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A PSICANÁLISE COMO LITERATURA FANTÁSTICA

Durante uma entrevista concebida ao programa de televisão roda viva, o escritor


Argentino Adolfo Bioy Casares respondeu com muita firmeza uma pergunta que
remetia a uma famosa frase de seu amigo e companheiro de letras Jorge Luis Borges:
Será a teologia uma ramificação da literatura fantástica? - Sim. Afirmou casares. Em
um belo exemplo de jornalística maiêutica, nasceu uma pergunta mais interessante e até
mesmo desconcertante para nossos tempos atuais; Será a psicanálise uma ramificação
da literatura fantástica? – Infelizmente sim. Respondeu Casares.

Se a resposta do autor de “A invenção de Morel” possui algum fundamento, estamos


diante de uma questão singular. O fantástico invadiu o mundo real em forma de ciência,
e mais que isso, de ciência clínica. O inventor de tamanha façanha, Sigmund Freud,
revirou o passado e desenvolveu conceitos que marcaram tanto a formação do homem
moderno quanto as revelações de Copérnico, Galileu e Darwin em sua épocas e como
todos estes, recebeu o selo de autenticidade que apenas a obra de um homem de ciências
poderia receber. Mas além, nenhum outro escritor do século XX influenciou tanto a arte
por vir, nem mesmo Joyce, Proust e Kafka. Estes grandes homem de letras foram a
pedra angular para a criação literária e artísticas da gerações futuras, mas Freud foi mais
longe; influenciou a ciência,as artes e acima de tudo a vida.

Em uma mistura de ensaio e prosa ficcional, o conto “Tlon, Uqbar, Orbis Tertius” de
Borges emula um portal dimensional literário, onde fantasia e realidade se digladiam
para ocupar um lugar no tempo- espaço da percepção humana. Se tal obra se assumisse
não como ficção (não ao acaso faz parte de uma coletânea chamada ficções) mas sim
como estudo de ordem investigativa, seus leitores a assimilariam de outra forma, sem
dúvida mais pungente e avassaladora, mesmo que a maioria optasse por considerar tal
escrito um devaneio.
Para prosseguir corretamente com tal argumento, devo salientar que não basta apenas
discutir os textos por si só, mas a maneira como eles são apresentados ao público. “ A
Interpretação dos sonhos” de Freud é um texto essencial para entendermos boa parte da
arte produzida na primeira metade do século XX, mas não foi escrito com este
propósito. Longe disso, Freud buscava uma forma de atualizar uma prática médica que
ainda engatinhava e se utilizando dos mais diversos recursos que um erudito pode
alcançar, buscou na antiguidade a maior parte da matéria prima para desenvolver suas
teorias.

Para o crítico literário estadunidense Harold Bloom, Freud não inventou seus próprios
conceitos, mas foi o melhor tradutor de diversos mecanismos da psiquê que estão
presentes em toda historia da civilização. Sua mais bela “tradução” seria então o
inconsciente. A partir da difusão deste conceito, o homem se viu diante de um novo
paradigma; Não somos mais donos de nos mesmo, não controlamos nossa matéria pela
razão, mente e espírito (o que para descartes são a mesma coisa), mas somos
impulsionados por uma força interior dominadora que está sempre presente e prestes a
transformar em patologia nossos erros de postura em relação ao mundo. Está aí,
apresentada em forma de diagnóstico, um dos mais belos conceitos literários sobre o ser
humano; O duplo. Presente nas mais diversas eras, dos ”Contos da Mil e Uma Noites”
até a obra máxima de Stevenson, o estudo da dualidade residente em cada homem é um
terreno fértil para a criação do fantástico e depois de Freud, também é utilizado como
um caminho de encontro para a cura paliativa dos males da alma.

Mas nada é mais interessante para nos aprofundarmos em uma discussão de tal natureza
do que o grande esforço que Freud fez para entender o que talvez seja a única forma
“natural” de introdução do fantástico na existência humana; Os sonhos.

Se o homem é um animal que por sua constituição evolutiva foi capaz de dar o maior
salto de todos, ou seja, a construção de um sistema de linguagem mais complexo do que
apenas o necessário para a sua sobrevivência, e é esta capacidade que o faz entender as
coisas como elas são, (pelo menos as coisas de ordem empíricas), seria o sonho, obra
máxima do inconsciente, uma tentativa dualista de desconstrução da linguagem
formada? Para Freud, a maioria dos distúrbios mentais são causados por recalques, que
por sua vez instalados no inconsciente, desconstroem o sistema de linguagem que dita a
“normalidade” dos pensamentos.
Para traçarmos um paralelo que esteja de acordo com que este texto se propõe, podemos
analisar outra questão; Será o fantástico também uma forma de desconstrução?

A literatura já nasceu fantástica (A epopéia de Gilgamesh, a literatura Egípcia


faraônica, o Antigo Testamento) e sempre ligada a um fator metafísico de origem
religiosa e moral. Então estaria na fantasia uma forma de introdução ao pensamento
psicanalítico?

É o que esta pesquisa se propõe a fazer; cavar com as mãos o terreno fantástico em
busca de uma nova leitura das grandes teorias sobre a psiquê humana.

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