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A abóbora escolhe entre a palha e o outro

Depois de fazer um piquenique e de questionar se o rio era o mesmo ou infinitos rios, a abóbora
Jerimum e seu amigo Heráclito, resolveram passear por um bosque cheio de plantas e animais, que ficava
ali por perto. Os dois amigos estavam bem felizes no meio da natureza. O bosque era bem florido e cheio
de árvores, no centro tinha um pequeno lago, por onde nadavam alguns patinhos. No passeio, Jerimum ia
apontando e comentando com o amigo tudo o que via:
- Aqui um laguinho, lá um mato de pinheiros, lá umas flores já amarelando, ali um cavalo e umas
vaquinhas.
- E aquele animal ali, o que ele é? Parece um tipo de cavalo... – perguntou o menino Heráclito.
- Não é um cavalo. Eu já vi um desses lá na fazendinha que nasci. Parece um asno. – Respondeu
Jerimum.
- Um asno? Que engraçado, haha – Comentou Heráclito – Dizem que os anos são tão bobinhos
que eles preferem a palha ao ouro.
Jerimum ficou sem entender e perguntou:
- Quê? Você sempre me deixa muito confuso e pensativo, amigo. Mas, por que você acha que os
asnos preferem a palha ao ouro?
- Isso é muito simples, meu amigo abóbora. Os asnos aceitam sem questionar aquilo que sempre é
oferecido para eles. Eles aceitam as comidas e os presentes outros dão, sem tentar buscar algo diferente.
O asno prefere a palha sem saber o que é o ouro, pois ele se contenta com o que já lhe é dado todos os
dias. O asno não faz perguntas, não questiona nada, então, ele vê o mundo sempre da mesma forma. Por
isso, ele se contenta com a palha, sem saber que para além da palha existe o ouro. – Respondeu Heráclito.
- É verdade, meu amigo! E tenta coisa dá para fazer com o ouro, não é? O ouro pode ser tudo que
pensamos de diferente, quando paramos de nos contentar apenas com o que é oferecido todos os dias –
disse Jerimum.
Do alto de uma árvore, uma coruja muito curiosa ouvia tudo o que os amigos conversavam. E ela
resolveu se meter na conversa:
- Ora, ora, parece que temos aqui no meu bosque a visita de dois filósofinhos...
- Filosofinhos? O que é isso? E quem é você? – questionou Heráclito.
‘ - Bem, primeiro, deixem-me me apresentar. Eu sou Minerva, a coruja da Filosofia. Tenho mais de
três mil anos, viajo muito e sou muito sábia. Tenho prestado muita atenção na conversa de vocês, e posso
garantir que vocês são dois filosofinhos, sim.
- Uma coruja de mais três mil anos? E uma coruja de que? Da Filosofia? Não estou entendendo
mais nada – agora foi a vez de Jerimum perguntar.
- Calma, sua abóbora curiosa, eu irei explicar. Eu e a Filosofia nascemos há muito tempo, em um
lugar bem distante, chamado Grécia Antiga. Nesse lugar, vários filósofos, que eram pessoas inteligentes e
curiosas como vocês, tentaram explicar o mundo de uma maneira totalmente nova.
- Nova? O que eles fizeram de tão inovador assim? – seguiu questionando Jerimum.
- Bem, imagine um mundo em que tudo é explicado através de lendas e mitologias. Durante muito
tempo, eram os mitos que respondiam as grandes questões da humanidade. Foi só quando as explicações
mitológicas não satisfaziam mais algumas pessoas, é que os filósofos começaram a aparecer. A gente só
começa a filosofar, então, quando está insatisfeito com as respostas que nos são dadas pelos outros.
Precisamos estar descontentes com a forma com que as coisas estão organizadas. Precisamos sentir que
falta algo, que tudo não é bem assim como nos dizem. Temos que sentir um desejo de sair de determinada
situação que não mais nos satisfaz, para buscar uma nova forma de pensar.
- Ah, então, quer dizer que o asno aqui do boque, que sempre fica feliz e satisfeito com a palha,
não pode fazer filosofia?
- O que você acha? Vocês já sentiram alguma vez que talvez o mundo não seja exatamente
daquele jeito que as pessoas dizem que é? Foi esse o sentimento que fez homens e mulheres começarem a
filosofar. Os primeiros filósofos se depararam com muitas pessoas que possuíam uma explicação para
tudo e que todos deveriam aceitar sem questionar. Mas, eles queriam pensar diferente de todo mundo.
- Nossa, filósofos parecem ser mesmo pessoas muito diferentes e interessantes. Gostaria muito de
um dia conhecer um filósofo de verdade. – Falou Heráclito.
- Se eu pudesse, apresentaria vocês para meu grande amigo Sócrates. Ele sempre se deu muito
bem com as crianças. Ele gostava de conversar com as pessoas para tentar saber se todo mundo realmente
sabia o que dizia saber. Só que Sócrates nunca ficava satisfeito com as explicações que recebia dos
outros. Quando, por exemplo, conversava com um general que pensava saber o que era a coragem, e
ouvia deste general sua explicação, Sócrates iniciava um novo questionamento, como se perguntasse: será
que isto que você me diz ser coragem é realmente a verdadeira coragem?
- Eu realmente gostaria muito de conhecer esse filósofo Sócrates.
- Bem, isso não sei se será possível, mas todos nós podemos ser um pouco parecidos com ele.
Podemos, assim como Sócrates, ficar insatisfeitos e incomodados com as explicações que nos são dadas.
E podemos sempre perguntarmos: será que aquilo que nos ensinam como sendo o amor é realmente o
amor verdadeiro? Será que o que nos falam sobre a felicidade é realmente a verdadeira felicidade?
Jerimum, sempre muito esperto, entendeu o recado e falou:

- Quer dizer que ser como Sócrates e filosofar é ser diferente do asno aqui do bosque? É não mais
se contentar com a palha e começar a buscar o ouro. É sempre perguntar e buscar as respostas, querendo
saber por que pensamos o que pensamos, por que sentimos o que sentimos, por que fazemos o que
fazemos. Filosofar é deixar de simplesmente aceitar as respostas prontas. É não seguir o que todo mundo
diz e pensa. É olhar para a palha e se perguntar: O que existe para além dessa palha que me é dada todos
os dias?

A coruja Minerva ficou muito orgulhosa ao perceber que Jerimum tinha entendido muito bem o
que era filosofar, e falou:
- E vocês, meninos, preferem se contentar com a palha ou gostariam de viajar comigo e procurar
pelo ouro?

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