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Bowords ,Gusive . A ecBe Su! Ohorsiton dole ok O on avelc chacle 27m Je een po Gen Sparse 2 Com a galeria, | ee Soke Pome > Dr fact Onl co Linte (pE2) eos. ‘A QUALIDADE DA INVENGAO Gustavo Bernardo ur: Dibito ergo sum, vel quod item est, cogita ergo sum — esta & a sentenga completa de René Descartes, da. qual em geral se conhece apenas a uhtima parte. Em portugués, significa “duvido logo existo, ou que é 0 mesmo, penso logo existo” Quero recuperar essa sentenga para recordar que s6 se pensa 5 através da dvds, Ora, a origem daquilo que chamamos de iteratura é uma divida radical, como tentarei demonstrat. econhecimento desta divida ¢ fundamental para aquilatar is “a qualidade do pensamento da literatura e do pensemento sobre literatura (Comeco esta demonstragdo duvidande do Dr, Césat. NEo ‘© conheco pessoalmente,ndo sci se é“doutor” de verdade on se.0 seu nome é este mesmo, mas creio que ele representa bem todo o contririo da qualidade que estamos « discutir neste liv, Encontrei o Dr, César numa dessasrevistas ama: rotadas de sala de espera de dentista,Polheando a revista en quanto esperava a hora do meu tratamento de canal, 6 dor, encontrei, na segio chamnada “Consultsrio Psicol6gico’, um leitor perguntando: "Dr. César, gastaria de saber sea leitura oe i 4 PP se feqao prejudicaoindviduo e atrapalha a vida pitica Como seria dese esperar, tal do Ds. César respondla que sim, que a tara de fis0 de fata faz mal 28 pessoas. Eis 0 seu grgumenta atXE "Quando o ser humano se envolve demais com filo, talver 2 p80 tena ifcaldde dee aap eds presente Feat ee fared pol i or ene da em {exces de ets, mes). Um jovem pode lr romances ("© demas Far entio ins romanticas exageadas sobre ‘reacionamento homem-mulhes¢ iso. levi ter ‘uma expctativaficcionista (fora da reidade) em elag80 ‘20 casamento. Da surgem problemas no relacionamento ‘conjugal Esse € 0 caso das pessoas que se unpreendem no casamento quando perebem que ele nao € quate nade aque ida que fim dee, justamente por uma fiss520 muito grande em ida ieelistas sobre a vida conjugal ea Felicidade no lar Porém, parece que o problema principal que asIeitures de ficgdo ausam, quando fequente, ¢ perturba «pessoa na sua ligagSo com ftos da realidad, pos naguilo ‘que wma pessoa mais concentra com isso mais ea se asemelba Evid € realidade, no a fee’ © echo merece algumas Ieituras. Poderiamos, talver, ‘comentar 0s vitios problemas de redacio. No entanto, no ‘quero desqualificar o Dr. César por seu desconhecimento da {gramitica da lingua. Meu objetivo ¢ desqualificar a sua pr6- _pria psicologa, isso supondo que ele de fato se chame César e tena de fato se formado em psicologia, ou sea, ue o “Dr. César" nao sea ele mesmo uma fcso, Quando oilustre psi- 6logo afirma que o ser humano pode se envolver “demais” com fogo, deixaimpiicito que 0 ser humana também pode se envolver“de menos” Em tetmosideais,as pessoas nem de- veriam “se eavolver” com ficéo, isto é nto deveriam ler ne- ee snhum tipo de romance. F pelo “excesso” delitura de roman- ‘ses que ee explica a desilusio dos cOnjuges que se separa: ‘© casa se torna vitima da ilusto motivada pela ficglo. Nosso doutor desresponsibiliza assim as pessoas, porque a culpada, no final das contas, acaba sendo a Jteratura, Para além do limite do mero entretenimento, oleitor de fieedo correria 0 {rave risco da desilusio amorosa, ou até mesmo da loucura Miguel de Cervantes Saavedra, quatro séculos atris, j satirizaya semelhante modo de penser no primeico grande romance da literatura ocidental, EI ingeniaso hidalgo Don Quijote de La Mancha: em certa cena, dois personagens, 0 ‘cura € 0 barbeiro, queimam virios livros para “salvae” oami= go Dom Quixote da“loucura da fce30": Noentanto fica claro, para quem eo romance, que o"louco” Dom Quixote muito _uis licido que os seus suposios amigos, antes medicces do ‘que amigos. Pois nio € que 0 doutor da revista retoma esse [pensamento quatro séculos depois, e sem nenhurm pudor? Estedoutor faz parte daquele grupo de pessoas que até vai 0 cinema pare assistira um filme estilo “Missi Impossivel” ou “James Bond’; mas néo resiste as cenas que lhe parecer imverossimeis, gritando no meio do filme: “mas que menti- 1a!" Com isso, além de demonstra tanta falta de educagio ‘quanto aqueles que nto desligam o clulat ou conversam du rante o filme, atrapalhando os demais espectadares, ele ain da se passa um atestado de estupider crdnica, porque pagou para assistir a um filme de ficeio. mas nao suporta assstie 2 lum filme de ficeio. Devia-se tiré-o do cinema e obrigi-lo a ler um livro onde nao houvesse nenhum tipo de mentira ~ por exemploa lita elena d cidade, a E dbvio que a qualidade desse tipo de filme se mede nao +s pela semelhanca estrita coma realidade fsca conhecida, mas... antes pelo contriio, isto & pela intensidade da essen 0 e sser | | Quanto mais “ments”, melhor o fllme: como dizem oe da percepsio, a metade da aranja que temos frente aos fhos | yO” “Carts de tear asecnimtbanes mise date he ocuita aout metade. Arias se mede pela extensfo da inverosimilhanga externa, ‘Mas, lém do outro “lado também no vemos o lado de ‘Temos aqui ogancho para determinar oque € qualidade para dentro da fra. Ora, basta corticla ao mio com uma faca ‘o texto literdrio em geral, vélids também para a literatura in- afiada, diré 0 leitor “bolado”, Ok, mas ainda assim estaremos fanto-juvenil, vendo duas novas superficies exteriores, na aparéncia, planas, Quando os professores peguntam aos alunos se gosta sscondendo dois novs intriresinacesies leitos agora ram do liveo que acabaram de ler, & comum escutarmos as ircitado, propde cortar 0 diabo da leranja em rodelas muito seguintes justficativas para uma eventual apreciagio posi- finas,finissimas ~ mas ai cad® a laranja? Sumiu, As rodelas tiva “tem muito ver comigo’ ou, “tens tudo aver com a Finissimas esto no lugar da aranja completa, que ji ndo pox realidade Nap deveros desquelificar completamente estes dlemos ver ou conhecer porque a dividimos em partes, quer ‘comentarios, mas devemos suspeitar deles. E legal que os alu- ‘hs ues pardgrafos, emprestaaoletor maisseguranga, Donde, o real nao existe, masa ficeio existe. E isso? Nao cxatamente seria melhor afirmar que o sel no s¢sabeene 7: quanto quea eco Econsabid, Afirmar que"s ealidade ndo 1% - cxist” pode impresionar numa mesa de bar, mas tm tanto ‘lor quanto aitmar que Deus exite ou que nao existe no se pode provar nem to nem aquio,A slide somo c0-— hecemos é sm um produto do dscurso, mas i uma rel a qual, inclusive.nohavera capacidade de discernit, aguile que prberos como eso mie dre do Rel aque sé conseguimos suportar seo transformamos em fico; preciso ter a apacidade de dstinguic qua parte da elie de €reorganizada pela fantasia, (© que acontece € que a fico oferese menos divides mais centers, a0 paso que o real nos empresa menos cette c, portato, sais dividas. Como sinal wocade, 0 mun do votaria a ser pert se a iso no fos, ela mesma, « grande divida, Dito de outra mania; sea realidade fosse Alinguagem, a ficcdo nao. seria necessitia, A do discurso ficional explicit divids eracil que sentimos quanto a “realidade da realidade". A ficgao suspeita da realidade e justamente por causa diso ela produ sabre cle uma nova perspectivac, conseqientemente, uma segunda _seilidade, Com alinguagem limita esa cealidade segunda, ‘9 que nto acontece com a realidad ela mesma’ resulta que a fcglo aparece para n6s como mais confidvl ot seja, como “mais veal do que o rea © Papa Paulo IV disse uma veo, cinicamente: mundus ‘ult decpi decipiacur ergo ~“o mando quer ser enganado, Portanto, que o sj Miguel de Unamuno ampliow esa pro- Posigio, aficmando que o mundo desja ser enganado, sim: ot com o engano antes da razde, que é a possi, ou com o ‘engapo depois dela, que sera arigio, Dizer que 0 mundo 1 querserenganado uma utr mans de cama atengzo “para a necisiae humana de ego ~de mits, de posi, a Ue narrtivas~ de relgiio~de ritos de rituas, de igrejas. ‘A flgio atende a esta necessdade de mancira honest gq, $8 dsfrga, mas asa que estésedisfarcando. Enquanto algumas pessoas, digamos, alguns politicos, mentem desca- radamente mas juram que ndo estio mentindo, os poctas, «como no conkecido poema de Fernando Pessoa, “ngem t80 completamente que chegam a fingie que dora dor que de- ‘eras sentem” isto, poetaseesritores em geralavisim de _antemio que esto mentindo, porque o stor, se nio Fr tio idiota quanto 0 De César, desea ardentemente esse tipo de ‘entra, a que chamamos ora ée ‘cco, ora de “sadusto’ 'Nio estamos falando aqui apenas de romances fantisti- 6s, surtealistas ou de vanguarda.Vejamos uns literatura bern popular na nossa época, a das romances poicais. Os bons es+ ‘itores de romances policais passam as piginas a engenar seus leitores langando pista fils eprotelande a solugio do crime, Osletote se sentem ludibriados? Claro,egostam disso ~ ou melo, disso que gostam. Sem as pstasflss, serm a protelasto da solugt, nao havera livo, no havea o prazer a leitura, Como no jogo do amor ¢ da seduséo, protelar & fundamental. Esses mesmos escrtores enganadore cram si- ousncemsownigs 7 tuagBes completamente fora da realidade, por exemplo quan do fazem o dettive her6i reunir numa sala todas as pessona~ gens, inclusive © criminoso, para, em longo discurso, muito bem articulado logicamente,resolverem o crime. O erimino~ so, que seré desmascerado, ndo s6 comparece & reunito, pa- recendo tio curioso quanto os demas, como ainda nto tenta fugie pelo menos até o final da conversa Ora, na realidad das delegacias poicias esse tipo de stuagao nio acontece nunca, _mas isso nao importa: acontece nos romances policiais, como ‘um climax que ansiosamente aguardado. Fis porque aficmamos, como primeiro critério de aalia- sto, quea ficedo £oa, se esomentese do tiver“tudoa ver” _-com a realidade, mas se, a0 contro, soubsr nas apsesentar “a suposta realidad sob nova perspectiva, sob nova fae, Esse processo de perspectivizagdo & por sua vee responsivel por ‘otras duas caracteristicas secundérias que também nos for- ‘A primeicacaracteristce secuncéria € conhecida de todo Jeitor gostamos de um livro quando ele nao acaba. Claro que thé urna tia péigine em todos 0s livros, mas nos melhores chegamos a esta tkima pagina com a sensagio de que pre- cisamos continuae lendo, ou voltendo ao comego ¢ relendo ‘o mesmo livo, ou procurando out livo do mesmo autor, ‘ou procurando outto livre do mesmo género, ou ainda ma- tutando horas e mais horas sobre o que lemos, Em outzas palavras,os melhores livros sto aqueles que, deixando:um forte gosto-de “queto mais parecem-nos incompletos.Na verdade, cabe-nos completé-os Experimentamos a segunds caracteristica secundéria quando relemos um livto que haviamos lide enos atrés. Vie ‘venciamos a mesma sensagio de surpresa ¢ descoberla que da primeira ver, porque lemos coisas que nic havirmos ldo ‘nto, A sensagio é 2 mesma, mas as surpresas eas descober- {a5 io novas, slo outras, Como, seo livro era o mesmo? Este 0 ponto: um bom lv de fcgo nda se disfarga apenas uma ‘vez el se disfarga quantas vezes for lido por diferentes pes- sas ou até pela mesma pessoa em idades diferentes, © pro -cesso gue olive promove, de perspectvasdo da selidade, portant de (slconhesimento da realidade,aconiece2.cada. situa forgando-nosareformataro mundo eareorganizato “que pensévamos sobrs.o mundo, Um exemplo clisico ¢ 0 pequeno priscpe, de Antoine de Saint-Exupéry. Embora est histéria tena sido estigma tizada por muito tempo como literatura de candidata a Miss Brasil, na verdade urna boa hist6ria, Quem al com 10 anos Pereebe-a de uma determinada maneira, mancia esta que se ‘modifica bastante sea lé depois com 15 anos, e mais tarde com 35 anos, Hé muitos outros livros, no entanto, que, se 9 lermos com 10, 15 ou 35 anos, entenderemos as mesmas coisas e sentiremos as mesmassensasSes ~ de acordo com 0 nosso critétio, estes s40 os livros menos bons Nese momento podemos explicar 0 segundo crtério sera de aveliago:a cco € boa, see somente se, ni tem sudo a ver com 0 litt. Qual é4 relagio? Ora, 0 leitor que. seconfigura o seu mundo, depois de lee uma fcgao recone figuradora, € parte desse mesmo mundo, Logo, ele termina, Anultas vezes sem o pereeber, por reconfigurar a si mesmo, ‘Quando oletor ingenuamente diz que livro tem tudo a ver com ele, ou que o personagem diz o que ee queria dizer, esté tentando reforcar sua identidade pessoa! através da leitura, 0 ‘que € natural. Entretanto, o processo nio é bem este. As vezes um aluno comenta conosco sta surpresa, depois e escrever uma redagao particularmente boa ele nfo sabia «ve tina “aquilo tudo" dentro dele. B preciso alertéto que, sa verdade ele no tina “agile” dentro del, Wi no “funda” mando o significado através das palavess, transformou.a ele Tmesmo,torande-o sutimente diferente do que era quem sabe até melhor do que antes de esrever a edagio.Quandoo alano reorre #nogto daguela “oss” nofundo dele mesroo que sugiu nfo sabe como, ou que foi pesca mio se sabe or que azolcogitv, ale esa tntando ge acalmar,as- sustado qe feos porseter tornado um outro, assustdo que Scou por sentir gu «sta suposta identidade a &estvel como pensava, De maneta equilene, quando liter diz aque o live ter tudo aver com ele ou que o pesonagem diz 0 que ele dir, estariatentando seacaknar,negando a _formagio intima qe soe através da esurn sa relajo forte do leitor com o pervonsgem tem hi rilénias o nome tecnico de “itarseTeta-se de uma de rominagdo ber popular até torcdores de futebol dizem «ge ieram a su catarse da semana a xingarem bastante 0 Juiz do jogo de domingo, Em literatura, uate dizer que hs -atase quando o leita se identifica com determinado per sonagem No entanto esa € wna conceneia inomapsta do fenémeno da clase, Parece-me incoreto defini “eaarse” como uma identfcago primera enteeitorepersonagern, sugerindo que 0 leitr teria encontrado a sua metade-per- sonagem assim como os amantesencoitcim “por acts0” a6 suas caasemetades.Sefosse asim, as chances de cada um de nés encontrar a nossa metade-pertonagem, ou & nosse cara-metad, seriam extremamente reduridas, Antes, mol: -damos o amor da nossa de cara-metade, ¢« “poldar como ainda ‘mesmo coma gente, Do mesmo woe e of y ds sua mente: fai.o proprio gsto de escrever que transfor a ‘modo, o escritor ndo cra 0 personagem com 2 nossa caraea zossa personalidad, como se nos conhecesse:n6s éque nas trans nel : dove ligeicamente diferente aquelelixza.0 processo da caters na verdade, 0 procesto do reconhecimento de si mesmo como alguém que hi pou ; 0 no se era, isto & um proceso de pr [) Permanent, nfnita de simesmo.0 leitor nose identifica _ropriamente com o personagem, mas sim o personagem ¢ \\ que oferece 20 leitor uma identidede Se formos honests conosco mesmos, precsamos re- conhecer que, no fatimo, nunca sabemos muito berm @uem somos, Por iss, fcamos tio comovidos ao recebermos tia logio eto inritados ao ecebecmas uma citca.Anoss t= posta idenidade, ou sea, anogfo que temos de nds mesos, € to frig que sbsorveimediatamente qulquerelogioo que bom, mas também qualquer extica, o que costuma set doe lorose. Eis porque uma criange, depots de ser chamada de esastrada mais de una ver tendea se tomar dsastrada até 6 fim david, asim como um aluno se torn com fcildade tum mau aluno caso os professoresinsstam em vé-lo coma um mau aluno, A discussio sobre 0 poder do profesor, para o bem ¢ Para o mal, merece um outro artigo, nio €o caso de desen- YF YoNEAa aqui. O que me interes agora chamaraatengdo é V9 queaitalda identidade & mais do que uma lust: ela também "uma eonteadicio no seu prépro termo, Quando pensamos aP eta “idenidade pensamos em algo exchisivo de algo ou de slguém; no entanto, “ter” uma identdade signific, literal Mente, ser idémtco a alguma outta cis, por exemplo a um ‘modelo Logo, fr uma identiade ieplica nd er uma iden tidade se entendem o paradox Bis porque precios tanto c g ewuorwe nego de fcgto,precsamos tanto dos pasonagens:cles nos empees- tam, ainda que por poucos momentos, uma fort sensacto de idenidade pessoal. les nos dio o modelo imaginsrio de que tanto carecemos. : Nese sentido, ccatarse menos um proceso dient. «ago do leitor como personagem do que proceso decans- Ug teugio de uma nova identidade para o eter. O leitor assume" ‘no decorrerdaleitura, sem o percaber com clareze, uma nova (", identdade, 0 que torne inestimével a experiénciaestitica. A." catarseentfo,€ menos um proceso de identiicagio sums o leitor, que finge que o personagem diz ou vive 0 que ele. sgostaria de dizer ou viver, do que urn pracesto de reident- ~fcaga0_@ Jetor-torna-s.sem_o_pereeber com claeza, up -outio. leitura do mundo através da perspective diferente do petsonagem modifica, por sua vee. a perepestva de itor, ‘© que implica uma alteracio substancil na sua propria iden- tidade. Ou seja.aeatarse nda implica a _acalme porque. afnal, se tera urna idenidade ese sabe quem 6 mas sim uma mudanga de identidade que pode ser dato rosa, éseampre enriquecedara © filésofo espanhol Fernando Savater observou que, se ‘¢ homem quiserevitar coisficarse, transformando-se por ‘xeriplo num "gerente” até quando vai ao banheito 6 mais tarde, num arquivo da repartigd (como er antigo efamoso conto de Victor Giudice), deve manter sua dentidede reat ‘vamenteinstvel eprociria Fazemos isto, claro, escrevendo ‘elendo boas histéras de ficeo; fazemos iso através dos nos 505 “outros ot no smor ou na letra, CChegando nesse ponto, podemoscesumir © que enten- demos por qualidade em literature, qualidade esta que apl- ‘camios indistintamente ne lteratuta infantil, na literatura juyenil © na literatura “aduli,Primeiro,aficmamos que a ficgio é boa, se somente se, ndo tem tudo a ver com a re- slidade, isto ¢, se souber nos apresentar a supostarealidade sob nova perspectiva, sob nova face. Como decorréncia deste critéro, levantamos outros dois subcritérios: reconhecemos ‘que um livzo de fcsio ébom quando deixa aquee gosto forte de “quero mais, isto é quando e Ieitura nos motiva a reler aquele lio, a ler outros livros, ou mesmo a ficar pensando na histéria por horas e horas; reconhecemos que um livro de ficgto € bom sea cada vez que o lemos ele desperta entendi- ‘mentose sensagdes diferentes, ou se, se ele 6 tho dinamico & Plurissignifcativo quanto a vida confuse, mas interessantis- sma, que vivemos. Segundo, afirmamos que a fiesio é bos, s¢ €somente se, nfo tem tudo a ver como leitor, isto 6 se ela leva o letor a vivenciar uma eatarse completa, tornando-o dlferente, quigé melhor, do que era antes da litera, Mas, se 0s leitores desse texto sto profesores, decerto es- tardo se perguntando como aplicar estes crtétios em sala de aula. Como trabathé-ios com os alunos, com eriangas, com adolescentes? Antes de mais nada, 6 preciso reconhecer a di ferenga entre o discurso da literatura eo discurso das outras dlisciplinas:enquanto estas escondem, ort mais ora menos, © seu cardterficcional, aquela assume e eypicta este cardter, Logo, no devemos tentar reduaie a aula de iteratuca a0 for- ‘mato da aula de uma outra disiplina, Infelizmente, cometemos est erro quando reduzimosli- teratura a “estilo de €poce’ temtando ensinar (mal) Histéria, ‘io Literatura, Cometemos 6 mesmo err0 quando exigimos {que 0 aluno lei © texto literério come I 0s textos das outeas Aisciplinas, cobrando dele, nas provas de letara,informagBes factuais ¢ pontuais que o impediria de compreender a in- vengto, O erro se torna gravissimo quando perguntamos, nas ‘meamas provas,“o que o autor quis dizer” ‘Sea tnica idemtidadeestavel éa do personagen, as ienti= ddes tanto do letor quanto do autor sio, por defiigao, nsté- vis. Nenhum de nés sabe muito bem o que teria querido dizer, quando disse isto ou aquilo, Muitas vezes, dizemos exatemente ‘contrévio do que conscientementeteriimos dessjado, Logo, 0 ‘mesmo acontece com o autor de um ivr, Nem perguntando a cle se ainda estiver vivo, podemos saber o que queria ter dito, 0 ‘que nos cabe, com leitores, ¢continuar seu trabalho e pros- seguir fortalecendo a suspeita sobre 2 realidad, continuando «8 imaginar uma outrarealidade. O que nos cabe enti, como professores, € ajudar os alunos a se tornarem bons Jeitares de _ficsao, promovendo a discussig ea eflexio sobre o que eI Se possvel,devem-se evita provas de leurs, com pet- ‘guntas pontuas sobre as cnas~ ou, em haven provas, que ‘lasadmitam consulta mpl, gealeeesteta as livros, com questdes que provoquem relexéo,portanto, que nfo exjamn simples memorizaas. Se possivel, devers-sedescatar as fc chas de leitura que acompanham muitos Livos, ou delas se aproveitir apenas 2s propostas para discuss, rellexdo € releitura. Se possvl,devem-se evturadaptagbs iterdias, para nioiludir os aluaos de que les estarso lendo livros cls- sicos quando de ato estariam lendo verses muito reduzidas esses clisicos: qu se prefia, por exemplo, no lugar de uma aaptagio horrorosa de Memirias péstumas de Beds Cubas para a7 série, ler nessa mesma série © aliens, do proprio Machado de Assis; ou que se prefira ler os bons autores, 50 ‘ultos, de iteratura infantile javenila ler adaptages, Se possive, ainda, devem-s stimula eventos de leita julgs+ ‘mentos simulados de prsonagens, conversas com escitores, conversa com outros letores, firas do liv, festivais de lei- ‘ura ~ as idéias so muitas para quem quer for justiga 30 trabalho com a iavencio da teratur. ‘Mas, nos termos da educagio, duascoises so fandamen- tais: € preciso que a escola tenha uma biblioteca decente, com muitos livros de literatura para todas as idades, até porque nunca se sabe quando uma erianga esté pronta para ler deter rminado lio; € preciso também que o professor goste de ler, {que leia muito e fale sempre com os seus alunos sobre o que esti lendo. Do infinito nimero de métodos de educagio que ros assolam, o mais eficente de todos ¢0 mais antigo: trata- sedo velo método do exemple, Para dar o exemplo, preciso que os pais, em casa, re=

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