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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA


ISABELA ALBUQUERQUE LEAL

O MOVIMENTO FEMINISTA NEGRO NO BRASIL E AS CONTRIBUIÇÕES DE


DAVIS, WALKER, HOOKS E ADICHIE NA BUSCA PELA IGUALDADE DAS
MULHERES NEGRAS

CURITIBA
2018
2

ISABELA ALBUQUERQUE LEAL

O MOVIMENTO FEMINISTA NEGRO NO BRASIL E AS CONTRIBUIÇÕES DE


DAVIS, WALKER, HOOKS E ADICHIE NA BUSCA PELA IGUALDADE DAS
MULHERES NEGRAS

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau em Bacharel em Relações
Internacionais do Centro Universitário Curitiba

Orientadora: Janiffer Zarpelon

CURITIBA
2018
3

ISABELA ALBUQUERQUE LEAL

O MOVIMENTO FEMINISTA NEGRO NO BRASIL E AS CONTRIBUIÇÕES DE


DAVIS, WALKER, HOOKS E ADICHIE NA BUSCA PELA IGUALDADE DAS
MULHERES NEGRAS
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau em Bacharel em Relações
Internacionais do Centro Universitário Curitiba, pela banca examinadora formada pelos
professores:

Orientador: ________________________
________________________
Prof. Membro da Banca
________________________
Prof. Membro da Banca

Curitiba, de Dezembro de 2018


4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, pois me deu força e sabedoria


para que eu pudesse completar essa fase da vida, que só Ele sabe, não foi fácil.
Gostaria de expressar meu sincero “muito obrigada” aos meus pais, Mara e
Saul, que estiveram ao meu lado o tempo todo, independentemente de qualquer coisa.
Foram capazes de me aguentar por tantos dias de estresse pela correria cotidiana, do
início ao final do curso, e ainda assim, me direcionaram muitas palavras de amor e
apoio, como também diversas vezes me chamaram atenção e me aconselharam
quando necessário.
Sinto como meu dever, também deixar registrado meu imenso amor e
saudades pela minha querida avó, Maria, que tenho certeza que está olhando por
mim. Tenho esperança de que a tenha deixado orgulhosa de quem estou me tornando,
pois, parte da minha criação, foi feita por ela.
Agradeço também aos meus amigos que durante esses quatro anos de
graduação, foram exemplos de companheirismo, tanto nos vários seminários e
trabalhos em grupo, tantas simulações da ONU que fizemos contando com discussões
em sala em que proporcionava muita troca de conhecimento, quanto também à
parceria nos intervalos das aulas e festas, que sempre resultavam em muitas risadas
e histórias nos diversos momentos onde podíamos relaxar e deixar de lado as
preocupações da faculdade.
Por fim, reconheço e sou muito grata à colaboração da minha professora
orientadora Janiffer Zarpelon, que sempre esteve disposta, através de seu
conhecimento, a me aconselhar e auxiliar quando precisei. Eterna gratidão a essa
maravilhosa internacionalista e feminista que tanto admiro e me identifico.
5

“Eu não sou livre enquanto alguma mulher


não o for, mesmo quando as correntes dela
forem muito diferentes das minhas.”

Audre Lorde
6

SUMÁRIO

RESUMO.....................................................................................................................7

ABSTRACT................................................................................................................ 8

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................9

2. HISTÓRICO DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS NO AMBIENTE


INTERNACIONAL......................................................................................................11

2.1 PRIMEIRA ONDA DO FEMINISMO...........................................................................13


2.2 SEGUNDA ONDA DO FEMINISMO...........................................................................15
2.3 TERCEIRA ONDA DO FEMINISMO..........................................................................17

3. INFLUÊNCIAS DO FEMINISMO NEGRO.................................................................21

3.1 ANGELA DAVIS - MILITÂNCIA E “INTERSECIONISMO”.........................................21


3.2 ALICE WALKER – “O MULHERISMO ESTÁ PARA FEMINISTA ASSIM
COMO A PÚRPURA ESTÁ PARA A LAVANDA........................................................25
3.3 BELL HOOKS – ENFOQUE NO CONTEÚDO E NÃO EM SUA
PESSOA.....................................................................................................................27
3.4 CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE – NÃO É APENAS UMA ÚNICA
HISTÓRIA...................................................................................................................30

4. O MOVIMENTO NEGRO FEMINISTA NO BRASIL E PELO


MUNDO......................................................................................................................34
4.1 HISTÓRIA E PROCEDÊNCIA....................................................................................34
4.2 O PRECONCEITO EM DADOS E NÚMEROS..........................................................36
4.3 MOVIMENTOS NO BRASIL E TENTATIVA DE MELHORAR A SUA IMAGEM
INTERNACIONAL......................................................................................................38

5. CONSIDERAÇÕES
FINAIS........................................................................................................................43

REFERÊNCIAS..........................................................................................................45

.
7

RESUMO
Trata-se de uma pesquisa acerca das contribuições de Davis, Walker, hooks e Adichie
na busca pela igualdade das mulheres negras frente ao movimento feminista. A fim
de expandir as discussões e debates em torno do feminismo negro, serão expostos
também dados e números que comprovem a divergência entre a violência para com
as mulheres brancas e negras brasileiras. Desde a história do feminismo e seus
conseguintes anos e evoluções, até os dias atuais no Brasil, será descrito o
surgimento do termo “feminismo” e em como influenciou milhares de mulheres ao
redor do mundo para que se levantassem contra a injustiça e desigualdade cotidiana
e nas lutas das mulheres negras brasileiras, que sofrem mais preconceito e violência
do que mulheres brancas.

Palavras-chave: feminismo, mulher negra, Brasil, movimentos sociais e igualdade.


8

ABSTRACT
It is a research about the life of black women within Brazilian society and their position
on what they have suffered since ancient times, in a slave period, but which lasts until
the present day. Also, with the aim of amplifying the knowledge about this specific
subject, the thoughts and characteristics of four influential black female feminists of
history will be exposed. In order to expand the discussions and debates surrounding
black feminism, data and figures will also be exposed to prove the divergence between
violence toward Brazilian white and black women. From the history of feminism and its
achievements and evolutions to the present day in Brazil, the emergence of the term
"feminism" will be described and how it has influenced thousands of women around
the world to rise up against injustice and daily inequality and in the struggles of
Brazilian black women, who suffer more prejudice and violence than white women.

Keywords: feminism, black women, Brazil, social movements and equality.

1. INTRODUÇÃO
9

É notável que as discussões sobre feminismo estejam entrando em grande


vigor nos últimos tempos, o que é muito importante, pois para que haja um avanço e
conquistas, é necessário que as pessoas falem sobre isso. O presente estudo irá
destacar diferentes ângulos e opiniões sobre o feminismo negro, para que assim, haja
a oportunidade daquele que estiver lendo, ser capaz de analisar e ter uma opinião
formada através daquilo que foi exposto e discutido no decorrer do desenvolvimento
do trabalho.
Temos, na atualidade, pessoas expressando suas opiniões com relação ao
feminismo, entretanto, muitas são movidas por informações que não são verídicas e
foram passadas através de redes sociais, por exemplo.
O objetivo principal do presente trabalho é demonstrar a importância de colocar
o movimento negro feminista em cima da mesa, para que possamos debater em como
as mulheres negras, além de terem de lutar contra o machismo patriarcal, devido ao
fato de serem injustiçadas por serem mulheres, ainda têm que se preocupar em um
combate contra a discriminação resultante de sua raça.
Para chegar a um resultado, foram utilizadas pesquisas bibliográficas como
artigos acadêmicos, livros, dados e gráficos para que as informações fossem
passadas com propriedade. Através de uma pesquisa baseada em estudos, análise,
registro e ilustração de fatos, pode-se caracterizar em uma metodologia descritiva
qualitativa, que tem como objetivo, apresentar um estudo detalhado, com coleta de
dados, análise e interpretação dos mesmos.
No primeiro capítulo, será exposta a história do feminismo como termo, seu
surgimento, suas fases e evoluções. A forma como será abordado, trará toda a
trajetória do feminismo como movimento social que defende a causa das mulheres, a
fim de informar que a principal caraterística é, de fato, a luta pela igualdade de gêneros
(homens e mulheres), e consequentemente pela participação da mulher na sociedade.
É importante ressaltar que a cultura, querendo ou não, está alicerçada dentro
de uma sociedade patriarcal, que se encontra focada na dominação masculina. O
homem sempre foi aquele que possui privilégios em relação às mulheres, que ainda
são chamadas equivocadamente de “sexo frágil”. Desta forma, iremos compreender
que a partir do momento em que as mulheres começam a perceber que podem ter um
papel mais valorizado dentro da sociedade, os grupos feministas vão começar a
10

crescer de maneira considerável, para destacar cada vez mais o empoderamento


feminino.
No segundo capitulo, será possível conhecer um pouco sobre algumas de
feministas negras muito influentes, e são elas Angela Davis, Alice Walker, bell hooks
e Chimamanda Ngozi. Com o objetivo de compreender e analisar as visões e
contribuições destas militantes, poderá notar que todas tiveram um papel importante
na história do feminismo negro, pois foram capazes de expressar suas opiniões para
o mundo através de suas obras e pronunciamentos relacionados ao poder feminino
(ou a falta dele, no caso).
Cada uma se expressa de maneira diferente, viveu sua vida de forma diferente
e teve suas experiencias e declarações divergentes, portanto, é possível que haja uma
conexão um pouco maior com alguma especifica.
O terceiro, mas não menos importante último capítulo, irá analisar e
exemplificar dados disponibilizados por órgãos contribuintes do assunto e fatos
ocorridos no Brasil para uma melhor ilustração e comprovação sobre a injustiça e
violência contra as mulheres negras brasileiras.
Devido aos dados e informações que foram pesquisadas a fundo e dadas como
comprovadas, é viável que haja uma confirmação por parte de quem está lendo, da
situação que as mulheres negras no Brasil se encontram decorrentes da forma como
são tratadas. Além de que se pretende exemplificar a imagem do Brasil para com os
demais países, e a forma que somos visto no cenário internacional.

2. Histórico dos movimentos feministas no ambiente internacional


11

O feminismo ainda é visto como um tabu na sociedade em que vivemos, no


qual alguns homens podem relacionar essa palavra a algo maléfico para aqueles que
a adotam em seu estilo de vida. Se formos pesquisar sobre o que é a palavra
feminismo, (do francês féminisme) literalmente falando, significa a igualdade de
direitos entre homens e mulheres.
Desta forma, em uma sociedade patriarcal, a ideia de mulheres obterem os
mesmos direitos que os homens, podem ser algo de certa forma ameaçador. É um
movimento que surgiu no século XIX, e visava (ainda visa) o combate da desigualdade
de direito entre os dois sexos, em todos os aspectos, social, político, econômico, etc.
Assim, este capitulo abordará sobre o histórico dos movimentos feministas no
ambiente internacional, destacando a primeira, segunda e terceira onda. Deve ser
realçado que antes da primeira onda, ocorreram alguns atos por parte de algumas
mulheres a fim de reivindicar a igualdade das mulheres onde as mesmas viviam, mas
estes atos foram mais isolados e não foram ações coletivas como as ondas.
No século XVIII, Olympe de Gouges (1748-1793), publicou artigos que estavam
relacionados à mulher e a sua representação na política, após a Revolução Francesa.
Entre elas, uma importante contribuição para a história do feminismo, a chamada
“Déclaration desdroits de la femme et de lacito yenne”. (Declaração dos direitos da
mulher e da cidadã, 1971).
Gouges (1971) expõe alguns pontos e situações que deveriam ser alteradas de
acordo com essa nova Declaração, com relação a igualdade no casamento, a mulher
dentro da política e afirmando como ilegítima qualquer ordem constitucional que não
se baseie também no consentimento e participação política ativa das mulheres. Ela
foi julgada e executada em 1973, mas antes de sua morte, teria afirmado ainda que
“a mulher tem o direito de subir ao cadafalso,1 ela deve ter igualmente direito de subir
à tribuna” (Declaração dos direitos da Mulher e da Cidadã).2
No prefácio da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de 1971, com
o objetivo de chamar a atenção de todos para esse tema, que na época era

1Estrutura usada para a execução por enforcamento.


2Verartigo 10, Declaração dos direitos da Mulher e da Cidadã: “Ninguém deve ser molestado por
suas opiniões, mesmo que sejam de princípio; a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; mas ela
deve igualmente ter o direito de subir à tribuna, contanto que suas manifestações não perturbem a
ordem pública estabelecida pela lei.”
12

dificilmente discutido na política, quis de forma tornar as mulheres mais visíveis, pois
mal tinham o direito de votar, fazendo sua aparição política então ser praticamente
nula.

As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, reivindicam


constituírem-se em Assembleia Nacional. Considerando que a
ignorância, o esquecimento ou o menosprezo dos direitos da mulher
são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no
governo, resolveram expor, em uma declaração solene, os direitos
naturais inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta
declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo
social, lhes lembre sem cessar os seus direitos e os seus deveres;
que, sendo mais respeitados, os atos do poder das mulheres e os atos
do poder dos homens possam ser a cada instante comparados com o
objetivo de toda instituição política; e que as reivindicações das
cidadãs, fundamentadas doravante em princípios simples e
incontestáveis, sempre respeitem a constituição, os bons costumes e
a felicidade de todos.(A Declaração dos Direitos da Mulher e da
Cidadã, 1791).3

Este documento foi encaminhado diretamente para a Rainha francesa, com o


propósito de ser direcionado a Assembleia Nacional da França, para obter aprovação
para que as mulheres pudessem ter maior abertura de participação dentro do cenário
político. Entretanto, foi vista como uma ironia em cima da Declaração de direito dos
homens e cidadãos e acabou não sendo aprovada.

2.1 Primeira Onda do Feminismo

3 “Les mères, les filles, les sœurs, représentantes de la Nation, demandent d'être constituées en
Assemblée nationale ; considérant que l'ignorance, l'oubli ou le mépris des droits de la femme, sont
les seules causes des malheurs publics et de la corruption des gouvernements, ont résolu d'exposer,
dans une déclaration solennelle, les droits naturels, inaliénables et sacrés de la femme, afin que cette
déclaration, constamment présente à tous les membres du corps social, leur rappelle sans cesse
leurs droits et leurs devoirs, afin que les actes du pouvoir des femmes, et ceux du pouvoir des
hommes pouvant être à chaque instant comparés avec le but de toute institution politique, en soient
plus respectés, afin que les réclamations des Citoyennes, fondées désormais sur des principes
simples et incontestables, tournent toujours au maintien de la Constitution, des bonnes mœurs, et au
bonheur de tous.” traduçãofeitapor José SelvinoAssman.
13

O movimento feminista começou com mulheres de classe média alta, no Reino


Unido, e claro, brancas. Foi em decorrência do direito pelo voto em um âmbito
sufragista, em que lutavam pelo papel representativo da mulher no cenário político,
que, como já informado aqui, era completamente nulo.
Através de questionamentos sobre o lugar onde as mulheres se encontram
dentro do âmbito político, por exemplo, pode-se afirmar que a corrente do movimento
feminista advém principalmente das teorias liberais clássicas. Teoria esta, que se
preocupa com "resolver desigualdades de gênero através de medidas exclusivamente
políticas e, ou, legais - para refletir sobre como o não lugar das mulheres se associa
a um imaginário político de gênero social e historicamente construído: o masculino
como forte, poderoso, autônomo e racional; o feminino como fraco, ingênuo, incapaz
e até mesmo ‘antipatriótico’." (TICKNER, 1992, p. 2).
Apesar das tentativas de mudanças, no início do século XIX, a mulher ainda
não tinha conquistado o direito de voto e nem a mínima representação no meio
político. Esse contexto vai gerando uma revolta entre a população feminina, que se
viu injustiçada, pois haviam apenas homens nesse campo e a mulher era vista apenas
como quem deveria cuidar da casa e dos filhos, sem nenhum poder de
representatividade para seu país ou sociedade.
Para que houvesse uma garantia de participação da mulher na sociedade com
direito na política, foram dadas então algumas iniciativas femininas para que isso
fosse colocado no papel em forma de lei e conquista. Ao fim do século XIX, há uma
promoção aos direitos políticos, em que visava a luta pelo direito de votar e ser votada.
Bem como os direitos contratuais, direito a propriedade e o fim dos casamentos
arranjados.
No Reino Unido, um grupo de manifestantes ficou conhecido como as
“sufragetes”, devido seus protestos em prol do direito da mulher. Mulheres foram
presas diversas vezes, fizeram greve de fome e uma feminista chamada Emily
Davison se atirou na frente do cavalo do rei em uma famosa corrida de Derby em
1913, e acabou falecendo. Um tempo depois, em 1918, o direito ao voto feminino foi
conquistado.
No ano de 1909, foi comemorado o primeiro dia dedicado às mulheres, devido
à tragédia ocorrida em Nova Iorque, mas apenas em 1977 foi quando a ONU
reconheceu o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem
14

àquelas que haviam morrido na luta em prol dos seus direitos (Organização das
Nações Unidas).4
O movimento sufragista se mostrou bem forte nessa época, ainda mais com a
luta incessante das mulheres pelos seus direitos. De acordo com Conceição
Nogueira5, esse movimento pode ter sido um impulso para que se iniciasse um
movimento denominado movimento feminista que teria cada vez mais destaque a
partir daquele momento.
Apesar de ter sido um assunto inserido no meio brasileiro, este foi feito bem
tardio, com relação a Europa e os Estados Unidos. Em 1910, este assunto teve sua
primeira aparição de modo mais forte, devido a professora do Rio de Janeiro, Leolinda
Daltro que criou o Partido Republicano Feminino, na intenção de adquirir o direito ao
voto, assunto que não era tratado desde 1891, na chamada Assembleia Constituinte.
Além disso, tivemos uma importante personalidade feminista no Brasil
chamada Bertha Lutz6, que teve forte atuação nos anos de 1930, quando redigiu a
nova Constituição em 1932, levando a discussões nos comitês que resultariam em no
sufrágio feminino. Desta forma, foi finalmente instituído no Brasil o direito do
recebimento de votos, ou seja, a mulher poderia se eleger aos cargos políticos, além
também de exercer o direito de eleger os seus representantes (Constituição Brasileira,
1934).7
De acordo com o site United States Department of Labor, um grande
acontecimento que ocorreu no dia 25 de março de 1911, foi o grande incêndio em
uma fábrica, a chamada Triangle Shirtwaist, que ficava em Nova Iorque.
Diferentemente de qualquer outra fábrica, nesta, por sua vez, trabalhavam várias
mulheres que decidiram se impor e organizar uma greve para que tivessem melhores
condições de trabalho, o qual ganhavam cerca de $15 por semana.
A porta principal para saída estava trancada e havia apenas um elevador para
uso das mulheres. Os andares 8º, 9º e 10º foram incendiados, e devido as poucas
maneiras de escapar e uma falha tentativa de resgate por meio dos bombeiros,

4
Informação retirada do site da Organização das Nações Unidas, disponível em
http://www.un.org/en/events/womensday/history.shtml
5 Conceição Nogueira do Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Campus de

Gualtar, Portugal.
6Bertha Maria Julia Lutz foi uma bióloga brasileira especializada em anfíbios, pesquisadora do Museu

Nacional. Foi uma das figuras mais significativas do feminismo e da educação no Brasil do século XX.
7 Art. 2 da Constituição Federal Brasileira de 1934, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm
15

acabou resultando em 146 mulheres mortas naquele dia. (Ocupational safety and
health administration) 8

2.2 Segunda Onda do Feminismo

Esta onda que será tratada agora, surge após a Segunda Guerra Mundial e vai
até o final dos anos 60. O foco neste período foi a liberdade da mulher em suas
escolhas com relação ao seu corpo, e o pensamento se baseia no que se dizia
respeito o prazer, a maternidade (ou o simples fato de não desejar ser mãe), a
violência dentro de casa, etc. O feminismo desse momento “deu prioridade às lutas
pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado – entendido como o poder dos
homens na subordinação das mulheres” (PEDRO, 2005, p. 79).
Durante a Segunda guerra Mundial, os homens foram às guerras e as mulheres
estavam sendo chamadas para trabalhar em seus cargos. Desta forma, começaram
a exigir um melhor salário, melhores condições para seus filhos, que agora ficavam
em casa sem nenhum cuidado.
Olsen (1995) defende fortemente que o poder do Estado deveria se limitar ao
que se trata de uma intervenção direta inserida no interior da vida familiar, além de
que não há nexo nessa ação por parte deste ator do cenário privado.
Um importante termo que surge foram as palavras de ordem “pessoal é político”
e significavam afirmações de que questões como o aborto, a violência doméstica e
sexual contra a mulher, eram assuntos invisíveis aos olhos do público, e alterar a
forma como esses assuntos estavam sendo tratados (ou no caso, não estavam) seria
um dos objetivos dessa segunda geração.
Outro grande marco para o feminismo de segunda onda, foi o livro intitulado “A
Mística Feminina” de Betty Friedan9 (1963), que desvenda os mitos em que é
determinada a função da mulher em relação ao homem. O papel da mulher foi inserido
na sociedade através de uma relação com o natural, aquele que vinha desde sempre.
Enquanto a mulher, como progenitora, deveria ficar em casa cuidando dos filhos e
internamente, o homem teria o papel de trabalhar no externo.

8 Occupational safety and health administration, Disponivel em:


https://www.osha.gov/oas/trianglefactoryfire-account.html
9 Betty Naomi Goldstein foi uma importante ativista feminista e escritora estadunidense do século XX.
16

“A mística feminina afirma que o valor mais alto e o compromisso único da


mulher é a realização de sua feminilidade” (FRIEDAN, 1971, p. 40). A escritora, um
pouco além dessas palavras, demonstra uma alteração de pensamento, ao que cita

O erro, diz a mística, a raiz do problema feminino no passado, é que


as mulheres invejavam os homens, tentavam ser como eles, em lugar
de aceitar sua própria natureza, que só pode encontrar realização na
passividade sexual, no domínio do macho, na criação dos filhos, e no
amor materno. (FRIEDAN, 1971, p 40).10

O que acontecia era que a mulher era educada por sua mãe (que já foi educada
anteriormente da mesma forma), devendo ser submissa, delicada, frágil e indefesa,
enquanto seu irmão, provavelmente seria ensinado a ser violento, ágil, e com muito
mais incentivo à trabalhos que poderiam requerer de um raciocínio lógico.
Pode-se observar também que o “feminino” e o “masculino” foram impostos na
sociedade através dos tempos, muito mais através de cultura, colocado para as
pessoas. Desta forma, muitas mulheres se veem em uma posição de submissão para
com os homens, não necessariamente por acharem que são menores ou inferiores a
este, mas principalmente porque já lhes foi imposto que o lugar que elas estão deve
ser o lugar que permanecerão até o fim dos tempos.

Os partidários mais extremistas da escola patriarcal são geralmente


conservadores, que em virtude dos seus argumentos afirmam que o
patriarcado é a forma original e «natural» da sociedade, e que os
desvios em relação a esta posição (sejam eles aconselháveis ou não)
não são mais do que incidentes, e incidentes deliberados. Isto implica
que qualquer modificação é uma concessão à civilização moderna ou
aos «novos valores sociais», e que, sendo radical, tornar-se-ia
perigosa (MILLET, 1970, P. 17)

Isso foi algo que nessa geração foi sendo mudado e agora, além do direito ao
voto, as mulheres sentiram que mereciam mais. Nessa onda, surgem alguns grupos

10 A Mística Feminina, de Betty Friedan, Editora Vozes Limitada – 1971.


17

de conscientização de mulheres que se juntam com o objetivo de compartilhar suas


experiências e desta forma, percebem que as histórias são muito parecidas e em
muitos casos, há uma discordância ao que estavam vivendo e seus olhos estavam
sendo abertos para toda injustiça e desigualdade que estava sendo presente em suas
vidas.
No Brasil essas reivindicações foram iniciadas na época da ditadura militar, em
1964. Esse teria sido o momento em que o feminismo brasileiro ganhou caráter de um
movimento de massa (SENKEVICS, 2013). E desta forma, o movimento foi se
expandindo cada vez mais, apesar de ter sido um pouco atrasado com relação aos
outros países.

2.3 Terceira Onda do Feminismo

Essa onda é a mais recente, e a que pode ser classificada como a que está
sendo discutida ainda atualmente. Surgindo na década de 90, a terceira onda
feminista, caracterizada como feminismo contemporâneo (TOMAZETTI, BRIGNOL,
2015) se levantou para discussão de questões relacionadas à diversidade do gênero
e o feminismo não apenas para uma classe propriamente dita, mas que envolvesse
todas as mulheres, no geral.
Até então o feminismo focava muito nas mulheres brancas, heterossexuais, de
classe média/alta, etc. A proposta dessa onda pode-se dar principalmente pela
diversidade sobre quem são as participantes do feminino, e que não são apenas as
que estavam sendo tratadas. Desloca-se o campo do estudo sobre as mulheres e
sobre os sexos para o estudo das relações de gênero. (NARVAZ, 2006)
Anteriormente, no feminismo de primeira onda, o termo “mulher” era tratado
apenas para defini-la como o oposto do homem, desta forma, começa a ter mais
visibilidade apenas como o ser mulher, e ainda assim, com altíssimas limitações. Após
isso, na segunda onda, a mulher começa a ser tratada não apenas como “mulher”,
mas agora é vista em um sentido plural, em conjunto, como “mulheres”. Através dessa
nova forma de denominação, a mulher deixa de ser “invisível” e passa a ser notada,
como não apenas a dona de casa, mas também começa a ter voz no externo, inclusive
na política.
18

Nesta nova onda, um novo modo de ver o feminismo é introduzido, pois agora,
não há apenas discussões sobre igualdade entre as mulheres e homens, mas sim, há
uma ruptura dessa visão. Juntamente, surge a abertura de um grande leque de
discussões, para que possam ser introduzidas para essas, o fato de que não apenas
existem diferenças entre mulheres e homens, mas sim diferenças de raça, classes
sociais, etnias, etc.

As feministas desta última geração problematizaram as teorias


essencialistas ou totalizantes das categorias fixas e estáveis do
gênero presentes nas gerações anteriores, nas quais “gênero” era
definido a partir do sexo enquanto categoria natural, binária e
hierárquica, como se existisse uma essência naturalmente masculina
ou feminina inscrita na subjetividade (NARVAZ, 2006, p. 650).

Surge então um novo termo, o gênero, que é instituído nessa nova onda do
feminismo, principalmente entre estudiosos e pessoas que queiram inserir esse novo
pensamento dentro da academia. Desta forma, “o emprego do termo gênero é um
avanço nas discussões sobre categorias “. (SILVA, p 42). Não apenas é discutida a
mulher como objeto em si, ou mulher junto a outras, mas agora entra em discussão
todas as outras que possam sofrer de desigualdade na sociedade.
Negras, pardas, indígenas, e suas formas de cultura e tanto em âmbito
econômico quanto religioso, seria mostrado, para que também pudessem ir à busca
de seus direitos e conquistas, com o decorrer do tempo e de suas lutas. Benedita da
Silva foi a primeira mulher negra a ser eleita para um cargo legislativo e, no final da
década de 80, juntou-se às outras 25 mulheres na Constituinte.
Após um envolvimento maior para com as mulheres negras nessa época, no
Brasil o feminismo começa a ganhar mais força para que as mulheres ganhassem
espaço no âmbito político, coisa que mulheres brancas já haviam conquistado na
primeira onda, após uma série de lutas seguidas da Revolução Francesa.
Agora, o feminismo começa a pregar que a cultura, educação e identidade
também fazem parte da luta. Desta forma, as crenças, valores e símbolos podem ser
alterados e a partir disso, consequentemente haverá uma transformação no
19

pensamento da sociedade ao que se diz respeito o que a mulher pode ou não pode
fazer.
Surge uma transformação da retratação do século XVIII, em que antes tinha
uma afirmação do fortalecimento do capitalismo, que trazia uma possibilidade de
mudança social. A partir de diferenças físicas, naturalmente certas pessoas, serão
naturalizado de maior ou menor poder. Butler (2003) diz que o gênero poderia ser
caracterizado através de uma “repetição estilizada de performances”, e que:

O efeito do gênero se produz pela estilização do corpo e deve ser


entendido, consequentemente, como a forma corriqueira pela qual os
gestos, movimentos e estilos corporais de vários tipos constituem a
ilusão de um eu permanentemente marcado pelo gênero. (Butler,
2003, p 200)11

A categoria de “gênero” foi instituída para que fossem resolvidas as definições


para “homens” e “mulheres”. Até então, mulheres só eram denominadas mulheres por
serem o oposto, ou o negativo de “homem”. A filósofa Simone de Beauvoir já havia
estipulado uma noção de gênero através de sua publicação “O Segundo Sexo” (1949)
ao dizer que “mulher não nasce mulher, torna-se”. Neste, ela expõe que “nenhum
destino biológico, psíquico ou econômico define a forma que a mulher ou a fêmea
humana assume no seio da sociedade” (BEAUVOIR, 1980. p. 9).
O conceito de gênero discutido na Terceira Onda, é caracterizado como aquele
tempo em que novos assuntos estão sendo inseridos na sociedade, como já foi dito
anteriormente. Entre esse pensamento, Guacira Louro,12 expressa suas ideias quando
diz:

o conceito passa a exigir que se pense de modo plural, acentuando


que os projetos e as representações sobre mulheres e homens são
diversos. “Observa-se que as concepções de gênero diferem não
apenas entre e as sociedades ou os momentos históricos, mas no
interior de uma dada sociedade, ao se considerar os diversos grupos

11 Judith Butler, obra titulada Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, com
lançamento em 2003.
12Guacira Lopes Louro é doutora em Educação, professora titular aposentada da Faculdade de

Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora do CNPq. Coordena o


GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero) desde 1990.
20

(étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem.” (Louro,


1995, p. 23)13

Gênero, agora, não se trata mais apenas de diferenciar o feminino do


masculino, mas também para acentuar as diferenças entre os seres humanos, como
um todo. (LOURO, 1995). Segundo Narvaz (2006, p. 650), há uma “incorporação
dessas tendências pós-estruturalistas e desconstrucionistas, e Butler (2003)
conceitua gênero como um ‘ato performático’”. Ou seja, para alguns autores esse
tratamento do termo “gênero” já está ultrapassado, não sendo mais usado para tratar
o assunto.

13 Gênero, Sexualidade e Educação, de Guacira Louro, lançamento de 1997.


21

3. Influências do Feminismo Negro

O presente capitulo tem como objetivo apresentar as principais contribuições


das autoras que influenciaram no pensamento do movimento feminista negro. Será
exposto sobre as militâncias e pensamentos de Angela Davis, Alice Walker, bell
hooks e Chimamanda Ngozi Adichie.

3.1 Angela Davis - Militância e “intersecionismo”

Dentro da sociedade está inserido um preconceito desde a época da


escravidão e a luta das mulheres negras se inicia através do fato de que além da
condição de serem mulheres, também se encaixam na classe menos privilegiada que
sofre preconceito devido a sua cor.
Surge uma nova perspectiva da questão de gênero, a partir de uma grande
influenciadora do feminismo negro, Angela Davis, filósofa estadunidense, negra,
feminista, ativista radical dos anos 1970, que relacionou o gênero com o racismo e as
relações de classes em sua obra "Mulher, raça e classe".14
É conhecida internacionalmente por seu engajamento no combate a todas as
formas de opressão, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Através dos
anos tem mantido sua posição de militante política, quer como estudante, professora,
pesquisadora ou escritora, sendo testemunha viva dos conflitos históricos da era
contemporânea.
Davis fazia parte do grupo Panteras Negras15 e do partido comunista dos
Estados Unidos, o que permite assim, ter uma noção sobre seu posicionamento crítico
e político, no caso, sendo de esquerda. Em sua obra, faz questão de abordar a forma
como as mulheres sofriam com o trabalho escravo, visto que, não existiam estudos
que fossem dedicados à escravidão na década de 70.
A violência contra negros durante a escravidão e ainda na pós-abolição foi
ilustrada quase de forma nula na literatura moderno-hegemônica-branca, (SANTOS,

14
“Mulheres, raça e classe” foi considerada uma grande obra para o feminismo negro. Primeira
publicação em 1981, traduzido e publicado no Brasil pela editora Boitempo, em 2016.
15O partido dos Panteras Negras (em inglês, Black Panther Party ou BPP), originalmente denominado

Partido Pantera Negra para Autodefesa (em inglês, Black PantherParty for Self-defense) foi uma
organização socialista revolucionária fundada por Bobby Seale e Huey Newton em outubro de 1966.
22

2018), em uma espécie de camuflagem. Sendo assim, Davis se sentiu impulsionada


a dedicar sua obra a este assunto, que retrata desde o século XVII, correlacionando
os 300 anos de escravidão, e se referindo ao século XX, quando enfim surgiram os
movimentos feministas. (SANTOS, 2018)
Davis ilustra a realidade das mulheres negras que eram vítimas de estupro,
violência, e o abuso de poder que sofriam, como por exemplo, serem obrigadas a
fazer o trabalho escravo da mesma forma que o homem, independentemente da
diferença de força, tamanho, etc. Muitas mortes levaram os estudos a identificarem o
movimento antiescravagista como um marco histórico, pois foi deste que se originou
o feminismo negro.
A autora também destaca o papel importante que o racismo desenvolveu no
movimento sufragista, ao evidenciar as dificuldades e o papel de ser submissa dentro
da classe “ser mulher”. Não eram apenas os homens os responsáveis pelo tratamento
de opressão diretamente com mulheres negras, mas Davis também caracteriza as
organizações dos direitos das mulheres como uma instituição racista e omissa.
Essa característica dada pela autora é decorrente, pois não havia nenhuma
atitude sendo tomada para que a população negra fosse incluída neste meio,
resultado este, de uma histórica pós-abolição que ainda permanecia entre suas
entranhas. Desta forma, pode-se perceber que este cenário trouxe consequências as
reivindicações das mulheres sendo vetadas, assim, havendo divisões de grupos.
(DAVIS, 2016, p. 64-65).
Torna-se notável que as mulheres brancas têm certo diferencial de tratamento,
ainda que dentro do movimento feminista pois de acordo com uma das observações
que Davis ressalta ao citar Frederick Douglass16 , uma supremacia racial branca
(SANTOS, 2018) às mulheres brancas: “são objeto de insultos e ultrajes de todos os
lados (...)”:

Mesmo rude e polémico que este argumento possa ser, há uma lucidez nele
sem engano. A imagem visual demonstrada que os antigos escravos negros
sofreram uma opressão que era qualitativamente e brutalmente diferente do
predicado das mulheres brancas de classe-média. (Davis,1981 pg 63)

Douglass foi um abolicionista negro e foi também um homem que defendeu a emancipação das
16

mulheres.
23

O racismo impede certa mobilidade da população, pois esse pré-conceito


estará sempre enraizado nas pessoas, já que devido a escravatura, muitos ainda
veem os negros como submissos, sofrendo principalmente as mulheres, por sempre
serem consideradas mais frágeis e dependentes dos homens. Douglass também
deixou claro sua posição para com a situação das mulheres negras ao que se
pronunciou dizendo que

Há um grande rebuliço sobre os homens negros terem os seus direitos, mas


nem uma palavra sobre as mulheres negras; e se os homens negros tiverem
os seus direitos, e as mulheres negras não tiverem os seus, vocês verão que
os homens negros serão donos das mulheres, e será tão mau como foi antes
(DAVIS, 1981, p 63)

Todavia, a autora não deixa de apreciar algumas ações que feministas brancas
tiveram que acabaram contribuindo para a inclusão de pessoas negras na educação,
“compromissos com a educação tornaram-se uma das mais poderosas provas do
progresso durante essa era potencialmente revolucionária” (DAVIS, 2016, pág. 81).
Houve a criação de escolas exclusivas para a raça, além de que também foram
criadas universidades para a formação de professoras negras nessa época de
reconstrução radical.
Como já citado antes, a escravidão e a pós abolição foram períodos
importantes na história da população negra, e até hoje perduram as consequências
disso. O preconceito permanece apesar da escravidão não estar mais entre nós, pois
o racismo pode ser considerado como algo cultural entre os seres humanos,
infelizmente.
Davis considera isso como fator importante, pois percebe que por esse
preconceito ainda se fazer presente nos dias atuais, torna-se mais turbulento ainda o
processo de emancipação para as mulheres negras. No trabalho, para ambos os
sexos, a exclusão, e particularmente às mulheres, ficaram restritas aos serviços
domésticos das casas dos brancos e nos serviços pesados nas lavouras, seguindo a
violência e estupros no trabalho, com a conivência das mulheres brancas (DAVIS,
2016, p. 97-99).
Angela Davis retrata a vida de algumas pessoas que tiveram oportunidade de
serem incluídas nas universidades, mas que por motivos de empatia aos seus iguais,
foram levadas à luta de seus direitos, como por exemplo, Mary Terrell, filha de escravo
24

que recebeu uma considerável herança daquele que era dono do seu pai, na época
da escravidão. É reconhecida a posição que tinha, entretanto, devido sua conjuntura,
não pôde usufruir de tais direitos

Se ela tivesse pensado na sua realização pessoal, numa carreira política ou


acadêmica, ela teria sido sem dúvida bem-sucedida. Mas a sua preocupação
pela libertação coletiva do seu povo levara-a a devotar toda a sua vida adulta
à luta pela libertação do negro. Mais do que qualquer outra pessoa Terrell era
a força condutora que moldou o movimento de clubes de mulheres num grupo
político poderoso. (DAVIS, p 100)

Na obra também é aproximada a noção da escravidão como um processo que


não teve seu fim quando houve a lei da abolição. Muito pelo contrário, a autora
evidencia que, como já dito aqui, essa parte da história não foi apenas temporária,
mas que perdura até os dias atuais (SANTOS). É retratada o racismo como uma força
que teve como legado a escravidão, que atualmente, traz perspectivas diferentes de
liberdade quando se refere a violência para as negras.
Dentre as suas contribuições, Angela Davis alia academia e militância e
intersecciona feminismo, antirracismo e luta de classes, refletindo sobre sexismo,
racismo e poder. (OLIVEIRA) Apresentando os tópicos de raça, classe e gênero, a
autora traz essa discussão em pauta, mostrando que estes estão interligados,
gerando diferentes formas de opressão, ressaltando a importância de que precisam
ser debatidas juntamente.
Por isso, deve-se pensar nesta obra como influenciadora para a questão da
criação do conceito de interseccionalidade, alterando as formas de pensamento para
com esses assuntos, de forma que, venham a ser relacionados para uma análise do
conjunto como um todo mediante as abordagens correlatas que se seguiram.
(SANTOS)
Oliveira (2018) afirma que “essa produção se apresenta relevante para a
atualidade, em vista de que o racismo segue fortemente na sociedade, apesar de
mudar de forma considerando os diferentes territórios.” Ao que não se pode esquecer
que o papel do colonialismo e patriarcado sempre foram um motor agente para que o
racismo e sexismo permanecessem em nossa sociedade, visto a diferença de papeis
25

no trabalho entre os sexos, e entre raças como efeito de hierarquias raciais ao que se
diz respeito a inferioridade e superioridade.

3.2 Alice Walker – “O mulherismo está para feminista assim como a


púrpura está para a lavanda”

Alice Malsenior Tallulah-Kate Walker é uma escritora, poetisa e ativista


feminista estadunidense. Escreveu o romance “A Cor Púrpura” pelo qual ganhou o
National Book Award e o Prémio Pulitzer de Ficção. Na obra, a personagem escreve
cartas a Deus e à irmã desaparecida. Walker mostra representações de uma mulher
negra sulista quase analfabeta, que vive em uma realidade dura de pobreza, opressão
e desamor.
Essa obra foi bem conhecida também pelo fato de ter uma perspectiva diferente
trazida pela protagonista, pois tem um caráter epistolar, de forma que a história é
retratada através de cartas. Celie, a personagem principal, é desenvolvida com um
papel bem próximo ao leitor, uma vez que a autora considera sua característica quase
analfabeta para escrever as cartas, para que possa ser sentida a imagem real e
verdadeira da personagem.
A cor púrpura explora a questão da opressão sexual e racial, da descoberta do
prazer, da feminilidade, de diferenças culturais, da influência religiosa, sobretudo,
apresenta um autêntico ponto de vista feminino, uma escrita da história da escravidão
e do jugo feminino a partir da visão dos vencidos, uma proposta de liberação do corpo
da mulher (LOBO, 1990, p. 25).
A visão que os negros têm de Celie no romance, corresponde ainda aos
preconceitos da época da escravatura: quando Celie é negociada pelo seu padrasto
ao “Sinhô” os argumentos de que aquele se utiliza para “livrar-se da mercadoria” são
referentes à sua “aptidão” ao trabalho: “Ela é feia, ele diz. Mas num estranha trabalho
duro” (...) “Ela trabalha como um home” (WALKER, p.18).
A feiura de Celie, nesse universo de organização patriarcal, torna a
personagem incapaz de se ver como alguém digna de desejo para os outros homens.
Sua impressão com os homens começa a ser de aversão, pois durante sua infância e
adolescência foi abusada e assim, transfere sua paixão para o sexo oposto. Conhece
então Shug Avery, também negra, mas uma mulher independente, forte e que
26

despreza qualquer autonomia dada por algum homem, ou seja, uma realidade
totalmente diferente de Celie.
A personagem principal começa a despertar certa paixão com Shug, pois é
alguém que admira muito com toda sua força empoderamento como mulher,
enxergando-a como uma inspiração, acaba desenvolvendo um romance com ela em
que a autora demonstra através de alguns dizeres:

Ela tem uma camisa de noite branca e comprida e fica linda com a mão fina
e negra a sair para segurar o cigarro branco. Há qualquer coisa, nas veias
finas e macias que vejo ou nas grandes, que faço por não ver, que me
assusta. É como se me empurrassem para frente. Se não desvio os olhos
vou pegar naquela mão e descobrir a que é que sabem os dedos dela na
minha boca. (WALKER, p 27)

O feminismo se mostra muito presente na relação que elas possuem, pois Shug
transmite uma segurança para Celie, ao que se diz respeito de libertação de uma
posição de submissa.

O homem estraga tudo, diz a Shug. Está na tua caixa de doces, na tua cabeça
e no rádio. Tenta convencer-te que está em todo o lado. Logo que pensas
que está em todo o lado, pensas que é Deus. Mas não é. Sempre que tentas
rezar e o homem aparece à tua frente diz-lhe para ir dar uma volta, diz a Shug.
Pensa em flores, no vento, na água, numa grande pedra. Mas é difícil, deixa
que te diga. Ele anda por aí há tanto tempo que não quer pôr-se a mexer.
Assusta-nos com os raios, as inundações e os tremores de terra. Nós
lutamos. Quase não rezo. Cada vez que penso numa pedra, atiro-a. AMÉM.
(WALKER, p 105)

Alice Walker também foi autora da obra In Search of Our Mothers’ Gardens
(1983) em que se debate sobre o ponto de vista das mulheres e o termo que deve ser
utilizado. Surge o termo “mulherismo”, no qual ela atribui a origem da palavra à
expressão da comunidade negra de mães para as meninas “Você está agindo como
mulher”, normalmente se referindo a um comportamento audacioso, corajoso,
voluntarioso. Contrariando assim, o que uma maioria da população patriarcal
imaginaria definir o que é ser mulher.
“Mulherismo é feminista como a púrpura é lavanda” é uma expressão que
significa que o mulherismo excede ao feminismo, da mesma forma que a cor púrpura
27

é mais profunda e forte do que a lavanda, assim, as mulheres negras são


“mulheristas”, enquanto as brancas permanecem meramente “feministas.”

The black folk expression of mothers to female children, 'You are acting
womanish,' i.e. like a woman … usually referring to outrageous, audacious,
courageous, or willful behavior. Wanting to know more and in greater depth
than is considered 'good' for one … [A womanist is also] a woman who loves
other women sexually and/or no sexually. Appreciates and prefers women's
culture … and women's strength … committed to survival and wholeness of
entire people, male and female. Not a separatist … Womanist is to feminist as
purple is to lavender. (In Search of Our Mothers’ Gardens 1983, p 6-8i)17

Walker define o mulherismo como conceito de ser responsável, estar no


comando, tendo comportamento audacioso. Uma mulher que ama outras mulheres,
sexualmente e / ou não sexualmente pode ser considerada como mulherista, ao
preferir a cultura e flexibilidade emocional das mulheres. Aquela que ama a si mesma,
sem limitações e como já dito, a mulherista é para feminista assim como a púrpura, é
para a lavanda. (COLLINS, 2015)

3.3 bell hooks – Enfoque no conteúdo e não em sua pessoa

Gloria Jean Watkins (Hopkinsville, 25 de setembro de 1952), é mais conhecida


por seu pseudônimo bell hooks, escrito assim mesmo, em letras minúsculas, é uma
autora, teórica feminista, artista e social estadunidense.
O nome "bell hooks" foi inspirado na sua bisavó materna, Bell Blair Hooks e a
explicação para a letra minúscula, que desafia convenções linguísticas e académicas,
é que tem o objetivo de colocar no holofote os seus pensamentos e conhecimentos
compartilhados através de sua escrita, e não em sua pessoa propriamente dita.
Através da visão de que possa existir um coletivo “mulheres”, hooks faz uma
crítica a partir da exclusão das mulheres negras do conhecimento e da política
feministas. De forma a chamar atenção para que sejam notadas as situações de

17Tradução: “A expressão negra das mães para as crianças do sexo feminino: "Você está agindo como
uma mulher", ou seja, como uma mulher geralmente referindo-se ao comportamento ultrajante,
audacioso, corajoso ou voluntarioso. Querer saber mais e com maior profundidade do que é
considerado 'bom' para um… [Uma mulherista também é] uma mulher que ama outras mulheres
sexualmente e / ou não. Aprecia e prefere a cultura das mulheres... e a força das mulheres...
comprometidas com a sobrevivência e a integridade de pessoas inteiras, homens e mulheres. Não é
um separatista... Mulherismo é feminista como roxo é lavanda.”
28

opressão e dominação entre as mulheres, há também um silenciamento das mulheres


negras. O ponto de vista dessas mulheres, em contraposição a um "nós" baseado na
experiência das mulheres brancas e de classe média, é destacado na construção da
teoria feminista e de um projeto político feminista radical. (COLLINS, 2017)
Sookie Stambler18 formulou esse espírito radical na introdução de “Women's
liberation: Blue print for the future”:

As mulheres do movimento sempre foram silenciadas pela necessidade da


mídia de criar celebridades e estrelas. Isso vai contra a nossa filosofia básica.
Não podemos nos relacionar com mulheres em nossas fileiras que se
sobreponham a nós com prestígio e fama. Não estamos lutando em prol da
mulher verdadeira ou por um grupo de mulheres. Estamos lidando com
questões que dizem respeito a todas as mulheres. (Stambler. 1970, p. 9)

Não é por acaso que a luta feminista foi cooptada tão facilmente para servir aos
interesses das feministas liberais e conservadoras, já que o feminismo nos Estados
Unidos tem sido, até agora, uma ideologia burguesa. Zillah Eisenstein (1981) discute
as raízes liberais do feminismo norte-americano em The radical future of liberal
feminism, explicando, na introdução:

Uma das principais contribuições a ser encontradas neste estudo é o papel


da ideologia do individualismo liberal na construção da teoria feminista. As
feministas de hoje em dia não querem discutir uma teoria da individualidade,
ou adotam, de forma natural, a ideologia competitiva e atomista do
individualismo liberal. Há muita confusão sobre esse assunto na teoria
feminista que se discute aqui. Até que se faça uma diferenciação consciente
entre a teoria da individualidade que reconhece a importância do indivíduo
dentro da coletividade e a ideologia do individualismo que assume uma visão
competitiva do indivíduo, não haverá uma visão completa sobre como deve
ser a teoria feminista da libertação em nossa sociedade ocidental.
(Einsentein, p 13)

Há um preceito dentro do feminismo moderno, que declara que “todas as


mulheres são oprimidas”, entretanto hooks discorda ao que se diz respeito a diferença
pela qual as mulheres são tratadas. Há uma divergência clara entre mulheres que são

18
Editora que lança livro com várias citações e textos como: Susan Brownmiller’s “The Enemy Within”;
“How Women are Kept Apart” by the Redstockings Collective; “Lesbianism and the Women’s
Liberation Movement” by Martha Shelley; Susan Brownmiller’s “Sisterhood is Powerful”; Kate Millett’s
“Theory of Sexual Politics”; Alix Shulman’s “A Marriage Agreement”; Rita Mae Brown’s “The New Lost
Feminist,”, etc.
29

de raça, classe religião, preferência sexual, por exemplo, e a forma em que têm suas
experiências e essa afirmação sugere que as mulheres compartilham a mesma
situação e terão as mesmas consequências. Hooks defende a ideia de que o “sexismo
será uma força opressiva na vida de cada mulher.” (HOOKS) pois este, sempre foi
enraizado na sociedade, entretanto, nunca determinou de forma absoluta o destino de
todas as mulheres.
Esclarece que o ato de oprimir alguém, é tirar desta pessoa, o direito de ter
opções, em que esse seria o primeiro e principal contato entre aqueles que está sendo
oprimido e o opressor. Declara que as mulheres de seu país (Estados Unidos), têm
muita sorte pois, por mais desagradáveis e/ou inadequadas que possam ser suas
escolhas, ao menos elas existem.
Isso diferencia o processo de opressão em que muitas mulheres realmente
sofrem, sendo assim, não participam da resistência organizada contra o sexismo
precisamente porque o sexismo não têm significado de absoluta falta de opções. Elas
podem saber que são discriminadas em função de sexo, mas não equiparam isso a
opressão. (HOOKS, 2015)
Hooks declara que as feministas brancas nunca conseguirão sequer imaginar
o sofrimento e a luta diária que as mulheres negras têm de enfrentar:

Tendo crescido em uma família negra do sul dos Estados Unidos, de classe
trabalhadora e dominada pelo pai, eu vivenciei (como aconteceu com minha
mãe, minhas irmãs e meu irmão) diferentes graus de tirania patriarcal, e isso
me deixou com raiva – deixou-nos todos com raiva. A raiva me fez questionar
a política de dominação masculina e me permitiu resistir à socialização
sexista. Frequentemente, as feministas brancas agem como se as mulheres
negras não soubessem que a opressão machista existia até elas
expressarem a visão feminista. Elas acreditam estar proporcionando às
mulheres negras “a” análise e “o” programa de libertação. Não entendem, não
conseguem sequer imaginar, que as negras, assim como outros grupos de
mulheres que vivem diariamente em situações de opressão (...) (hooks, p
201)

É claro o posicionamento de hooks durante a obra, ao se referir às feministas


brancas, mesmo dentro do movimento, mostravam um forte preconceito entre as
mulheres. Conta a história de que um dia foi a um grupo de feministas, e lá dentro se
sentiu menosprezada pelas outras mulheres, relatando que a faziam se sentir como
se estava participando de um grupo que não fazia parte.
30

“Se nos atrevêssemos a criticar o movimento ou assumir responsabilidade por


reformular ideias feministas e introduzir novas ideias, nossa voz era abafada,
desconsiderada, silenciada.” (HOOKS, 2015) O feminismo, para as brancas, era algo
que lhes pertencia, e que as negras estavam ali apenas para legitimar o processo.

3.4 Chimamanda Ngozi Adichie – Não é apenas uma única história

Nascida na Nigéria, Chimamanda Adichie é uma escritora e reconhecida como


uma das mais importantes jovens autoras atuais que está tendo sucesso em atrair
uma nova geração de leitores de literatura africana. Mudou-se para os Estados Unidos
com o intuito de continuar sua formação em Estudos Africanos na Universidade de
Yale.
Adichie publicou uma coletânea de poemas em 1997 (Decisions) e uma peça
(For Love of Biafra) em 1998. Ela foi indicada em 2002 para o Prémio Caine com o
conto "You in America" além de participar do programa TED dando palestras como “O
perigo das histórias únicas” em 2009 e "We Should all be Feminists" no ano de 2012.
A autora tem uma forma muito delicada para demonstrar a forma em como o
feminismo está inserido em si mesma (CARNEIRO, p 63, 2015), pois como é
especificado pela mesma, ela se considera uma “happy african feminist” e explica sua
maneira de pensamento ao que se refere o feminismo:

I decided I would now call myself a Happy African Feminist. Then a dear friend
told me that calling myself a feminist meant that I hated men. So, I decided I
would now be a Happy African Feminist Who Does Not Hate Men. At some
point I was a Happy African Feminist Who Does Not Hate Men and Who Likes
to Wear Lip Gloss and High Heels for Herself and Not for Men. (Adichie, p 11)

Diferentemente do senso comum que a sociedade carrega, o feminismo de


Chimamanda Adichie se insere em uma perspectiva de valorização de homens E
mulheres e não um OU outro. Ser feminista, nessa perspectiva, não é ser igual, do
ponto de vista da aparência, mas do ponto de vista da diferença, ou seja, mesmo que
sejam diferentes, a noção de respeito, direitos e deveres, deve permanecer igual para
ambos. (CARNEIRO, p 63, 2015)
31

Em conferência anual da Ted Global ocorrida em Oxford, no Reino Unido, em


julho de 2009, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie chamou a atenção
para o que ela denominou de "o perigo de uma história única" e nessa palestra, conta
um pouco sobre a sua vida na Nigéria e em como coisas que para muitos pode ser
simples, para ela, significava algo muito além e fora da sua realidade.
Sobre o perigo de uma história única, se dá a entender que Adichie quis passar
a ideia de que não há como uma verdade ser a realidade para todos, através de uma
história contada. Comenta sobre sua família e no tempo em que tinha uma empregada
doméstica e de repente trouxeram um garoto para casa, Fide. A mãe de Adichie
sempre chamava sua atenção quando, por exemplo, não terminava a sua comida,
pois dizia que deveria ser agradecida, já que famílias como a de Fide, não possuíam
nada.
Certo dia, ela e sua família, foram visitar a aldeia de Fide e chegando lá, foram
recebidos com uma cesta feita de ráfia seca pelo seu irmão e ficou impressionada pois
nunca imaginaria uma pessoa vinda de família tão pobre, como disse sua mãe, seria
capaz de produzir algo tão magnífico. Essa era sua única história sobre a família de
Fide. (TED – TALKS)
Sua experiência como estudante africana na universidade dos EUA foi nada
mais, nada menos, que regada de pré-conceitos por parte de seus colegas, que muitas
vezes, não o faziam de propósito, mas sim pois havia algo enraizado em suas vidas.
Como sua colega de quarto, por exemplo, se sentiu impressionada quando a
viu falando em inglês, sem ao menos saber que o inglês é o idioma principal da
Nigéria. Também pelo fato de que sentia uma arrogância vinda de seus colegas,
devido ao pensamento que sempre foi passado de geração em geração sobre os
negros. Sobre a África.
Adichie conta que através de suas experiências pôde perceber que nada é por
acaso e que talvez se não tivesse nascido na Nigéria, mas sim fosse americana,
poderia ter a mesma impressão de africanos como a sua colega de quarto, julgando
não serem dignos de humanidade. Essa seria a única história de sua colega sobre a
África.
De certa forma, quando era criança, conta que foi introduzida à leitura muito
cedo e o começo de sua vida literária foi em meio aos livros britânicos e americanos.
Os personagens eram sempre homens brancos, de olhos claros, e totalmente
32

diferentes do que estava acostumada, além de que, acreditava que todos os livros
deveriam ter estrangeiros, já que foi familiarizada apenas com essa característica.
Biondo (p 1, 2012) em seu artigo afirma que Chimamanda busca demonstrar é
“como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história,
principalmente quando somos crianças".
Segundo a "contadora de histórias" (como ela se autodenomina), já que tudo o
que havia lido eram livros com personagens estrangeiros, ela teria se convencido de
que os livros, "por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser
sobre coisas com as quais eu [ela] não podia me [se] identificar". (CARNEIRO, 2015,
p 63) E essa era a sua única história sobre o que eram os livros.
“Mostre a um povo sobre uma coisa, repetidamente, e é isso que elas se
tornarão.” (CARNEIRO, 2015) Adichie afirma, se tratando do senso comum que as
pessoas terão através de demais histórias contadas sobre um determinado povo, que
com o tempo, irão ser vistas daquela forma.

Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente
nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar
as muitas outras histórias que me formaram. A “única história cria
estereótipos”. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira,
mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única
história. (ADICHIE, 2009)

Chimamanda escreveu várias obras, e dentre suas histórias publicadas no


Brasil, estão “Hibisco Roxo”19, “Meio Sol Amarelo”20, e “Americanah”21 (2013) e em
todas, tenta resgatar uma visão mais próxima da realidade africana com objetivo de
mostrar aos seus leitores que nunca há apenas uma única história.

19
Título original PURPLE HIBISCUS, lançado pela primeira vez em Outubro de 2003, na Nigéria,
pelas editoras Workman Publishing Company, Kachifo Limited. No Brasil, o livro foi lançado em 2018
pelo Grupo Companhia das Letras.
20
Data da primeira publicação em 2006 e vencedor de prêmios como Baileys Women's Prize for
Fiction, PEN/Open Book, Anisfield-Wolf Book Award for Fiction. Lançado no Brasil pelo Grupo
Companhia das Letras.
21
Mais recente publicação de Chimamanda Adichie, em 2013 na Nigéria. Vencedor do prêmio National
Book Critics Circle Award: Ficção.
33

4. O Movimento Negro Feminista no Brasil e Pelo Mundo


Neste capítulo, será focada a forma como o racismo surge no Brasil, de acordo com
sua história desde a escravatura e como ainda existe fortemente na cultura. Além de
dados e informações comprovados para analisar a conjuntura e estrutura brasileira
para com as mulheres negras.
34

4.1 História e Procedência

A participação das mulheres negras escravas na história do Brasil foi, desde


sempre, muito presente, entretanto, para serem vistas de forma tanto para trabalho,
quanto para realização de desejos sexuais. O racismo vem perdurando através de
tempos e até hoje, infelizmente, deixa suas marcas para que a população negra não
se esqueça de suas origens e os escrúpulos que passaram durante a época da
escravidão.

Em 1980, críticas vêm sendo levantadas por meio de pesquisas voltadas para
o período da escravatura, analisando as situações tanto de homens como de
mulheres, mas principalmente para que o foco da discussão venha em torno do papel
desempenhado pela mulher negra (SILVA, p1, 2010). Esta, sempre foi menosprezada
e mais sofrida do que o próprio homem, não só pela condição de ser mulher, mas
também pela sua cor.

“O movimento negro contemporâneo, enquanto movimento social pode ser


compreendido como um novo sujeito coletivo e político que, juntamente com os outros
movimentos sociais, emergiu na década de 70 no cenário brasileiro.” (GOMES, p 135,
2011). Durante o período em que o Brasil era caracterizado como uma colônia, (1500
– 1822), não houve muitas vitórias dadas aos negros, pois sempre vinham sendo
vendidos para os europeus em troca de mão de obra. Mesmo após independência do
Brasil, essa cultura originada através da escravidão e subordinação da população
negra, permaneceu firme e forte respirando repressão, preconceito e desigualdade às
minorias.

Podemos citar a experiência coletiva dos quilombos,22 durante a escravidão,


presente não só no Brasil, como também em vários países das Américas. (GOMES,
p 140, 2011). E desta forma, pode-se concluir que estava enraizado em diversas
partes do mundo a condição de transformar um indivíduo em escravo.

As mulheres demoraram muito para conseguirem alguns direitos como de


votar, obter o divórcio, acesso ao mercado de trabalho, entre outros já explicados no

22No Brasil os quilombos surgiram entre os séculos 16 e 19, eram onde os escravos se refugiavam
em busca de uma nova forma de vida. Os escravos fugiam de seus senhores e procuravam
os quilombos para e esconder dos capitães do mato e outras pessoas que tivessem interesse em
capturá-los novamente.
35

presente trabalho, entretanto, ainda assim, se você fosse branca, teria mais aparição
como ser humano, do que se fosse negra.

A ousadia de Nísia Floresta23 deve-se a seu esforço de relacionar questões da


esfera privada (como a educação das filhas) com a política institucional: (GUSMÃO,
2012)

Quanto mais ignorante é um povo, tanto mais fácil é a um governo absoluto


exercer sobre ele seu ilimitado poder. É partindo deste princípio [...] que a
maior parte dos homens se opõe a que se facilite à mulher os meios de
cultivar o seu espírito. Porém, esse é um erro que foi e será sempre funesto
à prosperidade das nações, como à ventura doméstica do homem. (Floresta,
[1853] 1989: 60).

A identidade negra é entendida como um processo construído historicamente


em uma sociedade que padece de um racismo ambíguo e do mito da democracia
racial. “Como qualquer processo identitário, ela se constrói no contato com o outro, no
contraste com o outro, na negociação, na troca, no conflito e no diálogo.” (GOMES, p
149, 2011)

Isso pode ser exemplificado por Guimarães (1999) em que a raça é algo que
se adquire através do preconceito, pois é determinado aquilo que é diferente do
“normal”, sendo identificado como o diferente do aceito pela sociedade,

‘Raça’ é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural.


Trata-se, ao contrário, de um conceito que denota tão somente uma forma de
classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos
sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo
endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social.
Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de ‘raça’
permite – ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses
e valores sociais negativos e nefastos –, tal conceito tem uma realidade social
plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de
ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de
nomear permite.(GUIMARÃES, 1999, p 9)

A mulher negra sempre teve de lutar mais pelos direitos sociais mínimos de
sobrevivência que decorrem das próprias exigências do capital por conta sua cor e
sua condição de ser mulher, dentro do sistema capitalista tal como ela se constitui
atualmente. A obrigação de se ter de lutar para adquirir direitos básicos, se deu por

23
Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, foi uma educadora,
escritora, poetisa e primeira educadora feminista no Brasil.
36

um sentimento de esperança em que suas condições de ser humano possam


melhorar. (ALMEIDA, p 5)

No que diz respeito à luta pela vida, compreendida na resistência cotidiana


que acolhe “... é a mulher negra anônima, sustentáculo econômico, afetivo e
moral de sua família, aquela que desempenha o papel mais importante.
Exatamente porque, com sua força e corajosa capacidade de luta pela
sobrevivência, transmite a suas irmãs mais afortunadas, o ímpeto de não nos
recusarmos à luta pelo nosso povo. Mas, sobretudo porque, como na dialética
do senhor e do escravo de Hegel – apesar da pobreza, da solidão quanto a
um companheiro, da aparente submissão, é ela a portadora da chama da
libertação, justamente porque não tem nada a perder”. (GONZALES: 1982:
104).

4.2 O Preconceito em Dados e Números

Verificamos que o tamanho da desigualdade social e racial existente no país,


quando se diz respeito às mulheres negras e a divergência de oportunidades que
obtém (ou não) no decorrer de suas vidas. Na década de 1930, o movimento negro
deu um salto qualitativo, com a fundação, em 1931, em São Paulo, da Frente Negra
Brasileira (FNB), considerada a sucessora do Centro Cívico Palmares, de 1926.

Na primeira metade do século XX, a FNB foi a mais importante entidade negra
do país. Com “delegações” – espécie de filiais – e grupos homônimos em diversos
estados (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Rio Grande do
Sul e Bahia),19 arregimentou milhares de “pessoas de cor”, conseguindo converter o
Movimento Negro Brasileiro em movimento de massa. 24

O feminicídio de mulheres negras aumentou, entre 2003 e 2013, cerca de 54%


de acordo com o Mapa de Violência de 2015, enquanto que de mulheres brancas,
caiu, em torno de 10%. Em 2015, cerca de 385 mulheres foram assassinadas por dia.

24
José Correia Leite e Renato Jardim Moreira, Movimentos sociais no meio negro, São Paulo,
mimeog, s/d. uma bibliografia não desprezível já se ocupou da Frente Negra Brasileira. Ver F.
Fernandes, A integração do negro..., op. cit., p. 1-115; José Carlos Gomes da Silva, Os suburbanos e
a outra face da cidade. Negros em São Paulo: cotidiano, lazer e cidadania (1900-1930), Campinas,
Dissertação de Mestrado, Unicamp, 1990, p. 162-180; R. P. Pinto, O movimento negro..., op. cit., p.
87-124; Marcelino Félix, As práticas político-pedagógicas da Frente Negra Brasileira na cidade de
São Paulo (1931-1937), São Paulo, Dissertação de Mestrado, PUC 2001; Laiana Lannes de Oliveira,
A Frente Negra Brasileira: política e questão racial nos anos 1930, Rio de Janeiro, Dissertação de
Mestrado, UERJ, 2002; Maria Aparecida Pinto Silva, A voz da raça: uma expressão negra no Brasil
que queria ser branco, São Paulo, Tese de Doutorado, PUC, 2003; Petrônio Domingues, A
insurgência de ébano. A história da Frente Negra Brasileira (1931-1937), São Paulo, Tese de
Doutorado, FFLCH-USP, 2005.
37

A porcentagem de homicídio de mulheres cresceu 7,5% entre 2005 e 2015, em todo


o País.25

O debate como a educação se tornando um setor que contribui para


desigualdades raciais, começa a ser visualizado pelas primeiras associações negras
e suas lutas em prol da educação dos negros no século XIX e demandada
publicamente pelo Movimento Negro no século XX.

Esta, ganha agora contornos políticos nacionais e internacionais no século XXI,


pois durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003 nota-
se algumas iniciativas que merecem ser destacadas: no governo federal, pela primeira
vez é instituída a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), em
2003, e, no Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), em 2004.26 (GOMES)

Como é percebido na atualidade, há uma enorme difusão entre mulheres e


homens, devido a posição de superioridade que é demonstrada por meio das
personalidades masculinas. Uma das razões da revolta feminina, é a diferenciação de
salários entre homens e mulheres, mesmo que seja para o mesmo cargo. Entre 1995
e 2015, o rendimento das mulheres negras foi valorizado, entretanto, sua
remuneração continuou inalterada em toda a história. (IBGE)
De acordo com uma pesquisa feita pelo PNAD, os homens brancos têm os
melhores rendimentos, após eles, as mulheres brancas, depois os homens negros e
por último, são citadas as mulheres negras.27
Segundo o Balanço do Ligue 180 (2015), as mulheres negras são quase 60%
das vítimas de violencia domestica e ao mesmo tempo, o Ministério da Justiça (2015)
indicou que as negras são 68,8% das mulheres mortas por agressões. Recentemente,
uma reportagem da organização Gênero e Número revelou também que a taxa de
homicídios de mulheres negras aumentou 22% enquanto a taxa de homicídios de
mulheres brancas diminuiu 15% entre os anos de 2006 e 2015.28

25 Dados de acordo com Atlas da violência de 2015.


<http://www.ipea.gov.br/portal/images/170602_atlas_da_violencia_2017.pdf>
26Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
27 (Estudos feitos pelo PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE – Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística) nos anos de 2002-2014.


28 Para saber mais sobre o tema de violência contra mulheres negras, sugerimos consultas ao
Dossiê Violência Contra as Mulheres, do Instituto Patrícia Galvão, e ao Dossiê Mulheres Negras, do
Geledès e da organização Criola:
38

De cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras e entre os
mortos nos homicídios registrados de 2005 a 2015, o número de brancos caiu 12%. E
o de negros, aumentou 18%.29

Para Samira Bueno e Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança


Pública, o levantamento mostra que não há o que comemorar no Dia Internacional da
Mulher, pois “Uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, taxa de 4,3
mortes para cada grupo de 100 mil pessoas do sexo feminino. Se considerarmos o
último relatório da Organização Mundial da Saúde, o Brasil ocuparia a 7ª posição entre
as nações mais violentas para as mulheres de um total de 83 países."

No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior
no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Na mesma
década, foi registrado um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que
resulta da relação entre as taxas de mortalidade branca e negra.

4.3 Movimentos no Brasil e tentativa de melhorar a sua imagem


internacional

No período entre 1988-1991 ocorreu um aumento significativo de organizações


femininas negras em todo o Brasil, e em 1993 foi realizado o I Seminário Nacional das
Mulheres Negras em Atibaia-SP e em 1994, o segundo encontro, com o objetivo de
refletir sobre os aspectos relacionados às desigualdades de gênero e de raça, o direito
à terra, à habitação e as políticas públicas voltadas para a saúde.

Na época da ditadura brasileira, o movimento feminista foi seguindo caminhos


diferentes do cenário internacional. Direcionou por caminhos diferenciados do
caminho tomado pelo movimento internacional. Isto ocorreu porque uma
grande ala do movimento no Brasil se atrelou a setores progressistas da
Igreja Católica. Este vínculo impossibilitou que se trabalhassem questões
centrais do feminismo, quais sejam: liberdade sexual, direito ao aborto, ao
divórcio. Por outro lado, se abriu um amplo campo de militância política e
inseriram-se na agenda do movimento feminista brasileiro questões como:
direitos civis, liberdade política e melhoria de condições de vida. Temas como
o racismo, a ênfase nas diferenças de classe foram trazidos para o centro da

<http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/violencia-e-racismo/#apresentacao e
http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Dossie-Mulheres-Negras-.pdf>
29
Levantamento da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
39

cena feminina através dos estudos sobre mulher nas sociedades periféricas
(SARTI, p 38, 1988)

Pesquisas feitas pelo Atlas da Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança


Pública indicaram que em 2016, 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil – um
total de 4,5 mulheres mortas a cada 100 mil brasileiras. Entre essas, a maioria das
vítimas era negra. No ranking dos estados com maior crescimento de violência contra
negras estão: Roraima (214%), Rio Grande do Norte (142%) e Amazonas (134%).30

O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto


Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). O país só
perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de casos de
assassinatos. Em comparação com países desenvolvidos, aqui se mata 48 vezes
mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais
que o Japão ou Escócia.31

Segundo o "Mapa da Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil", datam


de 2013, ano em que o número absoluto de homicídios femininos no Brasil foi de
4.762, o que corresponderia a 13 mulheres por dia.32. Um caso que ficou muito
conhecido foi o de Marielle Franco33 que foi assassinada através de um crime político
e Figueiredo (2018) em seu artigo deixa claro sua indignação na citação abaixo:

Marielle morreu porque foi vítima do racismo? Do Feminicídio? Por que era
ativista dos direitos das populações negras, ou porque defendia a garantia
dos direitos humanos? Certamente, a execução dela não se enquadra em
nenhum desses motivos isoladamente, mas no conjunto ou na intersecção
formada por eles.(...) O assassinato de Marielle Franco é uma tentativa de
matar a luta e a esperança em cada uma de nós, e de reinstaurar as relações
rígidas e desiguais de poder na sociedade brasileira. (FIGUEIREDO, p 1082,
2018)

O crime contra Marielle tem como objetivo político enviar uma mensagem com
vistas a silenciar o atuante e combativo movimento de mulheres negras em todo o
país, isso porque “quando as mulheres negras se movem, toda a estrutura política e

30Atlasda Violência e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2018.


31AltoComissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
32
Mapa da violência de 2013.
33Marielle Francisco da Silva, conhecida como Marielle Franco, foi uma socióloga, política, feminista e

defensora dos direitos humanos brasileira.


40

social se movimenta na sociedade”, exatamente porque, estando na base, o


movimento das mulheres negras desestrutura/desestabiliza as rígidas e consolidadas
relações desiguais de poder do sistema capitalista. (FIGUEIREDO, p 1082, 2018).

O acontecimento ficou conhecido em um cenário internacionalmente falando,


também, pois inclusive a autora Angela Davis, em uma de suas passagens pelo
Brasil34 expôs sua opinião sobre o caso. O assassinato de Marielle Franco é uma
tentativa de matar a luta e a esperança em cada uma de nós, e de reinstaurar as
relações rígidas e desiguais de poder na sociedade brasileira. (DAVIS, 2017)

A história do movimento feminista, de acordo com Toledo (2001), pode ser


compreendida a partir de três grandes ondas. A primeira se situa no final do
século XIX, denominado de movimento sufragista (luta por direito ao voto
feminino) e por direitos democráticos (direito ao divórcio, educação completa,
trabalho, etc.). A segunda, no final dos anos 60, a luta por liberação sexual, e
a terceira, no final dos anos 70, uma luta de caráter sindical, protagonizada
pela mulher trabalhadora, na América Latina. Para a autora, a maior de todas
essas lutas, que tomou uma dimensão internacional, foi pelo direito ao voto.
O Brasil foi o quarto país do hemisfério ocidental a promulgar, em 1932, esse
direito que, em 1937, foi cerceado com a chegada da ditadura do Estado
Novo. (GHELEN, p 2)

A Marcha das Mulheres Negras ocorrida em Brasília no dia 18 de novembro de


2015, foi um acontecimento que reuniu cerca de 50 mil mulheres35 em prol de seus
direitos como cidadã e mulher. Dados do Censo de 2010 indicam que as mulheres
negras são 25,5% da população brasileira (48,6 milhões de pessoas) e são as maiores
vítimas de crimes violentos. Segundo o Mapa da Violência 2015, os assassinatos de
mulheres negras cresceram 54,2% no período de 2003 a 2013, ao passo em que os
assassinatos de mulheres brancas caíram 9,8% no período.

A ministra Nilma Lino Gomes que estava presente no evento deu sua palavra
de apoio e incentivo aos participantes para que continuem lutando pelos seus direitos:
“Sabemos da luta que foi para cada uma estar aqui neste momento. A luta nos
estados, nos municípios e a luta cotidiana. Hoje, nós, mulheres negras brasileiras,
mostramos para o Brasil e para o mundo a nossa força, a nossa garra, a nossa
persistência e mostramos que nós temos lugar nessa sociedade. E o lugar da mulher
negra é o lugar em que ela quiser estar.” (SEPPIR, 2015)

34AngelaDavis vem à Bahia, na ocasião da conferência proferida em 25 de julho de 2017


35 Dados pela Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)
41

Juntamente estavam importantes representantes como a secretária especial de


Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos
Direitos Humanos, Eleonora Menicucci, da diretora da ONU Mulheres e ex-vice-
presidente da África do Sul, Phumzile Mlambo, e da consulesa da França em São
Paulo, Alexandra Loras, além de parlamentares, lideranças sindicais e universitárias.

Algo que conta muito como canal de comunicação, atualmente no século XXI,
são as mídias sociais; e segundo estudo divulgado eMarketer36 coloca o Brasil como
os principais usuários de redes sociais em toda a América Latina.

Internacionalmente falando, é notável que a imagem brasileira não seja tão boa
considerando o cenário político, social, educacional, de segurança, etc, pois o que
mais chama atenção são as notícias ruins. Assim, é importante que o Brasil se
imponha desta forma, com manifestações, revoltas e com a população indo em
encontro aos seus direitos, para que a imagem vítima e dependente dos europeus,
por exemplo, devido a colonização, possa desaparecer.

Há uma imagem brasileira de um povo feliz e sem preconceitos, mas Andrews


coloca de uma maneira diferente e afirma que

Nada refuta mais efetivamente o mito da "democracia racial" do Brasil que a


extensa história da luta dos negros neste país. Nos últimos cem anos, nota-
se uma progressão, desde o movimento abolicionista dos anos 1870 e 80,
através das organizações culturais e políticas do período pós-1920 (a mais
proeminente das quais foi a Frente Negra Brasileira, banida por Getúlio
Vargas em 1937), até o Movimento Negro Unificado de hoje. Esses
movimentos são uma evidência conclusiva — como se fosse necessária —
da contínua existência da discriminação e desigualdade racial na multirracial
sociedade brasileira. (ANDREWS, 1985)

Como é evidenciado com os números, há uma grande história de preconceito


entre população brasileira, de fato, assustadores, quando se pensa em uma
população inteira. Esse racismo enraizado na cultura brasileira, e no mundo todo, não
pode ser mudado, entretanto, a luta continua para que isso seja quebrado de certa
forma, e que as mulheres consigam alcançar o objetivo de serem tratadas com
respeito e igualdade, como qualquer outro ser humano.

36
A eMarketer é uma empresa de pesquisa de mercado subsidiária de 93% que fornece informações
e tendências relacionadas a marketing digital, mídia e comércio. A eMarketer, fundada em 1996, está
localizada em Nova York, NY.
42
43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que, como foi especificado no decorrer da pesquisa, atualmente


ainda temos muitas desigualdades e injustiças ocorrendo com mulheres, e
principalmente mulheres negras, e que infelizmente isso é decorrente de um passado
que não fizemos parte, porém carregamos a culpa ainda hoje.

No presente trabalho, foi discutida a vida das mulheres como tal, desde o
surgimento do termo “feminismo”, e o porquê de ele ter surgido, e assim, sendo capaz
de compreender que devemos reconhecer os direitos que temos hoje. Muitas
mulheres sofreram para chegarmos onde estamos, através de lutas, manifestações,
levando importantes temas para serem discutidos e defendidos como o direito ao voto,
ao casamento, direito a trabalhar e de não ser submissa a ninguém.

No primeiro capítulo, aprendemos que o feminismo não é apenas uma palavra


que pode ser caracterizada como fútil, pois temos muita história por trás. Acredito que
seja uma possibilidade de darmos mais valor para os direitos que nós, mulheres,
temos hoje, pois como já dito aqui, muitas sofreram e temos o dever de honrar tudo
que foi pago por nós.

É importante destacar que muitas conquistas foram obtidas no decorrer dos


anos de cada onda, entretanto, ainda há muito o que lutar e muitos direitos a serem
adquiridos como por exemplo, a igualdade, sendo uma questão tão importante mas
que infelizmente não temos completamente dentro da sociedade.

No segundo capitulo, podemos nos inspirar através dos pensamentos e


contribuições de algumas das militantes feministas negras que foram mostradas no
presente trabalho. De forma que possamos identificar que, de modo geral, temos
importantes influencias que devem ser reconhecidas pela coragem de protestar em
prol de seus direitos.

Podemos destacar que a sabedoria de cada uma, é válido que estas sejam
levadas em conta, pois as mulheres escolhidas para este trabalho, foram mulheres
que viveram (e ainda vivem) os preconceitos por serem negras, e têm propriedade
naquilo que estão relatando.

No decorrer do terceiro capitulo, pode-se concluir que o Brasil é um país


extremamente machista e racista. Infelizmente não se pode contrariar os dados e
44

informações que foram mostradas aqui, pois estas, retiradas de fontes confiáveis, nos
provam que o país que vivemos ainda precisa crescer e muito quando se trata de
respeito ao próximo. Ainda mais se o próximo for uma mulher, e negra.

É importante salientar que as mulheres negras brasileiras não desistiram de


conquistar seus direitos e igualdades, pois como mostrado aqui, manifestações
ocorrem e várias pessoas as alcançadas através destas, levando assim, talvez um
bom senso do brasileiro de que se deve respeitar o próximo independente de qualquer
coisa.

Como estudante de Relações Internacionais, aprendemos durante a graduação


a adquirir um senso crítico muito mais aguçado, e desenvolvemos uma percepção do
mundo totalmente diferente dos outros. De forma que nossos olhos são abertos ao
longo dos anos de estudos com um enorme leque de conhecimento que nos são
proporcionados através de nossa grade curricular, que é absurdamente ampla,
também é levado em consideração durante a fase de aprendizado, a forma como
vemos as pessoas e em como é necessário dar importância, respeito e apoio a cada
um, independentemente de sua raça, cor, opção sexual, classe, etc.

Quem sabe, em um futuro não tão distante, a sociedade evolua como tal e
comece a entender que são as diferenças que nos fazem únicos e ninguém deveria
ser punido ou discriminado por causa disso. Não é possível mudar a bagagem que
carregamos devido ao passado, mas as ações futuras de como encaramos injustiças
sendo feitas, só dependem de nós.

De fato, pôde-se retirar um resultado positivo da pesquisa apresentada,


aprendendo que não é questão de privilégios e nunca foi, mas sim, uma questão de
dividas sendo pagas. Nossos antepassados falharam como seres humanos, então
temos o dever sim de lutar junto a população negra, e prover apoio principalmente as
mulheres, para tentarmos ao menos isentar as próximas gerações que estão por vir.
Lugar de mulher é onde ela quiser estar, mas lugar de mulher negra é onde ela quiser
estar, e mais um pouco.
45

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