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A Era Lula PDF
A Era Lula PDF
retorno ao desenvolvimentismo?
Pedro Cezar Dutra Fonseca
Professor Titular do Departamento de Economia e
Relações Internacionais da UFRGS e
Pesquisador do CNPq – Brasil.
André Moreira Cunha
Professor Associado do Departamento de Economia e
Relações Internacionais da UFRGS e
Pesquisador do CNPq – Brasil.
Julimar da Silva Bichara
Professor da Universidade Autónoma de Mardrid
– España e Diretor do Centro de Estudios Brasileños –
Fundación Ortega y Gasset.
1
Seguimos aqui a sugestão semi-públicos (ou meritórios); desenvolvimento. Esta agenda
de Anderson (1995), para e (ii) para as economias se traduz na introdução de
quem o neoliberalismo em desenvolvimento a reformas estruturais visando à
representa: (i) para as redução do ativismo estatal ampla liberalização comercial
economias maduras, uma na esfera econômica. Em e financeira, privatizações,
reação ideológica e política à ambos os casos a gestão desregulamentação e
institucionalidade criada no macroeconômica passa a constrangimentos diversos
pós-Segunda Guerra e que priorizar a estabilidade à expansão do gasto público.
priorizava a manutenção do monetária e abandona-se a Ver, também, Arestis e
pleno emprego e a ampliação ideia que o Estado deve ter um De Paula (2009) e Belluzzo
do acesso aos bens públicos e papel central na dinâmica de e Almeida (2002).
que o governo Lula poderia ser conside- das pelo “novo-desenvolvimentismo”. An-
rado um “nacional-desenvolvimentismo tes que aprofundar a questão em torno
às avessas”: enquanto o primeiro optara do hibridismo, nossa opção foi partir de
pela industrialização via substituição de uma conceituação de desenvolvimentis-
importações, melhoria do padrão de co- mo (seção 2) – passo metodológico ne-
mércio, maior controle nacional do siste- cessário, pois se trata de termo cuja de-
ma produtivo e subordinação da política finição sempre comporta polêmica. Para
monetária à política de desenvolvimen- tanto, avalia-se o desempenho recente
to, dentre outras medidas, a política eco- da economia brasileira (seção 3), o qual,
nômica do período de Lula apontaria em tendo como referencial o marco analíti-
direção diametralmente oposta: desin- co da seção 2 e a discussão em torno do
dustrialização, reprimarização das expor- populismo econômico, permite-nos con-
tações, desnacionalização e dominação tribuir com o debate (seção 4) sugerindo
financeira sobre a esfera produtiva. que: (i) o período que se inaugura com
A proposta deste artigo, para en- o Governo Lula não pode ser facilmente
saiar repostas às questões inicialmen- enquadrado como sendo populista; mas,
te formuladas, vai na direção de buscar também, (ii) embora haja indícios para
uma mediação entre as duas correntes as sua defesa, não estão claramente consoli-
quais, sumariamente, sintetizamos como dadas as condições para a sustentação do
em lados opostos na controvérsia, em ca- desenvolvimentismo como base ideológi-
minho semelhante ao de Morais e Saad- ca da retomada recente de certo dinamis-
-Filho (2011). Estes, partindo da polari- mo econômico.
dade entre “ortodoxia convencional” e
“novo desenvolvimentismo”, com base
na tipologia elaborada por Bresser-Perei- 2_O Desenvolvimentismo no Brasil:
ra (2006, 2011a) e Sicsú, Paula e Michel uma primeira aproximação
(2005), procuram mostrar que o governo A possibilidade de crescer em plena crise
Lula foge a qualquer classificação a priori internacional e de recuperações rápidas
entre “governo neoliberal” versus “gover- não constitui novidade e integra o imagi-
no desenvolvimentista”, e que o mesmo nário de boa parte dos economistas e das
realizou, com êxito e embora lentamente, elites brasileiras. Assim ocorrera na Gran-
uma política “híbrida”, inclusive ao colo- de Depressão da década de 1930, quando
car em prática várias políticas recomenda- a reversão do ciclo recessivo deu-se já em
1932, com taxa de 4,3% do PIB, e 9,0% vés do recatado receituário ortodoxo que
em 1933 – período mais trágico para a aconselhava diminuir o ritmo de ativi-
maior parte dos países, auge da depressão dade econômica diante da elevação das
norte-americana. Consagrou-se a clássi- taxas internacionais de juros e dos pre-
ca interpretação de Celso Furtado de que ços do petróleo em quatro vezes, o gover-
o Brasil antecipara na prática as políticas no propôs acelerar o processo de substi-
keynesianas, como resultado de o gover- tuição de importações para os ramos da
no Vargas ter incitado os produtores a co- indústria pesada de bens intermediários
lherem o café, principal item da pauta de e de capital, além de incentivar, através
exportações, e responsabilizado-se por as- de empresas estatais, megainvestimentos
segurar preço através da compra e quei- na área energética, os quais acenavam
ma de parte do produto, com financia- no longo prazo para menor dependên-
mento ancorado em emissão de moeda. cia do exterior com relação ao petróleo
Mais que a precoce recuperação, a crise importado. Mesmo que tenha jogado o
colaborou para que a economia brasilei- custo do ajuste para o futuro, o cresci-
ra passasse por uma inflexão estrutural, mento brasileiro entre e 1974 e 1980 man-
com a superação do modelo agroexpor- teve uma taxa anual em torno de 7%, bas-
tador, centrado na venda para o mercado tante superior à média internacional; em
externo de poucos produtos primários, e três anos - 1974, 1976 e 1980 – alcançou
alterasse seu “centro dinâmico” em favor o patamar de 9%.
da indústria e do mercado interno, dan- Ao assumir em 2002, o presidente
do início ao processo de substituição de Lula manteve não só alguns marcos essen-
importações: de 1933 a 1939 a indústria ciais da política econômica em prol da es-
brasileira cresceu numa média de 11,2% tabilidade do governo Fernando Henrique
ao ano (Furtado, 1977: 192). Já em outra Cardoso (metas de inflação, taxa de câm-
conjuntura externa adversa, no início da bio flexível e valorizada, superávit primá-
década de 1970, com o primeiro choque rio), mas ampliou vários programas de as-
do petróleo, o governo militar - mesmo sistência social. A implementação das teses
que avesso ao que denominava populis- de focalização das políticas sociais inicia-
mo e esquerdismo de Vargas e de seus su- das por este último, críticas à universaliza-
cessores, afastados pelo golpe de estado ção dos direitos, aos moldes da antiga So-
de 1964 -, procedeu de forma semelhante. cial-Democracia, graças a essa expansão
Ao invés de ajustar-se à conjuntura atra- ganhou um status de quase universalidade:
5
“O Programa Bolsa Família de 17 de setembro de 2004.” 7
Ministério da Fazenda 9
De acordo com a Fundação
(PBF) é um programa de (http://www.mds.gov.br/ (2011, p. 40). Getúlio Vargas, a classe “C”
transferência direta de renda bolsafamilia/o_programa_ 8
Ver: “Panorama da brasileira, que, em 2003,
com condicionalidades, que bolsa_familia/o-que-e, acesso Economia Brasileira – representava 37% do total
beneficia famílias em situação em março de 2010). superando a crise”, em 15 da população, passou a
de pobreza (com renda mensal 6
Ver: http://www.mds.gov. agosto de 2009. Apresentação representar 64% da população
por pessoa de R$ 70 a R$ br/bolsafamilia/o_programa_ do Ministro da Fazenda, em 2008 (Ministério da
140) e extrema pobreza (com bolsa_familia/principais- Guido Mantega (http://www. Fazenda, 2010). Para uma
renda mensal por pessoa de resultados (acesso em março fazenda.gov.br/portugues/ análise político-sociológica
até R$ 70), de acordo com a de 2010). docs/perspectiva-economia- sobre esses novos segmentos,
Lei 10.836, de 09 de janeiro brasileira/link.htm, acesso em veja: Singer (2010).
de 2004 e o Decreto nº 5.209, março de 2010).
nos anos 1970, como se mostrou anterior- busca de uma trajetória previamente de-
mente, sem contar a postura mais inter- finida. Sua gestação histórica foi relativa-
nacionalizante e com predisposição para mente lenta; no caso brasileiro, remonta
associação com o capital estrangeiro de ao final do Império e gradualmente anga-
Juscelino Kubitschek, em contraste com riou adeptos e só veio a se constituir em
o reformismo trabalhista de João Goulart. prática efetiva nacionalmente a partir de
Todavia, como abstração, o conceito pro- 1930, embora haja experiências regionais
põe-se captar um padrão de comporta- anteriores, como João Pinheiro em Minas
mento detectável na condução da ação Gerais (Paula, 2004) e, talvez a mais visí-
estatal tanto no sentido lato (com âmbito vel, com o governo Getúlio Vargas no Rio
de abrangência em diversas esferas: tec- Grande do Sul, em 1928 (Fonseca, 2004).
nológica, educacional, cultural, políticas A possibilidade de o conceito abarcar múl-
públicas, dentre outras) e como na for- tiplas situações históricas concretas – fato
mulação da política econômica em sen- não inusitado, antes corriqueiro na Eco-
tido mais restrito, o qual permite ante- nomia e demais ciências sociais – não
ver um projeto de longo prazo centrado na prejudica que se detecte nas diferentes
industrialização e na modernização do se- experiências um “núcleo duro” comum,
tor primário, implementado com auxílio capaz de caracterizar o desenvolvimen-
de medidas governamentais voltadas a in- tismo em suas várias manifestações. Este
centivar a substituição de importações e a abrange a defesa: (a) da industrialização;
diversificação da produção primária, com (b) do intervencionismo pró-crescimen-
prioridade ao mercado interno. to; e (c) do nacionalismo, embora este
Destarte, mesmo tendo-se presente deva ser entendido num sentido muito
a observação acima, por desenvolvimentis- amplo, que vai desde a simples retórica
mo designa-se um conjunto de idéias e de ufanista conservadora até propostas radi
práticas efetivas dos governantes o qual su- cais de rompimento unilateral com o ca-
gere estar permeado por uma lógica que pital estrangeiro (Fonseca: 1989, 2004). Na
se expressa como um projeto de nação. A literatura, na busca de uma maior especi-
política econômica governamental não é ficidade e precisão analítica, é comum a
errática nem apenas reativa aos ciclos ou referência ao “Nacional-Desenvolvimen-
às flutuações inerentes à conjuntura, mas tismo” para designar o projeto varguis-
formulada em consonância a uma pre- ta, mais nacionalista e com proposta de
tensão de interferência em seu curso, em incorporação dos trabalhadores urbanos
pela legislação trabalhista e previdenciá- ria espontaneamente ou, per si, como re-
ria, e o “Desenvolvimentismo-Associado” sultado de mecanismos automáticos de
ou “internacionalizante” iniciado por Ku- mercado; exigiriam ações indutoras, por-
bitschek e cuja consolidação teria ocorri- tanto fruto de decisões políticas. Esta po-
do com os governos militares após 1964. litização da economia, em substituição
Todavia, em quaisquer de seus matizes, o aos mecanismos normais de mercado,
desenvolvimentismo só pode ter sentido mas sem necessariamente chocar-se com
se há a percepção, por parte dos agentes ele ou propor extingui-lo – posto que se
econômicos e dos atores sociais e políti- trata de desenvolvimento capitalista –
cos, da existência do subdesenvolvimento. afasta o desenvolvimentismo do libera-
Trata-se, portanto, não de fenômeno so- lismo em todos seus matizes, inclusive
mente adstrito ao campo das ideias, mas do neoliberalismo (a lembrar a oportuna
com contornos de um programa de ação observação de Michel Foucault, para
para reverter determinado status quo con- quem este, menos que suprimir o Estado,
siderado não desejável; no caso, o atraso revela-se como uma prática governamen-
ou subdesenvolvimento, com todas as de- tal voltada a impor a regulação do mer-
corrências que podem ser a eles associa- cado como princípio regulador da socie-
das: baixa produtividade, desperdício de dade). Na justificação de si mesmo, como
recursos, miséria, disparidades regionais e toda boa ideologia, o desenvolvimento
dependência externa. torna-se variável necessária – e, em ver-
Entendido dessa forma, quer-nos sões mais radicais, suficiente – para se
parecer que não haveria impedimento a atingir a um fim almejável. No limite, es-
priori para que o ideário desenvolvimentis- te se constituiria na razão de ser do pró-
ta voltasse à cena, uma vez que as próprias prio governo, a qual aponta para uma
condições históricas que lhe originaram utopia a ser construída e permeada de va-
não foram superadas. Sua viabilidade, to- lores de forte apelo, como igualdade, ra-
davia, mesmo com as necessárias confor- cionalidade, justiça social e soberania.
mações a uma nova realidade, a qual lhe Na ideologia desenvolvimentista, o de-
poderia sugerir uma nova forma, não pres senvolvimento justifica-se a si mesmo.
cinde da exigência de que haja consciên- Assim, sem a presença de inten-
cia e disposição por parte das elites diri- ção deliberada de políticas voltadas a um
gentes de implementar um conjunto de fim explícito e de um pacto político ca-
mudanças. Este, por suposto, não brota- paz de lhe dar sustentação, dificilmente
11
As mudanças ocorridas no como “desenvolvimentismo o aprofundamento da crise à demanda agregada, as
governo Lula e as dificuldades acidental”, assinalando que, evidencia preocupação com o quais são aceitas pelo saber
de se afirmar claramente com a crise de 2008 e o crescimento, mas sempre resta econômico convencional
a existência de um projeto recuo dos bancos privados a indagação se cabe interpretá- e implantadas mesmo por
desenvolvimentista são objeto na concessão de crédito la como vinculada a um governos conservadores.
de debate hoje não só no meio imobiliário e à indústria, o projeto desenvolvimentista,
acadêmico e empresarial, mas bancos estatais chegaram posto que política anticíclica,
também na mídia e, com a responder por 80% do ou seja, resposta a uma
isso, aparecem expressões aumento de estoque de conjuntura adversa. Por isso,
para designar didaticamente crédito; no final de 2011, os a rigor, “desenvolvimentismo
o fenômeno. Por exemplo, bancos públicos perfaziam acidental” é uma contradição
Freire (2011, B4) refere-se à 43,5% dos empréstimos. em termos, pois confunde
“virada ‘neodesenvolvimentista’ Claro que essa atitude ágil do projeto de longo prazo com
de Lula” e o qualifica governo brasileiro de impedir medidas tópicas de fomento
garantiu a base para a reeleição do presi- tezas associadas ao processo eleitoral fize-
dente Fernando Henrique Cardoso, foi ram com que a taxa de câmbio disparas-
dando lugar à estagnação econômica, à se, com uma desvalorização nominal de
deterioração do mercado de trabalho e ao 60% entre janeiro e outubro de 2002. O
aprofundamento dos passivos fiscal e ex- pass-trough cambial operou de forma rá-
terno. É nesse contexto sócio-econômico pida, e tanto a inflação anualizada quan-
que ocorreu a eleição do presidente Lu- to as expectativas de inflação futura sina-
ís Inácio Lula da Silva. Tendo de admi- lizavam uma trajetória explosiva. Havia
nistrar uma profunda crise, potencializa- um temor generalizado na volta da inde-
da pelas incertezas da transição política, xação e no descontrole macroeconômico
o novo governo optou, inicialmente, por (Williamson, 2002, Goldstein, 2003, OE-
manter as diretrizes de política econômi- CD, 2009, IPEA, 2009a).
ca herdadas do período anterior. Qualquer novo governo que assu-
A análise dos parágrafos anteriores misse em tais condições muito provavel-
sugere que a combinação da estabilização mente teria como prioridade, ao menos
monetária com reformas estruturais libe- no curto prazo, o retorno à “normalida-
ralizantes logrou êxito no enfrentamen- de”, mesmo que isso implicasse na ado-
to do quadro de inflação crônica do país ção de medidas fiscais e monetárias forte-
e, em certa medida, na modernização da mente contracionistas. No caso concreto
estrutura produtiva. Todavia, às vésperas do Brasil, o governo recém eleito conta
das eleições de 2002, o Brasil havia acu- va com uma significativa desconfiança
mulado significativos desajustes nos seus do mercado financeiro internacional. A
estoques de dívida pública e externa. A campanha eleitoral havia acirrado os âni-
dívida líquida do setor público já estava mos políticos. Isto levou o então candi-
acima de 50%17 do PIB, tinha seu prazo de dato de oposição a uma intensa busca de
maturação encurtado cada vez mais (com apoio junto ao setor privado. Símbolo
um giro médio inferior a três anos), apre- disso foi a elaboração, na reta final da 17
As informações estatísticas
sentava um custo de carregamento de cer- campanha, da “Carta ao Povo Brasileiro”, primárias deste e dos
ca de 8% do PIB (juros nominais sobre a uma afirmação de compromissos com a parágrafos subsequente são
dívida) e terminou o ano de 2002 com manutenção da estabilidade econômica provenientes de OECD (2009),
Ministério da Fazenda
um perfil de indexação em que os títulos e o respeito aos contratos. Observado- (2010 e 2011) e IPEADATA
atrelados à variação cambial respondiam res contemporâneos passaram a observar (www.ipeadata.gov.br, último
por 1/3 da dívida total. Ademais, as incer- que a chegada ao poder do principal líder acesso em 15/05/2012).
da “esquerda” brasileira nas últimas três o primeiro governo Lula logrou reverter
décadas e, mais importante, da manuten- as expectativas pessimistas, particular-
ção de um conjunto amplo de políticas e mente dos operadores dos mercados fi-
de contratos, representou a consolidação nanceiros, com impactos positivos sobre
da transição democrática pós-regime mi- a trajetória da inflação e o gerenciamen-
litar. No plano econômico, tal continui- to da dívida pública. Todavia, manteve-
dade significou uma (terceira) etapa do -se o quadro de crescimento inferior ao
processo de estabilização iniciado com o verificado na média mundial. A partir de
Plano Real. 2003, a conjuntura externa excepcional-
É no contexto de uma transição mente favorável contribuiu decisivamen-
complexa e em meio às pressões financei- te para a correção dos desequilíbrios ex-
ras geradas pela desconfiança dos credo- ternos e fiscais.
res é que se deve analisar as opções e es- Os resultados em conta corrente
tratégias de “continuidade” a despeito das passaram a ser superavitários (Ministério
críticas prévias contra as políticas econô- da Fazenda, 2010 e 2011), comandados por
micas do governo Cardoso. A montagem recordes sucessivos na balança comercial –
da equipe econômica do governo Lula e de um déficit médio de US$ 1,1 bilhão en-
o anúncio das primeiras medidas revela- tre 1995 e 2002, passou-se a um superávit
ram o esforço de manutenção do status acima de US$ 30 bilhões por ano, na “Era
quo. No plano econômico, o enfrenta- Lula” 18. A relação dívida líquida do setor
mento da “crise de credibilidade” deu- público/PIB recuou19, tendo o perfil de fi-
-se pelo aperto na política monetária e nanciamento melhorado, pela menor ex-
fiscal. Com seu conservadorismo inicial, posição à variação cambial e aos títulos
18
Para se colocar em 198 bilhões e US$ 161 bilhões. média, 15,6% a.a.. Todavia, PIB. Com a crise financeira
perspectiva, em 1990 o Brasil Assim, a corrente de comércio as exportações cresceram de as projeções de mercado
exportou US$31 bilhões e saltou de US$ 52 bilhões forma ainda mais intensa: são de uma ampliação neste
importou US$ 21 bilhões. Em para US$ 359 bilhões. Neste 16% a.a. indicador para o período
1995, tais montantes eram movimento, nos anos FHC 19
Em 2002 este indicador era 2009-2001, para algo em torno
de, respectivamente, US$ 47 as importações cresceram, de 51,3%, chegando a 53,5% de 40% do PIB. Depois de
bilhões e US$ 50 bilhões Em em média, 6,2% a.a., contra em 2003. Depois de 2004 2012 haveria novo recuo (IPEA,
2002 , de, respectivamente, os 4,4% de crescimento das verificou-se uma tendência 2009, IMF, 2009a, e Relatório
US$ 60 bilhões e US$ 47 exportações. Na era Lula, as de queda, de modo que, em de Mercado Focus, em
bilhões. E, em 2008, de US$ importações avançaram, em 2008 a DSLP era de 38,8% do 06/11/2009 – www.bcb.gov.br).
21
Em outubro de 2009, a acesso em novembro de 2009). a configuração da economia um importante dinamismo
taxa real de juros era de 5,4%. 22
No começo dos anos mundial. Desde então, a econômico no conjunto dos
Na média 2006-2009 ela foi 2000, economistas do atenção de acadêmicos, países periféricos, sinalizavam
de 7,4%; entre 2004 e 2005, Departamento de Pesquisa analistas de mercado e para uma nova conformação
era de 11,5%; entre 2000 e do banco Goldman Sachs tomadores de decisão nas do fenômeno da globalização,
2003, 14,9%; e, entre 1996 e introduziram no jargão esferas oficial e privada tem com o aumento do poder
1999, 18,4% (“O Brasil Saindo financeiro o acrônimo BRICs se concentrado, cada vez mais, relativo da periferia (Goldman
da Crise”, apresentação do (de Brasil, Rússia, Índia e nas potências emergentes Sachs, 2007, National
Diretor do Banco Central China) para designar quatro do século XXI. Mais do que Intelligence Council, 2005 e
do Brasil, Mário Torós, em países cujo potencial de uma promessa, a ascensão 2008, Maddison, 2007).
outubro de 2009 - http://www. crescimento ao longo do dos BRICs, dos “Next 23
Ver Arestis e De
bcb.gov.br/?APRESPRONUNC , século XXI tenderia a alterar Eleven”, e a recuperação de Paula (2008).
ticos com a inclusão do Brasil nesta ca- ta”, ambas com “núcleos duros analíticos
tegoria de potência econômica em ascen- distintos (...), portanto, ontologicamen-
são. Até porque havia dúvidas justificáveis te conflitivas” (p. 53). Todavia, a despei-
sobre a capacidade de o país deixar para to dos sinais da conjuntura, vários auto-
trás quase três décadas de semi-estagna- res apontam para as dificuldades de uma
ção e não seria a primeira vez que se frus- retomada mais consistente e robusta sem
traria a promessa de superação do subde- que o país enfrente alguns problemas crô-
senvolvimento e, assim, de alinhamento nicos, como a crise da previdência, a alta
com os parâmetros de desenvolvimento carga tributária e o assistencialismo, por
econômico e social dos países avançados. exemplo. Esses se aguçaram após o fim do
Esta caracterização do desempe- regime militar, com a universalização de
nho recente da economia brasileira à luz políticas públicas consagrado pela Cons-
da perspectiva histórica precisa ser con- tituição de 1988, implementada na déca-
frontada com as distintas interpretações da de 1990 e ampliada pelo governo Lu-
dos analistas. Isto é retomado na próxima la. Autores como Pinheiro e Giambiagi
seção, mantendo-se o eixo de contribui- (2006) ilustram este ponto de vista. Em
ção do presente artigo que é o de tentar sua interpretação, os programas volta-
identificar se há elementos na experiência dos à redistribuição de renda, ao invés de
contemporânea que façam eco ao desen- colaborarem para o crescimento, o difi-
volvimentismo pretérito. cultam: “o modelo de aumento simultâ-
neo do gasto público e da carga tributá-
ria que caracterizou a economia brasileira
4_Considerações finais: em 1991-2005 (...) reduz a eficiência e o
retorno ao desenvolvimentismo? potencial de crescimento” (p. XV). O pa-
Não há dúvidas de que hoje há sinais mais ís – a exemplo de outros da América La-
nítidos de crescimento da economia bra- tina – apresentaria propensão histórica ao
sileira em comparação com alguns anos populismo e ao assistencialismo; todavia,
atrás. Isto levou autores como Erber este não colabora para melhorar a distri-
(2011) assinalarem que no governo Lula buição de renda – ao contrário, é empo-
coexistem duas “convenções’ ou visões de brecedor (p.60). Para tanto, apoiam-se
mundo, uma “institucionalista restrita”, em autores como Ricardo Paes e Barros,
de caráter mais ortodoxo, e outra deno- autor de parábola segundo a qual “se um
minada por ele de “neodesenvolvimentis- helicóptero jogasse dinheiro do céu, o ato
poderia ter mais eficácia para diminuir a como é razoável supor à luz de diferen-
pobreza do que muitos gastos ditos so- tes modelos teóricos e experiências his-
ciais que o país faz” (p.77), e Adelman tóricas –, daí não se segue que per si con-
(2000), para quem transferências compen- siga explicar o desempenho mais recente
satórias são uma alternativa cara e pou- e o cenário positivo delineado por vários
co eficazes para encaminhar uma solução analistas para o Brasil para os próximos
duradoura às desigualdades sociais. anos, principalmente sua posição relativa
Para esses autores, que exemplifi- no contexto internacional a partir da cri-
cam uma parcela importante do pensa- se de setembro de 2008, bastante confor-
mento contemporâneo sobre este conjun- tável em comparação com outros países.
to de temas, o principal fator explicativo No caso, tudo sugere que as medidas “as-
do crescimento no período mais recente sistencialistas” não têm sido inócuas, pois
é a estabilidade econômica, ou seja, o fa- vêm apresentando impacto não desprezí-
to de o governo Lula, a despeito do assis- vel na redução da pobreza e na alteração
tencialismo, ter mantido as linhas gerais da distribuição de renda, como se mos-
da política econômica de matiz ortodo- trou anteriormente; e estas, ao contrário
xo do governo F. H. Cardoso (metas de de barrar o crescimento, têm-se mostrado
inflação, altas taxas de juros, câmbio va- como fator propulsor. Nessa direção tam-
lorizado, superávit primário). Este argu- bém argumenta Soares (2010), para quem
mento, não obstante, deve ser visto com a queda gradual e consistente do coefi-
precaução, à luz dos dados mais recentes, ciente de Gini entre 1995 e 2006 se deve a
principalmente relativos à demanda in- uma série de políticas de transferências e
terna. De um lado, não há o que questio- também de aumento do salário mínimo,
nar quanto à dificuldade de compatibili- revertendo uma tendência histórica que,
zar crescimento econômico e retomada se mantida por mais tempo e incremen-
de investimentos, públicos e privados, de tada por outras medidas, como tributá-
um lado, e a permanência do descontrole rias, de diminuição das desigualdades ra-
inflacionário presente na economia bra- ciais, regionais e educacionais, poderiam
sileira na década de 1980 e controlado a levar o país a um patamar semelhante a
partir do Plano Real. Todavia, se a insta- alguns países hoje considerados como de
bilidade macroeconômica apresenta cor- ótimo padrão de distribuição.
relação negativa com crescimento – con- Em vista disso, é bastante discutí-
figurando-se como um fator impeditivo, vel associar a conjuntura da última déca-
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