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- Vimos também que a intenção da T.C. não era apenas interpretar a sociedade. Estava
suposta em sua proposta a noção marxiana de interpretar para transformar a realidade social.
Portanto, era parte de sua intenção básica mudar a sociedade existente. A diferença com o
marxismo tradicional é que essa mudança de sociedade não implicava necessariamente o
socialismo. Na verdade, se o socialismo viesse depois da mudança da ordem social era uma
questão secundária para esse grupo de autores de Frankfurt. A T.C. preferiu o marxismo
textual (aquele que mostra os limites do sistema capitalista e mostra que o capitalismo não é
impossível de ser mudado) e não o marxismo histórico e real em sua versão lenista na União
Soviética. Do marxismo como um texto, foi tirada a exigência de se pensar a realidade para
transformá-la e transformar a realidade para poder pensa-la. Vejamos essa citação de
Marcuse:
- “Se a repressão das pulsões, mesmo segundo a hipótese de Freud, não resulta de uma
sociedade natural, mas pelo menos tanto quanto e, talvez, essencialmente decorra do interesse
da dominação e da manutenção de uma dominação despótica; e se o princípio de realidade
não é apenas resultado da razão social, sem a qual nenhum progresso seria possível, mas além
disso provém de uma determinada organização histórica de dominação – então de fato
precisamos fazer uma correção importante na teoria de Freud. Pois se a modificação
repressiva das pulsões, que forma até hoje psicologicamente o conteúdo essencial do conceito
de progresso não é natural nem historicamente inalterável, então ela mesma possui um limite
bem determinado” (A noção do progresso à luz da psicanálise, 2001, p. 105).
- Mas isso implicava necessariamente a questão: mudar para o que? Ou melhor: para quem?
Para que tipo de ser humano se deve mudar a sociedade? As concepções de ser humano
fornecidas pela história da filosofia foram todas recusadas pela T.C. em razão de seu viés
metafísico. Assim como a sua dialética é negativa, também a antropologia suposta pela Teoria
Crítica é negativa: apenas negativamente ela se arriscava a falar do ser humano. Isso significa
falar do ser humano quase sempre de forma negativa e aporética.
- Como podemos ver na citação de Marcuse, sempre esteve no horizonte da Teoria Crítica a
questão: é possível uma supressão das alienações histórico-sociais e tal maneira que isso
provoque uma sociedade em que a libertação do ser humano fosse possível? Ou: a dominação
do homem pelo homem é sempre uma dominação que passa pela conquista da natureza
através do trabalho? É possível uma sociedade que se dê um tipo de conciliação entre ser
humano e história?
- Vimos também na aula passa como, ao reduzir a ontologia à pergunta pelas condições de
possibilidade da experiência, Kant encerrou-se no âmbito do conhecimento humano finito,
inviabilizando a metafísica como ciência. Hegel, assumindo partes da crítica kantiana, vai
procurar reconstruir a metafísica a partir de uma posição idealista. Eliminando o conceito de
coisa-em-si, Hegel parte do Absoluto como identidade do pensar e do ser. Assim a “Ideia”,
constitui a unidade do conceito e da realidade, sendo o conceito realizado numa totalidade.
- Hegel vai além do pensamento da finitude de Kant, e para isso ele precisou reassumir aquilo
que Kant havia expulsada da filosofia como atividade humana. Hegel aceita que a filosofia
seja uma atividade humana, realizada por um ser humano finito, mas amplia suas perspectivas
até o infinito, ao combinar o pensamento grego com todo o mundo histórico do cristianismo.
Portanto, Hegel continua aceitando a revolução kantiana (a hegemonia do sujeito e a
transcendentalidade continuam determinando a sua obra), no entanto o autor vai bem mais
além de Kant.
- Hegel não queria parar em Kant. Ele não podia aceitar o fragmentário e a negação do
sistema kantiano. O verdadeiro precisa ser o todo. Sua filosofa não pode suportar a separação,
e por isso é sua tarefa apanhar a realidade do que acontece. A forma como Hegel superar
aquilo que em Kant fica fragmentário e negativo é através de um sistema do saber absoluto.
Na Fenomenologia do Espírito, o autor pretende conhecer o espírito enquanto absoluto. É
para esse absoluto que deve caminhar o pensamento, no caminho da história e da natureza.
- Em seu fascínio pela unidade e pelo absoluto, Hegel faz da filosofia uma ciência do saber
absoluto, que deve externar-se e explicitar-se através do espírito. Ou seja, a filosofia como
sistema não pode terminar no como se, como foi em Kant. O pensamento filosófico deve ser
capaz de suprimir todas as aporias e todas as oposições. A filosofia precisa ser a participação
na totalidade do absoluto.
- Partindo da finitude e dos limites postos por Kant, Hegel para construir seu sistema absoluto
que afirma um grande movimento do logos ao telo. Ou seja, o espirito finito se desenvolve
dentro da grande marcha da razão até encontrar sua plenitude unitária no final do processo.
Foi assim que Hegel pretendeu apanhar tudo num grande movimento dialético. O processo
dialético de tese-antese-síntese garante a unidade total da história e da filosofia.
- Partindo da dialética e do projeto hegeliano, podemos perguntar: Por que Adorno precisou
escrever a Dialética Negativa? A dialética negativa de Adorno se constitui um diálogo com
Hegel e ao mesmo tempo uma contraposição à dialética idealista. Em Hegel, a negação é a
mediação fundamental na passagem de um momento para outro do conhecimento. Porém,
Hegel busca a unidade total e não pretendia ficar na negação. Adorno, pelo contrário, pretende
permanecer na negatividade e assim adiar a síntese por tempo indeterminado. Na conferência
A atualidade da filosofia, o autor diz o seguinte:
- “Quem hoje escolher por ofício o trabalho filosófico, deve renunciar desde o começo à
ilusão com a qual antes partiam os projetos filosóficos: a que seria possível compreender a
totalidade do real pela força do pensamento. Nenhuma razão legitimadora poderia reencontrar
a si mesma em uma realidade cuja ordem e configuração derrota qualquer pretensão da razão;
a quem busca conhecê-la, só se apresenta como realidade total enquanto objeto de polêmica,
enquanto unicamente em vestígios e escombros perdura a esperança de alguma vez chegue a
ser uma realidade correta e justa”. (ADORNO, 1997, p.73)
- Hegel diz no prefácio da Fenomenologia do espírito que a verdade é o todo. Adorno vai
dizer que a verdade é o não todo. Possuir um ponto de vista da totalidade é impossível para o
filósofo. Mais do que isso, fazer isso seria um procedimento sempre autoritário. Assim, não é
possível um sistema que nos dê a resposta definitiva. Quando Adorno diz que o todo não é a
verdade, ele está querendo dizer que o todo implica ideologia e repressão. Quando se afirma o
todo, se produz um discurso que silencia.
- O todo, dessa forma – por isso Marx e Freud são tão importantes para Adorno – implica o
discurso ideológico e o discurso da repressão. Implica ideologia e repressão porque dentro do
todo o indivíduo é obrigado a assumir um discurso sobre si mesmo e um comportamento que
ele não é capaz de elaborar e assimilar totalmente. A consequência é que isso vai gerar no
indivíduo frustração e perturbação, o que vai implicar que ele sempre reprima alguma coisa.
O todo, portanto, acaba resultando em um processo de repressão e de recalcamento, gerando
um sentimento de que a vida está em parte errada, mas que se deve aceitar pois o todo diz que
se vive bem. Para dizer em poucas palavras, o todo não pode ser verdade por duas razões: 1)
implica um processo ideológico e 2) implica um processo repressivo.
- Por essa razão a dialética negativa precisa ser sempre uma dialética não hegeliana, uma
dialética, de certa forma, castrada. Na dialética hegeliana existe a afirmação, a negação e a
negação da negação (isto é, a identidade, a não identidade e a identidade da identidade com a
não identidade). Em Adorno a dialética para na negação. Ela possui apenas a identidade e a
não identidade (sem a identidade da identidade com a não identidade). Adorno e a Teoria
Crítica no geral param antes da síntese. Eles não dão o passo seguinte que levaria até uma
identidade e uma forma de dizer o todo. A dialética negativa é essa espécie de dialética do
protesto, um tipo de teimosia em manter o pé no negativo, já que o positivo implica ideologia
e repressão.
- Por isso que os conceitos da Teoria Crítica vão ser conceitos de resistência, conceitos de
autores marginais. O que interessa é a crítica pelo negativo e não possíveis diagnósticos de
transformação. Há essa resistência da Escola de Frankfurt em propor a síntese e a resposta
final. Por isso ela não sabe para qual sociedade devemos mudar, em uma interpretação
radicalmente diferente da do marxismo tradicional (que ainda era um tipo de dialética da
totalidade).
- Precisamos, para terminar, fazer algumas observações sobre a forma com que a Teoria
Crítica combina elementos do marxismo com elementos da psicanálise. Certamente que de
Marx interessou para os autores de Frankfurt principalmente a ideia de alienação do homem
na sociedade e a questão do fetiche da mercadoria. Dessas noções vai surgir a ideia
frankfurtiana de uma emancipação da alienação (mesmo que não se saiba em qual sociedade
se dará essa emancipação). Essa ideia já aparece no jovem Marx, como o processo em que o
homem enquanto espécie recupera sua essência (de maneira social) através da produção dos
bens. Existe em Marx essa ideia coletiva de ser humano, de alienação da espécie humana e de
redenção através do trabalho. Era isso que falta para a Teoria Crítica, que possui apenas uma
antropologia negativa, como já vimos.
- A combinação de Marx e Freud pela Teoria Crítica se dá porque os dois autores podem
funcionar como uma crítica ao modelo tradicional do conhecimento. A Teoria Tradicional
está ligada por uma busca de pureza, na medida em que a mente funcionaria como um espelho
capaz de refletir e representar o mundo. A Teoria Tradicional se recusaria a reconhecer nossa
razão também como um processo histórico e como dimensão dos processos impulsionais e
inconscientes.
REFERÊNCIAS