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Roberto B.

Graña
Roberto Barberena Graña é membro
­titular da International Psychoanalytical
Association e analista de crianças e adoles- Transtornos da Identidade
centes pela mesma entidade (IPA), ­doutor de Gênero na Infância
em Letras pela Universidade Federal do Roberto B. Graña escritos selecionados
Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor e
supervisor do Instituto Contemporâneo de

TRANSTORNOS da identidade de gênero na infância ESCRITOS SELECIONADOS


Psicanálise e Transdisciplinaridade (ICPT), Alguns livros são escritos para serem relidos. Este livro reúne dez escritos, seleciona-
dos e revisados pelo autor, que foram
onde coordena seminários regulares sobre
produzidos ao longo de treze anos (1988-
a psicopatologia da infância e as obras Outros são reescritos para serem lidos com um novo olhar.
2001) de investigação teórico-clínica
de Donald Winnicott e Jacques Lacan. continuada sobre o desenvolvimento e as
Durante o ano de 2001, ministrou o primei- A presente obra concilia estas duas premissas, de forma honesta perturbações da identidade de gênero na
ro seminário clínico regular de psicanálise e direta. criança.
de crianças e adolescentes na Sociedade
Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre e, Originalmente publicados como artigos
Os textos versam sobre questões como transexualismo, em periódicos ou como capítulos de li-
posteriormente, assumiu durante os anos
travestismo, fetichismo, masculinização e feminilização, vros, estes textos são revisitados após
de 2002 e 2003 a coordenação do semi-
imprinting, transtornos fronteiriços e a utilização terapêu- quase uma década da conclusão do traba-
nário introdutório à obra de Winnicott na
tica do brinquedo e da técnica do squiggle. lho de pesquisa, tornando-se objetos de
mesma instituição, da qual é membro con- um olhar crítico que lhes é dirigido por
vidado. Na última década ditou cursos de seu próprio autor.
extensão em diversas universidades do Rio Seu autor, Roberto Graña, abre mão do conforto do (re)conhe-
Grande do Sul (ULBRA, FURG, URI, IESA) e cimento, acumulado por anos de prática clínica e estudo A composição deste volume possibilitará
mantém grupos de estudo permanentes de crítico, e revisita estes e outros temas complexos e recor- ao leitor o acompanhamento das trans-
introdução às obras de Winnicott e Lacan. rentes em psicanálise de crianças. formações processadas no pensamento
Possui oito livros editados: D.W.Winnicott
- Estudos (1991); Técnica Psicoterápica TRANSTORNOS de Roberto Graña, que aparece no cená-
rio psicanalítico brasileiro como um in-
na Adolescência (1993); Além do Desvio
Sexual - teoria, clínica, cultura (1995); dA identidaDe De vestigador independente que antecedeu
em uma década o estudo sistemático das
Homossexualidade – formulações psica­
nalíticas atuais (1997); A Atualidade gênero na infância questões de gênero em nosso meio.

Outras obras do autor pela Casa do


da Psicanálise de Crianças (2001); A ESCRITOS SELECIONADOS
Atualidade da Psicanálise de Adolescentes Psicólogo:
(2004); A Carne e a Escrita: um estudo psi-
canalítico sobre a criação literária (2005), • A Atualidade da Psicanálise de
e Origens de Winnicott – ascendentes psi- Crianças (2001)
canalíticos e filosóficos de um pensamento • A Atualidade da Psicanálise de
original (2007), além de mais de cinquen- Adolescentes (2004)
ta publicações em revistas, jornais e anais • A Carne e a Escrita (2005)
de congressos nacionais e internacionais. • Origens de Winnicott (2007)
Transtornos da Identidade
de Gênero na Infância
Escritos Selecionados
Roberto B. Graña

Transtornos da Identidade
de Gênero na Infância
Escritos Selecionados
Seu desejo não era desejo corporal.
Era desejo de ter filho,
de sentir, de saber que tinha filho,
um só filho que fosse, mas um filho.

Procurou, procurou pai para seu filho.


Ninguém se interessava por ser pai.
O filho desejado, concebido
longo tempo na mente, e era tão lindo,
nasceu do acaso, o pai era o acaso.

O acaso nem é pai, isso que importa?


O filho, obra materna,
é sua criação, de mais ninguém.
Mas lhe falta um detalhe,
o detalhe do pai.

Então ela é mãe e pai de seu garoto,


a quem, por acaso,
falta um lobo de orelha, a orelha esquerda.

(Maternidade, Carlos Drummond de Andrade)


Para Ricardo Rodulfo, amigo e interlocutor.
© 2009 Casapsi Livraria, Editora e Gráfica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidade,
sem autorização por escrito dos editores.

1ª edição
2009

Editores
Ingo Bernd Güntert e Jerome Vonk

Assistente Editorial
Aparecida Ferraz da Silva

Capa
Ana Karina Rodrigues Caetano

Produção Gráfica
Fabio Alves Melo

Projeto Gráfico & Editoração Eletrônica


Carla Vogel e Sergio Gzeschenik

Preparação de Original
Maria Aparecida Viana Schtine Pereira

Revisão
Flavia Okumura Bortolon

Revisão Final
Jerome Vonk

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Graña, Roberto Barbarena


Transtornos da identidade de gênero na infância : escritos selecionados / Roberto
Barbarena Graña. -- São Paulo : Casa do Psicólogo®, 2009.

Bibliografia
ISBN 978-85-7396-653-4

1. Crianças - Desvios sexuais 2. Crianças e sexo 3. Homossexualidade


4. Identificação (Psicologia) 5. Psicanálise infantil 6. Transexualismo I. Título.

09-07726 CDD-618.928917
Índices para catálogo sistemático:
1. Crianças : Transtornos da identidade de
gênero : Psicanálise infantil 618.928917

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à

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Rua Santo Antônio, 1010
Jardim México • CEP 13253-400
Itatiba/SP – Brasil
Tel. Fax: (11) 4524.6997
www.casadopsicologo.com.br
Sumário

Prefácio............................................................................. 11

1. Condições de gênese, organização e formas clínicas


dos distúrbios identificatórios na infância (1989)........... 15

2. A questão do imprinting e a etiologia dos transtornos


da identidade de gênero (1992)....................................... 61

3. Da gênese à clínica dos distúrbios identificatórios em


meninos: o “real” e o transferencial (1994)..................... 85

4. Travestismo e fetichismo em um menino fronteiriço


de quatro anos e meio (1995).......................................... 109

5. Relato do tratamento psicanalítico de uma menina


precocemente masculinizada (1993)................................ 137

6. A proposição transferencial do desvio sexual: posições


sobre o problema da perversão na infância (1988).......... 159

7. A utilização terapêutica do squiggle com um menino


precocemente feminilizado (1992).................................. 193
8. Algumas questões sobre a violência a partir de um
caso de travestismo infantil acompanhado
longitudinalmente (1998)................................................ 217

9. Dificuldades no diagnóstico e tratamento psicanalítico


de crianças com perturbações da identidade
sexual (2001)................................................................... 239

10. Ma vie en rose: problemas de ordem ética, técnica


e idiossincrásica na análise de crianças com
transtorno da identidade de gênero (2001)...................... 261
Prefácio

Em um breve escrito utilizado como prefácio para


O grão da voz1, onde trata da passagem da palavra falada à
palavra transcrita, Barthes refere-se a essa preparação, a
esse trabalho de depuração, como “a toalete do morto”.
Reingressar nas falas ou textos produzidos ao longo de anos
implica, mais que revisá-los, reescrevê-los e revivificá-los,
extrair deles novos efeitos de sentido, reencontrar e subver-
ter aquele Eu enunciante que deitava sobre os fenômenos un
certain regard significando-os em consonância com as evidên-
cias e inferências dadas em sua percepção e vigorantes em
seu pensamento em outro tempo; implica, portanto, ir além
de uma simples formalidade. Este trabalho de fato impõe ao
autor um sacrifício maior, porque além de deparar-se com
dificuldades técnicas consideráveis, inerentes à tarefa que
se propõe, ele desejará ir além da simples reenunciação de
verdades extemporâneas, de verdades às quais o saber pre-
sente do autor não habita mais. Pretenderá fazer-se dizer e
ler na diferença.

1 Publicação póstuma que reúne as transcrições da maior parte das entrevistas conce-
didas em francês por Roland Barthes.
T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

Considerei importante matizar estes escritos, mais ou


menos antigos, com as atuais tonalidades da minha forma
de pensar, falar e formular proposições teóricas apoiadas em
material clínico. Isto parece operar no sentido de uma reafir-
mação de presença autoral e permitir ao autor reapropriar-se
de trechos dos seus próprios caminhos e de fragmentos da
sua produção. Proporciona-lhe, sobretudo, uma nova opor-
tunidade de criação intelectual e de exercício da escrita, que
laborando sutilmente sobre o texto original (o qual, segundo
Deleuze, não existe) é capaz de retomar a reflexão suspensa,
preterida pelo tempo, preservando os enunciados sintag-
máticos e os conteúdos principais (que já não coincidem
inteiramente com a posição intelectual do autor) fazendo
repercutir as premissas com eventual atualidade e utilidade
(nas quais se formaliza o seu legado) aos que novamente se
debruçam hoje sobre estas mesmas complexas e inexauríveis
questões, demasiadamente humanas.
A composição de Transtornos da identidade de gênero
na infância implicou a passagem por essa experiência, nem
sempre prazerosa, de flagrar-se em erro, de descobrir-se in-
gênuo, ignorante, moralista, tendo como intenção permitir
que estes equívocos continuem presentes nos escritos, por
testemunharem verdades de outro tempo e documentarem a
démarche de um trabalho de investigação que se estendeu por
quase quinze anos. O leitor constatará que o livro assume a
feição de uma errata constante, onde cada capítulo completa
ou critica o anterior, atingindo um ponto em que importan-
tes pressupostos que sustentam a construção teórico-clínica
escancaram a sua inconsistência, impondo ao autor um re-
posicionamento quase radical. Isto se faz mais evidente no

12
Prefácio

último terço do livro, que é notavelmente um produto desse


oneroso trabalho de desconstrução.
Os escritos que compõem este volume tiveram a forma
inicial de artigos e ensaios independentes, que foram poste-
riormente publicados como capítulos em três livros: Além do
desvio sexual: teoria, clínica, cultura (1995), Homossexualidade:
formulações psicanalíticas atuais (1997) e A atualidade da psicaná-
lise de crianças: perspectivas para um novo século (2001). Embora
todos eles tenham passado por revisões, estas visaram, com
raras exceções, a escrita - estilo, sintaxe, estética do texto -
permitindo que a repetição operasse a produção da diferença
que conduz o pensamento a aproximar-se vertiginosamente
de novas verdades sem poder, jamais, enunciá-las inteira-
mente. Houve, portanto, em alguma medida, uma atualização
das ideias, mas não houve revisão nem atualização da biblio-
grafia originalmente utilizada.
Como propõe Blanchot, ao longo da sua redação um
livro desloca a narrativa para diferentes centros; a cada mo-
mento cada um destes centros aparece como o núcleo da
narrativa e, finalmente, o centro abandona o livro, que se
conclui ex-centricamente. Mas é no momento em que o li-
vro fica pronto que também o autor desaparece, pois o livro
não necessita mais dele e já não lhe pertence, é agora de do-
mínio público. Nesse sentido, convoca co-autorias as mais
diversas, desdobra-se em releituras, fragmenta-se sob ação
da crítica e reescreve-se na heterogeneidade das repetições.
A reunião dos principais escritos que demarcam a abertu-
ra, a vigência e o fechamento de determinado tempo/espaço
ocupado pela reflexão continuada sobre um tema, problema
ou objeto parece ser intimamente motivada por esse anseio

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

de reapropriação; isto depois de havermos tomado deles


uma distância mínima suficiente para concluir, sem estar-
mos disso plenamente convencidos, que a sua publicação
provavelmente se justificará.

Roberto B. Graña
POA, março de 2009.

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1.
Condições de gênese, organização
e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância (1989)

As perturbações do processo identificatório que afetam


a constituição da identidade sexual da criança manifestam-se
comumente nos es­tágios iniciais do desenvolvimento emocio-
nal, e podem ser distinguidas de acordo com a sua expressão
sintomática, época de aparecimento, organização defensiva
pre­dominante e pontos de fixação (Freud) ou de congelamen-
to de traumas ambientais (Winnicott).
Sempre que nos defrontarmos, em nos­sa atividade clí-
nica, com pacientes cujo motivo de consulta aponta nes­ta
direção, deveremos ter em mente que estes desvios têm como
condi­ção apriorística para o seu surgimento uma distorção
profunda da matriz representacional de gênero na família,
operando no nível das identificações primordiais1. Quando se
fala em matriz representacional familiar alude-se, esclareça-
mos de início, tanto às produções fantasmáticas onipotentes
da criança, quanto a atitudes e ações efetivas das pessoas
que direta e indiretamente desempenham funções parentais
junto à criança, o que em alguns casos pode restringir-se

1 Em Melvin Glasser (1985), por exemplo, encontramos uma definição sumária para os
desvios sexuais segundo a qual “as per­versões podem ser entendidas como trans-
tornos da identificação”.
T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

unicamente a um dos pais e, às vezes, a um substituto com


ou sem parentalidade biológica.
Sabemos que a atribuição de sexo e a representação de
gênero operada pelo ambiente atuam como referências pri­
mordiais para a orientação psicossexual a ser seguida pela
criança, e que esta pode, inclusive, opor-se à sua condição
anatômico-fisiológica, contrariando radicalmente a biologia.
Os traba­lhos de Robert Stoller com pacientes intersexua-
dos (pseudo-hermafroditas) evidenciam que a identidade
de gênero é inscrita e sustentada, em seu desenvolvimen-
to, sobretudo pelo mandato explícito ou implícito do desejo
familiar (masculinizante ou feminilizante), o que o leva a afir-
mar, contrariando Freud, que “a anato­mia não é o destino”
(Stoller, 1975).
De acordo com as variações na organização primária
das relações de objeto e na forma como se internalizaram os
esquemas relacionais dos primeiros anos de vida, a criança
encontrará maior ou menor faci­lidade para tornar compatí-
veis seu sexo e seu gênero, i.e. sua condição natural biológica
e a representação psíquica desta.
Se o núcleo da identidade de gênero, tal como hoje o
compreendemos, constitui-se (com a identidade subjetiva) de
forma pictográfica na fase inaugural da vida através do proces-
so originário, o qual, como nos diz Piera Aulagnier (1975),
desenha um fundo representativo a partir do qual o sujeito
irá posteriormente estruturar-se, é certo que este introjeto
primordial anterior às representações por fantasia ou por ide-
ação, correspondentes aos processos primário e secundário,
exercerá uma influência permanente, se não decisiva, sobre
os patterns posteriores de escolha de objeto amoroso e de po-
sição ou atitude sexual.

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

A articulação, em etapas iniciais do desenvolvimento,


de organizações defensivas rigidamente estruturadas, as
quais se espetaculizam por estereotipias comportamentais,
permite-nos falar em manifestações de erotismo atípico
que excedem notavelmente a comum atividade erógena dos
anos de infância. Como tais manifestações “desviantes”
na criança pequena possuem, porém, maior plasticidade,
permitindo uma aproximação terapêutica efetiva em signi-
ficativa parte dos casos, irei referir-me a estes transtornos
como conotativos de organizações, e não de estruturas, o
que parece-me implicar uma maior mobilidade econômico-
dinâmico-estrutural, não obstante alguns autores utilizem
ambos os termos indistintamente.
É importante ressaltar que as formas de manifestações
atípicas ex­cedem em muito, por sua diversidade fenomênica,
as organizações psíquicas com as quais podem estar even-
tualmente associadas. As particularidades do transtorno de
identidade de gênero, de seus determinantes subjetivos e am-
bientais, deveriam possibilitar-nos distingui-lo especificamente
de categorias outras, como as condições neuróticas, psicóticas
ou sociopáticas, em que a conduta sexual des­viante poderá ser
ocasionalmente observada. É pertinente acrescentar, no entan-
to, que na infância inicial estes quadros clínicos podem não
estar suficientemente bem caracterizados, sendo possível dife-
renciá-los diagnosticamente apenas depois de algum tempo de
observação cui­dadosa e de acompanhamento atento.
Em concordância com Goldstein & Baranger (1989), en-
tendo que o conceito de “perversão” em psicanálise envolve
sempre a questão sexual, não incluindo, portanto, as diversas
formas de manifestações destrutivas e criminais em que este

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elemento não é preponderante, para as quais tem sido propos-


to, eventualmente, o termo “perversidade”. Não concordo, da
mesma forma, que o termo “per­versão” possa ser designativo
de qualquer manifestação da sexualida­de que não siga os pa-
drões heterossexuais convencionais. Se as condutas fetichistas e
travestistas, por exemplo, costumam estar associadas frequente-
mente à organização assim referida, o mesmo não acontece com
a homos­sexualidade, que não necessariamente pressupõe uma
perversão, po­dendo expressar também um sintoma neurótico
ou psicótico, de caráter per­manente ou transitório.
Considerarei, a seguir, as diferentes formas clínicas pelas
quais o distúrbio identificatório se dá a conhecer nas etapas
iniciais do des­envolvimento da criança. Terei por critério tran-
sitar pelo espectro das manifesta­ções da sexualidade atípica
iniciando pelos quadros clínicos que mais se aparen­tam gené-
tica e fenomenicamente com os transtornos psicopatológi­cos
maiores – as psicoses – abordando posteriormente as formas
clínicas menos severas, que se aproximam das perturbações
neuróticas e em que talvez de­vêssemos nos limitar a designar
como atípica, desviante ou mesmo “perversa” apenas a condu-
ta, às vezes circunstancial, não havendo um comprometimento
maior da organização da personalidade como um todo.

Transexualismo

O termo transexualismo, popularizado pelo psiquia-


tra Harry Benjamim (1964) tem se prestado a diversos usos,
distorções e mistificações. Originado num contexto clíni-
co psiquiátrico em que se avaliava, em pacientes adultos, a

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

oportu­nidade de uma cirurgia “corretiva” de sexo (conver-


sion operation) que traria, supostamente, a felicidade a um
invertido condenado pela anatomia a sofrimentos infindos, o
transexualismo foi estudado entusiasticamente por um grupo
de psicanalistas norte-americanos na década de 1960.
A utilização desta categoria clínica para o diagnóstico
de transtorno da identidade de gênero na infância, ou para a
prognose de transexualismo adulto em meninos hiperfemi-
nilizados ou em meninas hipermasculinizadas, implica um
necessário questionamento referente a sua utilidade descriti-
va e a sua especificidade como organização.
Os autores que adotam esta terminologia diagnóstica
apresentam este transtorno como a manifestação mais radical de
inversão pervasiva da identidade sexual do indivíduo. Benjamin
descreve seus pacientes como pessoas de sexo masculino que,
mesmo sabendo-se homens e biologicamente normais, encon-
tram-se profundamente inconformados com o seu sexo biológico
e desejosos de modificá-lo. Desde muito cedo estas crianças
manifestaram repúdio pe­los genitais e anseio permanente de se-
rem meninas, conduzindo-se como tais e de forma não afetada.
Conforme Stoller (1975) estes meninos costumam ser muito
bonitos, e mesmo que não o sejam efetivamente, apresentam-se
aos olhos da mãe como fisicamente per­feitos. A beleza “real” da
criança e as disposições presentes na mãe e no pai (na matriz
identificatória) seriam o “combustível” e a “centelha” para o de-
sencadeamento do processo de feminilização radical.
As mães destas crianças costumam ser mulheres croni-
camente deprimidas, com importantes déficits narcisistas e
apresentando, frequentemente, uma conduta viril, presente ou
passada. Com relação ao filho, elas possuem uma expectativa

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messiânica de restauração fálico-narcísica de seu self lesado,


o que as leva a crerem-no um semideus quando ele nasce. Este é,
então, convertido no que Stoller denomina “falus feminilizado”
da mãe, com o qual se estabelece uma relação vivenciada por
ambos como “perfeitamente harmônica”. É necessário para isso
que qualquer esboço de virilidade seja desencorajado, siste­mática
e antecipadamente, por uma atitude psíquica e sutis condutas
maternas que evitam à mãe o insuportável reconhecimento da
masculinidade do menino. A extrema simbiose que se instala
entre ambos é comparada por Green­son (1966) à dos cangurus
com suas crias, onde o filhote se desenvolve no interior da bolsa
marsupial mantendo com a mãe a maior proximi­dade física ima-
ginável durante um período de tempo prolongado.
O pai, como função (simbólica) e frequentemente como
pessoa (real), é totalmente ausente deste encravo vincular.
A relação pai-filho não tem registro como tal na experiência
psíquica da criança. Observe-se que aqui não há apenas um
“enfraquecimento” da imago paterna, ela simplesmente “não
existe” no universo fantasmático da criança que, via de regra,
se defrontará pela primeira vez com um homem passível de ser
assim significado du­rante a sua análise. Este pai só foi na ver-
dade escolhido por suas ca­racterísticas pessoais de alheamento,
de omissão e de passividade, que foram apenas suportáveis pela
esposa e favoreceram, posteriormente, o idílio extasiante e ex-
cludente entre mãe e filho. Não obstante, a homossexuali­dade
paterna, latente ou manifesta, é menos comum nestes casos do
que nas “aberrações sexuais” em que, segundo Stoller (1975),
intervém a ansiedade de castração (travestismo, exibicionismo,
fetichismo). O transe­xualismo primário, para Stoller, não seria
uma perversão, como tam­bém não seria uma psicose.

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

Em suas tentativas de esclarecimento genético-dinâmico


desta condição Stoller recorre, inclusive, ao conceito de
imprinting, da etologia, para dar uma ideia de como, desde os
primeiros instantes de suas vidas, es­tes meninos recebem im-
pressões e sinais de suas mães que lhes suge­rem sempre a
adoção de comportamentos femininos, embora não se obser-
vem manifestações de hostilidade da mãe para com a criança.
Elas “os feminilizam sem castrá-los”, diz Stoller. Esta relação,
insolitamente harmô­nica, parece aproximar-se daquela, ideal-
mente descrita por Freud como livre de ambivalência, entre a
mãe e o seu primogênito homem (Stoller, 1969).
Ao avaliarmos uma criança de sexo masculino com es-
tas características teríamos a impressão de estar efetivamente
observando uma menina. O compor­tamento seria suave e na-
tural, sem simulação, os gestos delicadamente femininos, sem
a afetação do efeminado ou a excitação da criança tra­vestista.
O intenso sofrimento destes meninos começaria com o início
da vida escolar, que quebra a serenidade do convívio simbió­tico
com a mãe e expõe a criança a sucessivas humilhações, às quais
ela própria parece não entender, que a levam pela primeira vez
a tomar consci­ência, através do convívio com os outros, (o que
raramente é favorecido antes dessa idade) da sua atipia.
Os casos mais conhecidos comunicados na literatura
são os de Lance, um menino de cinco anos, analisado por
Greenson (1966), e o de Nikki, cuja história pessoal é relata-
da por Stoller (1975).
Lance foi tratado por apresentar uma compulsão tra-
vestista que se expressava de forma extravagante e que era
acompanhada por interesses e comportamentos feminoi-
des generalizados, francamente incentivados pela família.

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
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Ele tinha uma identificação intensa com a boneca Barbie,


com a qual às vezes parecia confundir-se. Greenson enten-
deu que o transe­xualismo de Lance se devia a um contato
exageradamente próximo com uma mãe possessiva, que o
engolfava totalmente em termos tá­teis, visuais e afetivos,
e à existência de um pai desprezado, fracassado e isolado
dentro da família.
Nikki, cujo nome é a contração de “Verônica”, nome
que a mãe desejava dar a uma filha, começou a ser observado
com quatro anos, quando tinha já uma identidade totalmente
feminina. Ele era vestido diariamente de mulher, pela mãe,
que o maquiava e o registrava nos hotéis como menina, quan-
do viajavam. Nikki gostava de usar vestidos românticos e de
ter o cabelo longo pela cintura. A distorção extrema da iden-
tidade sexual de Nikki parecia estar claramente relaci­onada à
relação intensamente simbiótica e ininterruptamente manti-
da com a mãe, uma desenhista de moda, e à ausência do pai,
um empresário mais velho que achava a família maçante.
A hipótese clínica do transexualismo como estrutura é
dificilmen­te sustentável, sobretudo por seus estritos critérios
diagnósticos que são raramente satisfeitos pela experiência.
As noções de uma “simbiose feliz” (blissful symbiosis), de uma
“feminilização sem castração”, de “ausência absoluta de introje-
ção paterna”, de “travestismo sem excitação” (que nem mesmo
os dois casos citados corroboram), além da insistência de Stoller
em que os transexuais não são mais neuróticos ou psicóticos
do que qualquer pessoa, têm sido contestadas clínica e teorica­
mente por diversos autores, especialmente os franceses.
A este respeito, afirma Joël Dor (1987): “Somos ten-
tados a situar a problemática transexual neste entremeio

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

que assinala a linha divisória das perversões e das psicoses”,


aludindo claramente à convicção delirante que produz e dá
voz ao imaginário infantil na demanda de troca de seu corpo
por outro corpo. Como não ver aqui um fracasso dos proces-
sos primitivos de personalização e de realização (Winnicott,
1945) na constituição do psiquismo infantil?
Citando Czermak, escreve Dor:
Esta virtualidade transexual é o que me parece presente em
toda psicose sob a vaga forma daquilo que se costuma cha-
mar de homossexualidade psicótica. Do mesmo modo que
o delírio interpretativo é uma das formas de cristalização da
psico­se, o transexualismo é uma outra, cujos termos estão
presentes na pró­pria margem de toda psicose.

A posição do autor parece ser aqui bastante crítica e clara.


Para Millot (1983), da mesma forma, o transexualismo é algo
que vem em resposta ao sonho de apartar e, inclusive, de abolir
os limites que demarcam a fronteira entre o real e o imaginário.
A autora lembra que “os primeiros casos de transexualismo re-
latados pelos psiquiatras e sexólogos pare­cem ter sido casos de
psicose”, e acrescenta que Lacan já sustentava que na psicose
havia uma forte pendência para o transexualismo2, apresentan-
do o caso Schreber, com seu delírio nuclear de transforma­ção,
para ilustrar exemplarmente esta possibilidade.

2 Em seu seminário ditado em 1971, De um discurso que não fosse semblante, ele re-
comenda aos ouvintes a leitura de Sex and Gender, de Stoller, que havia sido lançado
em 1968. Apesar do interesse sobre o tema do transexualismo e da boa impressão
sobre os exemplos e descrições de stoller, Lacan surpreende-se com o fato de a
face psicótica desses casos ser totalmente eludida pelo autor. Atribui esta falha da
teorização stolleriana ao fato de que “nunca lhe chegou aos ouvidos a foraclusão
­lacaniana que explica prontamente e com muita facilidade a forma desses casos”.

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

Mesmo alguns autores anglo-saxões, como Galenson &


Roiphe (1984) mostram-se céticos com relação à reconstru-
ção histórica stolleriana de uma “simbiose excessivamente
íntima e feliz”. Afirmam, contrariamente, que:

Tudo o que sabemos sobre as mães bissexuais e cronicamente


deprimidas dos transexuais sugere que existe uma simbiose
altamente perturbada e comprometida, com uma distorção
significativa na subsequente separação-individuação e nas fa-
ses iniciais do desenvolvimento genital.

Da mesma forma, Lothstein (1988) sustenta que os


distúrbios da identidade de gênero são consequentes a im-
portantes falhas no processo de constituição do self nuclear
e a graves deficiências empáticas dos self-objetos, as quais
determinam uma integração egoica e uma coesão narcísica
precá­rias que tem como consequência o comprometimento
geral da personalidade individual.
Pode-se constatar, portanto, o quanto o estatuto no-
sológico do transexualis­mo, como entidade psicopatológica,
fica essencialmente abalado por sua inconsistência descriti-
va, diagnóstica e metapsicológica. Nas manifestações clínicas
estudadas a seguir procurarei, à medida que se esclareçam
os condicionantes intrapsíquicos e interpessoais que estão
na base das manifestações desviantes, mostrar ao leitor que
o transexualismo não satisfaz os requisitos diagnósticos de
uma estrutura à parte, evidenciando, sim, o fracasso da defesa
perversa ou uma psicose monossintomática delirante.

24
C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

Travestismo

É comum, na literatura psicanalítica em que este trans-


torno é des­crito e estudado, relacioná-lo tradicionalmente com
as ansiedades de castração emergentes na conflitiva edípica
e na fase fálica. Vários autores coincidem ao situar o apare­
cimento do sintoma entre os três e os cinco anos de idade,
diferentemente do que ocorre no transtorno anteriormente
descrito, onde em alguns casos a feminilização do menino
pode ser observada ainda no primeiro ano de vida ou acompa-
nhando o aparecimento da fala e da deambulação. No entanto,
numerosos estudos sobre as condições de gênese da conduta
travestista cada vez mais apontam que o comportamento des-
viante pode aparecer, em muitos casos, nas etapas primitivas
do desenvolvimento, principalmente durante o processo de se-
paração-individuação. Devemos indagar, portanto, em face do
anteriormente dito, se as descrições de condutas travestistas
infantis precoces, eventualmente entendidas como prognosti-
cadoras de um transexualismo adulto, não prenunciam de fato
um travestismo compulsivo nos seus estados iniciais.
Stoller (1975) entende o travestismo infantil como uma
reação de­fensiva do menino frente a uma situação traumática
precoce, frequentemente o ato de ser travestido por mulheres
(mãe, tia , irmã mais velha, etc.). Ele classifica essa mani-
festação clínica como perversa justamente por sua etiologia
traumática (ameaças à integridade física e/ou psíquica) e pela
excitação que acompanha a conduta travestista, distinguindo-
a do transexualismo, onde não se observaria a excitação e não
se encontrariam circunstâncias trau­máticas originais.

25
T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

Ao travestista foi permitido até certo ponto desenvolver


a mas­culinidade, mas apenas, até o momento em que a mãe
a suportou. Quan­do a masculinidade do filho provoca nela
desejos hostis de vingança, ela o ataca através de manobras
humilhantes e desvirilizadoras. É co­mum que a criança ou seja
travestida pela mãe ou seja exposta por ela a situa­ções degra-
dantes para um menino. As mães são, em regra, mulheres que
apresentam manifesta competitividade com o sexo-oposto e
estrutura de caráter fálico-narcisista, precavendo-se constan-
temente contra possíveis humilhações pessoais provindas
sempre de um homem. Os pais, embora possam apresentar-
se aos olhos do filho como temíveis, são comumente homens
com grande vulnerabilidade narcísica e costumam participar
passiva ou ativamente na subjugação perversa da criança.
Entre as circunstâncias traumáticas, além do traves-
tismo inici­almente introduzido na vida da criança pela mãe
ou por terceiros e das perdas e privações primitivamente so-
fridas, Stoller (1989), num de seus últimos artigos sobre as
origens do travestismo masculino, aponta como fatores po-
tencialmente indutores de defesas e estruturações per­versas
as cirurgias (às vezes desnecessárias) realizadas em idade
pre­coce. Estes fatores são igualmente apontados como com-
ponentes gené­ticos da conduta travestista infantil por outros
autores, como Gree­nacre (1968) e Arbiser (1988).
O que parece ser um ponto de consenso entre os autores é
que o travestismo infantil evidencia em suas origens e manifesta-
ções um processo de individuação intensamente dominado pela
angústia de separação. Roiphe & Galenson (1984), relatando sua
experiência clínica com crianças travestistas, dizem que “alguns
desses meninos, face à considerável intensificação da ansiedade

26
C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

de perda objetal, desenvol­veram uma profunda identificação com


a mãe, expressa na emer­gência de um travestismo persistente,
que sugeria um desenvol­vimento travestista ulterior”. Arbiser
(1988) sugere ainda que o ritual tra­vestista só aparentemente
pode-se apresentar como uma defesa contra a castração; quan-
do a defesa fracassa, reaparece a compulsão à repetição, com a
emergência de angústias mais primitivas que es­tão em jogo e
que remontam a estágios anteriores do desenvolvimento.
É comum que os autores equiparem travestismo e fe-
tichismo no comportamento infantil e abordem, às vezes de
forma indistinta, estas duas manifestações clínicas. Stoller
chega inclusive a propor a expressão travestismo-fetichismo,
com a qual, em princípio, não concordo por razões que será
útil considerar. Acredito que o fato de que uma criança ne-
cessite transvestir-se totalmente com as roupas de sua mãe,
ou irmã, enquan­to que outra excita-se e tranquiliza-se uni-
camente ao manipular eroticamente uma parte do vestuário
ou um único atributo feminino disponível, deve necessa-
riamente levar-nos a supor que o travestismo conota uma
ameaça vívida de aniquilamento psíquico e corporal de maior
intensidade e com características mais regressivas do que a
angústia de­terminante da conduta fetichista. No travestis-
mo a criança reveste-se inteira e concretamente com a pele/
roupa da mãe, conforme propõe Greenson (1966). Há pois
uma sobreposição completa da imago materna idealizada –
à qual a criança aferra-se pelo temor de perdê-la – à precá-
ria identidade subjetiva e sexual que a criança constituiu.
A criança introduz-se no corpo da mãe de forma quase
alucinatória, afirma Glasser (1985). O travestismo serve à
função de uma segunda pele, propõe Bick (1968) em seus

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

estudos sobre o psiquismo precoce. Meltzer (1984) descre-


veu ainda o aparecimento de manifesta­ções travestistas em
crianças pós-autistas, evidenciando seu significado primitivo
como condição psíquica que se impõe para o início do esta­
belecimento de relações baseadas na identificação projetiva/
adesiva com os objetos parciais.
No caso clínico de Tim, relatado por Stoller (1989), a
hostilidade materna, presente desde o início na relação com
o filho, construiu uma história de sucessivas humilhações e
descasos que se originavam de uma “superidentificação” da
mãe com o menino. Isso fazia com que existisse uma proxi-
midade especial entre eles, construída não a partir de simpatia
ou do amor, mas do desprezo que a mãe sentia por si pró­pria
e que era exatamente o mesmo que sentia pelo filho, de forma
projetada. Ela tratou assim seu narcisismo ferido, permitindo
que o filho fosse tra­vestido e triunfando maniacamente sobre
seu passado. Tim, por sua vez, buscava triunfar sobre o trau-
ma erotizando seu ódio na encenação compulsiva do ritual
tra­vestista. Ao olhar-se no espelho travestido, ele fixava ali a
imagem mãe-filho fusionalmente com­posta, de cuja unidade
buscava repetidamente reassegurar-se.
Além do aparecimento precoce durante o processo de
dessimbio­tização, o travestismo infantil tem por condição,
reiteremos, para o seu diagnóstico, como insiste Anna Freud
(1965), a erotização excitatória do ato de vestir-se com rou-
pas femininas. Sperling (1974) sublinha que não se poderá
diagnosticar traves­tismo sem a observância de excitação ou
se no menino houver desejo expresso ou não de extirpação
dos genitais. O pênis é um órgão fun­damental na composi-
ção desta excitante imagem alegórica. A autora entende que

28
C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

a imagem da mulher fálica une-se na fantasia da criança à


imagem do homem com seios (pai pré-genital) e a criança
não quer pertencer a um sexo ou outro, mas a ambos. Ela
relaciona este desejo à onipotência e à ganância oral de ter
em si tudo, o que sugere pontos de fixação nas fases mais
primitivas do desenvolvimento. Como McDougall (1978),
Sperling descreve o alentamento, por parte da mãe, a um
desenvolvi­mento bissexual do filho, a qual desaprova suas
tentativas de identifica­ção paterna que, não obstante, estão
presentes, apesar dos ataques deflagrados por ela ao pai, que
adquire aos olhos do filho uma valência negativa.
A remoção (repúdio) onipotente do pai na realidade
psí­quica da criança – numa época em que o anseio de iden-
tificação mas­culina é presente mas vetado pela mãe – e o
atentado sofrido à masculinidade podem ser responsáveis
pela conduta masoquista des­sas crianças, que tendem repeti-
damente a provocar situações de maus-tra­tos.
No caso de Tomás, um menino de quatro anos e dez
meses, que Sperling analisou após analisar a mãe (método
que propõe), os sinto­mas travestistas estavam presen-
tes desde os três anos. Tomás gostava de usar as roupas
de sua irmã, calcinhas, camisola, etc. Tinha a fantasia de
que nascera menina e só posteriormente convertera-se em
menino; ele costumava dizer “quando eu era menina...”.
As angústias e temores que imaginariamente aterrori-
zavam Tomás eram de origem mais pri­mitiva do que a
angústia de castração e relacionavam-se a distorções e da-
nos precoces à imagem corporal, como atesta a fantasia de
ter sido inicialmente uma menina. A preocupação pela in-
tegridade corporal desempenhava neste caso uma função

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

central. Assim como temia danos físicos, Tomás também


se excitava com a fantasia de ser castigado fisi­camente,
e machucava-se, efetivamente, com muita frequência. Na
des­crição que Sperling faz da mãe como uma mulher ro-
busta, de cabelo curto e ternos de alfaiate, e do pai como
um homem pequeno, frágil e de feições delicadas, encon-
tramos na realidade externa as condições favorecedoras de
uma realidade psíquica de tal forma perturba­da, em cuja
produção fantasmática semidelirante destaca-se a bizarri-
zação da cena primordial.
Os quatro artigos conhecidos publicados por Sperling so-
bre o desvio sexual na infância são extremamente valiosos pelo
detalhamen­to clínico e pelas conclusões teóricas que de suas
descrições ela extrai. Os pon­tos questionáveis de sua teorização
serão abordados a seguir, na apresentação descritiva do quadro
clínico e de critérios para a diagnose do fetichismo infantil.

Fetichismo

Talvez pelo fato de o fetichismo ter sido tomado como


protótipo de toda a perversão, desde o trabalho clássico de
Freud de 1927, é também esta a forma de manifestação “per-
versa” infantil mais cedo estudada pelos psicanalistas e a que
talvez mais divergências teóricas tenha produzido.
O primeiro artigo escrito por um psicanalista, e publi-
cado em um periódico psicanalítico, descrevendo a conduta
fetichista infantil data de 1930 e é de autoria de Sandor Lorand,
tendo por título “Fetichism in statu nascendi”. De acordo com
a compreensão de Freud do fetiche como representando o

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

pênis ilusório da mãe, Lorand descreveu o compor­tamento


compulsivo de uma criança que tinha um apego fetichista
por sa­patos. O ponto principal deste artigo, no que tange à
configuração familiar, é a descrição dos pais exibicionistas e
demasiada­mente permissivos em seus contatos com a criança,
evidenciando a sua implicação direta na gênese do comporta-
mento aberrante do filho.
Em 1946, uma comunicação importante sobre o feti-
chismo infantil é feita por Wulff, que, além de caracterizar
clinicamente a conduta desviante, formula uma hipótese
genético-dinâmica sobre as origens do fetiche na infância.
Segundo Wulff, o fetiche pode representar um substituto do
corpo da mãe, de uma parte (conforme a hipótese freudiana),
ou de sua totalidade. Wulff propõe uma espécie de genea-
logia do fetiche, interpretando seus diferentes significados e
formas de expressão nas distintas fases do desenvolvimen-
to. Na sua origem o fetiche se relacionaria a ansiedades da
fase oral, ligadas à amamentação e ao desmame. Durante a
fase anal o fetiche serviria aos propósitos de retenção e posse
do objeto, insuficientemente estabelecido na sua totalidade.
Na fase fálica, as angús­tias mais primitivas encontrariam um
suporte no pênis, com o incremento dos temores de castra-
ção e busca de reajustamento através do fetiche, equiparado
na fantasia ao falo. A descrição que Wulff faz, porém, dos
“objetos-fetiche”, em seus estágios iniciais, parece aproximá-
los dos “objetos transicionais” que encontramos comumente
no desenvolvimento sadio ou “normal” (Winnicott, 1951), os
quais qualificava como patológicos.
Quando Winnicott publicou seu artigo clássico sobre
os objetos e fenômenos transicionais, questionou a conotação

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

patoló­gica atribuída por Wulff ao apego da criança pequena


a alguns objetos inanimados dos quais se tornará “adicta”.
Winnicott esclarece que
o objeto transicional de um bebê normalmente se torna gra-
dativamente desca­texizado, especialmente na medida em que
se desenvolvem os interes­ses culturais (...) A adicção pode
ser expressa em termos de uma re­gressão ao estágio primiti-
vo no qual os fenômenos transicionais são incontestados (...)
O fetichismo pode ser descrito em termos de uma persis-
tência de um objeto, ou tipo de objeto específico, que data
da ex­periência infantil no campo transicional, ligado a um
delírio de um falo materno.

O fetiche, para Winnicott, indicaria mais propriamente


uma patologia do objeto transicional, caracterizada pela sua
persis­tência ao longo do tempo e pela distorção de seu uso e
de sua finalidade.
Em 1960 Winnicott descreveu o caso de um menino
que apresentava uma obsessão por cordões, que com mui-
ta frequência costumava amarrar os móveis uns aos outros
dentro de casa, e cujas fantasias se associavam a maior par-
te do tempo a cordões ou similares. Investi­gando a história
do menino, Winnicott descobriu que ele havia passa­do por
várias situações de separação traumática de sua mãe, des-
de os três anos, devido a repetidas hospitalizações desta.
Além das importantes alterações do seu estado de humor
e do uso do cordão, este menino apegava-se desesperada­
mente a ursinhos de pelúcia, os quais tratava como pessoas,
e costumava reter as fezes. Através de entrevistas com a fa-
mília, nas quais esclareceu os pais sobre a relação entre estes

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

sintomas, as separações e as angústias que estas haviam


produzido, Winnicott conseguiu intervir de forma a propi-
ciar que mãe e filho abordassem, numa conversa franca, as
si­tuações de ruptura, e dessa forma o sintoma desapareceu e
o menino evoluiu favoravelmente. Winnicott entendeu que
a patologia do objeto transicional, o uso compulsivo do cor-
dão, relacionava-se à necessidade de negar a separação e que
esse comportamento repetitivo poderia conduzir ao desen-
volvimento de uma perversão adulta.
Em 1963, Sperling criticou duramente a formulação
de Winnicott sobre a transicionalidade, e concordando com
Wulff escreveu:
É mi­nha opinião que Winnicott criou muita confusão ao cha-
mar a estes fenômenos e objetos de transicionais. Segundo
acredito, eles são manifestações patológicas de uma pertur-
bação específica da relação de objeto.

Conforme Sperling, os conceitos de Winnicott são equi-


vocados e perigo­sos, e avaliam erroneamente o significado e a
função das manifestações infantis do fetichismo.
Diferentemente, Greenacre, que investigou a origem do
fetichismo em diversos artigos, abordou as diversidades entre
fetiche e objeto transicional em dois tra­balhos (1969, 1970).
Conforme Greenacre os dois fenômenos mostram marca-
das diferenças. Segundo entende, o aparecimento do fetiche
associa-se à imagem de uma mãe não suficientemente boa e in-
continente com seus sentimentos agressivos, suas angústias e
frustrações, o que pode difi­cultar o desenvolvimento da crian-
ça ocasionando uma erotização sado­masoquista prematura,
algumas vezes associada com uma genitalização precoce. Para

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
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Greenacre, a intensificação da atividade autoerótica encon­tra


sua função defensiva no controle da tensão e “assume padrões
mais ou menos automatizados. Mesmo quando um objeto ex-
terno ao corpo tenha sido escolhido, sua forma e seu uso são
mais concretizados e podem ad­quirir a característica de um fe-
tiche infantil”.
A erotização do objeto e a presença da excitação pare-
cem indicar uma distinção importante entre o uso de objetos
inanimados com objetivos transicionais e com objetivos feti-
chistas. Encontramos também em Greenacre uma referência
à época do apego ao objeto como um elemento diferencial
importante. Ela escreve: “O fetiche con­duzindo à perversão
torna-se manifesto somente no período em que o objeto tran-
sicional está perdendo a sua importância funcional”. A partir
de sua experiência clínica, Greenacre diz ter constatado que
nos desen­volvimentos perversos ocorre frequentemente uma
exposição demasiada do corpo nu da mãe ou de seus genitais
à criança, o que seria uma influ­ência perturbadora precoce
e produziria um impasse no desenvolvimento psicossexual.
Esta observação confirma as anteriormente referidas sobre a
natureza eroticamente estimulante, porém hostil, da atitude
parental e a ambivalência intensa presente nestas reações.
Greenacre afirma que a criança fetichista possui uma
distorção importante na organização da imagem corporal,
decorrente dos pa­drões relacionais que descrevemos antes,
e que o fetiche, por sua solidez e durabilidade, serve para
“consolidar a ilusão de uma suplementação materna para o
próprio corpo em crianças pequenas cuja relação pre­coce com
a mãe não foi suficientemente boa”. O objeto transicional
permite uma gradual aproximação da realidade externa, uma

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

amplia­ção do interesse da criança pelo ambiente, com um


consequente afas­tamento do corpo da mãe; diferentemente
do fetiche que, expressando dramaticamente a angústia da
criança numa dessimbiotização vivida como desgarramento,
em sua utilização compulsiva busca permanen­temente repa-
rar uma ilusão de defeito egoico e corporal.
Parece-me importante que nos detenhamos na revisão
da literatura realizada por Bak, em seu artigo “Distortions of
the concept of fetishism” (1974), visando uma maior preci-
são clínica para o diagnóstico desta condição. Bak critica o
que chama de “superextensão” do conceito de fetichismo, e
principalmente a tendên­cia de outros autores a interpretarem
o apego da criança a objetos ina­nimados, nas etapas iniciais
do desenvolvimento, como fetichismo. Bak insiste em que o
fetiche possui uma função essencial e uma fase específica: a
defesa contra a ansiedade de castração intensa que se manifes-
ta na fase fálica. Discorda, portanto, de autores como Gillespie
(1940) e Weissman (1957) (citados por Bak), que ressaltam a
predomi­nância de fatores orais e relacionam o fetiche a tentati-
vas de identifica­ção do ego com um “seio bom”.
Bak busca deixar claro que as manifestações que se cos-
tumam des­crever como fetichistas e que aparecem aos quatro
ou cinco anos, acompanhadas de uma excitação sexual difusa,
não necessariamente conduzem ao fetichis­mo adulto. Salienta
que, embora essas manifestações possam conter os mesmos
significados simbólicos e genético-dinâmicos, a quantidade de
in­vestimento e as necessidades defensivas podem reduzi-las a
meras ten­dências; não se poderia falar num fetichismo verdadei-
ro. Para Bak a con­dição sine qua non do fetichismo é a ansiedade
de castração durante a fase edípica. Para ele, o que precede a

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fase fálica não é específico do fetichismo; os cha­mados fetiches


pré-genitais defendem contra a separação, a perda objetal, a pri-
vação, a perda da integridade corporal, diferentemente do que
afirma Bak quando diz que somente se poderá falar em fetiche
infantil se o objeto servir à estimulação genital direta.
Sem necessariamente firmar posição com relação à épo-
ca exata em que se pode passar a falar em fetichismo infantil,
julgo serem importantes as manifestações pré-genitais que
Bak descreve como pre­cursoras do fetichismo infantil propria-
mente dito. Ele sugere que a relação mãe-filho que favorece o
surgimento do fetiche se caracteriza pela presença de “objetos
protéticos”. Estes objetos são antes objetos dados ou sugeri-
dos pela mãe do que objetos criados pela criança, como seria
um objeto transicional. É interessante a relação feita pelo autor
entre os cuidados maternos primários e o aparecimento das
sensações genitais na criança. Sustenta ainda Bak que
é provavelmente mais do que uma metáfora dizer que neste
estágio a sexualidade da criança (ou a esquematização geni­
tal) está na mão das mães. A vulnerabilidade específica desta
fase pode ser contingente com a emergência da representação
do objeto predo­minantemente separado.

Por isso o trauma do abandono se relaciona ao incremen-


to da angústia de castração, pois a masturbação compulsi­va
ou a atividade fetichista buscam reinstalar a presença, a cons-
tância e a gratificação sensual que o objeto assegurava, numa
tentativa de ajuste autoplástico.
Em publicação relativamente recente, Stoller (1989) re-
lata um caso de fetichismo infantil que questiona algumas das
hipóteses ante­riormente expostas, sobretudo por se tratar de

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

um menino que mani­festou a conduta fetichista com a idade


de dois anos e meio. Stoller pretende demonstrar que Mac era
efetivamente perverso, e não apenas apresentava precursores
pré-edípicos da perversão, nesse estágio precoce do desenvol-
vimento. Segundo Stoller,
em virtude de sua relação com a mãe, induzida precocemente,
impregnada de ero­tismo, mutuamente necessária, carregada
de ambivalência, uma rela­ção que o levou a desenvolver um
fetichismo erótico, ele merecia ser considerado um perverso.

Concorda o autor, porém, que o feti­chismo de Mac não


pode ser igualado ao fetichismo do adulto.
Os sintomas de Mac aparecem na época em que infeliz-
mente co­incidem, em sua vida, o nascimento de um irmão e o
seu ingresso numa escola maternal. A angústia gerada por es-
ta situação desenca­deia em Mac o comportamento fetichista,
que consistia num intenso interesse nas meias e nas pernas
de sua mãe, cujo contato direto o dei­xava muito excitado,
chegando às vezes à masturbação.
Nas situações enumeradas por Stoller como poten-
cialmente trau­máticas, no desenvolvimento inicial de Mac,
aparecem: a adoção, a circun­cisão, uma mudança de resi-
dência, uma situação em que se perdeu da mãe, a de­pressão
puerperal desta, a simbiose ambivalente de ambos e a intensa
angústia de separa­ção.
A mãe do menino (analisada por Stoller) é descrita co-
mo uma mulher triste e atemorizada, que havia tido uma
infância infeliz e que buscava na relação com o filho a cura
para sua depressão; ela tratava-o como um fetiche, uma par-
te dela ou um objeto ideal, externo a ela (um ídolo), mas

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
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que estava sendo permanentemente aspirado para o seu in-


terior. Essa descrição concorda com as de Khan (1979) e
Chasseguet-Smirgel (1984) sobre as características da rela-
ção estabelecida entre o futuro perverso e sua mãe. Mac é
descrito pela mãe como sendo “deslumbrante”, “fisicamen-
te lindo”, e tendo uma “pele maravilhosa”, mas, ao mesmo
tempo em que serve de objeto para a projeção de uma idea-
lização narcísica, ele é também hostilizado como uma parte
injuriada do self da mãe. Por isso, neste caso, o autor enten-
de que a ameaça de castração provinha da mãe. Com uma
frase, ele sintetiza as peculiaridades dessa relação: “Ela o
ama do modo como sente que sua mãe não podia amá-la e
o odeia do modo como odeia a si própria”. Mac esteve em
tratamento durante um ano e meio com um colabora­dor de
Stoller, apresentando uma evolução razoável, mas sem que
ocorresse alteração do comportamento fetichista.

Escopto-exibicionismo e sadomasoquismo

As descrições clínicas que apresentarei neste tópico são


ilus­trativas das que Freud, em 1905, referiu como configurado-
ras de pares antitéticos, nas quais ambos os comportamentos, o
ativo e o passivo, aparecem intrinsecamente associados. Freud
dizia que um sádico é sempre um masoquista e que um escop-
tofílico é frequentemente um exibicionista, encontrando o fim
sexual um duplo desenvolvimento em que ambas as condutas
perversas se alternam.
Como afirma Ajuriaguerra (1983) ao estudar os des-
vios da orientação sexual na infância, o desejo de ver, tocar,

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

e­ xibir-se, faz parte da curiosidade sexual da criança. O voyeuris-


mo e o exibicionismo estão presentes nos jogos sexuais infantis,
seja entre crianças do mesmo sexo ou de sexo diferente, por uma
necessidade de conhecimento e de con­fiança. O aumento da in-
tensidade, fixidez e frequência destes comportamentos indicará,
porém, a sua qualidade sintomática. Citando uma pesquisa de
Mutrux (1965) sobre as atividades sexuais de exibicionistas
adultos, Ajuriaguerra aponta a alta frequência destas condutas
durante os anos infantis; cerca de dois terços dos pacientes in-
vestigados relataram a ocorrência destes comportamentos em
épocas mais iniciais do desenvolvimento psicossexual.
Anna Freud (1965) encontrou, como elemento comum
em meni­nos exibicionistas, um constante temor de suas ten-
dências passivo-femininas e uma intensa angústia de castração
que os levava a enfati­zarem “aberta e superlativamente todas
as tendências opostas, com o resultado de parecerem agressiva-
mente viris e, com frequência, assu­mirem o comportamento de
exibicionistas fálicos”. Se recordarmos a conduta exibicionista
e voyeurística exibida pelo pequeno Hans (1909), conforme
nos relata Freud, veremos o quanto esta se interconecta com
as angústias de castração vividas pela criança face à conduta
contradi­toriamente sedutora e castradora da mãe, que em al-
gum momento o ameaçou claramente com um dano genital.
De outra parte, encontra­mos em seu pai uma demasiada to-
lerância aos avanços eróticos da mãe com relação ao filho e
um esforço compreensivo que, se por um lado permitia-lhe au-
xiliar efetivamente o menino, por outro poderia oferecer-lhe
uma imagem de excessiva indulgência e cumplicidade.
Na literatura psicanalítica, em que são raros os casos
clínicos rela­tados nos quais o escopto-exibicionismo aparece

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
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como sintoma principal, Sperling destaca-se como uma au-


tora que contribui de modo elu­cidativo para o entendimento
genético-dinâmico das circunstâncias ambientais que o sobre-
determinam. Num artigo em que estuda os hábitos sexuais
infantis, por exemplo, ela refere-se à típica atitude dos pais,
de nunca tomarem conhecimento da conduta perversa do
filho, como decisiva no caso de um menino que atendeu na
adoles­cência (Sperling, 1980).
Apresentando um caso de voyeurismo infantil femi-
nino, Sperling relata bre­vemente a história de uma menina
de seis anos e meio que lhe foi en­caminhada pela escola
por possuir o hábito de seduzir as colegas abai­xando-lhes
as calcinhas e inspecionando os seus genitais. Esta menina
apresentava uma perturbação geral da conduta e costumava
roubar dinheiro da mãe para, comprando doces e oferecendo-
os às amigas, conseguir que estas satisfizessem o seu desejo.
Ilustrando o comprometimento amplo do desenvolvimento
desta menina, em diferentes áreas, a autora relata que esta
garotinha – enurética, obesa e asmática – era filha de uma
mulher altamente sedutora, exibicionista e voyeurista. O pai,
que parecia estimulá-la sexualmente, havia se separado da
mulher e afastado da família; a me­nina sofria, também, se-
dução por parte da irmã mais velha. O distanci­amento físico
e afetivo do pai, com quem era muito apegada, fez com que
a menina, já anteriormente sintomática, se sentisse abando-
nada, deprimida e, identificando-se com ele, assumisse um
papel sexualmen­te agressivo. Observe-se, portanto, como um
desvio que se expressa sobre­tudo numa alteração da conduta
sexual aponta sempre para circuns­tâncias externas indutoras
que condicionam perturbações importantes em etapas primi-
tivas do desenvolvimento emocional.

40
C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

Num estudo posterior, Sperling (1980) retoma o ca-


so desta meni­na, à qual chama de Rita, e acrescenta alguns
dados importantes para o entendimento dos fatores transge-
racionais atuantes na gênese da con­duta sexual perturbada.
A mãe de Rita havia tido uma mãe extrema­mente rigorosa, pu-
nitiva, mas francamente sedutora, que partilhava sua nudez com
a filha; ocorria com frequência que elas tivessem violentas dis-
cussões em ocasiões nas quais se encontravam ambas despidas.
Nestas situações, a mãe de Rita costumava impressionar-se com
o belo corpo que sua mãe possuía, apesar da idade. Ela viria a
ter suas brigas com a filha em circunstâncias semelhantes, no
banheiro ou em seu quarto, quando as duas encontravam-se
igualmente desnudas. Ao separar-se do marido a mãe de Rita
deprimiu-se profundamente, e preocupada sobretudo consigo
mesma, não dava a menor importância às necessidades da filha.
Foi nesta época que Rita, totalmente privada do cuidado que de
alguma forma o pai e a mãe lhe haviam até então dispen­sado,
manifestou a conduta sexualmente agressiva, a qual pa­recia ter o
significado defensivo de protegê-la de um colapso psíquico total.
Apesar de haver permanecido em tratamento por al-
guns anos com Sperling, que analisava também a mãe, e de
ter apresentado sensíveis melho­ras, Rita voltou a tratar-se
aos dezesseis anos por um decréscimo do seu de­sempenho
escolar e por crises de pânico, justamente quando se prepa-
rava para ingressar na universidade, o que determinaria um
afastamento prolongado de sua mãe.
Considerei importante descrever detalhadamente o caso
de Rita, nes­te capítulo inicial, porque os relatos clínicos de com-
portamento sexual desviante em meni­nas são escassos em toda
a literatura que revisei – o que o lei­tor constará considerando os

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

exemplos clínicos utilizados anteri­ormente – além de retratar de


forma bastante clara o contexto factual e interacional familiar
em que estas perturbações costumam ter lugar.
Como não me ocuparei em particular, ao longo deste livro,
de ne­nhum caso de escopto-exibicionismo infantil, mencionarei,
ainda que brevemente, dois casos de minha prática privada que
contribuem para o entendimento da origem, função/significado
e formas de ex­pressão clínica deste distúrbio em meninos.
O primeiro deles foi apresentado numa consultoria e
tinha como queixa clínica a conduta exibicionista em um me-
nino de cinco anos. Ele possuía uma malformação congênita e
nascera com quatro dedos na mão direita. A mãe deprimira-se
muito com este fato e o cercara, desde muito cedo, de uma série
de cuidados através dos quais buscava minorar-lhe o possível
sofrimento causado por tal imperfei­ção. O garoto tornou-se o
centro da existência da mãe e ela descuidou bastante do seu
casamento, que acabou alguns anos depois, fazendo com que a
sua estreita relação com o filho se tornasse a mais importante
razão para viver. O pai, homem rígido e violento, afastou-se
progressivamente de ambos, o que favoreceu que o filho, pri-
vado de sua presença e engolfado pela devoção patológica e
pela pressão das necessidades narcísicas ma­ternas, construís-
se, a partir de uma deficiência anatômica original, o sintoma
exibicionista, que consistia em abaixar as calças e mostrar seu
pênis (seu quinto dedo) em situações sociais nas quais se sen-
tia de­samparado, como na escola, parques de diversão, praças e
outros lugares onde houvesse um maior número de pessoas.
No segundo caso o sintoma exibicionista era parte de
um transtorno de gênero em que a conduta travestista apare-
cia como a manifesta­ção principal. Este menino, de seis anos,

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

fascinado por uma telenovela em que os homens despiam-se


na frente das mulheres, num clube de strip-tease, imitava a
conduta dos personagens na sua sala de aula. Subin­do em
cima de uma cadeira, durante o recreio, ele começava a tirar a
roupa, enquanto os colegas, fazendo um círculo ao seu redor,
o aplau­diam gritando em coro: “tira, tira” ou “bicha, bicha”.
A constelação familiar era composta por um pai intelectual,
voltado para seus livros e ópe­ras, e uma mãe absorvente que
controlava cada detalhe da vida do filho, cuidando principal-
mente que ele estivesse sempre limpo, arrumado e cheiroso.
Tratava-se aqui, mais uma vez, de um menino gravemente
afetado em seu desenvolvimento psicossexual desde os pri-
meiros anos de sua vida.
Em ambos os casos descritos pode-se observar como a
conduta exibicionis­ta e voyeurista associa-se com frequência
ao comportamento sadomasoquista, em que a criança agride
a si e aos outros numa infecunda tentativa de superar uma
situação traumática que abrangeu um período decisivo do seu
processo de sexuação na infância inicial.
Para introduzir-se no exame do comportamento sado-
masoquista em crianças, Ajuriaguerra (1983) utiliza-se de uma
passagem das Confissões, de J. J. Rousseau, na qual fica nota-
velmente ilustrado o papel que desempenham as situações de
maus-tratos físicos, durante a infância, na fixação do comporta-
mento desviante. Falando das punições que lhe eram impos­tas
por Mlle. Lambercier, sua preceptora, escreve Rousseau:
Durante muito tempo, ela se contentava com as ameaças, e
estas ameaças de um castigo comple­tamente novo para mim
pareciam-me assustadoras; mas, após a exe­cução, eu achava a

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

experiência menos terrível do que fora a espera; e o que há de


mais bizarro é que este castigo me afeiçoava mais ainda àque-
la que mo havia imposto (...) eu havia encontrado na dor, na
pró­pria vergonha, uma mistura de sensualidade que me havia
deixado mais com desejo do que com temor de experimentá-
la novamente pela mesma mão.
Ajuriaguerra acrescenta ainda que a visão ou o exercí-
cio da crueldade, assim como a sensação de dor, constituem
importantes fontes de excitação sexual durante a infância,
mesmo em crianças normais.
Em 1919, Freud assinalara já como as fantasias e impulsos
sádicos e masoquistas poderiam contribuir decisivamente para a
gênese das perversões a partir da experiência infantil. Segundo o
entendimento de Freud, as fantasias de flagelação das crianças se
derivariam, em meni­nos e meninas, de uma ligação incestuosa
com o pai. Posteriormente, a investigação psicanalítica sobre a
infância inicial deu-nos elementos suficientes para concluirmos
que as fantasias sadomasoquistas envol­vem, principalmente, a
relação da criança com o objeto primário, a mãe, embora se deva
levar sempre em conta que, neste nível de operância do imaginá-
rio, o pai estará de alguma forma represen­tado. Trata-se de uma
representação parental com forte matiz sado­masoquista, que é
fixada e perdura na fantasmática infantil influenciando o des­
envolvimento de forma muito mais violenta e definitiva do que
a comum representação sádica do coito parental (cena primária)
que encontramos nas crianças de maneira geral.
Para a criança desviante, conforme sustentado numa im-
portante contribuição de Bloch (1985) ao seu estudo, o mais
importante parece ser a sobrevivência física e psí­quica em

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

circunstâncias relacionais nas quais a criança se sente amea­çada


de assassinato. Tanto Bloch como Sperling reafirmam a impor­
tância dos traumatismos físicos, sofridos precocemente pela
criança, como indutores da conduta sadomasoquista ainda em
tenra idade.
Recorrerei, novamente, a um caso relatado por Sperling
(1980) para exemplificar a gênese e clínica da conduta sado-
masoquista em um menino de oito anos e meio.
Jerônimo foi trazido a tratamento sob pressão da escola;
ele cos­tumava dirigir-se às pessoas utilizando uma lingua-
gem bastante desrespeitosa e obs­cena. Como temia as outras
crianças de sua idade, costumava atacar os menores, mais fre-
quentemente as meninas. Tinha uma maneira sorrateira de
agredir os colegas e o fazia quase sempre pelas costas; belis-
cava-os e procurava introduzir-lhes o dedo na região anal. Em
determinada oca­sião, ele cravou um lápis nas costas de outro
menino, machucando-o consideravelmente.
Jerônimo apresentava uma indiferenciação da identidade
sexual e brinca­va indistintamente com brinquedos femininos e
masculinos. Ao come­çar o tratamento ele exibia condutas fran-
camente sexuais e sedutoras para com a analista. Procurava
sentar-se encostado nela, punha a cabeça sobre os genitais dela,
e quando a analista impunha limites ao contato corporal, ele a
atacava com palavras obscenas, saltava sobre ela e jogava-lhe ob-
jetos. Depois buscava novamente seduzi-la, dando-lhe bolachas e
flores. No decorrer do tratamento, o menino começou a apresen-
tar sintomas psicóticos evi­dentes, como agitação psicomotora,
estados de desconexão e tentativas recorrentes de agressão física
à terapeuta. Não obstante, sua conduta escolar melhorava, dando
a ideia de que seus conflitos passavam a expressar-se de forma

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

extrema, mas circunscrita, na relação transfe­rencial. Ele buscava


obter da terapeuta o mesmo tipo de gratificação se­xual que a mãe
lhe concedia, que consistia em brincadeiras excitantes nas quais
ela o beliscava e mordia suas nádegas, praticamente enfiando-lhe
o nariz no ânus. Seu pai e seu tio realizavam com ele o mesmo
tipo de brincadeira, mas de uma forma bastante mais violenta.
O pai de Jerônimo dissera, de início, que não pretendia
envolver-se com o tratamento. A mãe só concordara com o tra-
tamento do filho porque acreditava que a analista seria incapaz
de realizá-lo; por conta disso Sperling impôs, como condição
para tratar o menino, que ela também se anali­sasse. Numa eta-
pa mais adiantada da análise, Jerônimo desenvolveu sintomas
fóbicos (entendidos como indicativos de melhora clínica) nos
quais expressava temores de que sua mãe morresse. Queixava-
se também de que esta já não o beijava como antigamente.
Durante as sessões brincava ainda com bonecas, mas agora de
uma forma bastante destrutiva, arrancan­do-lhes a cabeça e os
membros. Numa ocasião em que a terapeuta in­terpretou seus
impulsos hostis, dirigidos à figura da mãe, o paciente reagiu
raivosamente e tentou cortar-lhe o pescoço, as orelhas e os de-
dos. Manifestamente angustia­do, ele evidenciava no brinquedo
os temores de que lhe cortassem o pênis. Segundo Sper­ling,
parte destes temores relacionava-se ao registro traumático de
uma cirurgia de amídalas realizada aos cinco anos.
Na análise da mãe, fez-se claro que ela tinha uma
perversão sexual masoquista e só obtinha satisfação se o
marido beliscasse ou batesse em suas nádegas; não obstan-
te, ocorreram mudanças signifi­cativas na sua relação com
o filho. Como a relação de Jerônimo com o pai revelava-se
extremamente patógena, Sperling decidiu proibir dire­tamente

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

a continuidade das brincadeiras sádicas com o menino. Ela en-


tendeu que ambos os pais utilizavam-no para satisfazer as suas
própri­as necessidades infantis perversas, e que Jerônimo de-
senvolvera uma ati­tude sádica com relação à mãe e masoquista
para com seu pai. A evo­lução favorável no tratamento deste
menino, que obteve maior inte­gração de self e melhora notável
de sua relação com os outros, passou por uma internalização
dos conflitos que se expressavam até então em sua conduta,
por uma modificação significativa da conduta patógena dos
pais e pela possibilidade de expressão verbal do seu ódio a eles,
ao mesmo tempo em que tornava-se capaz de reprimi-lo evi-
tando a descarga motora direta, o que ocorria antes da análise.
Não poderei concluir este tópico sem referir-me,
especificamen­te, aos efeitos pós-traumáticos do abuso sexual
na infância enquanto con­dicionante de condutas sadomaso-
quistas posteriores.
Em um estudo intitulado “Child abuse and the child
psychiatrist”, onde se ocupa dos maus-tratos físicos e psíqui-
cos na infância, Charles Johnson (1990) afirma que, dentro de
uma perspectiva psicodinâmica, os ataques físicos e psicológi-
cos à criança podem ter como consequência desorganizações
afetivas severas que, por seu turno, levam a criança a desenvol-
ver mecanismos de defesa que compulsivamente a conduzem
a (re)criar situações em que o trauma venha a se repetir. As
vítimas podem identificar-se com o agressor, tornando-se abu-
sivas e indutoras, e resignando-se a serem objetos persistentes
de maus-tratos por parte dos outros. As crianças vítimas de
incesto ou de outras atuações pedofílicas são passíveis de,
adaptando-se a este padrão circular patógeno, tanto temerem
como propiciarem as circunstâncias da sua vitimização.

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

Segundo Schultz (1972), as crianças vítimas de aten-


tado sexual podem ser inscritas num gradiente que tem
num extremo a vítima acidental e no outro o participante
sedutor, o qual apresenta, por seu turno, distúrbios seve-
ros da personalidade que foram produzidos por privações
ou maus-tratos recebidos em sua própria infância. De acor-
do com as conclusões extraídas por Lukianowicz (citado
por Ajuriaguerra, 1983) de uma pesquisa com meninas
sexualmente abusadas, estas tendem a apresentar, como
perturba­ções posteriores em seu desenvolvimento psicosse-
xual, conduta antissocial, prostituição juvenil, frigidez adulta
e sintomas depressi­vos com eventuais tentativas de suicídio.
O comportamento sádico na relação com os animais, que não
é incomum na infância, parece estar atrelado à mesma confi-
guração psíquica e relacional que busquei aqui caracterizar.

Feminilização e conduta homossexual

Na espetaculização de uma perturbação precoce do


processo identifi­catório a efeminação a) pode aparecer como
precursora das manifestações desviantes já descritas, b) po-
de permanecer ao longo do desenvolvimento como um traço
marcante da personalidade sem que ocorram atuações homos-
sexuais, ou c) pode estar na base da condu­ta homossexual na
infância, a qual, por sua vez, não necessariamente pres­supõe
ou implica a efeminação.
Buscarei esclarecer melhor estas afirmações discutindo em
particular cada uma das alternativas referidas, começando pela
distinção entre as categorias ho­mossexualidade e feminilização.

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

Numa contribuição ao estudo dos desvios sexuais,


Arbiser (1986) propõe uma diferenciação entre o efeminado
e o homossexual, baseada numa passagem de Freud (1919)
em que isto parece ser colocado como clinicamente necessá-
rio. Segundo afirma Arbiser,
diferentemente da homossexualida­de, que se traduz em uma
escolha de objeto homossexual, a feminilização se traduz em
uma posição narcisista na qual o ego se oferece ao superego
como objeto sexual.

Conforme Arbiser, na feminilização não há uma escolha


de objeto homossexual, a pessoa não se enamora de pessoas
do seu próprio sexo, mas, antes, de si mesma. “Se trata, em
suma e definitivamente, de uma homossexualidade que não
conduz a uma escolha de objeto concordante (homófila), mas
a um sintoma: a feminilização”.
A autora utiliza-se aqui, parece-me, de um argumen-
to discutível, visto que o próprio Freud usava este mesmo
modelo teórico, o da identificação fe­minina no menino, para
explicar, em 1910, a estruturação homossexual em Leonardo
da Vinci. Segundo Freud, é justamente a partir da identifica-
ção com a mãe, ou com o lugar imaginário que esta ocupa na
fantasia do menino, que este escolherá narcisicamente o seu
objeto sexual, e o amará e cuidará com o mesmo ardoroso
amor que sua mãe um dia lhe dedicou.
Na sequência, Arbiser reproduz textualmente a afirma-
ção de Freud em que apoia o seu argumento:
O menino escapa da homossexualidade pela repressão e
transforma­ção da fantasia inconsciente. O mais singular de

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

sua fantasia, posteri­ormente consciente, é que apresenta uma


atitude feminina sem uma escolha de objeto homossexual”.

Não parece claro, porém, que Freud se refira aqui a uma


“identificação feminina”, mas alude, talvez, a uma posição pas-
siva. A equiparação entre feminilização e homos­sexualidade,
cuja distinção parece consistir mais especificamente no grau
de contaminação da conduta pela fantasia – pela força da iden-
tificação imaginária feminina – nos é oferecida por Freud no
mesmo artigo quando, algumas páginas adiante, escreve:
O menino que tendia a evitar a escolha homossexual de ob-
jeto, e que não busca mudar de sexo, se sente no entanto
mulher em suas fantasias e adorna a mulher flageladora com
atributos e qualidades masculinas (Freud, 1919).

Não se trata, portanto, de uma homossexualidade cuja


escolha de objeto não é homossexual, o que seria contradi-
tório, porque a palavra “homossexualidade” designa apenas
uma conduta, não uma estrutura ou organização, mas de algo
diferente da homossexualidade, que transparece como traço
de caráter feminino e que talvez evidencie, por fim, uma esco-
lha de objeto amoroso homossexual que não foi contrastada e
sobrepujada pela introjeção simbólica do masculino.
Em um estudo sobre os afetos na homossexualida­de
masculina, Saludjian (1977) demonstra de que forma em três
etapas da relação mãe-filho estabelece-se a condição homos-
sexual, tomando como modelo o “Leonardo” de Freud. Na
primeira etapa o sujeito se apega à mãe e é objeto desta. Na se-
gunda etapa o intenso apego de ambas as partes determina que
o menino seja despojado de sua virilidade e não possa desejar.

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

Na terceira etapa há uma tentativa infrutífera de converter a


mãe em objeto, recaindo a escolha sobre um duplo masculino.
A feminilização, portanto, implica sempre uma atitude femini-
na com provável escolha de objeto homossexual, embora esta
escolha nem sempre seja atuada ou mesmo reconhecida.
Supondo esclarecido este particular, passemos agora
ao exame da conduta homossexual infantil e da feminiliza-
ção ou efeminação.
As crianças que se incluem neste grupo podem ser vis-
tas, em tese, como tendo atingido um estágio mais avançado
no processo constitutivo da identidade sexual. As fixações,
porém, em estágios pré-genitais do desenvolvimento psi-
cossexual, os iniciais déficits identificatórios, a excessiva
intimidade prolongada com mães que os engolfam e femini-
lizam através do controle intrusivo de suas vidas, fazem com
que estes meninos não avancem além do complexo de Édipo
negativo. Eles são comumente crianças que se dessimbiotizam
com grande dificuldade face à excessiva solicitude e prote­ção
maternas, tornando-se geralmente retraídos e dependentes
até muito tarde. Costumam sentir-se à vontade somente no
ambiente familiar e tendem a adquirir trejeitos e maneiris-
mos femininos, embora não manifestem desejo de mudar de
sexo e não desenvolvam a compulsão de vestir-se com roupas
femininas, como os pacientes até aqui referidos. Conforme
assinalam Lebovici e Kreisler (1966), estes meninos, investi-
dos pela libido narcisista materna, podem tornar-se vaidosos
e exigentes, desenvolvendo grande preocupa­ção com o corpo
(saúde, higiene e vestuário). Seu narcisismo, à semelhan­ça
das mulheres, investe o corpo todo, não se observando ne-
les o orgulho fálico comum à maioria dos meninos. Eles são,

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às vezes, inteiramente voltados para o estudo e podem ser


descritos com tímidos, discretos ou nerds até a adolescência,
quando se descobrem ou revelam homossexuais.
Stoller (1975) assinala a sedutividade materna co-
mo patognomônica da relação mãe-filho nestes casos. Elas
estimulam sutilmente a sexualidade do menino, mas con-
traditoriamente o repreendem com medidas punitivas e
restritivas às mani­festações sexuais viris por parte da crian-
ça. As dificuldades de entrosamento social e a angústia de
separação podem estar presentes e se intensificar nas situa-
ções externas que imponham um distancia­mento temporário
da mãe ou da família. O permanecer sozinho na escola, por
exemplo, pode ser muito custoso para a criança, ou mesmo
uma tarefa impossível.
O pai, em tais condições, não é alguém necessariamente
hostil ou distante, mas ina­dequado. Alguns desses pais são
bissexuais ou homossexuais latentes e podem mostrar-se
indiferentes às dificuldades da criança ou mesmo gratificarem-
se inconscientemente com ela; além disso, como enfatizam
Lebovici e Kreisler (1966), eles têm comumente uma ligação
erotizada com os filhos, o que serve também como condi-
cionante de um Édipo negativo persistente, com fantasias de
dar ao pai um filho fabricado com os próprios excrementos.
A busca nostálgica de um pai potente e ideali­zado (falo estru-
turante) pode tornar estes meninos presas fáceis de atuações
pedofílicas, e a inveja e o sentimento de inferioridade que
experimentam com relação aos outros podem fazê-los objetos
passivos de jogos sexuais com os colegas, o que não sendo
descoberto, interrompido e tratado oportunamente pode vir a
consolidar um padrão de conduta homossexual. Juntamente

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

com os casos de travestismo infantil, estes são os mais fre-


quentemente vistos na clínica psicanalítica com crianças,
sendo também sobre estes casos que encon­tramos a maior
parte da bibliografia psicanalítica disponível.
Considerando a gênese, o diagnóstico e o prognóstico
destas crianças em análise, Anna Freud (1965), aponta co-
mo determinantes significativos as satisfa­ções e frustrações
administradas oral e analmente pela mãe, as vicissi­tudes no
processo de independentização, a intensidade dos desejos
passi­vo-femininos em relação ao pai e o efeito emocional dos
choques da castração. Particularmente, acredito que a maior
proximidade com as organizações neuróticas possa melhorar
o prognóstico destes pacientes quando comparado ao quadro
típico do transtorno de gênero na infância (o pré-transexual),
embora possamos deparar-nos também com meninos efe-
minados estável e narcisicamente constituídos cujas defesas
rígidas dificultam o ingresso na transferência e impossibili-
tam a experiência da análise.
Num outro grupo, que designarei como homossexuali-
dade não-efeminada, não se poderia propriamente falar numa
perturbação da iden­tidade de gênero. Incluem-se aqui os me-
ninos, cuja masculinida­de desenvolveu-se satisfatoriamente,
harmonizando sexo e gênero, mas que em face de vicissitu-
des inerentes ao desenvolvimento ou em reação a um fato
externo de efeito traumático, podem atravessar períodos de
atuações homossexuais de caráter passageiro ou prolongado.
Embora, como afirma Ajuriaguerra (1977), o relacio­namento
com pessoas de um mesmo sexo durante o desenvolvimento
infantil normal seja comum e não tenha um valor de orga-
nização ho­mossexual posterior, é importante distinguirmos

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entre ocasionais in­cursões infantis na homossexualidade e


a busca compulsiva de contato sexual com o mesmo sexo,
que costuma estar relacionada a alguma forma de sofrimento
silencioso. As frustrações ou perdas afetivas, determinadas
por circunstâncias externas diversas, podem levar a criança a
buscar alívio para as angústias depressivas através do acting
out homossexual, assim como em outros casos a compulsão
masturbatória pode servir ao mesmo fim.
Embora sejam, em regra, neurótica ou edipicamente
estruturadas, estas crianças podem se ver tentadas a adotar,
ainda que tardiamente, uma solução desviante. Se o sofri-
mento expresso pela criança em suas atuações chega a fazer
algum sentido para a família, se encontra no ambi­ente uma
atenção sensível àquilo que comunica, ela poderá ser logo
encaminhada para tra­tamento psicanalítico ou psicoterápico.
A intervenção terapêutica possibilitará à criança vivenciar os
sentimentos depressivos evitados, conscientizando-a das mo-
tivações in­conscientes de seu comportamento e permitindo
uma resolução perlabo­rativa do conflito. Se os sinais de sofri-
mento evidenciados, embora de for­ma não verbal, não forem
adequadamente advertidos pelo ambiente, a homossexua-
lização do menino será favorecida pelo estabelecimento do
ganho secundário, e mesmo que as características genéricas
masculinas sejam conservadas poderá ocorrer uma inversão
permanente da escolha de objeto erótico/amoroso. Esta po-
de ser a origem possível da homossexualidade “discreta” ou
“quase imperceptível” que encontramos no adulto.
Em seu último livro, Stoller (1989) relata o caso de um
menino de oito anos, Rock, a quem se refere como levemente
feminino. Rock ti­nha maneiras femininas de caminhar, falar e

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

gesticular. Costumava, também, vestir as roupas de sua irmã


quando brincava de casinha com ela. Tinha dificuldades para
brincar com meninos, preferindo geralmente ficar com as meni­
nas, era tímido e não se defendia ao ser agredido fisicamente,
mas comumente aca­bava chorando. A mãe de Rock é descrita
como uma mulher forte, fir­me e agressiva. O pai, com quem o
menino tinha uma relação muito difícil, era um pintor, que tra-
balhava pouco na profissão mas fazia todo o trabalho doméstico.
Às vezes alcoolizava-se e tornava-se insuportável, sendo às
vezes agredido pela mulher. O pai de Rock mostrou-se inabor-
dável terapeuticamente; a mãe foi analisada por Stoller, com
bons resultados. Rock foi tratado por um terapeuta infantil e,
com a colaboração ativa da sua mãe, evoluiu bem. Na época do
relato de Stoller, ele era já um homem adulto que não se ha­via
tornado efeminado nem homossexual.

Conclusão

A proposta de classificação dos distúrbios identificatórios


da criança aqui apresentada – que não se reduzem ao transtorno
de identidade de gênero, o qual representa sua forma extrema
– é uma primeira tentativa de estabelecer parâmetros clínicos e
descritivos que ofereçam ao analista uma base de refe­rência con-
ceitual fundamentada na metapsicologia psicanalítica, mais que
na nosografia psiquiátrica infantil, permitindo-lhe utilizar-se de
uma perspectiva compreensiva e de uma terminologia diagnós-
tica consoantes com o referencial teórico que o formou.
O desenvolvimento psicossexual atípico na infância foi,
durante muito tempo, um assunto do qual os analistas se

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T r a n st or n o s d a I d e n ti d ade de Gênero na Infânc i a
E s c r i t o s S el ec i on a d os

aproximavam com um misto de cautela diagnóstica e perple-


xidade clínica, indagando a si mesmos se, por bizarras que se
mostrassem essas condutas, não se poderia atribuir tais mani-
festações às varia­ções anárquicas e caleidoscópicas do erotismo
infantil perverso-polimorfo. Por essa razão, julguei importan-
te partir de uma revisão histórica, abrangente e detalhada da
literatura psicanalítica sobre o tema, acres­cida de questiona-
mentos e proposições pessoais, com o propósito de avançar no
conhecimento destas vicissitudes da infância que, em determi-
nados aspectos, continuam sendo um santuário intocado pelo
trabalho investigativo e reflexivo do psicanalista de crianças.
Todos os desvios sexuais são, em qualquer idade e
essencialmen­te, desvios sexuais infantis. A estrutura, ou or-
ganização (como prefiro), impropriamente dita “perversa”
denuncia, em suas formas extravagantes de espetaculização
da sexualidade, as dificuldades e impossibilidades que pre­
cocemente afetaram o processo de constituição da identidade
subjetiva e sexual. Pela persistência quase imodificada das
formas primitivas de expressão e uso da erogeneidade infan-
til – cristalizadas como “técnicas de sobrevivência psíquica”
(MacDougall) em condições ambientais extremamente ad-
versas – o desvio possibilita o acesso, ao longo do trabalho
psicanalítico, aos eventos traumáticos ou ao “existir trau-
mático” da criança, que posteriormente assumirão a forma
expressiva de atitudes enigmáticas e de condutas aberrantes
cujo significado defensivo se perdeu.
Quando estas perturbações da sexualidade infantil são
abordadas clinicamente em um estágio, senão nascente, ainda
inicial, a sua lógica interna se faz mais compreensível e o traba-
lho analítico é certamente mais eficaz, porque a possibilidade

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C on d ições de gênese, organizações e formas clínicas dos distúrbios
identificatórios na infância

de visualizar e intervir diretamente sobre o contexto dinâmi-


co das interações familiares (somada à abordagem terapêutica
individual) e a maior plasticidade da estrutura psíquica nes-
te estágio do desenvolvimento potencializam a ação clínica
destinada à liberação do self espontâneo e verdadeiro que ori-
ginalmente, sob a ação da violência, se ocultou.

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