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PRADO, Coelho Ligia.

Esperança radical e desencanto conservador na Independência da


América Espanhola. História, São Paulo: v. 22, n 2, 2003.

Teresa Cristina Alves de Barros1


Giovanni Codeça2

RESENHA

Maria Ligia Coelho Prado, traz em seu artigo a análise de dois textos do José Bernardo
Monteagudo: Diálogo entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos; e Memória
sobre os princípios que segui na administração do Peru e acontecimentos posteriores à
minha saída”, mostrando duas fases políticas do personagem. Em 1809 caracterizava-se por
ideias democratas de cunhos mais libertários, sendo considerado até um “democrata fanático”,
mas em 1823 tornou-se um monarca convicto. Suas transformações ideológicas se deram sob
os impasses do movimento de independência da América do Sul. Mesmo com a sua figura
conturbada, Monteagudo, apresentou seu notável protagonismo para o processo de
emancipação nas colônias hispânicas.
A autora também nos apresenta as diferentes perspectivas das historiografias nacionais
do século XIX. A independência representada como a quebra da dominação entre a metrópole
sobre as colônias, assim possibilitando a criação dos Estados Nacionais. Nas décadas de 1960
e 1970, houveram debates historiográficos acerca desta temática, as quais se mantiveram nos
ideais do movimento de independência. Os historiadores destacam que este evento demostra
de suma importância para os americanos e nos estudos da História Mundial, no entanto, são
reduzidos nas literaturas e pelas as academias.

O historiador peruano Alberto Flores Galindo, num texto do final da década de


1980, aponta para uma abordagem interessante e apresenta como que uma síntese
desses debates: Deixando de lado os determinismos, sentimo-nos inclinados a pensar
que no passado, assim como no presente, sempre há mais de uma alternativa e que
os desenlaces são o resultado de combinações, sempre específicas, entre
determinações estruturais e as vontades tanto individuais como coletivas. Na história
estão em jogo as aspirações e os projetos dos homens. Os períodos de crise rompem
os velhos ordenamentos, ampliam os horizontes, fazem possível a criatividade e
nunca é mais real que então afirmar que os indivíduos constroem seu destino.
(PRADO, 2003 p.16)

1
Graduanda pelo Curso de História pela Universidade Veiga de Almeida.
2
Doutor em História e docente regente pelo estudo dirigido da disciplina de América II.
1
Bernardo Monteagudo, nasceu em Tucumán, em 1789, filho de um capitão de milícia
espanhol viera para a Colônia do Sacramento (Uruguai), no início da década de 1780. No
entanto, viveu boa parte de sua infância em Chuquisaca, hoje Sucre, na atual Bolívia. Ele
estudou na Universidade de Córdoba, e posteriormente fez a sua especialização em Teologia
na faculdade de São Francisco Xavier, na mesma cidade aonde viveu a sua juventude. Em
seguida, já formado recebeu o título de Advogado da Real Audiência de Chargas e Protetor
dos Pobres, aonde “participou da precoce rebelião de Charcas pela independência, em 1809,
que foi rapidamente reprimida. Nesse período defendia fielmente as ideias republicanas e
democráticas.” (PRADO, 2003 p.17)
Monteagudo, foi preso por diversas vezes e até ser levado a condenação à morte, no
entanto conseguiu fugir. Daí por diante, vamos encontrá-lo em diversas partes da América.
“Participou da guerra pela independência na Argentina, atravessou os Andes, lutou no Chile e
chegou ao Peru; esteve na América Central, numa missão especial.” (PRADO, 2003 p.18) Foi
até a Europa e, nesse percurso, passou pelo Rio de Janeiro. Manteve contato próximo com
quase todos os líderes da independência.
O diálogo político de Monteagudo em seus dois escritos sinalizam as contradições dos
cenários da independência, e suas soluções para os conflitos políticos centrais. Na sua obra de
1809, Diálogo entre Atahualpa e Fernando VII nos Campos Elíseos, ainda não tendo uma
personagem conhecida, seus textos transmitidos no modelo de panfletos em manuscritos com
o seu conteúdo embasados nas ideologias da Ilustração circularam nos meios universitários
deram a premissa em argumentos para justificar a ação daqueles que começavam a lutar pela
Independência das colônias. Por seguinte, os escritos ultrapassaram para além dos meios
acadêmicos e se expandiram nas fronteiras da América Hispânica. Neste contexto, a situação
ficou aparente a divisão entre elites denominadas de Criollas e o mundo indígena, em
consonância a defesa clara de emancipação das colônias pelos oligarcas.
A forma de dialogo escolhida por Monteagudo estão ligadas nas funcionalidades dos
panfletos. De acordo com as conjunturas da época, o autor sabia que a obra não seria apenas
lida individualmente e abafadamente, foi estruturado para ser ouvido por um grupo de pessoas
atentas à leitura em voz alta. Como destaca a autora “como os historiadores do livro e da
leitura já indicaram, a leitura individual e silenciosa ainda não era uma prática comum e
habitual, nem na Europa nem na América, nesse período” (PRADO, 2003 p.21). Lia-se em
voz alta a um grupo acostumado a “saber ouvir”, potencialmente multiplicando os “efeitos
perigosos” de um texto.

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O diálogo se dá no campo imaginário, pois o autor nos leva a um cenário de conversa
entre dois mortos, ambos líderes; um era imperador inca e outro rei espanhol, que no
momento panorâmico do texto, se encontrava prisioneiro de Napoleão, em Bayone.
Monteagudo se personifica literariamente pelos dois personagens de seu texto, expondo seus
argumentos através destes, tendo como o principal o imperador inca Atahualpa, que se
configurava num discurso de rebeldia, enquanto Fernando VII fazia perguntas ‘adequadas’,
como se fosse o lugar de quem estivesse lendo ou ouvindo o texto. O autor desenlaça
argumentos de acordo com objetivos próprios; em proeminência, denunciar a conquista
espanhola.
Nos discursos os dois personagens aparecem como iguais, “descendentes de infinitos
reis” que ao longo de suas existências históricas tiveram seus tronos usurpados, perdendo suas
coroas e passando para a condição de prisioneiros de invasores. A partir do discurso de
Atahualpa, carregado de ódio pela injustiça, aponta os espanhóis como violentos, agressivo
etc., mostrando a ilegitimidade da conquista. “A voz de Atahualpa no texto é vestida por duas
identidades, se identificando como ‘nós americanos’, em outro momento como ‘nós
indígenas’, e as exigências dos criollos também aparecem na voz do Imperador. Os discursos
do imperador Inca no fechamento do texto são vitoriosos ao de Fernando, ao final do enredo,
os dois se despendem, reverenciando as suas ancestralidades.” (PRADO, 2003)

O panfleto surpreende especialmente pela amálgama produzida por Monteagudo,


isto é, pela apropriação de uma identidade incaica pelo discurso de um criollo.
Entretanto, se olharmos para o passado do Peru ou do México, regiões com
populações majoritariamente indígenas, com uma extraordinária riqueza cultural,
defrontar-nos-emos com uma linhagem de outros textos, também escritos por
criollos, que trabalharam essa aproximação. (PRADO, 2003 p.23)

Depois da independência e já no limiar da sua vida, quando assume o papel de


organizador da nova ordem institucional, abandonando a defesa dos ideais republicanos e se
inclinando para à proposição da monarquia, um outro texto que é para entender certa
interpretação sobre o mundo da política na América Latina durante o processo de autonomias
das colônias hispânicas. O texto a Memória sobre os princípios que segui na administração
do Peru e acontecimentos posteriores à minha saída, de 1823. Demarca os ataques que
Bernardo Monteagudo recebe dos seus inimigos políticos, explicando a mudança de suas
perspectivas e atitudes. Nesta obra, o autor destaca também a complexidade impossibilidade
da democracia no Peru, baseado em dois pontos: a colonização espanhola e o mundo
indígena.

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A partir dessas premissas, procura explicar a impossibilidade da instalação de um
regime democrático no Peru e, por extensão, nos países que foram colonizados pelos
espanhóis. Afirma nosso autor que as refregas políticas por ele enfrentadas, ao lado
da experiência da guerra e da paz, levaram-no a mudar completamente a visão
política da sua juventude. Se um dia havia afirmado que “ser patriota, sem ser
frenético pela democracia, era uma contradição”, a realidade fizera-o mudar de
posição. Quando desempenhou cargos políticos no Peru, tomou como princípio de
sua administração “restringir as ideias democráticas”, mesmo sabendo que tal
posição atrairia a “ira popular”. Entendia que “as ideias democráticas não eram
adaptáveis ao Peru” por três razões principais, uma de ordem moral, outra de cunho
econômico e a terceira de caráter social. (PRADO, 2003 p.29)

Assim como Monteagudo indaga, as elites políticas hispano-americanas escreveram


intensamente sobre a questão, “demonstrando conhecimento e familiaridades com a produção
textual europeia e, ao mesmo tempo, indicando sua atenção aos problemas sociais particulares
de cada uma das sociedades.” (PRADO, 2003 p.31) Em geral, justificavam suas posições
criticando “os excessos” dos regimes democráticos. Era recorrente crônica dos criollos nas
regiões dominantemente indígenas, se aproximando e sempre pondo a dicotomia entre a
aristocracia indígena e o mundo dos espanhóis/americanos, visto que na Europa, no mesmo
período, pensavam que era necessário esperar e educar o povo latino americano para que as
instituições democráticas paulatinamente pudessem entrar em vigência.
Em suma, a autora Maria Ligia delineia diversos autores que trazem relações entre
esses dois mundos, como o Carlos de ‘Siguënza y Gongora’. Levanta-se também a ideia de
que Monteagudo tenha lido Viscardo y Guzmán na Universidade de Chuquisaca, dos quais
são encontráveis diversos textos sobre os criollos e os simbolismos Incas. O movimento de
independência abriria diversas possibilidades para os que viveram naquele período. Tempos
de sonhos e de escolha. Sonharam os letrados ilustrados que expressaram suas utopias em
escritos naquele contexto de certas indecisões.
No final da vida de Bernardo Monteagudo, portanto, acreditou que as restrições de
direitos políticos, a repressão e a oligarquia seriam as práxis para o controle para a possível
revoltas nas colônias de administração hispânicas. Por toda a sua luta e empenho na revolução
que tanto prevista, deixou de lado seu cunho jacobino democrático radical para ser
futuramente um monarquista conservador. Ou seja, pelas perseguições e despontamentos,
passou ser o revolucionário que deixou de sonhar e ter esperança na possível liberdade da
América Latina.

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