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Palavras-chave RESUMO
Gestão em saúde Com o objetivo de comparar as dimensões organizacionais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) II
Organização e administração e CAPS destinados a demandas específicas (CAPSad) de uma cidade do interior de São Paulo, realizou-se
Serviços de saúde mental este estudo qualitativo que utilizou a entrevista semiestruturada com profissionais e gestores para a obtenção
dos dados que foram analisados através da análise de conteúdo. Identificou-se que ambos os serviços são
influenciados pelo ambiente externo, que possui dificuldades de integrar a proposta de reinserção social
da clientela, o que se justifica pela estigmatização da loucura e da dependência química. A sobrecarga de
trabalho é comum nesses serviços e resulta da dinâmica de trabalho. Por fim, constatou-se que os problemas
vivenciados em ambos os serviços são comuns, ressaltando-se a necessidade de contratação de profissionais
para reduzir a sobrecarga de trabalho e para fomentar ações de diferentes atores externos para desmistificar
a loucura e a dependência química.
Keywords ABSTRACT
Health management With the purpose to compare the organizational dimensions of Mental Health Services (CAPSII and a CAPSad)
Organization and administration from a city in the state of São Paulo, this qualitative study used semi-structured interviews with professionals
Mental health services and managers to collect data which were analyzed through content analysis. Both services are influenced by the
external environment and find difficulties to consolidate proposal of social reinsertion of users due to the stigma
of the mental disease and substance abuse. The overload of work is also common in both organizations and
it is a consequence of the work dynamics. In addition, authors found problems such as the need to hire other
professionals in order to reduce the work overload and to stimulate different actions regarding the external actors
aiming at decreasing the stigma of the mental disease and substance abuse.
Recebido em: Trabalho realizado em dois Centros de Atenção Psicossocial de Ribeirão Preto – Ribeirão Preto (SP), Brasil.
29/12/2011 1.Professor Associado do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de
Aprovado em: Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto (SP), Brasil.
30/04/2012 2.Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil;
Conflito de interesse: Professora da Universidade de Uberaba – Uberaba (MG), Brasil.
nada a declarar 3.Bacharel em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.
Fonte de financiamento: 4.Graduanda do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.
Programa Ensinar com Endereço para correspondência: Carla Aparecida Arena Ventura – Universidade de São Paulo – Escola de Enfermagem de
Pesquisa da USP Ribeirão Preto – Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas – Avenida dos Bandeirantes, 3900 – Campus
Universitário – CEP: 14040-902 – Ribeirão Preto (SP), Brasil – E-mail: caaventu@gmail.com
66 Ventura CAA, Moll MF, Jorge MS, Araújo AS
discussão de assuntos administrativos e clínicos, o que possi- Sendo assim, os entrevistados do CAPSII enfatizam o
bilita a oferta de cuidados integrais aos usuários do serviço. modelo de cuidado centrado no ser humano, objetivando
Dessa forma, por meio do trabalho em equipe é possí- desmistificar a loucura. Os profissionais do CAPSad citam
vel enfrentar o intenso processo de especialização na área também que o preconceito é um dificultador do tratamento.
da saúde que predispõe à ótica vertical do conhecimento e Para que o estigma diminua, ressaltam a necessidade de
à individualização das intervenções em saúde. As modali- esclarecimento da população e dos próprios portadores de
dades de trabalho relacionam-se diretamente às interven- transtornos mentais e usuários de drogas sobre a doença19.
ções técnicas em um projeto assistencial comum e à inte- No caso de dependência química, verificam-se dificul-
ração dos agentes através da comunicação, caracterizada dades para a aceitação da mudança de concepção de que
pela elaboração conjunta de linguagens, objetivos e cultura as pessoas com dependência química são cidadãos e não
comuns. Trata-se da perspectiva do agir-comunicativo no apenas ‘doentes’, uma vez que se considera a doença uma
interior da técnica, o que desencadeia tensões17, que não justificativa social para o referido transtorno, retirando-a
representam dificuldades ao processo de trabalho, uma do campo da moral e colocando-a no da saúde mental.
vez que parecem impulsionar as discussões em equipe, Nessa perspectiva, o rótulo doença é utilizado para que
gerando um processo de ‘pensar’ coletivo para a elabo- muitos usuários convivam com a exclusão e com a culpa20.
ração de ações administrativas e assistenciais. Tal realidade impõe-se como um obstáculo ao avanço
No CAPSII e no CAPSad, os conflitos apareceram nas para a atenção integral, pois, tanto a ideia de doença,
falas dos profissionais como inerentes ao cotidiano, mas como a ideia de marginalização, contribuem para a passi-
com perspectiva de serem resolvidos intraequipe, devido a vidade e para a exclusão, o que contradiz às premissas
unicidade de ações no cuidado aos usuários. Nesse cená- de promoção da saúde de dependentes químicos que
rio, o trabalho em equipe é do tipo integração, baseado na estão presentes nos documentos que orientam as ações
complementaridade e colaboração no exercício da autono- integrais de saúde para essa clientela20.
mia técnica e não na independência dos projetos de ação No Brasil, foram implementadas iniciativas políticas,
de cada agente. Os profissionais do CAPSad ainda citaram científicas, sociais, administrativas e jurídicas para modi-
os conflitos como favoráveis para o aprendizado conjunto. ficar a compreensão cultural e a relação da sociedade
Ambos os serviços também apresentam problemas com os doentes mentais e dependentes químicos. Essa
estruturais, relacionados à pequena estrutura física e à depen- nova ideologia foi relatada pelos entrevistados, embora
dência do ambiente externo. Como um sistema aberto, essas existissem dificuldades decorrentes do aumento quanti-
organizações se integram ao ambiente externo, formado por tativo de usuários, resultando em acúmulo de atividades
diferentes atores e valores que são também influenciados e problemas no relacionamento de ambos os CAPS com
pelo estigma social frente aos comportamentos resultantes a sociedade e os familiares. Dessa forma, o projeto de
dos transtornos mentais e da dependência química. reinserção social desses serviços propõe que a rede
O estigma da doença mental destacou-se como barrei- primária de saúde seja habilitada a interromper o ciclo
ra ao avanço do tratamento e à perspectiva de exercício de reinternações 21, com base na reestruturação da
da cidadania pelos usuários em ambas as organizações atenção psiquiátrica vinculada à Atenção Primária em
estudadas. Muitas vezes, os transtornos mentais não são Saúde, permitindo a promoção de modelos substituti-
considerados como doença, pois são influenciados pela vos concentrados na comunidade e integrados com as
cultura e valores e não apenas por fatores biológicos. redes sociais22.
Existe, assim, o paradigma da exclusão social18. A família é fundamental na manutenção dos usuários
A estigmatização da loucura pode resultar na perda dos serviços em questão fora da internação e precisa ser
da cidadania e no aumento de preconceitos e segregação preparada para essa convivência, com o apoio de profis-
social. Sendo assim, a doença mental, explicada por causas sionais de saúde mental. No Brasil, ainda se investe pouco
biológicas, psicológicas e sociais, necessita de assistência nessa questão23-25. O processo de socialização inicia-se
adequada, para oferecer ressocialização e apoio ao portador na família, o que o faz denominá-lo socialização primária26.
de transtorno psiquiátrico e a sua família18. Deve-se considerar Ao abordarem o ambiente externo do CAPSII e do
que essa realidade da estigmatização se estende para as CAPSad, os profissionais manifestaram dificuldades de
dependências químicas, uma vez que as reações sociais frente integração com outros serviços e com a rede de atenção
a esse transtorno são cercadas de preconceito e exclusão. primária. Portanto, há necessidade de se buscar novas
CONSIDERAÇÕES FINAIS 7. Daft R. Organizações. Teorias e projetos. São Paulo: Thomson Pioneira; 2002.
De maneira geral, os dois serviços analisados neste 8. Lacombe FJM, Heilborn GLJ. Administração: princípios e tendências. São
Paulo: Saraiva; 2003.
estudo apresentam dimensões estruturais e contextuais
9. Maximiano ACA. Introdução à administração. São Paulo: Editora Atlas; 2004.
semelhantes que se enquadram nas diretrizes do SUS.
10. Blau P, Scott R. Organizações formais. São Paulo: Atlas; 1970.
Deve-se enfatizar que as dificuldades vivenciadas em
11. Donaldson L. Teoria da contingência estrutural. In: Clegg SR, Hardy C, Nord
seu cotidiano são similares, tais como: pouca integração WR. Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas; 1998. p. 105-33.
dos CAPS junto da Rede de Saúde Mental e dos outros 12. Mintzberg H. Criando organizações eficazes – estruturas em cinco configu-
serviços de saúde, o que acarreta na dificuldade de rações. São Paulo: Atlas; 1995.
realizar encaminhamentos e no acúmulo de usuários dos 13. Bernardes C. Teoria geral das organizações: os fundamentos da administração
integrada. São Paulo: Atlas; 1991.
respectivos serviços e um pequeno número de profissio-
14. Gibson JL, Ivancevich JM, Donnelly Junior JH. Organizações; comportamento,
nais que gera sobrecarga de trabalho. Destaca-se que estrutura e processos. São Paulo: Atlas; 1981.
os entrevistados de ambas as instituições enfatizam 15. Schein EH. Coming to a new awareness of organizational culture. Sloan
a importância e a eficiência dos serviços. Essa ênfase Management Review. 1984;18(3):3-16.
é demonstrada pela melhora dos usuários, o que eles 16. Bardin L. Análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70; 1995.
atribuem aos pontos fortes das organizações estudadas, 17. Peduzzi M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde
Pública. 2001;35(1):103-9.
que são as reuniões e o trabalho realizado em equipe
18. Spadini LS, Mello B, Souza MC. A doença mental sob o olhar de pacientes e
multiprofissional. Por fim, é relevante reforçar que a familiares. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(1):123-7.
associação da assistência especializada dos CAPS às 19. Kantorski LP, Pinho LB, Machado AT. Do medo da loucura à falta de continui-
ações comunitárias e familiares da Estratégia Saúde da dade ao tratamento em saúde mental. Texto Contexto-Enferm. 2001;1(1):50-9.
Família predispõe à qualificação da assistência à clientela 20. Moraes M. Integral healthcare model for treating problems caused by alcohol
and other drugs: perceptions of users, their companions and practitioners.
desses serviços. Ciênc. Saúde Colet. 2008;13(1):121-33.
21. Campos GWS. Reforma da reforma: repensando a saúde. São Paulo: Hucitec;
DECLARAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO DOS 1992. p. 143-93.
VÁRIOS AUTORES 22. Kalil M (Org.). Saúde mental e cidadania no contexto dos sistemas locais de
saúde. São Paulo: HUCITEC/Cooperação Italiana em Saúde; 1992. p. 237.
• Carla A. Arena Ventura foi responsável pela elabo-
23. Morgado A, Lima LA. Desinstitucionalização: suas bases e a experiência
ração do projeto de pesquisa, orientando a coleta e internacional. J Bras Psiquiatr. 1994;43(1):19-28.
análise de dados. Participou integralmente da elabo- 24. Bandeira M. Desinstitucionalização ou transistitucionalização: lições de alguns
ração do artigo. países. J Bras Psiquiatr. 1991;40(7):355-60.
• Marciana Fernandes Moll participou integralmente da 25. Koga M. Convivência com a pessoa esquizofrênica: sobrecarga familiar.
[dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,
análise dos dados e da elaboração do artigo. Universidade de São Paulo; 1997.
• Márjore Serena Jorge e Angélica Silva Araújo partici- 26. Humerez DC. História de vida: instrumento para captação de dados na pes-
param da coleta e análise dos dados. quisa qualitativa. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1998.