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Barroquismos Nos Contos de Lezama Lima PDF
Barroquismos Nos Contos de Lezama Lima PDF
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Departamento de Letras, UFMS, Aquiduana (MS). edpauli@cpaq.ufms.br.
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Cinco contos compõem a contística de Lezama: “Fugados” (1936); “El patio morado” e “Juego
de las decapitaciones” (1941); “Para um final presto” (1944) e “Cangrejos, golondrinas” (1946).
de utensilios artificiales, métricos y voluptuosos” e de uma religiosidade, “la
primera religiosidad de la forma, por el amor de lo visible, pues ¿en qué forma
la voluntad iba a actuar sino sobre la visibilidad?”.
A relação de Lezama com o barroco é tão vivencial que, em qualquer
dos contos do escritor, reencontramos traços que podem facilmente ser
reinterpretados à luz dos quadros fornecidos pela poética e estilística
seiscentistas, como por exemplo: o desbordamento estrutural pela acumulação
de elementos secundários à ação, também a afirmação esquemática das
dualidades pelo uso de antíteses e inversões, os círculos de luz e sombra, e no
aspecto sintático e figurativo os efeitos de panejamento – véus ou dobras –
muito utilizados na escultura de Bernini, por exemplo, ou na decoração dos
cenários barrocos.
E é justamente no modo têxtil, nos tecidos, nos panejamentos da
ornamentação e do vestuário nos cenários barrocos que Gilles Deleuze (1989,
p. 181) identifica no livro A dobra: Leibniz e o barroco, o modo operatório mais
importante do estilo seiscentista, o mecanismo da dobra, pelo qual se
reconhece o sentido da dobra que vai até o infinito. Há dois pontos relevantes
que podemos relacionar à dobra têxtil em Lezama. O primeiro é o aspecto
decorativo, como se disse, que identificamos a um traço representativo de sua
escrita e o segundo se refere às inversões ou quiasmas que operam
narrativamente ao desdobrarem o plano figurativo dos relatos em pelo menos,
dois momentos, em que o segundo altera o primeiro, prendendo substituí-lo,
embora tenha sido engendrado por ele.
Como um colorista e um músico da escrita, Lezama faz uso do
dispositivo da dobra ao decorar a linguagem, ao revesti-la como a um corpo, ao
adorná-la com os ornamentos lingüísticos (metáforas, metonímias, associações
e símbolos), dando, por seu efeito plástico, sonoro e corporal, textura à língua,
transformando-a em uma superfície de turbulência e embelezamento, de
ritmos, brilhos e cores. E ao se comparar as figuras de linguagem ao adorno ou
à roupagem de um corpo, a interpretação de textos que empregam esses
procedimentos assemelha-se à ação de despir, com tudo que a atividade pode
comportar de prazeroso, de lúdico, de erótico.
Por meio da dobra têxtil se busca a transmutação da língua: apresentar
a coisa sob a forma de algo experimentado. O escritor, assim, tenta captar não
tanto o próprio objeto, mas o efeito que ele produz, seus gestos, de modo a
tratar a língua como cor, como música, como matéria sensível, enfim3. De
modo que podemos dizer que Lezama é um homem de teatro, um decorador
que faz uso do dispositivo da dobra ao apresentar não tanto fatos ou estados
de coisas ou objetos em movimento, mas a mímica do movimento mesmo, para
descrever as coisas em “ato”, como na metáfora dos botões do traje de Luis
Keller em “Fugados”, que encena o movimento das ondas, levando as palavras
a figurarem um devir-onda dos botões:
Ya no esperaba la próxima ola, sino la cambiante atracción de los
botones azulosos, iguales, desiguales, aparecían, se sumergían. La
ola que se tendía, después la fijeza de uno de los botones, el otro era
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tan improbable (LEZAMA LIMA, 1984, p. 20) .
De fato, não é por acaso que só no século XVII, o verbo decorar adquire
o sentido moderno de adornar externamente algo. Este verbo, nesta acepção,
afirma Luisa López Grigera (1986, p. 31), procedia de um dos conceitos
retóricos e poéticos da mais alta dignidade: o de decoro. Decoro era a virtude
da composição ou da disposição conveniente, adequada, decente, equilibrada
das partes do discurso. Por conveniência aos lugares de amplificação do
discurso, ou seja, aos vários modos de engrandecer a narração (pensamentos,
comentários, elogios, afetos, descrições, entre outras digressões), as
circunstâncias se foram desenvolvendo até se encobrir excessivamente de
elementos acidentais. E isso se chamou desde então “decorar”. “Así es cómo
un concepto de orden y mesura se convierte en la simiente de la que nace el
arte ornamental y recargado del barroco, que a fuerza de seguir decorando
acabará en rococó” (LÓPEZ GRIGERA, 1986, p. 31).
Arte de produzir adornos, amplificações, desvios na efetuação do telos
narrativo. Como nos romances e contos de Lezama em que a narração deixa
de ter como meta prática o desenvolvimento dos personagens e o desenlace
da fábula, para se tornar um percurso, embora mais digressivo, deleitável e
sensual pela variedade de ornamentos lingüísticos, e pela composição de um
cenário sempre rico em elementos sedutores, de itens raros, de superfícies
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Recorre-se aqui à idéia de Jean Cohen (1987, p. 132), que foi retirada do pensamento critico
de Mallarmé: “pintar não a coisa, mas o efeito que ela produz”. Para Cohen, nisto reside o
sentido de símbolo em Mallarmé.
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No artigo, todos os trechos que servirão de referência pra a leitura dos contos serão retirados
da edição espanhola Juego de las decapitaciones (LEZAMA LIMA, 1984).
atraentes, de uma variedade brilhante de lugares, objetos e personagens.
O aspecto ornamental desta prosa também se deve ao fato de que
Lezama Lima chega ao conto e posteriormente ao romance por meio da
poesia. Existe aí uma confluência entre os dois gêneros. Tomemos como
exemplo os protagonistas dos seus relatos que são todos, indistintamente,
atravessados pela mesma paixão metafórica do narrador. Censurar o escritor
por isso seria o mesmo que acusar a Gôngora de dignificar com a elocução
culta a humildes lavradores em Soledades ou censurar Fernando de Rojas pela
erudição greco-latina de sua alcoviteira Celestina.
É essa re-apropriação do estilo ornamental do barroco que trará aos
contos de Lezama Lima princípios que ampliarão a fronteira do gênero no
idioma espanhol: a atenção concedida à narração, mais do que ao narrado, em
narrativas de impressões e de digressões, mais do que acontecimentos.
Deferindo da tradição poética do conto moderno que se centrou na precisão da
linguagem, na concisão narrativa, na economia da exposição e na armação
sólida da trama, elementos que tanto defenderam Poe, Quiroga e Cortázar, a
tradição barroca, mais próxima do escritor cubano, é aficionada por símbolos,
descrições, aderências, adornos, e resiste a que o relato atinja seu telos,
chegue ao fim.
Paradigmático de tal proceder é “Fugados”, conto já citado, em que o
envolvimento num universo aquático (chuvas, ondas, algas) é atingido graças
ao recurso figurativo da comparação que constrói um estilo poroso,
extraordinariamente ornamentado, até conseguir que os personagens infantis
do início se apaguem e se percam no arabesco da tapeçaria. Em “Fugados”,
como indica o próprio título, tudo parece estar em fuga: as coisas, os
personagens, os rostos, formando uma superfície de incessante deslocar, lugar
como ação, tanto no nível temático (Luis e Armando fogem da escola), como
no plano mais geral da representação, procedimento que tende a encerrar num
mesmo bloco indiscernível os protagonistas, seus trajetos e a ambiência da
narrativa.
A temática do conto se centra na formação de Luis Keeler. No caso, o
processo de aprendizagem do personagem, semelhante ao de José Cemí em
Paradiso, envolve a sua estréia em ambientes desconhecidos, amores e
descobertas poéticas. Em resumo, se relata no conto o encontro de Luis Keeler
e Armando Sotomayor, dois possíveis amigos que decidem fugir da escola para
passear a beira-mar em um dia chuvoso. Tal aventura será interrompida com a
chegada de Carlos, que solicita a presença de Armando. Com a ausência do
amigo, Luis sentirá o drama da perda. Apesar do vocabulário metafórico de
Lezama, percebemos que o vazio deixado por Armando será preenchido por
arriscadas experiências amorosas, que misturarão orgias, espiritualidade e dor.
E após vivenciar esse processo de despersonalização e sofrimento, o
personagem será comparado a um rubi ou granate, pedra que funciona nos
contos de Lezama como um emblema da beleza e da complexidade de sua
escrita.
Após fugirem da escola, Armando tenta impressionar poeticamente o
colega Luis, descrevendo a contemplação de um café com leite, sendo esta
digressão mais uma das inúmeras “fugas” que atravessam o conto:
La contemplación del café con leche mañanero produce una
voluptuosidad dividida que se convierte en poca cosa cuando los
garzones van penetrando en las academias. Un sabor espeso va
penetrando por cada uno de los poros que se resisten, una paloma
muere al chocar con la columna de humo de un cigarro, las aguas
algosas van alzando un cadáver de un marinero ciego que deja caer
pesadamente las manos, ostentando en las narices tatuadas el
esfuerzo por querer sobrevivir en aquellas aguas espesadas por las
salivas y por los papeles mojados (LEZAMA LIMA, 1984, p. 18).
As dobras da alma
Para figurar a ação das forças, Lezama faz uso recorrente de dois
procedimentos nos seus contos: as inversões e a espiral barroca. A espiral leva
o personagem a oscilar entre o “céu” e a “terra”, e as inversões, ao colocarem
em questão categorias, como as de sujeito e objeto, sonho e vigília, morte e
vida, engendram um plano extraordinário que pretende, com seu campo de
força, superar ou substituir o plano ordinário em que se situam os protagonistas
da narrativa. Os dois procedimentos surgem em “Fugados” no momento em
que, ao ser abandonado por Armando, Luis Keeler sente o drama da perda e
acaba num redemoinho, em que, de forma entrelaçada ou invertida, as coisas
ganham autonomia na medida em que o personagem perde a sua própria:
Siguió [Luis] con la mirada la curva de los paredones que parecían
inútiles, pues las olas desmemoriadas se detenían en un punto
prefijado, trazado en el vértice de la ola y de la gaviota. Vio también
como su brazo giraba, se perdía, hasta que adormecido lentamente
se iba curvando, obligado por el girar de las gaviotas que trazaban
círculos invisibles, no tan invisibles, pues al querer extender el brazo
sentía las picadas de los peces-arañas, y al alzar los ojos veía a la
gaviota esconderse en un punto geométrico, o entrar como flecha
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albina en un gran globo de cristal soplado . Ya no podía aislar el
recuerdo de los peces-arañas, ni el brazo lentamente curvado de la
mansa compasión de las gaviotas. No podía aislar en su cajita de
níquel cromo los fósforos de las agujas. Ni el libro de las preguntas de
las respuestas madreselvas, de los grupos de corales, de las más
podridas anémonas (LEZAMA LIMA, 1984, p. 22).
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Em “Fugados”, Lezama usa a palavra globo como sinônimo de onda, como também acontecia
em alguns versos de Gôngora (1973, p. 147) como, por exemplo, este pequeno trecho retirado
da Fábula de polifeno y galatea: “cuando, entre globos de agua entregar veo a las arenas
ligurina haya (nave genovesa)”.
simboliza a sexualidade do personagem que, por sua vez, também tende para
o híbrido do masculino e do feminino, peixe e aranha?8 A propósito, essa
inépcia de Luis é produtora de multiplicidades, sendo ela a responsável pela
eficácia da narrativa, eficácia “deficiente”, já que se torna mais produtiva
quando o protagonista se dissolve, permitindo, dessa maneira, a dissolução do
próprio narrador que, como um verdadeiro ourives, desdobra sua linguagem
cristalina, com “su cajita de níquel cromo” e com seus “fósforos de las agujas”.
Em meio à sonsice e à inversão do quiasma, Luis busca a última palavra
ou o logos divino, e chega até mesmo a vislumbrar o paraíso por alguns
instantes: “En su afán de buscar la última palabra y el nivel del sueño la
codorniz tiraba desesperadamente de los labios [de Luis]. En el paraíso el agua
corría de nuevo y se fabrica el cielo (LEZAMA LIMA, 1984, p. 23). A propósito,
essa atmosfera de ressonância “mítica” e poética, mais do que ordenação,
arrasta o personagem cada vez mais para o caótico, a ponto de sua alma se
confundir com o espaço exterior.
Depois do fragmento destacado, que acima foi citado, em que as coisas
ganham autonomia enquanto Luis perde a sua, podemos notar a continuação
da transferência das propriedades do espaço para os personagens, de modo
que todas as coisas se tornam cada vez mais indistintas, como no último trecho
do conto em que os expectadores de um cinema, em que se encontram Carlos
e Armando, serão comparados a algas e, ao final Luís terá o seu interior
comparado a uma pedra rubi ou granate:
Puesto ya de pie, todas las algas huidas y borrado el límite de los
paredones, la noche le empapaba las entrañas, creciendo como un
árbol que sacude la tinta de sus ramas. Hubiera sido decoroso dar un
grito, pero en aquel momento se vaciaba la jaula de los cines y de la
vida clamante de las algas había surgido un absoluto sistema de
iluminación. Dar un grito le hubiera costado partirse un pie o adivinar
los últimos cabeceos de las algas o como circula la sangre en los
granates (LEZAMA LIMA, 1984, p. 24-25).
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Sobre a simbologia e a construção figurativa nos contos de Lezama, ver : A arte da figura nos
contos de Lezama Lima (PAULI, 1995).
ou granate, granulada de luzes e sombras. E a escrita, por sua vez, com o
processo de despersonalização, faz homologia com a alma tecida de dobras ao
torna-se cada vez mais irregular e fulgurante como o brilho que emana de uma
pedra preciosa.
Retórica do quiasmo
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A propósito, em Gôngora (1982) no texto da “Primera Soledad”, o “carbunclo” se refere a uma
pedra luminosa que, presa à cabeça de um animal amigo da noite, parece um brilhante carro
de sol noturno que funcionará como uma espécie de bússola para o peregrino, jovem náufrago
protagonista da história.
enfermidades como furúnculos e fibroma, aludem simbolicamente a certos
aspectos do estilo barroco do escritor cubano, à sua maneira de escrever que
procura traduzir essa matéria do mundo e da alma que se apresenta numa
textura infinitamente esponjosa, sem brancos ou vazios, como um tecido cheio
de dobras, o minúsculo corpo contendo em si outro corpo, e assim
interminavelmente.
Referências:
GÓNGORA, Luis de. Fábula de polifemo y galatea. Buenos Aires: Plus Ultra,
1973.