamento pela presença de ninguém. Tratava todos da mesma
forma, do presidente da República ao funcionário mais humilde – e
não por educação formal, mas por, internamente, não reconhecer di-
ferenças entre pessoas. Ele era ele 24 horas por dia. Foi amado por
todos que o conheceram. Cobria nosso panorama violonístico como
Batman zelando por Gotham City: estava lá, discreto e invisível. Quan-
do precisavam, surgia e resolvia tudo.
Para Sérgio II
Maria Haro
In losing Sérgio Abreu, the classic guitar world has, without exa-
ggeration, lost one of its all time most luminous stars. Sérgio excelled
in everything he ever decided to do. He was undeniably a brilliant ge-
nius, but also a very kind, funny, warm, generous friend. He influen-
ced me greatly and helped me in my own career in countless ways, as
well as influencing many other guitarists and composers.
Both as a soloist, and performing with his brother Eduardo as a
duo, he was a perfectionist - a true virtuoso, with impeccable musi-
cianship, as his LP records (for Decca, CBS and Ariola) demonstrate.
He would tackle any technical problem with imagination and tenaci-
ty. I remember once in Rio, playing him a harpsichord record of a fast
and complicated Scarlatti sonata, and saying it was a pity that such a
nice piece would be impossible to play on the guitar. Later that day, I
noticed he was sitting at the dining room table trying out a few ideas
from that piece on the guitar. That evening he was still at it. By the
next morning, having worked all night, he actually had figured out
how to play that “impossible” piece on one guitar. I remember ano-
ther instance, when we were both playing in a festival in Porto Alegre
in southern Brasil. I performed Bach’s First Lute Suite, and he told
me that the way I had fingered part of the Gigue (which I had already
worked very hard on figuring out) was much more difficult than it
had to be…. he had a better way to do it. I took one look at his solu-
tion (which he had worked hard on) and didn’t think it was all that
much easier. So together, the two of us went back to the hotel, tried
out everything we could figure out, and finally came up with a much
better fingering we both liked. All that probably represented a total
of maybe 20 or so hours of work between the two of us - just for those
few measures of music. But it made that passage work much better.
Sérgio also made many wonderful, skillful transcriptions of mu-
sic (from different historical periods and in widely varying styles) for
himself and his brother to play. But later, he also transcribed Grana-
dos’ Valses Poeticos for me to play as a duo with several other gui-
tarists. And for my guitar trio, he transcribed and arranged many
pieces from Leonard Bernstein’s West Side Story, and a lot of music
composed by Charlie Chaplin for his films. He did the Bernstein and
Chaplin just by listening - by ear - with unbelievable ease. With his
usual modesty, he commented that it was no big deal - that he just
had to figure out what key to put it in, and it was done.
He also branched out into other aspects of music. In the early
1990s, he came up from Rio to the United States to produce a recording
of my Trio for a CD (first issued by Bay Cities and later reissued on the
GRI label.) And years later he managed to salvage an earlier album of
mine, some three decades after the fact. A California label, for whom I
had recorded a lovely selection of baroque music, released it without
my knowledge or approval as a totally disastrous LP - so drastically
flawed that I had to do my best to quickly get it off the market. (That
original LP was a horrific unlistenable mess with various measures
in some of the pieces completely missing, and also many mechanical
flaws in their equipment had caused frequent mis-matched speeds
and pitches in the recording.) Knowing of my disgust with the album,
Sérgio used his computer, his wonderful ears and musical skill, to
completely re-edit that record, using mostly parts of the actual faulty
record, along with some 7 3⁄4 ips copies of tapes from the recording
piece I’d enjoy playing, so she said she’d write to ask him to send me
a copy. Then shortly afterwards, on that same tour, tragically, Ida
Presti died. Jack Duarte then sent me the piece, and asked me if I’d
take over for Presti and do the fingering. After checking with La-
goya, I agreed, and so I got to know Jack. The following year, when
I went to the UK to play my London debut recital, I of course visited
Jack and his wife Dorothy. By pure chance, my timing coincided per-
fectly with Sérgio and Eduardo’s first London visit. Jack always made
it a point to invite any guitarists who ever set foot in London to come
to dinner at his house. On this occasion, he showed me a flyer with a
very unprepossessing photo of Sérgio and Eduardo, who were also to
play a debut concert in London, and said he had invited them to din-
ner. They were in London with their father, and Jack had determined
that none of them spoke anything but Portuguese except Sérgio, who
could speak French. Jack already knew I spoke French, so he asked
me to come to dinner as well, so I could translate Sérgio’s French and
we could all converse.
Jack had invited the duo to dinner, despite the fact that he had
little hope that they were any good - judging from that horrible photo
on their flyer, that made them look like a pair of drunk dope addicts.
Because of various other misunderstandings, Sérgio had also got the
impression from Jack that I would be a disaster too. So after dinner,
when Jack handed out guitars and asked us to play for each other,
we were all very noticeably shocked to find that neither they nor I
turned out to be the disasters we had each expected. I still clearly re-
member the wonderful Vivaldi duo they first played at Jack’s house
- absolutely flawless technically, and superb musically in every way.
I was absolutely blown away by that very unexpected performance.
Sérgio and I had each noticed the others’ reactions to our res-
pective playing, and we discussed and laughed about this afterwards.
time). And when Sérgio and his brother and father returned to Rio,
they contacted the Rio Guitar Society, who pestered the U.S. Cultural
Affairs Office there until they agreed to get the U.S. State Department
to bring me down to play 10 concerts all over Brasil. So my meeting
Sérgio and his family was instrumental in starting both my recording
and my international touring career.
Once Sérgio was back in Brasil, we started writing very long let-
ters to each other - discussing every aspect of music and performan-
ce we could think of…which conductors we preferred and why…who
did the best version of a particular symphony, or piano or violin so-
nata etc, and why. We began writing in French, but pretty soon, Sér-
gio wrote me that although he had no idea how to pronounce English
at that time, actually his written English was a lot better than his
written French. So we switched to writing our very long letters in
English. I kept most of his letters - a big box full.
I am having great difficulty imagining my world, and the world
at large, without Sérgio in it. I keep thinking of things I need to tell
him or share with him - or questions to ask him that he’d know the
answers to. And I know that I am not alone - that I share this fee-
ling with everyone who knew him. He needed to stick around much
longer. The musical world, and the world of the classic guitar, are all
enormously poorer now because of his absence.
Breno,
Uma das coisas mais comuns é a mão esquerda agarrar o braço do violão
numa atitude semelhante à de se agarrar no corrimão de uma escada quando
a pessoa está com medo de despencar lá embaixo. Na verdade, quanto menos
o polegar da mão esquerda interferir, melhor, já que tocar ele não toca nada,
e não deve nunca trancar a mão fazendo como se fosse um alicate agarrando
o braço, especialmente em pestanas, já que o indicador consegue muito mais
pressão quando se usa somente o antebraço para puxar esse dedo, deixando
assim o polegar, bem como o médio, o anular e o mínimo soltos e relaxados,
e a mão toda igualmente solta quando for a hora de largar a pestana para
mudar rapidamente de posição.
martelo sem bater. É fácil dizer “Você está tenso, você precisa relaxar”. Re-
laxar o braço e a mão completamente é fácil, mas a mão simplesmente cai e
não faz nada.
Então a questão não é relaxar tudo, mas relaxar tudo o que for possível,
usando só o que for necessário, e também conseguir o máximo de eficiência
dos movimentos utilizados em vez de apenas apelar para a força. As artes
marciais orientais dão excelentes exemplos de como é possível se conseguir
eficiência no uso do corpo para se fazer o que quer que seja.
Quando você diz “percebi que quando eu tocava o meu braço esquerdo
não estava relaxado”, isso significa que você está descobrindo o caminho
correto. É exatamente esse o único caminho, não há alternativa, muito me-
nos mágica. Só se corrige qualquer defeito quando se descobre exatamente
Estou contente em saber que você está tocando novamente. Como num
barbante todo emaranhado, o mais complicado é achar a ponta por onde co-
meçar. Achando-a é possível começar o desembaraçamento e ir progredindo
aos poucos. No início é lento e pode parecer quase impossível, mas, à medida
que se vai desembaraçando, mais fácil vai ficando e mais rápido o progresso.
Grande abraço,
Sérgio
Ouvi o Duo Abreu, pela primeira vez, no intervalo de uma das au-
las com o professor Henrique Pinto, na casa onde ele morava com os
pais. Eu estava, à época, com 12 anos e Henrique me preparava para
um exame de admissão em um conservatório musical. The Guitars
from Sérgio and Eduardo Abreu era o título do Long Play, que trazia
na capa a foto de dois jovens com semblantes sérios. Na foto, um deles
segura um violão e as mãos de ambos aparecem em primeiro plano. A
imagem me encantou logo de início, mas a surpresa foi ainda maior
no momento em que ouvi os primeiros acordes daquela linda Pavana,
Sir John Langhton’s Pavan, do compositor renascentista inglês John
Dowland. Já o segundo LP dos Irmãos Abreu, ganhei de presente de
meu pai.
A primeira oportunidade de ouvir Sérgio e Eduardo Abreu ao
vivo aconteceu em junho de 1974, no teatro do MASP – Museu de Arte
de São Paulo Assis Chateaubriand. Aos 15 anos de idade, eu fazia parte
do grupo de alunos de Henrique Pinto na primeira fileira da plateia.
Foi um concerto inesquecível, ainda presente em minhas lembranças
Sérgio, amigo
concentração.
A partir daquele momento, Sérgio e eu mantivemos contato, nos
tornamos amigos e passamos a conversar sobre os mais diversos te-
mas.
Uma digitação especial que ele usava em alguma passagem de
uma obra, como eram as suas estratégias de estudo, o andamento de
alguma música etc. Também pude visitá-lo algumas vezes no Rio de
Janeiro, queria me ouvir tocando nos violões que tinha. Sempre achei
que não tinha nada a ver com a minha maneira de tocar, mas a curio-
sidade dele de ouvir os vários violões.
Aos poucos meu repertório foi mudando. Comecei a estudar pe-
ças tocadas pelos Abreus, tanto os solos quanto os duos com o amigo
Giácomo Bartoloni. Mudei o meu foco sonoro em busca de alcançar
a qualidade das interpretações da dupla, que considerava de outra
dimensão.
Lógico que não se toca como o seu ídolo da noite para o dia, e es-
tes pequenos contatos não mudaram o meu som definitivamente ou
a minha técnica, mas creio foi mudando aos poucos a minha postura
em relação a fazer música. Sérgio sempre teve a sua assinatura pró-
pria em tudo o que fazia e, ao final, imitar assinatura de alguém nem
sempre é o melhor caminho para encontrar a sua própria. Tentar uma
cópia pode fazer parte do aprendizado, pode ajudar, mas nem sempre
é o caminho.
Acho que uma coisa importante é que ele sempre teve uma po-
sição muito honesta com o que fazia e com a música. Nunca teve a
necessidade de se enfeitar com fama ou sucesso.
A partir desse desenvolvimento, tive a oportunidade de possuir
um dos instrumentos de Sérgio Abreu, um violão David Rubio, de
1974. Com esse violão peculiar e executando parte do repertório solo
dos Irmãos Abreus, cheguei ao primeiro lugar no importante concur-
Sérgio, luthier
Depoimento
Crispim Vieira 1
1 Nota dos editores: Auxiliar de luteria de Sérgio Abreu em seus últimos 12 anos de vida, Crispim
Vieira foi convidado a escrever um testemunho sobre esses anos de trabalho ao lado de Sérgio,
mas não se sentiu apto à tarefa por conta do abalo ainda latente da perda. Como se trata de um
profissional e amigo decisivo para o homenageado, Ricardo Dias sugeriu que ele concedesse
o depoimento espontaneamente, por áudio, predispondo-se a, posteriormente, transcrevê-lo em
texto. Ainda assim, o relato precisou ser interrompido logo no início, pois ambos os luthiers se
emocionaram. Por se tratar de um depoimento recolhido por áudio, optamos por manter o caráter
informal próprio de um testemunho do gênero, mantendo as suas idiossincrasias e aproximando,
tanto quanto possível, o registro escrito do falado.
2 Nota de Ricardo Dias: bairro do Rio de Janeiro próximo à Copacabana.
3 Nota de Ricardo Dias: Sérgio sempre se preocupava com a segurança no uso de ferramentas, já
que algumas podem ser potencialmente perigosas.
4 Nota de Ricardo Dias: Nesse momento, fomos forçados a terminar a conversa. Crispim ficou com
a voz embargada, não conseguiu mais. Posso testemunhar que Sérgio tinha absoluta confiança
e amizade por ele.
Figura 5: Capa do CD
Pingue-Pongue, de Cristina
Azuma e Paulo Bellinati.
Figura 6: Cristina
Azuma com o seu violão
Sérgio Abreu (1987).
Fonte: Acervo pessoal
de Cristina Azuma.
*Artigo originalmente publicado na revista Soundboad Vol. 49 n.1 da Guitar Foundation of Ame-
cher, Pat Lister, George Love, Jean Larrivée, Gutemberg, Daniel Frie-
derich, Michael Gurian, John Gilbert e Hermann Hauser II, filho de
seu ídolo” (DIAS, 2015, p.210). E apenas alguns sabem que seu avô
também era um construtor. José Romanillos e David Hirschy também
devem ser incluídos na lista de luthiers que mantiveram amizade
próxima a Sérgio. Desenvolvendo essa segunda carreira, Sérgio reno-
vou e disseminou o conhecimento da construção de violões no Brasil,
iniciando um renascimento desse ofício e orientando diretamente e/
ou indiretamente uma infinidade de fabricantes de violão brasileiros.
Ele também foi responsável por vender instrumentos internacionais
de alta qualidade a preços abaixo do mercado internacional, fazendo
com que os músicos brasileiros tomassem consciência de como um
verdadeiro violão poderia soar. Com essa mesma mentalidade cari-
dosa, muitos anos antes (nos anos 70), ele foi quem emprestou aos
irmãos Assad seus primeiros instrumentos de qualidade por quatro
anos (DIAS, 2015, p.24).
Ele será lembrado por suas poucas, mas profundas palavras, seu
gosto por vinho, suas camisas xadrez e por colocar jacarandá de qua-
lidade na estreita entrada de seu estúdio, tornando difícil entrar e
difícil sair. Mesmo muitos anos distante de sua carreira como intér-
prete, sempre que ele experimentava um instrumento dedilhando
rudimentarmente as cordas soltas, sem unhas, todos ficavam em si-
lêncio. E para os músicos nesses dias barulhentos e modernos, o si-
lêncio é provavelmente o maior sinal de respeito que alguém pode
receber. O silêncio eterno o levou em 19 de janeiro de 2023, mas suas
gravações e seus violões manterão sua voz viva neste mundo. E essa
voz ressoará com poucas ou muitas palavras, quem sabe? Mas certa-
mente serão profundas...
Relato curto
Daiane Boza
Começo meu relato com uma certeza: Faço parte de uma multi-
dão de pessoas que tiveram a honra de conhecer a história do gênio,
Sérgio Abreu; porém, não tiveram a mesma sorte em conhecê-lo pes-
soalmente.
E mesmo sem ter tido o prazer de desfrutar de sua presença,
sinto como se o conhecesse de uma forma transcendental, como se
tivesse passado muitos momentos em sua companhia, ouvindo suas
histórias e rindo de seus comentários engraçados. Mesmo não tendo
uma vasta história de amizade com o Sérgio, sempre o senti como
meu amigo, tamanha minha admiração por ele. Admiração a qual me
criou um desejo de poder homenageá-lo em vida, algo que poucos
fazem. Foi assim que idealizei um Duo em sua homenagem, que além
de ter sua bênção, também foi batizado por ele em parceria com o
querido Ricardo Dias, nascendo assim o Duo Rebello; onde a escolha
do nome foi uma homenagem do Sérgio ao seu avô, Antônio Rebello.
Minha criação tem como premissa enaltecer os violões Abreu
e manter viva sua memória através das obras interpretadas em sua
carreira, assim como as obras que eram de seu deleite. Em 2022 ini-
ciei a catalogação dos selos através das informações enviadas pelos
prioritários de violões Abreu; e posteriormente através dos cadernos
de encomendas do próprio Sérgio. Alegra-me saber que minhas ini-
ciativas tomaram uma proporção muito maior do que eu imaginava,
dando origem a um artigo contendo essas informações tão preciosas.
Sabemos que todas as homenagens prestadas jamais serão o suficien-
gio teve sobre mim, nossa convivência tenha sido tão esparsa. Foram,
não obstante, encontros muito especiais para mim, os quais guardo
com muito carinho em minha memória. Sérgio Abreu foi um modelo
para muita gente, um exemplo com sua incansável busca pela per-
feição, seja como violonista, como arranjador, como luthier, enfim,
como pessoa. Ele agora repousa nos céus, onde deve estar fazendo
música com Bach, Scarlatti, Paganini, Sor, Rodrigo e tantos outros
compositores que ele interpretou magistralmente em vida.
Figura 9: Daniel
Wolff e Sérgio Abreu
empunhando violões.
Fonte: Acervo pessoal
de Daniel Wolff.
atenção na sincronia.
Naquele momento, entendemos um pouco como deveríamos es-
tudar dali para frente.
Nosso som sempre foi muito diferente e essa sempre foi a nos-
sa maior dificuldade para começarmos a tocar em duo. Sérgio falou
para estudarmos gravando os ensaios. Não precisava ser uma música
inteira. Mas o importante era casarmos o nosso som e ajustarmos os
trechos com precisão.
Quando ele fez os nossos violões, em 2009, pedimos violões gê-
meos. Ele perguntou se queríamos violões diferentes, mas pedimos
violões idênticos. Isso acabou ajudando bastante na união dos nossos
timbres.
Nossa admiração sempre foi profunda e com muito respeito. Na
última vez que ele nos viu tocar, em 2022, apresentamos um arranjo
nosso do 1º Mov. da Sonatina para piano, de Edino Krieger. Ele gostou
e disse “eu sempre achei que isso iria soar bem para violão”. Talvez
esse tenha sido um dos maiores elogios que já recebemos.
Fica a saudade de poder pegar o telefone, ligar para ele durante
a madrugada e perguntar como ele resolveria determinado trecho
musical; era uma coisa que adorávamos fazer.
A forma como ele recebia a todos, sempre disposto a ajudar, com
extrema humildade, independentemente do prestígio ou conheci-
mento musical do interlocutor, talvez seja o seu maior legado.
E que assim possamos aprender algo com o maior de todos os
violonistas.
Obrigado, Sérgio Abreu.
Sérgio Abreu
Edelton Gloeden
ção que Sérgio fez para eles das Valses Poéticos, de Enrique Granados.
Quando o nível etílico já ultrapassava os limites, Sérgio tirou Maria
Haro para dançar, uma cena inusitada!
Em sua oficina, foram horas e horas experimentando e compa-
rando seus novos instrumentos e os de sua coleção, sempre acom-
panhadas de bons vinhos. Ele fazia questão de me hospedar em seu
apartamento, onde ouvíamos e conversávamos sobre música em ge-
ral e, às vezes, comentava sutilmente as excentricidades do mundo
do violão. Nos últimos encontros, lamentava a falta da presença do
violão em grandes séries de música de câmara, como acontecia em
sua época de músico atuante no Brasil e exterior.
Certa vez, folheando uma biografia de Vladimir Horowitz que
estava em sua sala, eu comentei sobre o encontro histórico do pianis-
ta com Sergei Rachmaninov, quando tocaram obras para dois pianos
deste compositor russo. Sérgio começou a conjecturar sobre o en-
contro e, por um momento ficou em silêncio, possivelmente ouvindo
interiormente a música e sentindo toda a atmosfera do encontro, e
depois comentou: “Dá para imaginar!”
Dois fatores sempre me causam desconforto: microfones e palco.
Entretanto, em sua presença, eu sempre me senti bem em reci-
tais, seções de gravações e experimentando informalmente seus vio-
lões.
Sérgio combinava objetividade e simplicidade em seus comen-
tários, feitos sempre de forma tranquila e construtiva, e tinha ideias
muito claras sobre os diversos assuntos relacionados à performance
e luteria. Sérgio foi um músico além de seu tempo e não se restringia
ao mundo do violão, pois possuía uma cultura musical ampla e sofis-
ticada. Frequentemente trocávamos gravações e partituras, e quando
eu tocava alguma obra que ele não tinha ou não conhecia, se mostra-
va interessado pelas partituras. Foi assim com a Fantasia, de Roberto
vo. Era nada más y nada menos que cumplir con su oficio de intérpre-
te del mejor modo posible, ubicarse como un músico frente a la pieza,
no como un mero guitarrista, trascender lo instrumental para llegar
a lo espiritual. Si eso es modernismo, quién no quisiera ser modernis-
ta.
Y lo que hacía Sérgio no surgía solamente de su enorme talento
como guitarrista. Implicaba un conocimiento profundo de la música,
de toda la música, y una capacidad natural de empatía frente a dife-
rentes estilos. En ese comienzo de la Ballade-Phantasy, y simplemen-
te a modo de ejemplo, había muchas horas de escuchar y entender a
fondo a Chopin y Liszt.
Me he concentrado en esos primeros segundos, pero no es nece-
sario decir que no fueron ninguna casualidad. Sérgio, al menos en esa
época, estudiaba con metrónomo; esto lo sabía por medio de Santór-
sola, en cuya casa se quedó el dúo en esa ocasión. Eran horas y horas
de trabajo minucioso, comenzando muy lento; no se trataba de sim-
plemente aprender la obra, estudiaba así aunque la obra estuviera ya
completamente dominada. Estudiar de esa manera obliga a meditar,
explorar, encontrar. Es un proceso enormemente lento y laborioso,
y no carece de peligros. Me recuerda la vieja historia tibetana, de un
diente de mono que alguien creía que era el diente de Buda. Lo ha-
bían colocado en un altar y se le rezaba todos los días; al cabo de un
tiempo, el diente comenzó a resplandecer en la obscuridad. Cualquier
obra estudiada de esa manera adquiere una carga de devoción que
le otorga profundidad. Recuerdo que en Londres Sérgio estaba estu-
diando la Gran Sonata de Paganini, y pude seguir algo de ese proceso.
Estudiaba el movimiento lento con una paciencia infinita, saborean-
do cada nota y cada frase – y después de un tiempo, todo comenzaba
a resplandecer. Con todo, no sé si Sérgio hubiera continuado estu-
diando de ese modo. Es muy tentador especular sobre cómo hubiera
Quizás esa fue una de las razones; había en Sérgio algo de aspirar a lo
sobrehumano o aún a lo inhumano (quizás por eso tantos han hecho
referencia a su naturaleza angélica), algo que el oyente sentía con ab-
soluta claridad y lo hacía enormemente atractivo como modelo, pero
que era quizás problemático para él, y me atrevo a pensar, difícil-
mente sostenible a largo plazo. Como fabricar guitarras no se hace en
tiempo real, no existe esa presión de performance, y me imagino que
eso puede haber sido un factor en su decisión. No hay que subestimar
también la dificultad (que existe aún ahora pero en ese momento era
mucho mayor) de desarrollar una carrera internacional desde un país
periférico, incluso desde un país enorme como es Brasil.
Cuando Sérgio decidió dedicarse a la guitarra, la música proba-
blemente se perdió un gran director de orquesta. No sé si lo hubiera
llegado a ser, porque el mismo problema del anhelo de pureza absolu-
ta y trascendencia hubiera estado presente, y quizás hubiera sido aún
más agudo y frustrante para un director, que necesariamente depen-
de de la colaboración con otros músicos. Si Sérgio estaba insatisfecho
con sus propias ejecuciones, qué hubiera pasado con él lidiando con
una orquesta; quizás hubiera llevado a una maduración, a una evolu-
ción que en el fondo no hubiera sido para nada negativa. Pero quiero
decir que Sérgio tenía la mentalidad de un director de orquesta, de
ver las cosas de forma global y en profundidad: por eso los planos son
tan definidos en sus interpretaciones y todo se entiende con una cla-
ridad maravillosa; la versión del “Preludio, Fuga y Allegro” de Bach
(en vivo en New York en 1974) es ejemplar en ese sentido y en tantos
otros. Curiosamente, el color, el “tono de voz”, no parece ser una va-
riable para él, y a veces parece que tocara en blanco y negro. Pero qué
exquisita gama de grises y qué inigualable comprensión del conjunto.
Los Estudios de Sor, en su última grabación, me parecen tambi-
én emblemáticos de su estilo de intérprete. ¡Qué es lo que hace que
esa grabación sea tan memorable? Hay virtuosismo, sin duda: ¿cuán-
tos pueden tocar así? Pero el objetivo no es brillar. Sérgio los trata
como música (después de todo, el mismo Sor definía a un “estudio”
como una pieza de música); les dedica la máxima y la más iluminada
atención, lo mismo que un gran pianista haría con una sonata de Bee-
thoven. No trata de aplicar técnicas históricas, que por otra parte no
eran conocidas y no le interesaban a nadie en ese momento. Pero sí se
concede una enorme libertad a la hora de abordar las piezas. No hay
referencias a la tradición interpretativa: Sérgio parte de la partitura,
del texto, quitándole el polvo acumulado a lo largo de los años y de
tantas versiones (recuerdo a Boulez diciendo que la tradición es la
última mala interpretación). Así el estudio en Re mayor op. 35 Nº 17,
por ejemplo, se transforma en un lied prácticamente schumanniano,
reteniendo las armonías que se van formando, y no necesita de gran-
des rubatos para que la articulación de las frases sea meridianemente
clara y enormemente expresiva – de todos modos es una clase magis-
tral sobre cómo aplicar el rubato. De nuevo, la obra adquiere una cor-
poreidad tridimensional y revelatoria. Como todas las ideas geniales
en interpretación, parece obvia una vez que la oímos, pero a nadie
se le había ocurrido antes, ¿no? Es como si nunca antes hubiéramos
oído este Estudio. El Estudio en La menor, p. 31 No. 20 hace entender
que Sor era un precursor de Mendelssohn. El estudio en Sol mayor
op. 29 Nº 11 comunica toda su energía heroica sin necesidad de forzar
nada, simplemente con un manejo correcto y extremadamente sutil
del fraseo y las dinàmicas. El estudio en Si Bemol op. 29 se presenta en
un tempo más rápido del habitual, que es probablemente el estableci-
do por Sor, y así recobra su dramatismo y su vida. Y así podría seguir:
uno tras otro, los estudios revelan la grandeza de su autor, y debemos
esa revelación a la interpretación de Sérgio.
Entonces, resumiendo: no es para nada sorprendente que tantos
O violão no. 15
O zumbido
O violão perfeito
O violão 630
O CD Sonatas
Sérgio não se deu conta do que me dizia nas entrelinhas, que não
precisava escutar uma gravação mais de uma vez para perceber o que
ali estava. Se ele o percebeu, e muito provavelmente o fez da primei-
ra vez, ainda assim ouviu mais uma. Eu tomei isso como um grande
elogio; é um dos momentos que guardo na memória com especial ca-
rinho e orgulho. E claro, com um certo deleite...
Outra curiosidade sobre o Sérgio com respeito a este CD. Na mes-
ma ocasião da ligação, ele me pergunta:
- A Sonata do Diabelli você gravou com outro instrumento?
Estranhei a pergunta e retruquei:
- Não Sérgio, o CD inteiro foi gravado com o violão 493.
- Tem algo diferente ali, disse.
Isso ficou na minha cabeça. Afinal, o que poderia estar diferente?
A distância dos microfones exatamente a mesma, mesma angulação,
o espaço, o equipamento, a troca de cordas. Tudo exatamente igual.
Liguei para o técnico. Ele me confirma. Tudo exatamente igual.
Depois de alguns momentos eu perguntei a ele sobre as datas de gra-
vação. E foi somente então que eu me dei conta que esta peça havia
sido gravada na época das chuvas em Goiânia, enquanto as outras
sonatas, na época da seca... algumas semanas de diferença, com algu-
mas chuvas no meio do caminho...
- Sim, Eduardo, então é isso. Esclarecido, disse Sérgio.
Ele percebeu a diferença de som do instrumento na gravação,
nas diferentes porcentagens da umidade relativa do ar.
Sem problemas
Nervosismo
- Sérgio, a ação das cordas está muito alta. Assim como está, eu
preciso fazer muita força.
- Eduardo, não é preciso fazer força para tocar violão.
Diante do enorme ponto de interrogação na minha face, ele con-
tinuou:
- É só puxar o violão para trás e não usar o polegar para pressio-
nar. O polegar fica ali, porque não tem outro lugar para ficar. Quando
eu descobri isso, tudo ficou mais fácil. Se ainda não der certo, use a
técnica do violoncelo.
Mesmo assim, abaixou a ação das cordas.
Afinação do violão
Aula de meninice
Mais uma vez em seu apartamento, com uma taça de vinho, fa-
lávamos das excentricidades de um certo violonista. Num certo mo-
mento eu disse em tom de autocrítica:
- É ruim, né? Ficar assim falando de outra pessoa.
Depois de um breve momento de silêncio, ele retruca:
- Mas é tão divertido ...
Obrigado, Sérgio.
Em audição
por meses, a base técnica da obra, depois, descansava dela por algum
tempo, e depois retornava para a finalização. Esse processo poderia
levar anos e, quando finalmente sentia a peça pronta para ser apre-
sentada, ainda assim, ligava o gravador antes de entrar no palco para
ouvir a execução após o concerto, corrigindo o que fosse necessário.
Era um perfeccionista!
Em 1974, o maestro Guido Santórsola esteve em São Paulo minis-
trando um curso de interpretação musical. Além de suas maravilho-
sas aulas, que me marcaram profundamente, ele nos apresentou uma
gravação do seu “Tríptico” para 2 violões em leitura à primeira vista
dos Abreus ... perfeita! Em seguida, nos mostrou em primeira mão a
gravação do Concerto para 2 violões de sua autoria, que ainda nem
tinha sido lançado em LP.
O Maestro Santórsola era rigorosíssimo e, ouvindo a gravação,
sorria de prazer com a maestria da execução tanto dos solistas, como
da Orquestra de Câmara Inglesa. Segundo ele, a gravação do LP com-
pleto com o Concerto para 2 violões de Castelnuovo Tedesco foi feita
em apenas 6 horas!
Esse álbum, em minha humilde opinião, é a maior execução vio-
lonística já feita! Foi o meu norte desde a primeira audição.
Em concerto
Em amizade
temente aquela pessoa que quase não falava se tornou muito sociável,
um verdadeiro cavalheiro, bondoso, generoso, sempre disposto a aju-
dar.
Era o consultor musical de todos, qualquer dúvida, “liga pro Sér-
gio”!
Como produtor musical era maravilhoso, ele transformava qual-
quer gravação. Foi inesquecível sua colaboração no primeiro álbum
do Quarteto Brasileiro de Violões, experiência que foi a base da sono-
ridade do grupo.
Tem uma passagem que guardo com carinho, em 1985, eu estava
hospedado em seu estúdio, em Ipanema, finalizando a gravação de
minha gravação das obras de Bach para alaúde.
Foi uma semana de gravação e outra de edição. Quando final-
mente terminei, cheguei no estúdio, Sérgio estava começando a tra-
balhar em sua oficina, era começo da noite, ele me perguntou se eu
havia terminado, eu disse que sim e ele me perguntou: “você tem
uma cópia?” “Sim!”, respondi. E ele: “Vamos ouvir?” Imaginem meu
constrangimento, o primeiro a ouvir o meu trabalho seria ele!
A gravação dura aproximadamente 90 minutos. Em pé, ele en-
costou o ombro na parede e ouviu tudo atentamente sem falar nada.
Quando terminou ele disse: “depois dessa tourada, precisamos tomar
um vinho”!
E conversamos sobre a gravação com alegria e comemorando!
Outra passagem que mostra a sua generosidade e companhei-
rismo: eu estava na Alemanha hospedado na casa de meu compadre
Clemer Andreotti. Sérgio mandou 2 ou 3 violões para ele vender, eu
gostei muito de um deles, entrei em contato com o Sérgio e ele diz
que se eu tinha gostado poderia ficar o tempo que quisesse com o
violão! “Mas Sérgio, tô sem grana!” ... “Não se preocupe, quando você
puder você me paga”.
foi essa convivência com ele. Então achei por bem contar um causo.
Um relato que, a meu ver, traduz com bastante precisão a nossa rela-
ção com Sérgio Abreu e a profundidade de nosso amor e carinho por
ele e também dele por nós.
Se deu em São Paulo, no mês de novembro de 2011, no “II Festi-
val Leo Brouwer”. O duo Siqueira Lima foi convidado para participar
do concerto em homenagem ao Sérgio Abreu. Nós e o grande vio-
lonista uruguaio Eduardo Fernández – separadamente - tocaríamos
com a Orquestra de Câmara da USP (OCAM), no teatro do MASP, sob a
regência do Maestro Gil Jardim.
(O concerto foi no domingo de manhã e Sérgio, conhecido por
ser uma pessoa de hábitos noturnos, chegou em cima da hora para a
sua própria homenagem).
No início do concerto o homenageado foi chamado ao palco para
dizer algumas palavras. Com sua conhecida timidez, usando uma de
suas características camisas xadrez, Sérgio apenas disse: “Transfiro
toda esta homenagem à Dona Monina Távora, à quem devo tudo o
que sei”.
Estávamos com a emoção à flor da pele. Além de estarmos par-
ticipando desta tão significativa homenagem, a plateia era basica-
mente de violonistas e, entre eles, alguns dos maiores nomes do ins-
trumento, como o próprio Leo Brouwer, Manuel Barrueco, Eduardo
Fernández e a nata do violão brasileiro (Fabio Zanon, Marcelo Kayath,
Edelton Gloeden, Paulo Bellinati - para citar alguns nomes). Quando
terminamos o último movimento do Concerto N.3 para 2 violões, de
Radamés Gnattali, e voltamos para um bis (uma sonata de Scarlatti
que dedicamos ao homenageado), Sérgio saiu de onde estava, veio
até a frente do palco (como se não tivesse ao redor de 400 pessoas o
assistindo) para afastar as estantes de partituras para que o público
nos visse melhor (ele sabia que o bis tocaríamos de cor). Também dis-
Mas para nossa felicidade isto está registrado e é algo que guar-
damos com todo carinho do mundo. Divulgamos até o momento um
pequeno trecho. Mas o que mais nos sensibiliza e, de certa maneira,
nos causa um certo espanto, é que aquela seria a última vez que nos
veríamos.
É como se ele, de alguma forma, estivesse pressentindo isso.
Mas a nós cabe somente agradecer à Deus, à vida e à música por
nos haver concedido a dádiva de conviver e aprender tanto com esse
ser iluminado que foi o Sérgio Abreu.
Conheci Sérgio desde seus 12 anos, na casa de seu avô, Antônio Rebello.
Notei um interesse especial de sua parte quando ele me ouvia tocar. Pergun-
tei a seu avô se ele estava estudando violão e a resposta foi positiva.
Depois de alguns anos fiquei surpreendido ao ouvi-lo tocar com seu ir-
mão, Eduardo. Duo que se tornou famoso no mundo todo, imortalizando as-
sim a arte com perfeição, algo até aquele momento nunca visto.
Posteriormente assisti a recitais solo de Sérgio que muito me impressio-
naram pela segurança rítmica e sentido musical, principalmente nos clássi-
cos e nos autores que ele tanto gostava.
Como se não bastasse, tornou-se um dos melhores luthiers do mundo,
senão, em minha opinião, o melhor.
Sua falta, também por sua amabilidade, causou uma perda irreparável
para os amigos e por seus talentos uma imensa lacuna no mundo violonístico.
Geraldo Ribeiro
Márcia Braga
Jeremy Siepmann1
1) Notas repetidas.
Surge a necessidade de realizarmos notas repetidas numa sonata
de Scarlatti, de Soler ou uma peça de Rameau num piano moderno,
mas almejamos a clareza de um cravo? Sugerimos consultar a varia-
ção n.4 do terceiro movimento.
2) Acordes.
Um acorde executado ao piano de maneira monolítica, isto é, no
sentido em que todas as notas são tocadas com a mesma intensidade
– salvo em caso especificamente indicado pelo compositor – pode e
deve ser evitado. Garrick Ohlson em aula com Claudio Arrau lembrou
que este sugeria que em relação aos dedos envolvidos no acorde “de-
víamos nos comportar um pouco como um percussionista de vibra-
fone que escolhe baquetas de dureza diferente para fazer ressaltar as
notas de um acorde”.10
Um belo exemplo de como acordes podem ser valorizados na
execução de Sérgio Abreu pode ser visto nos compassos 84 e 182-183
do 1º movimento. Cada nota apresenta uma cor distinta, e nos acor-
des arpejados as notas são valorizadas de maneira magistral.
3) Escalas.
As escalas representam outro ponto a merecer atenção especial.
Há uma tendência por parte de pianistas de entender as escalas ape-
nas como uma seção virtuosística, de um meio destinado a atingir cer-
ta nota onde haverá um ponto culminante ou irá se iniciar uma nova
melodia. Erro frequente dos alunos é o de “pesar” os dedos natural-
mente fortes (polegar e terceiro) sobre os naturalmente mais fracos
(quarto e quinto). “Estou ouvindo todos os polegares da sua escala”
é uma frase ouvida pontualmente em sala de aula. Nos compassos
123 e 124 do primeiro movimento Sérgio Abreu realiza um crescendo
em que cada nota da escala faz um completo sentido musical com a
anterior atingindo seus pontos culminantes em mi4 e lá5 respectiva-
mente, surpreendendo assim o ouvinte tanto através da sonoridade
como pela ênfase. Sérgio Abreu transforma dois simples fragmentos
de escalas num efeito dramático contundente.
4) Ornamentos.
Ornamentos devem soar como melodias e não com o que nosso
inesquecível mestre Jacques Klein definia irritadíssimo como “trina-
do campainha”.12 Neste exemplo os ornamentos e trinados de Sérgio
Abreu são a comprovação definitiva de que ornamentos e trinados
são música e não adereços criados para mera demonstração de des-
treza. Sugerimos ouvir o compasso 60 do primeiro movimento ou o
compasso16, a cadenza do segundo movimento Romanze. Neste caso
uma descrição por escrito nos escapa completamente, trata-se de algo
próximo da voz humana, a execução do maestro tem algo de inefável
e palavras não lhe fariam justiça. No entanto não podemos deixar de
imaginar como a execução da música de Chopin poderia se beneficiar
de cadências ou trinados executados neste nível de ourivesaria.
Figura 17: Ex 4 -
PaganiniPaganini Grand
Sonata para violino e violão
versão para violão solo
de Sérgio Abreu primeiro
movimento compasso 60.
5) Rubato.
Questão das mais espinhosas da qual todos parecem ter uma te-
oria pessoal. Heinrich Neuhaus talvez o maior pedagogo do piano no
século XX, pregava aos seus alunos que rubare significa “roubar” e
que “se roubarem tempo e não o restituírem depressa, serão (consi-
derados) ladrões; se inicialmente acelerarem, em seguida terão que
desacelerar; então permanecereis uma pessoa honesta e estareis em
grado de restituir o equilíbrio e a harmonia.”13
Já Abram Chasins menciona que Chopin “sofria agudamente
aquele dia funesto em que ‘rubato’ foi traduzido como significando
‘roubado’ e quando um incrível número de executantes insensíveis,
procederam em confundir estética com moralidade através da tenta-
tiva tola de devolver numa medida métrica exatamente o que havia
sido ‘roubado.’”14
Em sua execução da Grand Sonata Sérgio Abreu em momento al-
gum se prende ao controverso preceito moral anteriormente men-
cionado, seu rubato é calculado estritamente como um efeito poético,
o que foi perdido permanece perdido, mas a maneira etérea como o
maestro prossegue com o seu discurso musical após um rubato tem
algo muito mais próximo da fala humana do que da mera reposição
matemática da métrica. Neste ponto Sérgio Abreu parece estar ple-
namente em sintonia com os rios de tinta que os contemporâneos de
Chopin usaram para descrever seu sutilíssimo rubato e comprovada-
mente com o celebre rubato do grande pianista polonês Ignacy Pade-
rewsky.
6) Vibrato.
Este efeito tão presente e imprescindível nos instrumentos de
corda é também conhecido como Bebung no clavicórdio é tido como
inviável num piano atual. No entanto verdadeiros magos da sonori-
dade como Michelangeli não desistiram de criar mais esta “ilusão”
– como a definiu Jeremy Siepmann na epígrafe do nosso texto – ao
piano. Um exemplo dos mais perfeitos pode ser encontrado na peça
Pierrot do Carnaval op. 9 de Schumann gravação EMI. A esse respeito
o crítico Piero Ratallino assinala que “ao fim de Pierrot Benedetti Mi-
chelangeli obtém com o pedal um leve efeito de rebatimento do mi
bemol baixo, retomando o Bebung (efeito) do qual se diz foi um mes-
tre Carl Tausig.”
O efeito, acreditamos, é demasiadamente sutil para ser captado
por toda uma plateia numa sala de concerto ao vivo, mas como pode-
mos verificar foi fielmente captado pelos microfones.15
8) Uso do metrônomo.
O estudo lento e concentrado era talvez o mais obvio segredo da
arte de Sérgio Abreu. Entre diversas referências à maneira de estu-
dar lentamente por diversos artistas em depoimentos na biografia de
Ricardo Dias selecionamos este diálogo que é todo uma simplicidade:
“E o método era sempre o mesmo. Tocar o mais devagar até não haver erro
nenhum. Subir o andamento até o ponto em que não haja mais erros, e assim
sucessivamente. Não subir o andamento enquanto o anterior não estiver só-
lido.
– É, mas as pessoas não entendem isso. Querem que o segredo esteja na unha,
no tamanho do banquinho, nos “segredos”, afinal estudar dá um trabalho...17
– Nós não tivemos uma participação nisso, foi tudo com meu pai e Dona Mo-
nina.
– Então você não se lembra de nada? Um belo dia era contratado pela CBS e
pronto?
– Mas não deu nenhuma emoção tipo: “Puxa fui contratado pela CBS!!!!”?
– Nada?
– Hummm... Não.
– Sérgio, foi tua estreia com orquestra, isso não acontece todo dia!
– É, às vezes acontece que eu estou num lugar e não presto muita atenção. Eu
estou dentro de mim o tempo todo.21(grifos nossos)
A última frase nos revela bem mais do que aparenta num primei-
ro momento. Ao estudarmos as biografias dos grandes artistas cons-
tatamos que a obsessão, a capacidade de abstração de tudo aquilo que
pode interferir no processo criativo, a noção de tempo totalmente
subordinada às necessidades artísticas do momento, está presente na
ordem do dia. Esta capacidade de abstração diante de tudo aquilo que
não representa um crescimento artístico a reencontramos numa se-
vera admoestação que Edwin Fischer fez a um de seus alunos ao tér-
mino de um de seus célebres cursos de verão:
“Certamente você compreendeu (neste) verão que nada, nem família, nem ou-
tros interesses, nem especulações modernas devem impedi-lo de construir aquilo que
é fundamental: um repertório clássico, trabalhado com o maior rigor e maior
precisão. Só repito porque o esquecemos.”22(grifos nossos)
[1]SIEPMANN, Jeremy. Texto do encarte do CD Rubinstein piano concerto n.4 com Chura Cherkassky, Royal Phimarmonic
Orchestra sob a regência de Vladimir Ashkenazy. London: Decca, dezembro, 1994. “The piano is perhaps the ultimate
box of tricks in the history of musical instruments. The art of mastering its idioms is the art of illusion, forever denying
its indeniable percussive nature. It is an instrument in which every note, willy-nilly, begins at its loudest and then rapi-
dly decreases in volume- an innately unmusical phenomenon without parallel in the world of voices, strings or wind.
Oh, yes? Just tell that to Chura Cherkassky.”
[2] DIAS, Ricardo. Sérgio Abreu uma biografia. Rio de Janeiro: Editora do autor, 2015
[3] PAGANINI, SOR. Sérgio Abreu interpreta Paganini e Sor. New York: Ariola, 1980, LP.
[4] Gloria Maria da Fonseca Costa, assistente de Jacques Klein, foi aluna de Alexander Siloti e Bernardo Segall e nos en-
cantava quando relatava ter assitido Rachmaninoff ao vivo no Carnegie Hall e conhecido pessoalmente o legendário
aluno de Liszt Moritz Rosenthal. Vinda de professora tão experiente e vivida, sua descrição da arte dos irmãos Abreu
nos causou uma profunda impressão.
[5] RATTALINO, Piero. Da Clementi a Pollini dueccento anni com i grandi pianisti. Segunda edição. Florença:Editora Giun-
ti/Martello. 1984. p.423 “[...] non é detto non ci siano altre possibili letture, ma non saprei immaginare di diverse, né
le desidererei”.
[6] Existe uma extensa literatura dedicada à evolução dos instrumentos de teclado. Apenas para citar três exemplos de
fácil acesso sugerimos GILLESPIE, John. Five Centuries of Keyboard music. New York: Republicação Dover Publica-
tions Inc,1965. GAYMAR, Konstantin. Historia del Piano Y de sus grandes maestros. Buenos Aires: Edición Centurión
Buenos Aires, 1945. e LOESSER, Arthur. Men, Woman and pianos a social history. New York: Dover Publications, 1954.
Recomendamos vivamente este último, trata-se de uma obra excepcional que se mantem atual como em seu lança-
mento e foi leitura de cabeceira de ninguém menos que Vladimir Horowitz.
[7] O novo instrumento criado por Bartolomeu Cristofori aparece mencionado e acompanhado de detalhada planta de
seu mecanismo em documentos da época já no ano de1700.
[8] BRENDEL, Alfred. Nachdenken über Musik. 6ª Edição, München/Zürich: R.Piper & Co Verlag, 1976, p. 14: “Wenn man
versucht, auf Beethovens Erard-Flügel aus dem Jahre 1803 in der Musikinstrumentensammlung des Kunsthistoris-
chen Museums Wien zu spielen, so wird es sofort Klar: Klang, Dynamik und Spielart haben sich mit unseren heutigen
Flügeln erstaunlich wenig gemein. Der Klang jedes einzelnen Tones hat einnen deutlichen Ansatz, er ist innerhalb
seiner intimen Grenzen belebter und biegsamer und verändert sich stärker während des Klingens. Der Registerunters-
chied in Baβ, Mittellagen, und Höhe ist bedeutend (poliphones Spiel!) Die Höhe klingt kurz und dünn und wiederstrebt
der Dynamik, sie sträubt sich gegen eine Kantilene, die sich über ein zartes piano erheben will. Selbst in den klaren
und durchsichtigen, etwas schnarrenden Baβlage ist die dynamische Spanne um vieles geringer als auf unseren Ins-
trumenten. Man begreift das ständige Begleitpiano im Orchestersatz der Klawierkonzerte Beethovens - obwohl gewiβ
auch der Orchesterklang seiner Zeit den heutigen nicht allzu ähnlich gewesen ist. Im Hinblick auf den Kraftverbrauch
des Spielers verhält sich der Erard zu unserem Steinwey wie ein Feinmechaniker zu einem Möbelpacker”.
[9] Precedentes ilustres existem, não seria em absoluto a primeira nem a última vez que um pianista confessa candida-
mente que o seu ideal artístico, seu modelo de sonoridade nunca foi outro pianista e sim um outro instrumentista
ou um cantor. É bem conhecida a obsessão de Vladimir Horowitz para com o barítono Mattia Battistini de quem
admirava as longuíssimas frases realizadas por meio de uma única respiração, a de Arturo Benedetti Michelangeli
com o violinista Bronisław Huberman de quem admirava a sonoridade e entoação perfeitas ou a predileção de Svia-
toslav Richter por grandes cantores, em especial o barítono Dietrich Fischer-Dieskau com quem realizou concertos e
gravações antológicas.
[10] HOROWITZ, Joseph. Conversazioni com Arrau. Milão: Arnoldo Mondadori,1984, p. 213. “E suggeriva che ci si com-
porta un po’ come un suonatore di vibrafono che sceglie bachette di durezza diversa per far risaltare le note di un
accordo.”
[11] CHASINS Abram. Speaking of pianists... New York: Alfred Knopf, 1967. p.141. “I had a lot of things to think about,” he
said. “One cannot go through life playing octaves.” “It was a modest comment. Horowitz’s octaves are not just octaves.
Nor are his scales and double notes just scales and double notes. They always dramatize the music he plays. They
have a controlled intensity unmatched by any other pianist.”
[12] Esta citação provém de nossas aulas e convívio com Jacques Klein. Ele a disse diretamente ao autor deste texto por
ouvir deste no concerto “Imperador” de Beethoven um perfeito exemplo de “trinado campainha.” Escusado dizer que
40 anos depois, a mera lembrança da irreverência e do temperamento de Jacques Klein ainda nos faz sorrir.
[13] NEUHAUS, Heinrich. L’Arte del pianoforte. Milano: Rusconi, 1985, p.62. “rubare vuol dire che se ruberete del tempo e
non lo ristituerete in fretta, sarete un laddro; se inizialmente accelerate, in seguito dovrete rallentare; allora rimanerete
una persona onesta e sarete in grado di ristabilire l’equilibrio e l’armonia.”
[14] CHASINS Abram. Speaking of pianists... New York: Alfred Knopf, 1967, p.223. “He suffered acutely from the effects
of that day when ‘rubato’ was discovered to mean ‘robbed’, and when an incredible number of insensitive performers
´´Oi Glauber,
https://www.youtube.com/watch?v=7U726VrX-U0
https://www.youtube.com/watch?v=5eKGHvoh93M
Abraço,
Sérgio´´
Assisti dois recitais memoráveis dele no Teatro Municipal aqui do Rio de Ja-
neiro na década de 60”.
Ele continua em plena forma, mas as gravações dele ainda jovem são fantás-
ticas
Alguns links:
https://www.youtube.com/watch?v=Cn_WtQ-sH-8
https://www.youtube.com/watch?v=ZbxYtphXZME
(eu tenho esse LP, creio que foi o primeiro dele para a Philips, Concertos de
R. Strauss e Mozart com Edo de Waart regendo, extraordinário, do início da
década de 70).
https://www.youtube.com/watch?v=3fqGyvho-Bs
Aqueles arranjos de Bach são dos Trio Sonatas para órgão, BWV 525 a 530, um
CD da década de 80. Estão no YouTube, abaixo o BWV 526:
https://www.youtube.com/watch?v=WbhWAReu2zU
Por esse link você ouve os outros. Foi daqui que eu baixei.
Vale a pena ouvir o Concerto para oboé e harpa que o Henze escreveu para
ele e a mulher dele (que era excelente harpista e faleceu há pouco tempo)
https://www.youtube.com/watch?v=-J__TrbevCw ”
João Camarero
Relato de experiência
Luciano Lima
de Curitiba que pediu que depois deixasse com Sérgio para revisão.
Foi a segunda vez que o encontrei. Nos primeiros degraus já pude
vê-lo esperando na porta do ateliê, lá no alto, e a extensão da esca-
da foi providencial para controlar a empolgação. Conversamos sobre
violões, ele mostrou algumas madeiras e uma das coisas que lembro
é ele dizendo que já havia desistido de construir violões com som de
instrumento antigo, violão novo vai ter som de violão novo. Então,
perguntou se eu queria conhecer um violão antigo e me apresentou
ao famoso Guttenberg, de 1980, um instrumento incrível construído
por um luthier americano com base na planta do Hauser que perten-
ceu à Monina Távora.
Aproveitei para tirar algumas dúvidas sobre o primeiro movi-
mento da Tonadilla para dois violões, de Rodrigo. Como é de praxe em
obras para violão do compositor espanhol, alguns trechos demandam
ajustes para que possam fluir melhor. Eu havia feito algumas tentati-
vas a partir da gravação do Duo Abreu, mas ainda sem entender exa-
tamente como tocavam. Na passagem abaixo, Sérgio disse algo como:
“coloca o dedo 3 no Dó, na segunda corda, e alterna com o médio”.
Funcionou imediatamente!
- Não. Eu não componho mais música para violão no momento. Mas Segovia
empenhou-se em transcrever algumas páginas do Guia Prático...
mesmo tempo, me deu livre acesso a tudo o que Sérgio havia estuda-
do, copiado e arranjado ao longo da vida. Ele me recebeu gentilmente
em sua casa por vários fins de semana dos anos de 2005 e 2006, conce-
dendo uma entrevista e permitindo que eu vasculhasse sua produção
como arranjador, embora ele mesmo nunca tenha se creditado dessa
forma.
Dos quase 50 arranjos que encontrei nesses dois anos, um em
especial me chamou muito a atenção, justamente pela audácia: uma
transcrição de uma obra original para violão solo de Fernando Sor, as
Variações sobre um tema da Ópera A Flauta Mágica, de Mozart, o famoso
opus 9 do celebrado compositor catalão. Uma releitura de uma peça
tão conhecida para violão solo poderia muito bem parecer uma extra-
vagância. Mas era o Sérgio Abreu fazendo. Um mestre da discrição,
das palavras e notas essenciais, da objetividade de ir direto ao ponto
em tudo o que fazia e não desperdiçar nada em uma expressão vazia
ou excessiva. Isso merecia atenção. Comecei a estudar a peça.
A realização toda me parecia muito interessante e tive oportu-
nidade de experimentá-la com meus colegas, os irmãos Luiz Roberto
e João Francisco Botosso, com quem eu tinha, desde 2004, um dedi-
cado trabalho de música de câmara, o Trio Ibirá. Gravamos um disco
com André Simão como quarteto, mas quando este se mudou para a
Alemanha, optamos por não o substituir e seguimos como Trio até
meados de 2008. Foi com essa última formação que lemos o arranjo de
Sérgio Abreu para o opus 9, de Sor, com Edelton Gloeden.
A impressão era de que se tratava de um diálogo entre gigantes.
Fernando Sor e Sérgio Abreu pareciam dialogar entre épocas e o ar-
ranjo (no manuscrito lia-se “Arranjo livre para 3 violões”) funcionava
muito bem, com uma variação a mais, escrita em harmônicos e uma
harmonização do tema original, colocado estrategicamente antes das
variações finais. Sérgio também ampliou a coda e mudou a tonalidade
Eu teria que olhar novamente esse Op. 9 do Sor. Vendo o trabalho enorme
que você teve fico com pena de pedir para você jogar fora. Se der para você
incluir o que você escreveu sem incluir cópia da música, aí nenhum proble-
ma. Se você tem que incluir a música eu teria no mínimo que corrigir pelo
menos as coisas mais gritantes.
Você se lembra onde está essa partitura? está dentro daqueles sacos plásti-
cos?
Abraço, Sérgio”
01 de junho de 2023.
Hasta los encuentros que voy a referir, como para miles de ad-
miradores en todo el mundo, para mí los hermanos Abreu eran una
leyenda. Dos jóvenes cariocas considerados el mejor dúo de guitarras
clásicas de la historia que, habiendo recorrido buena parte del plane-
ta con sus conciertos y dejando registrada una breve discografía, sor-
presivamente un día pusieron punto final a su carrera artística para
literalmente desaparecer del mapa.
A través de los años ese perfil legendario había crecido desde
dos bases: el nivel de los antológicos discos grabados para Decca y
CBS, referencia permanente de la guitarra clásica, y el misterio. En
círculos guitarrísticos se sabía que Eduardo, ingeniero electrónico,
estaba radicado en USA desde hacía décadas, alejado de la música.
Sérgio, que continuó un tiempo como solista (registrando un discazo
con obras de Sor y Paganini, entre otros trabajos), al cabo también se
había retirado para dedicarse a la luthería. Más allá de esas certezas
todo era una nebulosa de versiones, especialmente aquellas referidas
a los motivos del retiro.
La llegada de internet en una primera etapa fue revelando al
gran público algunos datos biográficos. El nacimiento en una familia
de músicos, la formación con una maestra que los marcó para toda la
vida, el suceso inmediato al debut profesional y la posterior conquis-
ta de escenarios en Sudamérica, Europa y USA. Luego comenzaron a
difundirse grabaciones de conciertos en vivo, algunas seguramente
captadas con aparatos rudimentarios, de pobre sonido pero invaluab-
–…
Caminaba como en trance, mirando un punto fijo en el horizonte
y balanceando una bolsa en cada mano. Parecía no haberme escucha-
do. Insistí, aunque cuidando no caer en la grosería de cerrarle el paso.
–Hola. ¿Es usted el Maestro Sérgio Abreu?
–…
Nada. Siguió caminando sin alterar el ritmo mientras yo volvía a
transformarme en una estatua, ahora con el detalle de la boca abier-
ta. Lo vi entrar en un edificio, apenas a 20 metros del hotel. Volví a la
habitación sin entender del todo lo que había pasado.
–¿Abreu?
–Sí. Sérgio Abreu, uno de los más grandes guitarristas clásicos de
todos los tiempos. ¿No ha escuchado hablar de él?
–No.
Calma. No estaba hablando de una estrella pop, la respuesta era
normal.
–Ah, qué pena. Es que yo pensé que al ser vecinos tal vez lo co-
nocían.
–Puede ser. ¿Usted no tiene una foto?
Esa pregunta me revivió.
–No. Pero puedo mostrarle un video si ustedes tienen internet y
me permiten usar un minuto la computadora.
El vendedor me pidió que espere y fue hasta la caja. Señalándo-
me le explicó todo a quien parecía ser el encargado del local. Hicieron
señas para que me acercara.
–¿Cómo es el nombre, Sérgio Abreu? –me preguntó el hombre de
la caja poniendo las manos en el teclado de la computadora.
–Sí. Usted debería escribirlo en Youtube.
Luego de unos instantes ambos se miraron. Sonreían.
–¡Claro! Lo vemos pasar por aquí todos los días.
Ni me dieron tiempo de planear cómo seguir.
–Tenemos un amigo que trabaja en el edificio donde usted lo vio
entrar, hace mantenimiento. Le preguntaremos a él. ¿Usted dónde
está alojado? Si hay novedades nosotros lo llamamos antes de cerrar.
Ese día ni quise alejarme del barrio por temor a alguna demora
o contratiempo. A las cuatro de la tarde ya estaba en mi cuarto espe-
rando el probable llamado. Era tal mi grado de ansiedad y expectativa
que cuando sonó el teléfono di un salto y me caí de la cama. Manoteé
el teléfono desde el suelo.
–¿Señor Marcelo?
–Sí.
–De la librería. A las cinco va a pasar el señor Abreu por aquí,
quiere conocerlo.
Eran cinco menos diez minutos. Sin ocuparme del hilo de sangre
que me salía de la rodilla, vistiéndome a los saltos me zambullí en un
ascensor. Corrí por la recepción y salí a la calle.
Sérgio entró en la librería apenas unos segundos después que
yo. Le estreché la mano con gran emoción. Seguramente era difícil
entender a un tipo nervioso que luchaba con el idioma, pero de to-
das formas pudimos conversar un poco. Me presenté, le hablé de mi
admiración por él y su hermano, de los discos, los conciertos, pero
parecía querer salir de ese tema, sólo asintiendo. Cambió a una acti-
tud más entusiasta cuando me referí a otros maestros como Eduardo
Fernández, su amigo según me comentó. Era un hombre que hablaba
poco y pausado, pero decía mucho con su mirada. En determinado
momento me preguntó si era guitarrista. Con cierto pudor le dije que
sí. Guitarrista era él, para lo que hacía yo había que buscar otro nom-
bre.
–¿Cuándo se vuelve a Argentina?
Regresaba dos días después. Pensó un poco, pidió una lapicera.
–Bueno, ahora no tengo tiempo, pero en su próximo viaje pode-
mos acordar un encuentro. Aquí le dejo mis datos. Venga, tengo algo
para usted.
Tomé el papel que me daba. No estaba tan peleado con las comu-
nicaciones como imaginé, allí había escrito sus teléfonos y un correo
electrónico. Lo seguí.
–Pase –me dijo abriendo la puerta de su departamento. Comen-
zó a revolver en unas cajas desordenadas hasta que encontró lo que
buscaba.
–Llévese esto.
Era uno de los discos del Dúo Abreu reeditado en CD: Sérgio e
Eduardo Abreu - BBC Recital 1970.
–No recuerdo bien si los integrantes del quinteto eran los que
usted menciona, pero ah… Qué música tan fantástica.
Estoy nuevamente en el paraíso. Es tan agradable el ambiente,
tan abierta y cálida la actitud de todos, que en contraposición recuer-
do unas palabras del maestro Daniel Galán definiendo con su estilo
cáustico ciertas actitudes en algunos colegas.
–Hay tipos que cuando aprenden a tocar el A7M en primera po-
sición, ya dejan de saludar.
Terminada la cena tomo coraje para decir algo que estuve pen-
sando desde que llegué. No puedo perder la oportunidad de escuchar
semejantes guitarristas en una reunión privada. Sería imperdonable.
–Sérgio, ¿no tiene alguna guitarra aquí en el departamento? Me
gustaría mucho escuchar a los muchachos.
Asiente y trae tres guitarras. La primera es un verdadero gui-
tarrón Guttenberg 1980, pero enseguida queda eclipsada frente a las
otras dos. Es que el maestro también ha traído la Hermann Hauser
1930 y la Santos Hernández 1920. No salgo de mi asombro, esas dos
guitarras son tan legendarias como los mismos hermanos Abreu, las
que han utilizado en sus grabaciones para la BBC.
Es sabido que el maestro no toca, y esta noche Ricardo tampoco
porque está con un problema lumbar. Vicente y Humberto, con una
felicidad que tal vez sólo puedan entender los músicos, se van tur-
nando para probar esos dos instrumentos fenomenales. Quiero que
esto dure para siempre, que no se detenga nunca el sonido de esas
guitarras en sus manos. Pero de pronto llega la misma propuesta que
supe esquivar aquella noche en el atelier.
–Pruébelas, Marcelo –me dice Sérgio.
Ahí estoy. Pelé me tiró la pelota de la final del ‘70 para que patee
al arco. Van Gogh me dio uno de sus pinceles señalando un lienzo en
blanco. Primero pido que por favor me saquen unas fotos con las gui-
Gracias Maestro.
Marcelo Fébula
Abril de 2023.
I don’t know why God chose to call him back so soon, but I do
know one thing: people only die when we forget about them. For me
and for countless others, Sérgio is eternal and will live forever in our
hearts.
Rest in peace, amigo.
Fique muito honrada com o convite, mas creio que não sou uma
pessoa apropriada para escrever sobre o Sérgio.
O que poderia dizer sobre ele seria mais como fã, admiradora,
e pela influência que teve sobre mim, assim como sobre TODOS os
violonistas clássicos que conheceram a sua arte, pelo seu alto nível
técnico tanto nas gravações quanto nas suas apresentações. Não tive
contato tão próximo, estive somente duas vezes em sua oficina.
Era uma lenda para mim, sentia-me há anos-luz do seu talento.
Quando iniciei os estudos de violão clássico na Escola Villa-Lo-
bos, com o prof. Milton Rodrigues (que me apresentou Segóvia e o
Duo Abreu, em gravações), já tinha 23 anos e havia acabado de me
formar em Psicologia. Já era meio “coroa” perto dos outros alunos.
Mas escolhi a faculdade de Psicologia ignorando um dom que trazia
comigo desde criança, aos 5 anos, quando comecei a estudar piano e
iniciação musical na UFRJ. Tinha e tenho um ouvido especial e habili-
dade nos instrumentos.
Foram 5 anos estudando para uma profissão que não era a minha
praia… penso que buscava mais um autoconhecimento para me sen-
tir melhor. Por isso, acho que sempre me senti ao largo da profissão
de músico, até porque nunca aprendi a ganhar dinheiro dessa forma,
tive 3 filhos e eles tiveram prioridade na minha vida.
Nas horas “vagas”, eu era violonista.
Escrevo tudo isso porque não pude viver uma vida de artista e,
às vezes, “sozinha no silêncio da noite…”, estudando violão, é que me
Paulão 7 Cordas
violonista, arranjador e produtor
Lembranças de um gênio
Paulo Martelli
Estive com Sérgio Abreu 4 vezes. Ele sempre cordial, calmo e ge-
neroso. A primeira vez foi em Brasília, minha cidade natal, tive a fe-
licidade de almoçar com ele e outros amigos violonistas, não me lem-
bro, porém, porque Sérgio estava de passagem em Brasília.
No Rio, em seu ateliê, estive 3 vezes, curioso que ao pegar o táxi
para ir ao ateliê os taxistas nunca estiveram de acordo com o ende-
reço da rua Canning, em Copacabana, como afirmava Sérgio. Sempre
questionavam se essa rua não seria em Ipanema.
A primeira vez que visitei o ateliê foi em 2009, durante a cons-
trução do meu violão, o de N° 613. Eu estava de férias no Rio e passei
em seu ateliê para ver o futuro violão, este estava sendo construído,
as madeiras do tampo, fundo, laterais e braço já estavam coladas e
separadas na sala onde Sérgio tratava suas madeiras. Lembro dele me
explicar que preparava as diferentes partes de vários violões simulta-
neamente ao longo de meses e que um dia quando todas as partes de
um determinado violão estivessem prontas e ele se sentisse inspira-
do, montava o violão.
A segunda vez foi quando fui buscar o violão já pronto, que fe-
licidade! Após pouco mais de dois anos de espera. Nesse dia Sérgio
me ofereceu café, perguntou se eu queria com gengibre, e eu espan-
tado com a proposição disse que sim. Ele fez café numa cafeteira ita-
liana e por cima do café adicionou raspas de gengibre, segundo ele
isso dava um toque de gengibre ao café e substituía o açúcar, técnica
que aprendera com um violonista uruguaio. A forma escolhida para
(...) O círculo se fecha com a retomada do trabalho de seu avô, Antonio Re-
bello, português nascido nos Açores, que transferiu-se para o Rio de Janeiro
em 1920. Além de ter sido um dos precursores de ensino do violão clássico
(...), foi construtor de violões, um dos quais ainda conservado pelo neto.
Nessa fala, creio que Marcia Taborda fez uma primorosa inter-
pretação dessa identidade familiar.
Casado com D. Ilda Tavares, três filhos. Amador de viola açoriana de “seis
parcelas” desde os seis anos, entusiasmou-se ouvindo os “choros” cariocas
de Canhoto e Quincas Laranjeira, companheiro de Heitor Villa-Lobos, com
quem se iniciou no estilo de violão brasileiro e, autodidacticamente (pelo
método de Aguado), na guitarra clássica6, recebendo depois longo ensino de
Isaías Sávio, discípulo uruguaio de Miguel Llobet (linhagem violonística de
Fernando Sor e Tárrega), de 1933 a 1940. Ambos iniciaram o Rio de Janei-
ro (onde Josefina Robledo lançara semente virtuosística) nos repertórios e
técnicas superiores de violão: concertos a solo e a duo na Escola Nacional de
Música e nas Rádios “Globo” e Roquete Pinto.
E continua:
Ensinando já Sávio em São Paulo (1940), os recitais anuais de Rebelo e seus
alunos no Rio foram considerados decisivos para a formação de uma escola de
excelentes instrumentais de clássico e do castiço brasileiro com expoente no
Heitor Villa-Lobos dos prelúdios, também violista de experiência. Do magis-
tério de Sávio saíram Barbosa-Lima e Luiz Bonfá. No de Rebelo se formaram:
Turíbio Santos, Prêmio Concurso Internacional RTF Paris, 1965, e professor
nos conservatórios de Nancy e de Rennes; Jodacil Damasceno, assistente de
Turíbio em Paris; finalmente seus netos Sérgio e Eduardo Abreu (NEMÉSIO,
1972 apud MENDES e FARJOZ, 2007, p. 46)
Filhos do professor Osmar Abreu e de Maria de Lourdes Rebelo, aos quais An-
tónio Rebelo, pai desta, deu lições de violão. Pelos sete anos de Sérgio o avô
perguntou-lhes: – “quem quer aprender?” Sérgio: “Eu quero!” Eduardo: “E eu
também”. Desenhou lhes as chaves das mãos num papel e deu-lhes violas pe-
queninas (construía com Sávio), que levaram para o colégio dos beneditos do
Rio. Aos sábados tocavam Giuliani e Graziani em trio, com o avô (NEMÉSIO,
1972 apud MENDES e FARJOZ, 2007, p. 47).
Brasileiro de raiz,
Caixão de enganos:
Silveira te experimentou
E em prelúdio Villa-Lobos
Baptizou-te Jodacil
De vento te encordoou.
des construídas.
Ao creditar à notória trajetória do avô Rebello como algo de mui-
ta contribuição à materialidade da carreira de Sérgio Abreu, posso
citar Pierre Bourdieu (1983) que estudou o conceito de habitus pelo
aspecto socializador, como a experiência e transferência adquiridas e
de uso para novas situações; vejo nisso analogias com aquelas raízes
(o círculo do violão e da luteria do avô) posto que ficou apontado que
Sérgio Abreu recebeu uma iniciação e primou pela singularização, em
uma espécie de diálogo com independência de ideias e novas soluções.
Abreu desponta em um momento efervescente do violão, a dé-
cada de 1960, cujo avô Rebello era e se relacionava com grandes no-
mes do circuito violonístico, visto como um ambiente ainda dúbio
sobre as posições conquistadas na música de concerto. É evidente em
Sérgio Abreu a força criadora inicial fortalecida pelo meio em que
violonistas já atuavam com desenvoltura, isto é, havia a visibilidade
da vida concertística possível com o instrumento, pelas notícias de
época. Isso, no entanto, não o interessou como consequência natural,
inerente a qualquer atuação musical.
A continuidade de uma carreira musical não se tornou o seu
ponto de contato com o instrumento, pareceu-me que, devido à sua
singularidade em meio às trajetórias violonísticas mundiais de brasi-
leiros apontados e estrangeiros como Bream e Williams (Segóvia era
o “marco zero”), o seu objetivo era outro, tal seria chegar à perfeição
musical, e para isso o extremo foco e as técnicas (inclusive a constân-
cia em se gravar, concertos e ensaios, e a duração do seu foco) foram
elementos melhor organizados por Monina Távora, e levados mais
adiante por Sérgio Abreu (e Eduardo, até certo ponto na história em
comum).
Outros pontos teóricos são a projeção da Arte com o nível de em-
penho em uma vida; em teoria é uma questão já abordada por estu-
texto, vemos que até isso está refletido na formação de Sérgio Abreu
e demonstra uma fraternidade que tem em comum atuações oriundas
de localidades com afastamento dos grandes centros.
Com a ascensão do Duo Abreu e da meteórica carreira solo de
Sérgio, o avô Rebello foi agente e testemunha, que vê a projeção de
seus próprios sonhos musicais no Duo Abreu, pois esses são a concre-
tude do que Rebello veio para trabalhar – a música e o violão como
instrumento habilitado a proporcionar práticas e dar visibilidade a
múltiplas vertentes da história da música (dos grandes centros). Tan-
to é que as homenagens a Antonio Rebello tratam de sua lida pessoal
e estampam os nomes que consubstanciam tal projeção: em especial
a Jodacil, Turíbio e aos netos Abreu. Rebello e Duo Abreu, com o natu-
ral aspecto da ancestralidade, demonstraram a corrente de aconteci-
mentos, aurora e apogeu do que Rebello buscou.
A contribuição de Sérgio Abreu foi imensa para a música e o vio-
lão, mesmo retirando-se tão cedo dos palcos, lugar em que se perfilou
com grandes nomes da música de concerto e espaço que era a evi-
dência de suas habilidades, e de seu irmão, transferidas para outras
esferas. No caso do Duo Abreu, o assombro continuou em seus LPs
difundidos e nos relatos de quem os assistiu. E de Sérgio Abreu, a la-
cuna artístico-musical sentida pelo público pôde ser atenuada pela
admiração ao luthier, sendo uma visita a sua oficina um momento de
reiterar o que sempre se veiculava sobre ele.
O tempo agora é de despedida e de salvaguarda de tudo o que
Sérgio Abreu representa.
1. [1] A página do evento informa: “O Festival Internacional dos Açores em 2021 será dedicado ao
Brasil e à relação dos músicos brasileiros com esta ilha açoreana. (...) Neste ambiente mágico
relembramos Villa-Lobos, um dos maiores compositores brasileiros do sec. XX, descendente de
açoreanos. Músicos brasileiros farão parte da edição deste ano, com especial destaque para
o grande pianista mundial Nelson Freire, ele próprio descendente de faialenses [Ilha do Faial
– Açores], ascendência conhecida que nos remonta aos finais do século XVII”. Freire acabou
cancelando sua ida devido ao seu estado de saúde. Ver 16º Festival Internacional dos Açores.
Disponível em: https://festivalinternacionalacores.com/fia Acesso em: 15 de maio de 2023.
2. [2] O sobrenome Rebelo em Portugal é com uma letra l. No Brasil, Rebelo passou a ficar
conhecido e grafado com duas letras l – Rebello, e sem o acento agudo na tônica de
seu prenome: António. Vamos utilizar a grafia adotada no Brasil – Antonio Rebello, mas
respeitando a grafia original se assim estiver nos textos portugueses consultados.
3. [3] Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/evocacao-de-
antonio-da-costa-rebelo/Acesso em: 19 de dez. 2022.
4. [4] Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/concerto-de-Sérgio-
e-eduardo-rebelo-abreu/ Acesso em: 19 dez. 2022.
5. [5] Disponível em: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/musica-para-
guitarra-classica/ Acesso em: 23 de abr. 2023.
6. [6] Nomenclatura comum em Portugal atribuída ao violão de repertório de concerto.
7. [7] J.F. – abreviatura de um dos autores da publicação Jorge Farjoz (2007).
8. [8] Provavelmente, refere-se ao trabalho de Turíbio Santos à frente do Museu Villa-
Lobos e ao programa musical com a comunidade de Santa Marta.
9. [9] Nénia é o canto fúnebre em Poesia.
10. [10] Menção ao luthier Silvestre Delamare, autor de um modelo Rebello, Violão Do Souto.
11. [11] Anjo Custódio é o Anjo protetor de Portugal
12. [12] Pouco meses antes (1964), o pianista Nelson Freire (1944-
2021) recebe o Prêmio Vianna da Motta em Portugal.
13. [13] Turíbio Santos, um dos nossos maiores concertistas com vasta experiência de turnês, habitualmente
fala da solidão que a carreira acarreta, como um efeito colateral ao qual poucos se preparam, e que
Sérgio Abreu estava “insatisfeito com a solidão da vida de concertista“ (DIAS, 2015, contracapa).
REFERÊNCIAS
ALFONSO, Sandra Mara. Jodacil Damaceno: uma referência na trajetória do violão no Brasil. Dis-
sertação (Mestrado em História Social), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
2005.
ALFONSO, Sandra Mara. Jodacil Damaceno e seu legado para o violão brasileiro: a prática de
um professor. Tese (Doutorado em História Social), Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2017.
ANTUNES, Gilson. Soberano dos Violões. Revista Violão PRO. n°11, pp. 21-27, 2007.
BOURDIEU, Pierre. Sociologia (organizado por Renato Ortiz). São Paulo: Ática, 1983.
DIAS, Ricardo. Sérgio abreu – uma biografia. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, 2015.
MENDES, António Ornelas & FORJAZ, Jorge. Genealogias Da Ilha Terceira, Vol. 8 - Rayte a
Silvano. Angra do Heroísmo: DizLivro Histórica, pp.45-48, 2007.
MORAIS, Luciano Cesar. Sérgio Abreu sua herança histórica, poética e contribuição musical
através de suas transcrições para violão. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2007.
TABORDA, Marcia. Violão e Identidade Nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
Relato de experiência
Walmor Boza
grande elogio.
Após o concerto todos se foram, Sérgio e eu fomos tomar um
café ali no próprio teatro, na ocasião eu estava estudando o concerto
de Villa-Lobos, sabendo da sua genialidade, eu não economizei nas
perguntas, já saí perguntando como tocava determinadas passagens,
ele pensou um pouco, pediu à garçonete um guardanapo e uma ca-
neta e escreveu de cabeça todas as notas das passagens em questão
e todas as digitações que ele fazia, eu simplesmente fiquei em estado
de choque e tomado por uma profunda admiração, ali em frente aos
meus olhos, um gênio estava me dando uma amostra de toda sua ge-
nialidade. Sérgio ainda acrescentou: “Eu não toco esse concerto há
quarenta anos!”.
No dia seguinte, após o almoço, toquei o concerto inteiro para
ele escutar, nessa ocasião estava tocando com o seu primeiro instru-
mento, o violão nº 1. Fiquei absolutamente impressionado com a qua-
lidade do violão, disse ao Sérgio que esse era, sem dúvida, o melhor
violão que já havia tocado na vida, perguntei se ele me venderia, ele
recusou, mas achou curioso eu ter ficado tão deslumbrado com o ins-
trumento. Nessa ocasião, além de tocar o concerto de Villa, toquei ou-
tras obras de Bach, Tárrega, Sor e Weiss, foram horas inesquecíveis.
Quando retornei à Curitiba, escrevi para o Sérgio agradecendo por
cada momento e, mais uma vez, elogiar o violão nº 1 que eu simples-
mente havia me apaixonado.
Após essa ocasião não viajei mais ao Rio por conta da pandemia,
mas aumentei meu número de ligações para uma frequência semanal
(sim, eu sou um grude mesmo), lembro-me de um dia ficarmos con-
versando ao telefone por mais de uma hora sobre uma sonata de Bach
que se estendeu para uma conversa por e-mails com vários exemplos.
Assim se estendeu o meu contato com Sérgio ao longo dos anos de
2020 e 2021.
Créditos
Organizadores: Humberto Amorim, Ricardo Dias, Felipe de Almeida Ribeiro, Fabio Guilherme Poletto
https://cblservicosprd.blob.core.windows.net/barcode/978-65-00-82808-5.jpeg?sv=2018-03-28&sr=b&sig=XSm0S2SKmG%2FEYkWDmUTCo4o… 1/1