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RENATO XAVIER DA SILVEIRA ROSA

Relação entre demandas e o


incidente de coletivização:

uma análise do incidente de resolução de


demandas repetitivas em face dos
processos coletivos

LARGO SÃO FRANCISCO


São Paulo — Brasil
Dezembro, 2010
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

RENATO XAVIER DA SILVEIRA ROSA

Relação entre demandas e o incidente de


coletivização:
uma análise do incidente de resolução de
demandas repetitivas em face dos processos
coletivos

Trabalho apresentado para aprovação na


Disciplina “Processos Coletivos II — DPC
5838-2/4” do Curso de Pós-graduação
(stricto sensu) da Faculdade de Direito do
Largo São Francisco, da Universidade de
São Paulo (USP).
Área: Direito Processual Civil
Professores: Prof. Dr. CARLOS ALBERTO DE
SALLES, Prof. Dr. PAULO HENRIQUE DOS SANTOS
LUCON, Prof.ª Dr.ª SUSANA HENRIQUES DA
COSTA.

São Paulo — Brasil


Dezembro, 2010
RESUMO

ROSA, RENATO XAVIER DA SILVEIRA. Relação entre demandas e o incidente de coletivi-


zação: uma análise do incidente de resolução de demandas repetitivas em face dos pro-
cessos coletivos. 2010. 36 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Disciplina “Processos
Coletivos II — DPC 5838-2/4”). Departamento de Direito Processual Civil, Faculdade
de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

O objeto do trabalho é analisar a relação entre demandas individuais e cole-


tivas, diante da potencial criação de um mecanismo destinado a julgamento conjunto de
ações. Trata-se do “incidente de coletivização”, também denominado de “incidente de
resolução de demandas repetitivas”, redação esta que consta dos artigos 895 a 906 do
Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, entregue em 08 de junho de 2010 pela
Comissão de Juristas responsável pela elaboração da nova codificação, cujo trabalho fi-
nal deu início ao Projeto de Lei do Senado Federal, nº 166 de 2010. Analisa-se primeiro
os mecanismos da relação entre demandas individuais, isto é, no processo civil tradicio-
nal. Neste, toda demanda pode ser identificada por três elementos, denominados de “tria
eadem”, i.e., a tríplice identidade. São as partes, o pedido e a causa de pedir. Em segui-
da, aborda-se sinteticamente o incidente mencionado. Depois, resumem-se as demandas
coletivas e os seus instrumentos. Ao final, após analisar o âmbito de aplicação do inci-
dente de coletivização, veremos se a relação entre demandas tem alguma influência com
relação ao incidente e, mais importante, se o incidente se aplica a todo e qualquer pro-
cesso, independentemente da sua natureza, individual ou coletiva.

Palavras-chave: direito processual civil; processos coletivos; incidente de coletiviza-


ção; projeto de código de processo civil; incidentes diversos do processo.

ABSTRACT

ROSA, RENATO XAVIER DA SILVEIRA. Relation between lawsuits and the incident of col-
lectivization: an analysis of the incident for resolution of repetitive lawsuits. 2010.
36 f. Term conclusion paper (Subject “Processos Coletivos II — DPC 5838-2/4”). Fa-
culdade de Direito, Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2010.

This work aims at the relation between lawsuits, both individual and collective actions,
as of the potential creation in Brazil of a procedural system for collective ruling of ac-
tions, to be called an “Incident of Collectivization” or an “Incident for Resolution of Re-
petitive Lawsuits”, as per articles 895 to 906 of the first draft of the New Civil Proced-
ure Code (according to the Brazilian Senate Law Project n. 166 of 2010)

Keywords: civil procedure law; collective suits; incident of collectivization; project of a


civil procedure code; incidents of procedural law.
LISTA DE ABREVIAÇÕES

ACP — Ação Civil Pública

CDC — Código de Defesa do Consumidor, Lei Federal nº


8.078 de 11 de setembro 1990.

CF-88 — Constituição da República Federativa do Brasil,


promulgada em 05 de outubro de 1988;

— ou, Constituição Federal de 1988.

Comissão de Juristas — Comissão de Juristas instituída pelo Ato do


Presidente do Senado Federal nº 379, de 2009,
destinada a elaborar Anteprojeto de Novo Código
de Processo Civil

CPC — v. CPC-73

CPC-73 — Código de Processo Civil (CPC) de 1973, Lei


Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

EC 45 — Emenda Constitucional nº 45, de 2004, à CF-88.

Incidente de Coletivização — v. Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas.

Incidente de Resolução de — Mecanismo previsto nos artigos 895 a 906, do


Demandas Repetitivas PLS 166/10 (v. abaixo).

LACP — Lei da Ação Civil Pública, Lei Federal nº 7.347,


de 24 de julho de 1985.

MP — Ministério Público

Novo CPC — Projeto de Novo Código de Processo Civil,


Projeto de Lei do Senado Federal, nº 166 de 2010,
resultado do trabalho da Comissão de Juristas,
entregue em 08 de junho de 2010.

PLS 166/10 — v. Novo CPC.

STF — Supremo Tribunal Federal

STJ — Superior Tribunal de Justiça


SUMÁRIO

Capítulo 1. Introdução .................................................................................................. 1


1.1. A denominação do incidente .......................................................................... 2
Capítulo 2. Relação entre demandas ............................................................................ 3

Capítulo 3. Elementos identificadores de uma demanda ........................................... 6


3.1. No processo individual ................................................................................... 6
3.2. Nas demandas coletivas: os elementos objetivos ........................................... 8
3.3. Nas demandas coletivas: elemento subjetivo e legitimidade ....................... 10
3.4. Relação entre demandas coletivas ................................................................ 11
Capítulo 4. Reunião de processos conexos ................................................................. 13
4.1. Obrigatoriedade da reunião .......................................................................... 14
Capítulo 5. Litispendência e coisa julgada ................................................................ 16
5.1. Litispendência .............................................................................................. 16
5.1.1. Relação entre Ação Civil Pública e ação individual ......................... 17
5.2. Coisa julgada ................................................................................................ 18
Capítulo 6. Prorrogação da competência territorial ................................................ 18

Capítulo 7. O incidente de coletivização .................................................................... 20

Capítulo 8. Relação entre demandas e o “incidente de resolução de demandas repe-


titivas” ........................................................................................................................... 23

Capítulo 9. Conclusões ................................................................................................ 25

Referências bibliográficas ........................................................................................... 27

Anexo A. Incidente de resolução de demandas repetitivas ...................................... 28


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 1

CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

Uma Comissão de Juristas foi instituída pelo Ato do Presidente do Senado


Federal nº 379, de 2009, destinada a elaborar Anteprojeto de Novo Código de Processo
Civil. Essa Comissão de Juristas entregou em 08 de junho de 2010 o seu trabalho final,
que deu início ao Projeto de Lei do Senado Federal, nº 166 de 2010 (o “PLS 166/10”,
ou “Novo CPC”).

No referido PLS 166/10, artigos 895 a 9061, foi criado um novo instituto,
inicialmente denominado de “Incidente de Coletivização” e, em sua redação final, o “In-
cidente de Resolução de Demandas Repetitivas”, objeto deste trabalho.

O instituto, aqui indiferentemente referido doravante por ambas as denomi-


nações2, tem o condão de induzir a suspensão de todos os processos sobre uma mesma
matéria de direito, remetendo-se ao tribunal a causa para julgamento da tese jurídica de
fundo3.

Para a compreensão da relação entre esse incidente e as causas coletivas,


analisaremos primeiro os mecanismos da relação entre demandas individuais, isto é, no
processo civil tradicional. Neste, toda demanda pode ser identificada por três elementos,
denominados de tria eadem, i.e., a tríplice identidade. Esses elementos são as partes, o
pedido e a causa de pedir. Em seguida, abordaremos sinteticamente o incidente mencio-
nado, apresentando sua mecânica e âmbito de aplicação. Depois, resumiremos as de-
mandas coletivas e os seus instrumentos. Ao final, então, será feita a pretendida aplica-
ção dos fenômenos de relação entre demandas em relação a todos os processos, indivi-
duais e coletivos, independentemente dessa natureza.
1 Ver ao final, “Anexo A. Incidente de resolução de demandas repetitivas”, p. 29.
2 Embora, conforme exposto abaixo (n. “1.1. ”, p. 2), as denominações impliquem significados di-
ferentes.
3 Ou ao tribunal acima, caso as várias demandas tramitem originariamente perante um tribunal.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 2

1.1. A denominação do incidente

Muito se debateu na Comissão de Juristas a respeito da denominação do in-


cidente ora em estudo4, propunha-se incidente de coletivização, incidente de processos
representativos da controvérsia, processo teste, processo piloto, ações repetitivas, e as-
sim por diante. Discutia-se se há coletivização ou não, se isso causaria alguma confusão,
e outras questões extraprocessuais.

Confusão até poderá causar, mas o fato é que coletivização não há por esse
procedimento criado. O que se tem é o tratamento conjunto de demandas repetidas, seri-
adas, não há coletividade alguma a ser destacada (além do próprio fato de que todos têm
um direito repetido).

Se o incidente fosse de coletivização, haveria de no mínimo se encontrar


uma coletividade que pudesse ser beneficiada com o incidente. Coletivização seria a
transformação de milhares de ações individuais em poucas ações civis públicas (uma
para cada réu ou grupo de réus que pudesse se defender em conjunto, sem prejuízo).
Mas, como se sabe, não se reúnem as demandas individuais, apenas se julgam as ques-
tões comuns aos processos individuais, e se impõe esse julgamento a cada um deles,
para julgamento apenas das questões que não se identificam com as demais ações.

O incidente, na verdade, é de molecularização de demandas (na concepção


consagrada de KAZUO WATANABE) — obriga-se a uma reunião para julgamento conjunto
das questões comuns.

Poder-se-ia até mesmo cogitar de uma inversão de instâncias, pois se a ques-


tão comum é julgada primeiro pelo tribunal, e depois imposta ao primeiro grau de juris-
dição, então há na verdade a inversão da ordem, primeiro se afirma qual o entendimento

4 Cf. BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. SENADO FEDERAL. PRESIDÊNCIA. COMISSÃO DE JURISTAS RESPONSÁVEL
PELA ELABORAÇÃO DO ANTEPROJETO DE CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Ata da primeira reunião da Comis-

são de Juristas. Diário do Senado Federal, Brasília-DF, 3 fev. 2010. pp. 566-568.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 3

do revisor, e depois se impõe ao julgador esse resultado, evitando a necessidade de revi-


são posterior pelo duplo grau de jurisdição. É uma revisão a priori das decisões dos ma-
gistrados de primeiro grau, com o objetivo de evitar julgamentos dissonantes, jurispru-
dência excessivamente divergente.

O incidente, então, não é de coletivização, mas de molecularização, o que


significa dizer que há mesmo uma resolução de demandas repetitivas, ou então, simila-
res, afins.

CAPÍTULO 2. RELAÇÃO ENTRE DEMANDAS

A relação entre demandas, no processo civil brasileiro, é regulada de acordo


com as regras atinentes aos institutos de conexidade, continência, litispendência, e coisa
julgada — ao menos são esses os de maior relevância para o presente estudo. Aqui, por-
tanto, serão ignoradas as demais relações5 denominadas de prejudicialidade6,7, afinida-

5 Mencionadas e expostas por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (Instituições de direito processual


civil, vol. II. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005. p. 148 e seguintes, n. 459 e seguintes).
6 Uma demanda prejudicial influi sobre o resultado de outra (prejudicada), que tem a primeira
como um antecedente lógico seu. DINAMARCO sintetiza: “há relação de prejudicialidade entre duas
causas quando o julgamento de uma delas é apto a influir no de outra”; e conclui que “a relação
de prejudicialidade entre demandas existe sempre que uma delas verse sobre a existência, inexis-
tência ou modo-de-ser de uma relação jurídica fundamental, da qual dependa o reconhecimento
da existência, inexistência ou modo-de-ser do direito controvertido na outra” (cf. ob. cit., n. 465,
p. 155).
7 A questão da antecedência lógica da prejudicial, se necessária ou eventual, foi enfrentada por
CLARISSE FRECHIANI LARA LEITE (Prejudicialidade no processo civil, São Paulo: Saraiva, 2008,
pp. 30—39), sendo que se concluiu pelo maior proveito processual em se prosseguir no processo
até o momento no qual seja indispensável a conclusão da prejudicial, de modo que se possa,
eventualmente, se dispensar a prejudicial, por se ter chegado ao mesmo final, por um caminho al-
ternativo e igualmente idôneo, economizando-se tempo e em benefício das partes e de todos (ob.
cit., p. 39).
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 4

de8, comunhão9, acessoriedade10, dependência11, sucessividade12 e subsidiariedade13,


uma vez que estas não trazem mecanismos processuais próprios, e pouco acrescentam
ao presente estudo. Essa menor relevância decorre do fato de estarem ligadas a situações
muito particulares que devem ser verificadas a cada caso concreto, não se podendo delas
extrair uma abstração que seja útil à dicotomia “processo individual”—“processo coleti-
vo”.

Quanto aos mecanismos processuais vinculados à relação entre demandas,


primeiro temos os fenômenos de conexidade e continência, que tratam de demandas
cujo objeto não é exatamente o mesmo.

8 “A afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito é uma relação tênue de se-
melhança entre duas ou mais demandas. É uma conexidade degradada, de intensidade menor, ca-
racterizada por uma causa petendi parcialmente igual, mas que não chega ao ponto de ser a mes-
ma.” (DINAMARCO, ob. cit., n. 461, p. 151).
9 “em posição oposta à da mera afinidade está a comunhão em direitos ou em obrigações, que é um
fator potenciado e particularmente intenso de conexidade entre demandas. Consiste na titularida-
de de um só direito ou de uma só obrigação,” sendo tratado pelo CPC pelo instituto do litiscon-
sórcio (DINAMARCO, ob. cit., n. 462, p. 152).
10 “A relação de acessoriedade entre demandas constitui em primeiro lugar projeção da existência,
no plano do direito material, de direitos e obrigações acessórios. […] Acessórios, nos termos da
lei civil e para a incidência do art. 108 do Código de Processo Civil, são os bens cuja existência
supõe a da principal (CC, art. 58)” (DINAMARCO, ob. cit., n. 467, p. 158)
11 Dependência é uma forma de exigir que as ações conexas sejam julgadas em conjunto. A distri-
buição por dependência, ao mesmo juiz, em razão de processo pendente, deve ser feita sempre
que as novas demandas “guardem qualquer relação capaz de dar causa à prorrogação de compe-
tência ou também a reunião em unum judicium para julgamento em uma só sentença”
(DINAMARCO, ob. cit., n. 468, pp. 159—160).
12 Sucessividade é uma forma de estabelecer a relação entre duas demandas cumuladas em um úni-
co processo, de modo que uma seja julgada antes da outra, em ordem, em razão de uma forma de
conexidade, como prejudicialidade de um pedido em face do outro, ou acessoriedade do segundo
pedido face o primeiro. Deste modo, o pedido sucessivo só é analisado depois do primeiro, e
muitas vezes dependerá do conhecimento e provimento do primeiro (caso prejudicial ou princi-
pal). A respeito da cumulação sucessiva de pedidos, cf. DINAMARCO, ob. cit., n. 473, pp. 167—169.
13 Subsidiário é o pedido eventual cumulado com outro prioritário em uma mesma demanda, de
modo que o demandante manifesta preferência por um deles, isto é, apenas caso se julgue o prio-
ritário improcedente (ou dele não se conheça) é que o demandante quer o conhecimento e então a
procedência do eventual, subsidiariamente. Sobre essa forma de alternatividade eventual de pedi-
dos, cf. DINAMARCO, ob. cit., n. 475, pp. 175—173.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 5

O artigo 103 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC-73) dispõe que


“reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa
de pedir”. Na realidade, a categoria jurídico-processual da conexidade poderia incluir
todas as demais, em razão de este fenômeno incluir todos os casos em que um ou mais
elementos da demanda são interligados ou estão conectados. Assim, a conexidade deve
ser tratada como regra geral, sendo as demais consideradas especiais, e devem ser anali-
sadas e identificadas antes de se verificar a conexidade, que estará presente sempre que
as demais também estiverem. Além disso, a conexidade é um fenômeno recíproco e
equilibrado, pois a identidade é entre si, não havendo qualquer carga de valor entre uma
e outra demandas conexas, que serão igualmente conexas uma com a outra e vice ver-
sa.14

Já o artigo 104 estabelece o seguinte: “dá-se a continência entre duas ou


mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto
de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras”. Diz-se que há continência quando
uma demanda contém outra, em relação de continente e conteúdo. Analisam-se os ele-
mentos concretos, quer objetivos ou subjetivos, em especial o pedido (mediato e imedia-
to) e a causa de pedir remota (fatos alegados).15

Ambos são casos de demandas similares mas não idênticas. Conforme artigo
105 do CPC-73, o magistrado pode determinar a reunião dos processos conexos ou con-
tinentes, para julgamento conjunto. A finalidade da reunião das ações é “evitar decisões
conflitantes”, sendo que “se uma das ações já está finda não há o perigo de decisões
conflitantes, razão pela qual descabe a reunião dos processos por conexão, por falta de
interesse processual”.16

14 Idem, ibidem, pp. 148—151, n. 460.


15 Idem, ibidem, pp. 153—154, n. 464.
16 Cf. Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria ANDRADE NERY, Código de processo civil comentado e le-
gislação extravagante, 11ª ed., São Paulo: RT, 2010, p. 378, n. 2 do coment. art. 105 do CPC.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 6

Já os institutos da litispendência e da coisa julgada (que se aplicam caso o


objeto de mais uma demanda seja exatamente o mesmo) são singelamente explicados no
Código de Processo Civil de 1973 no artigo 301, §1º (“verifica-se a litispendência ou a
coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada”) e §3º (“há litispen-
dência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete
ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”). São casos de idênti-
co objeto. Verificada a litispendência ou a coisa julgada, deve o magistrado determinar
a extinção do processo, conforme artigo 267, V, do CPC-73. Ressalte-se que apesar de
se adotar aqui e na praxe forense tais nomes (litispendência e coisa julgada) para desig-
nar a impossibilidade de repropositura de demandas (em curso ou já julgadas no
mérito), o correto seria compreendê-los apenas como a existência de demanda sobre de-
terminado objeto (litispendência) e o dever de imutabilidade das decisões (efeito da coi-
sa julgada).

Esses quatro institutos representam os principais mecanismos processuais


para lidar com a relação entre demandas.

Todavia, e essa é a inovação do instituto, o PLS 166/10 propõe um quinto


mecanismo — o incidente de coletivização — que teria o condão de sobrestar os vários
processos similares e não-idênticos, julgando-os de acordo com um paradigma a ser
eleito, processado e julgado por meio do incidente propriamente dito. O que se precisa
estudar, e é o que propomos como centro deste trabalho, é se a relação entre demandas
tradicionalmente conhecida tem alguma influência sobre o incidente de coletivização e,
mais importante, se o incidente se aplica a todo e qualquer processo, independentemente
da sua natureza, individual ou coletiva.

Renato Xavier da Silveira Rosa


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 7

CAPÍTULO 3. ELEMENTOS IDENTIFICADORES DE UMA DEMANDA

3.1. No processo individual

Os mecanismos da relação entre demandas individuais, no processo civil


tradicional, se inicia com a identificação dos processos por três elementos, denominados
de tria eadem, i.e., a tríplice identidade. São as partes (elemento subjetivo), e o pedido e
a causa de pedir (elementos subjetivos).

Para estudo da relação entre as demandas, antes precisamos definir o que é


que identifica cada uma delas. DINAMARCO nos ensina17 que todas as demandas existentes
ou futuras possuem sua individualidade e elementos próprios.

Esses elementos são (a) o sujeito que a propõe, (b) aquele em relação ao
qual a demanda é proposta, (c) os fatos que o autor alega para demonstrar
seu alegado direito, (d) a proposta de enquadramento desses fatos em uma
categoria jurídico-material, (e) a postulação de um provimento jurisdicio-
nal de determinada natureza e (f) a especificação do concreto bem da vida
pretendido. Os dois sujeitos são partes, os fundamentos de fato e de direi-
to são causa de pedir, a postulação do provimento jurisdicional incidente
sobre o bem da vida é pedido. Partes, causa de pedir e pedido, conforme
especificados de modo concreto no ato de demandar e assim lançados na
petição inicial, são os elementos constitutivos de cada demanda. 18

Em seguida, após a enumeração acima, DINAMARCO conclui que cada um dos


três elementos (partes, pedido e causa de pedir) se desdobra em dois, razão pela qual se-
riam seis os elementos identificadores das demandas19. Então, os elementos — com
maior rigor — são (i) o demandante (autor) e o demandado (réu) 20, (ii) a causa de pedir

17 DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Instituições de direito processual civil, vol. II. 5ª ed., São Pau-
lo: Malheiros, 2005. p. 112, n. 436.
18 Idem, ob. e loc. cit.
19 Idem, ibidem, p. 113, n. 436.
20 Idem, ibidem, pp. 113—114, n. 437, donde se extrai que partes é um conceito diferente de repre-
sentante (que atua em nome alheio), substituto (que atua em nome próprio, por legitimação extra-
ordinária) e, no aspecto puramente processual, o advogado que detém capacidade postulatória
para representar a parte.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 8

próxima (proposta de enquadramento jurídico) e a remota (fatos alegados)21, e por fim


(iii) o pedido mediato (bem da vida pretendido) e o imediato (a tutela pretendida)22.

Assim, cada uma das demandas existentes ou encerradas, e todas as que vie-
rem a ser propostas, poderão ser identificadas a partir dos elementos acima. Todavia,
nem todos os elementos são relevantes para essa identificação. Dos seis elementos aci-
ma, a causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) é um elemento abstra-
to, que não passa de mera proposta de enquadramento dos fatos narrados, que poderá
ser alterada pelo magistrado no momento de julgar o feito — o que torna irrelevante
para identificar uma demanda. Os demais cinco não poderão ser alterados no curso da
demanda, senão com a concordância de todas as partes. Por fim, a identidade apenas en-
tre os fundamentos e o provimento pretendido também se torna irrelevante, pois o orde-
namento jurídico não traz nenhuma consequência para demandas com mesmas teses ju-
rídicas em discussão (que seria o caso de mera afinidade). Todavia, havendo iguais par-
tes e causa de pedir, pode haver mais de uma demanda com pedidos diferentes, assim
como podem coexistir demandas com iguais pedidos e partes, se as causas de pedir fo-
rem distintas.23 Porém, nesses últimos casos, surge a relevância da distinção e deve-se
recorrer ao estudo da identidade parcial entre demandas.

Esses três elementos básicos, que se desdobram cada qual em dois, nos bas-
tam para podermos afirmar se duas demandas são idênticas entre si ou se são simples-
mente similares.

21 Idem, ibidem, pp. 126—127, n. 450. Causa de pedir representa os fatos e os fundamentos, isto é,
trata-se de descrever os fatos que teriam dado luz ao direito do demandante (fatos, causa de pedir
remota) e o preceito jurídico a ser aplicado sempre que tal pressuposto normativo ocorrer (sanc-
tio juris) e que pretende o demandante ver aplicado para o seu caso (fundamentos jurídicos, causa
de pedir próxima)
22 Idem, ibidem, pp. 118—120, n. 443. O pedido é imediato por ser a tutela que imediatamente se
quer, porém o que o demandante realmente pretende e que configura o objetivo do processo é a
obtenção do bem da vida, o que será conseguido indiretamente pela tutela, daí porque ser deno-
minado de pedido ser mediato.
23 Idem, ibidem, pp. 131—132, n. 452.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 9

Em se tratando de demandas coletivas, algumas ressalvas devem ser feitas,


em razão de características próprias quanto aos elementos da demanda.

3.2. Nas demandas coletivas: os elementos objetivos

Quanto ao pedido e à causa de pedir, necessário demonstrar que KAZUO


WATANABE atribui a esses elementos objetivos, exclusivamente, o poder de configurar
uma demanda como coletiva ou individual, de modo a fixar a abrangência da demanda e
permitir a conclusão de que, em caso de plúrimas demandas, se é o caso de mera cone-
xidade entre as ações ou de litispendência (ou mesmo de coisa julgada).24 De especial
importância esta passagem:

Nessa análise dos elementos objetivos da ação, é particularmente impor-


tante saber com que fundamento e em que termos é postulada a tutela ju-
risdicional, pois, qualquer que seja a colocação feita pelo autor, podemos
estar diante de uma autêntica demanda coletiva para tutela de interesses
ou direitos ‘difusos’ ou ‘coletivos’, de natureza transindividual e indivisí-
vel, ou senão a hipótese poderá ser de tutela de interesses individuais,
com a incorreta denominação de ‘demanda coletiva’ (eventualmente po-
derá tratar-se de tutela coletiva de interesses individuais ‘homogêneos’). 25

Para exemplificar, cogitemos que a causa de pedir eleita possa ser uma rela-
ção jurídica puramente individual ou de natureza coletiva e indivisível. Do primeiro
modo será objeto de uma demanda individual (exceto se relativa a direito individual ho-
mogêneo), e no segundo será necessariamente coletiva. Da mesma forma, se o pedido
for uma tutela estritamente individual, ou se for para tutela coletiva do direito invocado,
também deverá a demanda seguir tal escolha.

Então, dado que são o pedido e a causa de pedir que fazem uma demanda
figurar como coletiva ou individual, importante mencionar uma tendência a que esses
dois objetos sejam tomados de maneira flexibilizada, compatível com a importância dos

24 KAZUO WATANABE, In: GRINOVER, ADA PELLEGRINI et al., Código brasileiro de defesa do
consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitá-
ria, 2007, pp. 826—829, n. 7 do coment. art. 81.
25 Idem, ibidem, p. 829.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 10

direitos envolvidos. Todavia, não se deve permitir uma extrema liberdade ao interpretar
ou configurar os elementos objetivos, ao menos não sem previsão legal (e compatível
com a Constituição Federal), mas ainda assim, é o objetivo final da tutela que reclama
por essa mobilidade do objeto da demanda. Essa maior ou menor variabilidade do pro-
cesso tem reflexos diretos na estabilização da demanda, mitigando-se, em parte, a pre-
clusão processual sobre a eleição do pedido e da causa de pedir.26

3.3. Nas demandas coletivas: elemento subjetivo e legitimidade

O elemento subjetivo das demandas coletivas, por sua vez, sofre grandes
mudanças em relação ao processo individual, especialmente quando se tomam as partes
processuais em face das partes substituídas, que não atuam diretamente no processo.

Nas demandas coletivas a legitimidade ativa ad causam não é exercida pela


própria parte, cujo direito é levado a juízo por um terceiro, representando-lhe ou substi-
tuindo-lhe, conforme artigos 5º da LACP e 82 do CDC.

Para as ações coletivas na tutela de direitos difusos e coletivos, trata-se de


legitimação autônoma para a condução do processo (selbständige Pro-
zessführungsbefugnis), ordinária. Quando a ação coletiva for para a tutela
de direitos individuais homogêneos (v. CDC 81 par. ún. III). Haverá subs-
tituição processual, isto é, legitimação extraordinária. A norma comenta-
da [artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública] encerra legitimação concor-
rente e disjuntiva […] e o litisconsórcio ativo que pode ser formado entre
os colegitimados é facultativo.27

Em outras palavras, o sistema de processos coletivos atribui a uma série de


entidades (associações, Defensoria Pública, órgãos públicos e o Ministério Público) a
legitimidade para atuar em juízo — e a lei o faz atribuindo a todos, ao mesmo tempo,
concorrentemente, o direito de levar a juízo tais questões.

26 Sobre o tema, v. RICARDO DE BARROS LEONEL, “Causa de pedir e pedido nos processos coletivos:
uma nova equação para a estabilização da demanda”, In: GRINOVER—MENDES—WATANABE, Direi-
to processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos, São Paulo:
RT, 2007, pp. 144—152, nn. 1—5.
27 NERY JÚNIOR, NELSON; ANDRADE NERY, ROSA MARIA. Código de processo civil comentado
e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: RT, 2010. p. 1443, n. 3 coment. art. 5º Lei 7.347/85.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 11

Mas — independentemente de quem quer que tenha subscrito a peça inicial,


e que tenha figurado, fisicamente, como demandante da ação em tela —, a parte ativa do
processo é o grupo titular do direito invocado pelo legitimado ativo. Esse grupo, portan-
to, pode ser indeterminável (direitos difusos), determinado (direitos coletivos), ou deter-
minável (direitos individuais homogêneos).

O raciocínio também se aplica para o polo passivo, se for demandada uma


coletividade, no caso de se tratar de legitimação passiva de grupo28.

Em suma, deve-se verificar a parte substituída (ou representada), isto é, o ti-


tular do direito. Deve-se apurar a condição da pessoa, sua posição jurídica, e ignorando-
se a identidade física, o legitimado ativo ou passivo.

MANCUSO ensina que a identidade de partes não é física ou institucional, mas


sobre a condição da parte. Se a relação de direito material coloca ambos os autores no
polo ativo da titularidade, trata-se de idêntica parte (eadem condicio personarum). A ex-
ceptio rei iudicate vel in iudicium deducta requeria idem corpus, eadem causa petendi e
eadem condicio personarum, sendo que a “mesma condição” não era identidade física,
mas idêntica posição jurídica.29

Conclui-se pois que a verdadeira parte, para fins de apurar a identidade ou


conexidade das demandas coletivas, deve ser feita observando-se o sujeito substituído
ou representado em juízo, e não o legitimado que invoca direito alheio em nome alheio.

28 KAZUO WATANABE, In: GRINOVER, ADA PELLEGRINI et al., Código brasileiro de defesa do
consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitá-
ria, 2007, pp. 847—851, n. “7c” do coment. art. 81.
29 RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, “A concomitância entre ações de natureza coletiva”, In:
GRINOVER—MENDES—WATANABE, Direito processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro
de processos coletivos, São Paulo: RT, 2007, p. 168.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 12

3.4. Relação entre demandas coletivas

O judiciário, enquanto poder emanado do Estado, deve prover um serviço de


qualidade, isto é, uma resposta judiciária: “justa (equânime e convincente), jurídica
(tecnicamente hígida), econômica (boa relação custo-benefício), tempestiva ([razoável
duração, celeridade]) e razoavelmente previsível ([v. súmula vinculante])”.30

E da tradicional litigância individual, de pequenos litisconsórcios (sendo o


multitudinário vedado, conforme artigo 46, parágrafo único do CPC), deve-se passar a
lidar com os megaconflitos, devendo-se adotar a jurisdição coletiva. Fala-se mesmo em
microssistema processual coletivo.31

A incompatibilidade entre ações coletivas é não só de ordem lógica (com a


qual tenta conviver a ciência processual), mas também e principalmente prática, pois
não podem coexistir dois comandos contrários, em um mesmo espaço-tempo sobre
idêntica matéria.32

Entre ação popular e ação civil pública (contra atos lesivos ao patrimônio),
apesar dos diferentes legitimados, os sujeitos representados são os mesmos, havendo
portanto mesmas partes. A causa de pedir, evidentemente, é a mesma, isto é, a ocorrên-
cia de um ato lesivo e a qualificação dele (proposta de enquadramento) como ilícito. Já
o pedido é que diferenciará as demandas: se for idêntico, temos a tríplice identidade; já
se houver pedido de ressarcimento do dano (artigo 11 da Lei nº 4.717/65/Lei da Ação
Popular), então os pedidos serão necessariamente diferentes, em razão da impossibilida-
de de se veicular tal pedido na ação civil pública.

Entre ação de improbidade administrativa e as demais ações coletivas (ação


popular e ação civil pública), nunca haverá identidade de pedidos, pois a aplicação de

30 MANCUSO, A concomitância…, ob. cit., p. 162.


31 Idem, ob. e loc. cit.
32 Idem, ibidem, p. 169.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 13

penas pecuniárias e restritivas de direitos aos réus são pedidos exclusivos da ação de im-
probidade administrativa. Esta, ressalte-se, é uma característica do direito material vei-
culado. Contudo, poderá haver conexidade ou continência entre tais ações.

Entre ações coletivas de responsabilidade civil e as ações reparatórias indi-


viduais há sim continência, pois a ação coletiva inclui em seu pedido o mesmo pedido
da ação individual. Há julgados negando essa aplicação, como das 28ª e 31ª Varas Cí-
veis do Foro Central da Comarca de São Paulo, nos processos n. os 72/93 e 594/93, fun-
dando-se o julgador na suposta inocorrência de identidade de partes, isto é, os magistra-
dos se limitaram a observar as partes físicas processuais, e não os verdadeiros litigantes,
representados ou substituídos em juízo.

Quanto ao processo coletivo fundado em interesse coletivo ou difuso e indi-


vidual ressarcitório, não há continência. Também se exclui a litispendência, por regra,
mas se permite exercer o opt-in para se sujeitar ao resultado da demanda33.

Quanto à indução de litispendência, mencionada no artigo 104 do CDC, de-


ve-se entender que há apresenta erro de remissão, pois ao remeter aos incisos II e III
(direitos coletivos e individuais homogêneos) deixa-se de incluir o inciso I (direitos di-
fusos), e ele deveria ser incluso. Por outro lado, o erro de remissão poderia ser entendi-
do como uma tentativa de referência aos incisos I e II, apenas, que são idênticos quanto
ao regime de sua coisa julgada.

33 Ver mais a respeito abaixo, n. 5.1.1 p. 17.


Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 14

CAPÍTULO 4. REUNIÃO DE PROCESSOS CONEXOS

A reunião de processos é uma técnica processual que determina o julgamen-


to conjunto das demandas, caso haja identidade parcial entre os seus elementos e caso
haja interesse nessa reunião. E, por interesse, deve-se entender a conveniência disso ou,
para usar a mesma ideia aplicável ao interesse de agir (como condição da ação), deve-
mos verificar a utilidade e adequação dessa reunião. Desta forma, o magistrado dever se
sentir à vontade para apurar se, a cada caso concreto, se a reunião dos processos será
adequada e útil, isto é, se haverá algum ganho processual, como facilidade de defesa ou
julgamento, economia de atos, etc.

Outra possibilidade é se entender que a reunião dos processo decorre da or-


dem pública, ou seja, que a falta de reunião contrariaria princípios. Pode-se dizer, inclu-
sive, que interessa ao próprio Estado o julgamento conjunto das demandas.

Ademais, pode-se dizer que é a efetividade da tutela jurisdicional que está


em em evidência, quando se avalia a necessidade (ou o interesse, i.e., utilidade e ade-
quação) de se reunir ou não determinados processos.

KAZUO WATANABE entende que a multiplicidade de ações pode gerar “contra-


dições tão flagrantes de julgados” que “povo algum terá estrutura suficiente para ab-
sorver com tranqüilidade e paciência por muito tempo.” Além disso, “por mais presti-
giada que seja a justiça de um país”, ela “não terá condições bastantes para resistir
por muito tempo a tamanho desgaste”.34

Por fim, MANCUSO entende que a técnica da reunião de ações — por conexão
ou continência — não impõe a extinção delas, mas o apensamento e julgamento conjun-

34 KAZUO WATANABE, In: GRINOVER, ADA PELLEGRINI et al., Código brasileiro de defesa do
consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitá-
ria, 2007, p. 827, n. “7” do coment. art. 81.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 15

to, como forma de não suprimir o direito dos colegitimados (democracia participativa),
ou a evitar que demandas muito parecidas deixem de se distinguir pelo que as diferen-
cia, pois não são iguais.35

4.1. Obrigatoriedade da reunião

SUSANA HENRIQUES DA COSTA (apoiada em DINAMARCO) entende que a conexão


ou a litispendência ensejam necessariamente a reunião dos processos, com fundamento
na efetividade da tutela jurisdicional, para evitar decisões contraditórias. São motivos de
ordem pública36.

Para ADA PELLEGRINI GRINOVER, a reunião deveria ser obrigatória37. No entan-


to, a própria autora aponta divergência doutrinária, especialmente de ANTONIO GIDI e
LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO38, reconhecendo-se apenas a prejudicialidade entre de-
manda coletiva e individual, quando ambas ressarcitórias. Ainda segundo GRINOVER, o
argumento da política judiciária é relevante, tornando-se impraticável reunir milhares de
ações. Por isso, a autora muda de opinião, para admitir como melhor técnica, diante de
literalmente milhares de ações, suspender os processos pela prejudicialidade, por até um
ano, retomando-se os processos após tal prazo.39 Portanto, criticamos essa conclusão,
por se mostrar evidentemente impraticável e ineficiente, uma vez que 1 (um) ano é um
prazo extremamente exíguo, segundo a experiência forense para ações coletivas ressar-
citórias.

35 MANCUSO, A concomitância…, ob. cit., p. 167.


36 SUSANA HENRIQUES DA COSTA, Processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralida-
de administrativa, São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 269.
37 ADA PELLEGRINI GRINOVER, In: GRINOVER, ADA PELLEGRINI et al., Código brasileiro de defesa
do consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2007, p. 965, n. “3” do coment. art. 104.
38 Apud idem, ibidem, p. 966, nota 70: ANTONIO GIDI, Coisa julgada e litispendência em ações co-
letivas, São Paulo: Saraiva, 1995, pp. 207ss.; e LUIZ PAULO DA SILVA ARAÚJO FILHO, Ações co-
letivas: a tutela jurisdicional dos direitos individuais homogêneos, Rio de Janeiro: Forense,
2000, pp. 155 ss.
39 Idem, ob. e loc. cit.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 16

SCARPINELLA BUENO, por sua vez, entende que a reunião das causas por cone-
xão ou continência é obrigatória, apesar da até comum interpretação de que seria facul-
tativa. No caso das ações civis públicas e ações de improbidade administrativa, não se
tem a dúvida, pois o verbo utilizado é “prevenirá”, ou que demonstra a imperatividade
do dispositivo.40

MANCUSO entende que a reunião em caso de continência não é facultativa,


apesar do verbo “pode”, pois a reunião é questão de ordem pública eis que interessa ao
próprio Estado o julgamento conjunto. Em sentido contrário, o STJ entende que a mar-
gem de discricionariedade é necessária pois pode não ser conveniente a reunião das
ações, por impraticabilidade ou por ser o ponto de similitude muito tênue, uma conexão
pouco intensa.41

Ademais, o julgamento conjunto das demandas e a falta de contrariedade


entre as decisões são efeitos da necessária reunião dos processos, e não a causa ou o seu
motivo.

Deve-se admitir então uma possível contrariedade ou conflito entre decisões


individuais e coletivas — aliás, como se admite no processo individual, entre partes di-
ferentes, para problemas idênticos —, por força expressa dos artigos 103 e 104 do CDC,
atribuindo-a ao demandante que não pediu a suspensão até final julgamento, mas apenas
por um ano pela prejudicialidade.

40 BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. “Conexão e continência entre ações de improbidade


administrativa”. In: BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA; PORTO FILHO, PEDRO PAULO DE REZENDE. Im-
probidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 110—
139.
41 Tudo conforme MANCUSO, A concomitância…, ob. cit., p. 167.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 17

CAPÍTULO 5. LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA

O objetivo dos institutos da litispendência e da coisa julgada é evitar de-


cisões contraditórias. Essa finalidade possui sua (a) importância lógica, por se pretender
ter decisões logicamente compatíveis, e (b) importância prática, pois principalmente há
impossibilidade prática de decisões em sentido contrário.

5.1. Litispendência

A litispendência, uma situação jurídica de pendência de um processo, repre-


senta a existência de um processo em andamento, que já fora apresentado e ainda não
extinto.42 Todavia, uma vez que “a pendência de um processo impede que em outro seja
admitida e chegue a ser julgada pelo mérito uma demanda idêntica à que constitui ob-
jeto do primeiro”43, na prática é esse efeito que se denomina de litispendência, embora
ele devesse ser melhor tratado como exceção de litispendência, isto é, meio de defesa a
ser alegado pela parte prejudicada, que lhe tem formulada uma demanda mais de uma
vez. Aqui, é a esse fenômeno que nos referimos, passando-se ao estudo das situações
nas quais um processo induz litispendência de outro (impede o seu prosseguimento).

Passemos a analisar algumas situações em que se pode potencial verificar a


litispendência entre processos coletivos e individuais, ou entre ações de mesma índole.

5.1.1. Relação entre Ação Civil Pública e ação individual

De acordo com o CDC e a LACP, exclui-se a litispendência, por regra, mas


se permite exercer o opt-in para se sujeitar ao resultado da demanda.

42 Cf. DINAMARCO, Vocabulário do processo civil, São Paulo: Malheiros, 2009, n. 95, pp. 182—183.
43 Idem, ob. e loc. cit.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 18

Dá-se duas opções ao demandante individual: continua na demanda indivi-


dual e não se aproveita a demanda coletiva, nem mesmo se procedente, ou requer a sus-
pensão, em até 30 dias da ciência nos autos do processo coletivo, sendo beneficiado
pelo julgamento favorável.

Se quiser, a qualquer momento, voltar a tramitar no processo individual


(como após a sentença de improcedência no processo coletivo, mas ainda pendente de
recurso), basta requerê-lo. Não há limites temporais, suspende-se pelo prazo necessário
para o trânsito em julgado do processo coletivo.

A qualquer momento pode requerer a reativação do feito, sendo que o de-


mandante se beneficia pelo julgamento de procedência da ação que induziu o pedido de
suspensão.

Uma terceira opção vislumbrada seria requer a suspensão, com fundamento


na prejudicialidade, mas só se permite suspender por até 1 ano, conforme artigo 265, IV,
“a” e §5º do Código de Processo Civil. Mas depois desse prazo o processo volta a trami-
tar e pode chegar a decisões contraditórias.

Portanto, permite-se propor ação individual mesmo na pendência de ação


coletiva para tutela do mesmo direito, com mesmo pedido e causa de pedir, sem que
uma venha a influenciar a outra.

5.2. Coisa julgada

O instituto da coisa julgada deve ser aplicado nos mesmos termos da litis-
pendência, conforme acima demonstrado. A diferença, porém, consiste em se permitir,
ou se impedir, a extinção de um processo, sem resolução do mérito, com fundamento na
existência de uma decisão anterior, transitada em julgado, sobre o mesmo objeto (perfei-
ta identidade dos elementos da demanda), nos termos do artigo 267, V, do CPC-73.

Renato Xavier da Silveira Rosa


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 19

Sobre o tema, MANCUSO afirma que não é possível uma ação civil pública
julgada improcedente ou procedente (isto é, extinta com resolução do mérito) ser segui-
da por uma ação coletiva fundada no CDC, pois o objeto de ambas seria o mesmo. E,
apesar do teor do artigo 103, §3º, do CDC, seria concebível que a coisa julgada pudesse
não ter efeitos, conforme artigo 16 da LACP. Porém, ao contrário da leitura gramatical
do dispositivo, a ação civil pública que julga o mérito deve sim fazer coisa julgada,
erga omnes, impedindo quaisquer outras ações coletivas sobre o mesmo objeto, que de-
verão ser extintas.44

CAPÍTULO 6. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL

SUSANA HENRIQUES DA COSTA45 nos ensina que a competência territorial relati-


va pode ser prorrogada, o que não ocorre com a competência territorial absoluta, em ra-
zão de motivos de ordem pública. Todavia, apesar de se colocar como absoluta a com-
petência territorial das ações civis públicas (artigo 2º da Lei nº 7.347/85), a prorrogação
de sua competência em razão de conexão também é medida decorrente da ordem públi-
ca, e deve prevalecer. É, portanto, prorrogável a competência territorial da ação civil
pública, desde que por conexidade. Isso fica ainda mais evidente se considerarmos que a
busca por decisões harmônicas e coerentes é mais importante que a proximidade com o
local do dano (ambos valores que decorrem da ordem pública). Aliás, o próprio parágra-
fo único do artigo 2º da LACP evidencia a possibilidade de prorrogação46, uma vez que

44 MANCUSO, A concomitância…, ob. cit., p. 165.


45 COSTA, SUSANA HENRIQUES DA. Processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralida-
de administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 272—273.
46 “Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo
juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações pos-
teriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”
O parágrafo único acima foi incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, ainda em vigor
por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001, com efeitos produzidos em
12/09/2001.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 20

se a propositura torna prevento o juízo, então estamos diante de competência prorrogá-


vel, logo, relativa.

Por outro ângulo, partindo da (in)divisibilidade do objeto do processo,


MANCUSO entende que se o thema decidendum for de âmbito nacional, e a entidade auto-
ra de representatividade nacional, haverá uma única ação coletiva, haverá um único ob-
jeto processual, ou seja, trata-se da mesma demanda.47

Todavia, entendemos que a representatividade nacional é irrelevante, bas-


tando agir em juízo em substituição a uma titularidade de amplitude nacional para que o
âmbito nacional reste configurado.

Esclarece-nos SCARPINELLA BUENO que o critério para prevenção é a proposi-


tura da ação, e portanto é a distribuição, o primeiro despacho que fixa a competência. O
artigo 219 do CPC-73 trata de citação, o que não é o caso. Além disso, o artigo 263 do
CPC-73 dispõe que é a distribuição que traduz a propositura da ação, devendo então,
para fins de compreensão do parágrafo único do artigo 2º da LACP, entendermos como
sendo o protocolo no distribuidor ou o primeiro despacho o momento no qual se torna
prevento o juíz.48

Adiante neste tema, importante partir para a análise das tentativas de limita-
ção do âmbito territorial de uma decisão, conforme artigo 16 da LACP (segundo reda-
ção dada pelo artigo 2º da Lei nº 9.494/1997).

Se tomarmos como válida a limitação da decisão, da jurisdição, à competên-


cia territorial do órgão prolator, então não é o caso de se atrair a competência de deman-
das conexas ou continentes, pois não há competência para tanto. Aí, só caberia aos tri-

47 RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, A concomitância…, ob. cit., p. 168.


48 BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. “Conexão e continência entre ações de improbidade
administrativa”. In: BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA; PORTO FILHO, PEDRO PAULO DE REZENDE. Im-
probidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 110—
139.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 21

bunais superiores uniformizar a jurisprudência. O parágrafo único do artigo 2º da LACP


só se aplicaria para ações civis públicas propostas perante juízes da mesma comarca ou
subseção judiciária.

Contudo, é irrelevante a competência territorial para fins de reunião de pro-


cessos, e justamente se for admitida a fragmentação da coisa julgada metaindividual é
que se justifica, com mais razão, o julgamento conjunto, para que a abrangência territo-
rial seja maior ainda, evitando plúrimos processos sobre os mesmos temas.

CAPÍTULO 7. O INCIDENTE DE COLETIVIZAÇÃO

Quanto ao procedimento do Incidente de Resolução de Demandas Repetiti-


vas, fazemos nossa análise de acordo com o Projeto de Lei do Senado Federal, nº 166 de
2010, em seus artigos 895 a 90649.

O incidente tem cabimento nos caso em que for identificada uma controvér-
sia “com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica
questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coe-
xistência de decisões conflitantes” (artigo 895, caput). Portanto, primeira nota, não há
cabimento do incidente para questões de fato, apenas para questões de direito.

Podem suscitar o incidente o magistrado, de ofício; ou, por petição, as par-


tes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública (§1º). Assim como ocorre com a Ação
Civil Pública, se o Ministério Público não tiver proposto, deve intervir e, em caso de
abandono ou desistência pela parte, assume a posição de autor (§2º).

49 Ver, ao final, “Anexo A. Incidente de resolução de demandas repetitivas”, p. 29.


Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 22

O incidente então deverá ser submetido a ampla e específica divulgação, es-


pecialmente por meio de um cadastro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alimenta-
do por dados fornecidos pelos tribunais (artigo 896).

O incidente será então distribuído a um relator do plenário do tribunal do


competente (ou do órgão especial, onde houver), que poderá requisitar informações ao
juízo de primeiro grau que deu origem ao incidente (artigos 897 e 898). O tribunal ana-
lisará ainda se é conveniente adotar a decisão paradigmática (artigo 898, §1º). Se o inci-
dente for rejeitado, retoma-se ação originária, caso contrário, o tribunal suspende todas
as ações pendentes tanto em primeiro quanto segundo grau (artigo 899) e julga a ques-
tão de direito submetida, lavrando o acórdão respectivo, cujo teor será vinculante e im-
posto a todos os juízes ou órgãos fracionários no âmbito de sua competência territorial
(artigo 898, §2º). Ressalvam-se as medidas de urgência que sejam necessárias durante a
suspensão dos processos (artigo 899, parágrafo único).

Objetivando à segurança jurídica, as partes, interessados, Ministério Público


ou Defensoria Pública poderão requerer que seja determinada a suspensão de todos os
processos em curso no país, sobre a mesma questão objeto do incidente (artigo 900). A
competência para conhecer deste pedido coincide com a competência para julgar os re-
curso especial e extraordinário, o que hoje corresponde respectivamente ao STJ e ao
STF.

Serão ouvidos então todos os interessados, inclusive entidade com interesse


na controvérsia, que no prazo de quinze dias apresentarão documentos ou suas manifes-
tações; depois ouve-se o Ministério Público (artigo 901).

Feito isso, remete-se para julgamento pelo órgão colegiado (plenário ou ór-
gão especial), no qual poderão se manifestar o autor e o réu do processo originário, bem
como o Ministério Público, cada qual com trinta minutos (artigo 902). Depois, manifes-
tam-se os demais interessados, no prazo comum de trinta minutos.

Renato Xavier da Silveira Rosa


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 23

Então, julgado o incidente, “a tese jurídica será aplicada a todos os proces-


sos que versem idêntica questão de direito.” (artigo 903).

Se o incidente não for julgado em seis meses, cessa a eficácia da ordem de


suspensão dos processos sobre a mesma questão, salvo decisão fundamentada do relator
(artigo 904).

Após o julgamento, qualquer parte poderá interpor recursos especial ou ex-


traordinário, que serão dotados de efeito suspensivo, ao contrário da regra geral, “presu-
mindo-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente discutida” (arti-
go 905). Além disso, não será feito juízo de admissibilidade na origem, como também é
a regra geral, remetendo-se diretamente para o tribunal competente julgar o recurso in-
terposto (artigo 905, parágrafo único).

Por fim, encerrando as disposições do incidente, se não for observada a tese


adotada na decisão paradigmática (proferida no incidente), tem cabimento reclamação
para o tribunal competente (artigo 906), que irá decidir se houve usurpação de desres-
peito à autoridade de sua decisão, nos termos do regimento interno de cada tribunal (pa-
rágrafo único do artigo 906).

Esse, portanto, o procedimento do incidente de resolução de demandas cole-


tivas que, como dito no início, não coletiviza, mas “adianta” (ou antecipa) a tese que se-
ria adotada pelo tribunal após a pacificação da jurisprudência (ou em um eventual inci-
dente de uniformização de jurisprudência).

Renato Xavier da Silveira Rosa


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 24

CAPÍTULO 8. RELAÇÃO ENTRE DEMANDAS E O “INCIDENTE DE

RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS”

Primeiro, importante ressaltar que a aplicabilidade do incidente de resolução


de demandas repetitivas é extremamente útil (e até mesmo necessária) aos processos co-
letivos, especialmente nos casos em que há uma

Retomando o argumento de que a competência pode sim ser prorrogada, e


que qualquer limitação sobre o âmbito de alcance (ou a extensão territorial) dos efeitos
da coisa julgada em processo coletivo, então hemos de concluir que com relação à com-
petência, não encontramos óbices à aplicação do incidente de resolução de demandas re-
petitivas aos processo coletivos. Por outro lado, caso efetivamente limitada a extensão
territorial das ações em primeiro grau de jurisdição, aí haverá uma infinidade de proces-
sos similares, devendo com mais razão ser aplicado o incidente mencionado, mas dentro
da competência do Tribunal que o vier a julgar, exceto se o STJ o processar e julgar,
dando amplitude nacional.

Superada a questão do âmbito territorial de aplicação dos seus efeitos, e pre-


sumindo-se a aplicação do incidente aos processo coletivos entre si (isto é, para “coleti-
vizar” ainda mais os processos coletivos, julgando-se todos reunidos), então resta estu-
dar se o incidente seria cabível para julgar questões ao mesmo tempo atinentes a proces-
sos individuais e coletivos.

Para concluir pela possibilidade de se aplicar o incidente de coletivização


para processos individuais e coletivos, indistintamente, iniciamos o raciocínio por algu-
mas premissas, já acima insinuadas.

Primeiro, admitimos que o incidente não se aplica para processos idênticos,


mas para todos aqueles que veiculam mesma tese jurídica. Portanto, deve-se ignorar os
elementos subjetivos da demanda. Quanto aos elementos objetivos, o pedido pode ser
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 25

flexibilizado, devendo-se tomá-lo mais pela espécie de tutela (declaratória, constitutiva,


condenatória, indenizatória, reparatória, obrigação de fazer, etc.) do que pela sua quanti-
ficação, cuja tutela será melhor especificada individualmente, ao se julgar cada proces-
so, após o julgamento do incidente. Já a causa de pedir é o principal elemento a ser exa-
minado — não tanto a proposta de enquadramento (causa de pedir próxima), que será
melhor dada pelos julgadores do incidente (admitida a teoria da substanciação, isto é,
que o magistrado possa alterar o enquadramento jurídico quando do julgamento) —,
mais especificamente, a causa de pedir remota, uma vez que são os fatos invocados pe-
las partes que devem ser similares, pois é a partir de um problema padrão que o inciden-
te trará uma mesma solução para todos eles. Portanto, o incidente terá cabimento para
julgar toda e qualquer demanda que invoque fatos similares, com uma mesma espécie
de tutela pedida, independentemente das partes ou do enquadramento jurídico invocado.

Em segundo lugar, deve-se admitir que o incidente de resolução de deman-


das repetitivas adota como pressuposto a possibilidade de deslocamento da competên-
cia, do juiz de primeiro grau para o tribunal local, que julgará a tese jurídica central e
devolverá os autos para julgamento do restante do objeto da demanda. Portanto, confor-
me exposto50, a competência territorial das ações coletivas é relativa, podendo ser pror-
rogada em alguns casos, como é o do incidente em tela. Assim, também sendo prorrogá-
vel a competência das ações individuais, todas —individuais e coletivas — poderão ser
deslocadas para o tribunal julgá-las em conjunto.

Terceiro, e por derradeiro, entendemos que são motivos de ordem pública


que motivaram a criação do incidente e que continuam sendo relevantes para impor a
adoção desse mecanismo indistintamente a processos individuais e coletivos. É, afinal, a
efetividade da tutela jurisdicional (pacificação com justiça, em um tempo razoável) que
estará sendo prestigiada ao admitir o incidente.

50 Ver n. 6, p. 19, acima.


Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 26

Assim, concluímos pela aplicação do incidente de resolução de demandas


repetitivas a todos os processo que envolvam uma mesma tese jurídica, sejam eles indi-
viduais ou coletivos, já que não faz diferença, para julgamento da tese, se o meio pro-
cessual diz respeito a um, poucos ou milhares de sujeitos, determinados, determináveis
ou indeterminados.

CAPÍTULO 9. CONCLUSÕES

No presente trabalho, pudemos chegar a algumas conclusões, apresentadas a


seguir, sinteticamente.

1. Os processos individuais e coletivos podem ser identificados por três ele-


mentos (os tria eadem — partes, pedido e causa de pedir), cada qual se desdobrando
em dois, perfazendo então os seguintes seis elementos: (a) o demandante (autor) e o de-
mandado (réu), (b) a causa de pedir próxima (proposta de enquadramento jurídico) e a
remota (fatos alegados), e por fim (c) o pedido mediato (bem da vida pretendido) e o
imediato (a tutela pretendida).

2. A partir da identificação dos elementos da demanda, podemos concluir


que estamos diante de duas demandas idênticas, similares ou meramente afins. Sendo
idênticas, a segunda demanda deve ser extinta por litispendência (se a primeira ainda es-
tiver em curso) ou por coisa julgada (se a primeira tiver sido julgada no mérito). Sendo
similares, recorre-se aos mecanismos de conexidade (e correlatos), tais como continên-
cia, prejudicialidade e a própria conexidade, os quais possibilitam a reunião dos proces-
sos. No caso de mera afinidade, o sistema processual não atribui nenhuma consequência
específica.

3. No caso de conexidade (em sentido amplo), a reunião dos processos é


uma medida imposta pela ordem pública, para garantir uma efetividade da tutela, sendo
que parte da doutrina admite a obrigatoriedade dessa reunião e outra parte prefere atri-

Renato Xavier da Silveira Rosa


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 27

buir ao magistrado o poder de verificar a oportunidade e a conveniência (ou a utilidade


e a adequação) dessa reunião. De qualquer modo, o sistema processual nos aponta que o
julgamento separado de ações relacionadas não é desejável.

4. A competência territorial de ações individuais ou coletivas, pode ser pror-


rogada pela conexão (em sentido amplo), de modo que um mesmo magistrado decida as
demandas relacionadas entre si.

5. O incidente de resolução de demandas repetitivas é um mecanismo para


julgamento de demandas afins, quando nelas for veiculada uma mesma tese jurídica,
isto é, quando houver uma parcial identidade entre os elementos objetivos (pedido e
causa de pedir) de uma e de outra.

6. O incidente de resolução de demandas repetitivas se aplica tanto para de-


mandas coletivas quanto individuais, uma vez que todas elas permitem a prorrogação da
competência territorial e desde que apresentem uma mesma tese jurídica.

7. Todas as conclusões acima são impostas visando à efetividade da tutela


jurisdicional, a fim de evitar decisões conflitantes sobre mesmas questões. O objetivo,
ao final, é criar previsibilidade e seguranças nas relações sociais, aumentando a confian-
ça no sistema judiciário e nas soluções das lides.

Renato Xavier da Silveira Rosa


Relação entre demandas e o incidente de coletivização 28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
De acordo com as regras da NBR 6023, da ABNT
(Associação Brasileira de Normas Técnicas).

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comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: RT, 2010. 2000 pp.
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nº 166, de 2010 (Do Senador José Sarney, proveniente dos trabalhos da Comis-
são de Juristas, instituída pelo Ato nº 379, de 2009, do Presidente do Senado
Federal). Dispõe sobre a reforma do Código de Processo Civil. Diário do Se-
nado Federal, Brasília, DF, 9 jun. 2010. pp. 26692—26950.
______. COMISSÃO DE JURISTAS RESPONSÁVEL PELA ELABORAÇÃO DE ANTEPROJETO DE CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília-DF,
2010. 381 pp. Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/
Anteprojeto.pdf>. Acesso em 11 jun. 2010.
______. ______. Ata da primeira reunião da Comissão de Juristas. Diário do Senado
Federal, Brasília-DF, 3 fev. 2010. pp. 566-568.
BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA. “Conexão e continência entre ações de improbidade admi-
nistrativa”. In: BUENO, CÁSSIO SCARPINELLA; PORTO FILHO, PEDRO PAULO DE
REZENDE. Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo:
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COSTA, SUSANA HENRIQUES DA. Processo coletivo na tutela do patrimônio público e da
moralidade administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2010. pp. 270—279.
DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Instituições de direito processual civil, vol. II. 5ª ed.,
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GRINOVER, ADA PELLEGRINI et alii. Código de Defesa do Consumidor Comentado pe-
los Autores do Anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
______. Código brasileiro de defesa do consumidor, comentado pelos autores do ante-
projeto. 9ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2007. 1217 pp.
LEITE, CLARISSE FRECHIANI LARA. Prejudicialidade no processo civil. São Paulo: Saraiva,
2008. 330 pp.
LEONEL, RICARDO DE BARROS. “Causa de pedir e pedido nos processos coletivos: uma
nova equação para a estabilização da demanda”. In: GRINOVER, ADA
PELLEGRINI; MENDES, ALUÍSIO DE CASTRO; WATANABE, KAZUO. Direito pro-
cessual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos.
São Paulo: RT, 2007. pp. 144—155.
MANCUSO, RODOLFO DE CAMARGO. “A concomitância entre ações de natureza coletiva”.
In: GRINOVER, ADA PELLEGRINI; MENDES, ALUISIO GONÇALVES DE CASTRO;
WATANABE, KAZUO. Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código
Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007. pp. 161—173.
NERY JÚNIOR, NELSON; ANDRADE NERY, ROSA MARIA. Código de processo civil
comentado e legislação extravagante. 11ª ed. São Paulo: RT, 2010. 2000 pp.
______; ______. Leis civis comentadas. São Paulo: RT, 2006. 989 p.
Renato Xavier da Silveira Rosa
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ANEXO A. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Projeto de Lei do Senado nº 166, de 201051


[...]
CAPÍTULO VII
DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Art. 895. É admissível o incidente de demandas repetitivas sempre que identifica-
da controvérsia com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados
em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do ris-
co de coexistência de decisões conflitantes.
§1º O pedido de instauração do incidente será dirigido ao Presidente do Tribunal:
I — pelo juiz ou relator, por ofício;
II — pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por pe-
tição.
§2º O ofício ou a petição a que se refere o § 1º será instruído com os documentos
necessários à demonstração da necessidade de instauração do incidente.
§3º Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no in-
cidente e poderá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.
Art. 896. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais am-
pla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho
Nacional de Justiça.
Parágrafo único. Os tribunais promoverão a formação e atualização de banco
eletrônico de dados específicos sobre questões de direito submetidas ao incidente, co-
municando, imediatamente, ao Conselho Nacional de Justiça, para inclusão no cadastro.
Art. 897. Após a distribuição, o relator poderá requisitar informações ao órgão em
cujo juízo tem curso o processo originário, que as prestará em quinze dias; findo esse
prazo improrrogável, será solicitada data para admissão do incidente, intimando-se o
Ministério Público.
Art. 898. O juízo de admissibilidade e o julgamento do incidente competirão ao
plenário do tribunal ou, onde houver, ao órgão especial.
§1º Na admissibilidade, o tribunal considerará a presença dos requisitos do art.
895 e a conveniência de se adotar decisão paradigmática.
§2º Rejeitado o incidente, o curso dos processos será retomado; admitido, o tribu-
nal julgará a questão de direito, lavrando-se o acórdão, cujo teor será observado pelos
demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito de sua competência, na forma
deste Capítulo.

51 Cf. Diário do Senado Federal, 09.06.2010, pp. 26692—26950. Disponível em <http://www.sena-


do. gov.br/atividade/materia/verDiario.asp?dt=08062010&p=26692>, acesso em 03.07.2010.
Renato Xavier da Silveira Rosa
Relação entre demandas e o incidente de coletivização 30
Art. 899. Admitido o incidente, o presidente do tribunal determinará, na própria
sessão, a suspensão dos processos pendentes, em primeiro e segundo graus de juris-
dição.
Parágrafo único. Durante a suspensão poderão ser concedidas medidas de urgên -
cia no juízo de origem.
Art. 900. As partes, os interessados, o Ministério Público e a Defensoria Pública,
visando à garantia da segurança jurídica, poderão requerer ao tribunal competente para
conhecer de eventual recurso extraordinário ou especial a suspensão de todos os proces-
sos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente.
Parágrafo único. Aquele que for parte em processo em curso no qual se discuta a
mesma questão jurídica que deu causa ao incidente é legitimado, independentemente
dos limites da competência territorial, para requerer a providência prevista no caput.
Art. 901. O Relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas,
órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de quinze dias,
poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a
elucidação da questão de direito controvertida; em seguida, no mesmo prazo, manifes-
tar-se-á o Ministério Público.
Art. 902. Concluídas as diligências, o relator pedirá dia para o julgamento do inci-
dente.
§1º Feita a exposição do incidente pelo relator, o presidente dará a palavra, suces-
sivamente, ao autor e ao réu do processo originário, e ao Ministério Público, pelo prazo
de trinta minutos, para sustentar suas razões.
§2º Em seguida, os demais interessados poderão se manifestar no prazo de trinta
minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com quarenta e oito horas de an-
tecedência.
Art. 903. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos
que versem idêntica questão de direito.
Art. 904. O incidente será julgado no prazo de seis meses e terá preferência sobre
os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 1º Superado o prazo previsto no caput, cessa a eficácia suspensiva do incidente,
salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.
§ 2º O disposto no § 1º aplica-se, no que couber, à hipótese do art. 900.
Art. 905. O recurso especial ou extraordinário interposto por qualquer das partes,
pelo Ministério Público ou por terceiro interessado será dotado de efeito suspensivo,
presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, interpostos os recursos, os autos
serão remetidos ao tribunal competente, independentemente da realização de juízo de
admissibilidade na origem.
Art. 906. Não observada a tese adotada pela decisão proferida no incidente, cabe-
rá reclamação para o tribunal competente.
Parágrafo único. O processamento e julgamento da reclamação serão regulados
pelo regimento interno do respectivo tribunal.

Renato Xavier da Silveira Rosa

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