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6. COMPETÊNCIA NO PROCESSO PENAL

1. Competência constitucional

A competência ratione materiae começa a ser analisada na própria Constituição Federal, mas ela não se esgota na mesma, já
que normas infraconstitucionais também delimitam competência material.
A competência constitucionalmente delimitada acaba por classificar os órgãos do poder judiciário em Justiça Militar, Justiça Elei-
toral, Justiça Trabalhista, Justiça Federal e Justiça Estadual.
As Justiças Militar, Eleitoral e Trabalhista pertencem ao que chamamos Justiça Especial, enquanto as Justiças Federal e Estadual
à Justiça Comum.
A Justiça do Trabalho não detém competência em matéria penal. Ressalte-se que mesmo os crimes contra a organização do tra-
balho previstos nos arts. 197 a 207, são de competência da Justiça Comum, sendo, parte deles, de competência Federal, conforme estabe-
lece o art. 109, inciso VI, da CRFB.
Para fins de delimitação da competência da Justiça Eleitoral em matéria penal, deve-se observar o disposto no art. 121 da Consti-
tuição Federal, bem como nos arts. 22, I, d e e, 29, I, d e e, e 35, II, do Código Eleitoral (Lei 4.737/65).

CRFB
Art. 121 - Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e
das juntas eleitorais",

Código Eleitoral
Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:
I - Processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos seus próprios juízes e pelos ju-
ízes dos Tribunais Regionais;
e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, relativos a atos do Presidente da Re-
pública, dos Ministros de Estado e dos Tribunais Regionais; ou, ainda, o habeas corpus, quando houver pe-
rigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração;
Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais:
I - processar e julgar originariamente:
d) os crimes eleitorais cometidos pelos juízes eleitorais;
e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, contra ato de autoridades que respon-
dam perante os Tribunais de Justiça por crime de responsabilidade e, em grau de recurso, os denegados ou
concedidos pelos juízes eleitorais; ou, ainda, o habeas corpus quando houver perigo de se consumar a vio-
lência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração;

Art. 35. Compete aos juízes:


II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência
originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

Assim, compete à Justiça Eleitoral os crimes previstos nos arts. 289 a 354-A do Código Eleitoral, bem como outros de natureza
eleitoral previstos em legislação extravagante, como os tipificados na Lei 9.504/97.
Quanto à Justiça Militar, cumpre analisar o disposto no art. 124 da CRFB e o art. 9 o. do Código Penal Militar.
CRFB
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.

Código Penal Militar


Crimes militares em tempo de paz
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou
nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação
ou assemelhado;

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b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração
militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar,
ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou refor-
mado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou re-
formado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a admi-
nistração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada.
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições
militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguin-
tes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou as-
semelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente
ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação,
exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natu-
reza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, adminis-
trativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal
superior.
§ 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares
contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.
§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das
Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou
pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não
beligerante; ou 'III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou
de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e
na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

Destaque-se a recente alteração do artigo 9o. do CPM, acima transcrito, implementada pela Lei 13.491/2017, em especial no que
se refere aos §§ 1o. e 2o., relativo a crimes dolosos contra a vida.
Portanto, embora os crimes dolosos contra a vida sejam de competência do Tribunal do Júri, conforme art. 5 o., XXXVIII, da Cons-
tituição Federal, ainda que praticados por militares contra civil (art. 9 o., § 1o. do CPM), a Lei 13.491/17 passou a definir como de competên-
cia da Justiça Militar os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas (portanto, membros da Marinha, Exér-
cito e Aeronáutica) contra civil, quando praticados:
I - no cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da De-
fesa;
II – em ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou
III – em atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas
em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma do Código Brasileiro de Aeronáutica, da LCP 97/99, do
CPPM e do Código Eleitoral.
Assim, indiscutível que não estão incluídos na referida reforma legislativa os crimes dolosos contra a vida praticados por policiais
militares contra civil, para os quais ainda prevalece o disposto no § 4 o. do art. 125 da Constituição: "Compete à Justiça Militar estadual
processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares,
ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos
oficiais e da graduação das praças."
A mesma Lei 13.491/17, alterando o inciso II do art. 9o. do CPM, estendeu a competência da Justiça Militar para al-
cançar crimes previstos no Código Penal e na legislação penal extravagante, quando praticados nas condições elencadas nas alí-
neas do mesmo inciso, o que, aparentemente, inclui os crimes praticados por militares em serviço.

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Assim, prevalecendo este entendimento, é evidente a ampliação do conceito atribuído aos crimes militares, antes reconheci-
dos como aqueles previstos no Código Penal Militar.
Desta feita, passam à competência da Justiça Militar, por exemplo, crimes como o de abuso de autoridade (Lei 4.898/65)
praticado por policial militar em atividade, antes de competência dos Juizados Especiais Criminais, rest ando superadas, por conse-
quência, as Súmulas 172 do STJ, que possuem (ou possuíam) o seguinte teor:

Súmula 172 do STJ - Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que pra-
ticado em serviço.

Súmula 75 do STJ - Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facili-
tar a fuga de preso de estabelecimento penal.

Súmula 6 do STJ - Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envol-
vendo viatura de Polícia Militar, salvo se autor e vítima forem Policiais Militares em situação de atividade.

Todas essas hipóteses passam à competência da Justiça Militar Estadual.

Competência da Justiça Federal

No que se refere à competência da Justiça Federal, encontra-se a mesma delimitada pelo art. 109 da Constituição Federal. As-
sim, consideram-se crimes federais:
a) os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entida-
des autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (art.
109, IV, da CRFB).
b) os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse
ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (art. 109, V, da CRFB);
c) as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo (art. 109, V-A, da CRFB), hipóteses nas quais poderá
o Procurador Geral da República suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, o incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal, conforme § 5o. do art. 109 da CF.
d) os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômi-
co-financeira (art. 109, VI, da CRFB);
e) os “habeas-corpus”, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos
não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição (art. 109, VII, da CRFB);
f) os mandados de segurança e os “habeas-data” contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tri-
bunais federais (art. 109, VIII, da CRFB);
g) os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar (art. 109, IX, da CRFB);
h) os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sen-
tença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização (art. 109, X,
da CRFB);
i) a disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI, da CRFB).
Enquadram-se, por exemplo, no inciso IV do art. 109 da CF os crimes praticados contra a Caixa Econômica Federal e contra a
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, ambas empresas públicas federais. Da mesma forma, aqueles praticados em detrimen to do
patrimônio das autarquias, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou ainda as Universidades Federais etc.
Já os crimes praticados em detrimento do Banco do Brasil, empresa de economia mista, são de competência da Justiça Estadual,
conforme Súmula 42 do STJ:

Súmula 42 STJ - Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de econo-
mia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

Podemos ainda citar as súmulas 508, 517 e 556 do STF, que, embora não expressas quanto à matéria criminal, também excluem
a competência federal para as causas em que o Banco do Brasil seja parte ou interessado.

Súmula 508 STF - Compete à Justiça Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco
do Brasil S.A.
Súmula 517 STF - As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a União intervém como assistente
ou opoente."
Súmula 556 STF - É competente a Justiça Comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.

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Outra questão que suscita dúvida entre os candidatos dos mais diversos concursos diz respeito à competência para o processo e
julgamento do crime de tráfico de entorpecentes. Embora o Brasil seja signatário de tratados/convenções de combate ao tráfico de drogas,
para que se estabeleça a competência da Justiça Federal, conforme art. 109, inciso V da CF, é necessário que o critério da transnacionali-
dade esteja presente, o que, inclusive, é objeto do art. 70 da Lei 11.343/2006.

Lei 11.343/2006
Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito
transnacional, são da competência da Justiça Federal.
Parágrafo único. Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara federal serão processa-
dos e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.

Além disso, vários são os entendimentos sumulados a respeito do tema:

Súmula 522 STF – Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a competência será da justiça federal, compete à
justiça dos estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.
Súmula 528 STJ – Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar
o crime de tráfico internacional.
Súmula 587 STJ – Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transpo-
sição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.
Súmula 607 STJ - A majorante do tráfico transnacional de drogas (artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06) configura-se com a prova
da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras.

Portanto, a regra no caso de tráfico de entorpecentes é a competência da Justiça Estadual, ainda que o crime ultrapasse as fron-
teiras entre estados da federação. Neste caso, embora a investigação dos crimes interestaduais, incluindo o tráfico de entorpecentes, seja
de atribuição da Polícia Federal (Lei 10.446/2002), a competência para o processo e julgamento mantém-se perante a Justiça Estadual.
Para que a competência da Justiça Federal, na forma do inciso V do supracitado art. 109 se estabeleça, é necessário que, além
de estar previsto em tratados dos quais o Brasil seja signatário, o crime tenha início da execução no território nacional e a consumação
ocorra ou deva ocorrer no estrangeiro, ou vice-versa. No caso do transporte de drogas, crime de caráter permanente, há, para definição da
competência federal, necessidade de transposição da fronteira nacional ou provas da destinação internacional do entorpecente.
Muitos são os possíveis questionamentos, nas provas de 1 a. ou de 2a. fase do Exame de Ordem, acerca da competência da Jus-
tiça Federal em matéria criminal. Assim, é essencial o acompanhamento dos muitos posicionamentos jurisprudenciais sobre o tema, motivo
pelo qual selecionamos as decisões colacionadas nos tópicos 6.8 e 6.9, apresentados ao final deste capítulo.

2. Distribuição da Competência conforme as regras processuais penais

Verificamos que a competência no Processo Penal tem suas regras de determinação no artigo 69, que dispõe: art. 69, que dis-
põe: “Determinará a competência jurisdicional: o lugar da infração; o domicilio do réu; a natureza da infração; a distribuição; a conexão e a
continência.; a prevenção; a prerrogativa de função.”
Art. 69 – determinará a competência jurisdicional.
I – o lugar da infração.
II – o domicilio do réu.
III – a natureza da infração.
IV – a distribuição.
V – a conexão e a continência.
VI – a prevenção.
VII – a prerrogativa de função.
Os incisos I a IV do art. 69 são os critérios fixadores da competência, enquanto os incisos V a VII definem os critérios modificado-
res da competência.

3. Competência pelo lugar da infração

O art. 70 do CPP diz que a competência pelo lugar da infração será determinada, em regra, pelo lugar onde o crime produziu o
seu resultado, e no caso de tentativa o lugar do último ato de execução. A competência pelo lugar da infração a que se refere o art. 70 é
aplicável aos crimes materiais.
No caso de crimes tentados não há maiores discussões, estabelecendo a lei como critério para definição da competência pelo lu-
gar da infração aquele em que ocorreu o último ato de execução.
Problema surge nos crimes consumados, uma vez que o Código de Processo Penal define como regra o locus comissi delicti, ou
seja, o local para processo e julgamento é o local da consumação do crime, o local onde o crime produziu seu resultado.

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Entretanto, sabemos que existem crimes chamados plurilocais, aqueles em que o local da ação é distinto do local do resultado.
Nestes casos, de acordo com o CPP, que não os diferenciou, o local para processo e julgamento seria o local onde se concretiz ou o resul-
tado, muito embora as provas sejam melhor apuradas no local da ação ou omissão. Por tal motivo, doutrina e jurisprudência são divergen-
tes.
Para alguns, o melhor local para processo e julgamento dos crimes plurilocais seria o lugar onde estão as provas, o que seria
compatível com a teoria da atividade adotada pelo Direito Penal. No entanto, como o art. 70 do CPP dispõe de outro modo, deve-se utilizar,
de acordo com este posicionamento, a teoria da ubiquidade (art. 6º. do CP), processando-se o agente no local da ação ou omissão, ou no
local do resultado, o que seria definido pela prevenção.1
Para outros, tal entendimento apresenta-se contrário à norma processual e, como competência é matéria processual, também no
caso de crimes plurilocais deve-se aplicar a regra locus comissi delicti do art. 70 do CPP.
A controvérsia desponta ainda mais relevante no caso dos crimes contra a vida, uma vez que as provas, principalmente a prova
testemunhal, encontram-se, em regra, no local da ação, e não há possibilidade de se fazer um plenário do Júri através de precatória. Além
disso, a instituição do Júri tem como escopo garantir que o réu seja julgado por seus pares, dentro do contexto social em que praticou a
infração, não havendo muita lógica em que o julgamento seja realizado em local diverso daquele em que a ação foi praticada. Por tal moti-
vo, compreende-se como majoritário o entendimento de que poderia, neste caso, ser adotada a teoria da ubiquidade, não havendo vício no
julgamento realizado no local da ação, apesar do disposto no art. 70 do CPP. 2
No caso de crimes à distância, os §§ 1º. e 2º. do art. 70 do CPP3 são expressos:
§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar
em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2º “Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime,
embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
No caso de crimes formais não há disposição legal, o que se justifica pelo fato de que, nestes crimes, ação e resultado são imedi-
atos, não havendo dificuldades na definição da competência.
Nos crimes permanentes e continuados, prevê o § 3º. do mesmo art. 70, que a competência será definida pela prevenção, o que
se justifica pelo fato de que todos os locais seriam igualmente competentes. Exemplo típico é o da extorsão mediante sequestro, uma vez
que a permanência ocorre enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade, podendo ultrapassar os limites de uma única comarca. Neste
caso, todos os locais por onde a vítima for privada de sua liberdade serão igualmente competentes. Devemos lembrar que o recebimento
do eventual resgate é mero exaurimento e não consumação.
Também não houve por parte do CPP disposição acerca dos crimes habituais, porém não é difícil compreender que se aplica a
estes casos a mesma ideia de prevenção.
Nos três casos (crimes permanentes, continuados e habituais), e ainda no local e território incerto, a prevenção atua como ve rda-
deiro critério fixador, uma vez que auxilia na definição da competência pelo lugar da infração.

4. Competência pelo domicílio do réu

1
No julgamento do RHC 116.200, de 13/08/2013, decidiu o STF que, nos crimes plurilocais, o MP poderá oferecer a denúncia tanto no local da ação ou omissão, como no
local do resultado, aplicando-se à hipótese o foro de eleição: “Crime de homicídio culposo (CP, art. 121, §§ 3º e 4º). Competência. Consumação do delito em local distinto
daquele onde foram praticados os atos executórios. Crime plurilocal. Possibilidade excepcional de deslocamento da competência para foro diverso do local onde se deu a
consumação do delito (CPP, art. 70). Facilitação da instrução probatória, Precedente.”
2 “2. A competência para o processamento e julgamento da causa, em regra, é firmada pelo foro do local em que ocorreu a consumação do delito (locus delicti commissi),
com a reunião de todos os elementos típicos, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Adotou-se a teoria do resultado. (Art. 70,
caput, do CPP). 3. No caso concreto, aplicando-se simplesmente o art. 70 do Código de Processo Penal, teríamos como Juízo competente o da comarca de Nazaré Pau-
lista/SP, onde veio a falecer a vítima. 4. O princípio que rege a fixação de competência é de interesse público, objetivando alcançar não só a sentença formalmente legal,
mas, principalmente, justa, de maneira que a norma prevista no caput do art. 70 do Código de Processo Penal não pode ser interpretada de forma absoluta. 5. Partindo-
se de uma interpretação teleológica da norma processual penal, em caso de crimes dolosos contra a vida, a doutrina, secundada pela jurisprudência, tem admitido exce-
ções nas hipóteses em que o resultado morte ocorrer em lugar diverso daquele onde se iniciaram os atos executórios, ao determinar que a competência poderá ser do
local onde os atos foram inicialmente praticados. 6. O motivo que levou o legislador a estabelecer como competente o local da consumação do delito foi, certamente, o de
facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como o de garantir que o processo possa atingir à sua finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade re-
al. 7. Embora, no caso concreto, os atos executórios do crime de homicídio tenham se iniciado na comarca de Guarulhos/SP, local em que houve, em tese, os disparos
de arma de fogo contra a vítima, e não obstante tenha se apurado que a causa efetiva da sua morte foi asfixia por afogamento, a qual ocorreu em represa localizada na
comarca de Nazaré Paulista/SP, tem-se que, sem dúvidas, o lugar que mais atende às finalidades almejadas pelo legislador ao fixar a competência de foro é o do local
em que foram iniciados os atos executórios, o Juízo de Guarulhos/SP, portanto. 8. O local onde o delito repercutiu, primeira e primordialmente, de modo mais intenso de-
ve ser considerado para fins de fixação da competência.” (STJ, HC 196.458/SP de 06/12/2011, DJe 08/02/2012)
3 Assim decidiu o STF, no julgamento do HC 106.074 PR, de 08/10/2013, DJe 08/11/2013: “Com efeito, iniciada a execução do crime no território nacional, a consumação
ocorrer no exterior, a competência é fixada segundo o lugar em que tiver sido praticado, no País, o último ato de execução. É o que dispõe o § 1º do art. 70 do CPP, ver-
bis: “Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o
último ato de execução”. 4. E, ainda quando praticado ato de execução remanescente no exterior, a lei processual penal prevê regra semelhante para determinar a com-
petência, estabelecendo que esta observará o lugar em que o crime tenha produzido parcialmente seus efeitos (art. 70, § 2º, CPP, verbis: “Quando o último ato de exe-
cução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado”.

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Utiliza-se domicílio do réu quando não se conhece do lugar da infração. É critério subsidiário, ao contrário do que ocorre no Pro-
cesso Civil.
Não podemos, entretanto, confundir lugar desconhecido com lugar incerto.
Local incerto ocorre quando a infração ocorreu no limite entre duas ou mais comarcas. Neste caso, o lugar é conhecido, no entan-
to, permanece a dúvida sobre quem seria competente, já que, em tese, o crime ocorreu no limite de todas aquelas jurisdições e todas elas
poderiam, igualmente, processar o fato. Neste caso, a dúvida se resolve pela prevenção e não pelo domicílio do réu.
Além da hipótese de lugar desconhecido, o domicilio do réu é foro de eleição nos casos de ação penal privada, quando a vítima
pode escolher entre o lugar da infração e o domicílio do réu.
Importante ressaltar, ainda, que o domicílio do réu também é utilizado nos casos de extraterritorialidade, conforme dispõe o art.
88 do CPP:
Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver
por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

5. Competência pela natureza da infração

A competência pela natureza da infração encontra amparo no art. 74 do CPP. Contudo, referido artigo nos remete à organização
judiciária de cada Estado.
Art. 74. A competência pela natureza da infração será determinada pelas regras de organização judiciária de cada Estado, ressal-
vada a competência privativa do Tribunal do Júri.
Não há, portanto, uma regra específica para a distribuição das diversas espécies de crimes entre os órgãos jurisdicionais, sa lvo
nas hipóteses dos crimes dolosos contra a vida, cuja competência está constitucionalmente garantida ao Tribunal do Júri, nas infrações de
menor potencial ofensivo, em decorrência da Lei n o. 9.099/95, e, hoje, nas infrações de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei
no. 11.340/2006).
Assim, o § 1° do art. 74 do CPP dispõe sobre os crimes da competência do Tribunal do Júri: homicídio doloso, infanticídio, aborto,
induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.
Não são da competência do Júri crimes como homicídio culposo ou, ainda, aqueles cujo resultado morte seja preterdoloso (latrocínio,
extorsão qualificada pelo resultado morte, extorsão mediante sequestro seguida de morte, estupro seguido de morte, lesão corporal seguida de
morte, etc.)
Da mesma forma, o art. 74, § 2°, do CPP não pode ser confundido com o dispositivo específico para a competência do Tribunal
do Júri. A hipótese de júri está prevista no art. 74, § 3°, do CPP, visto que o crime doloso contra vida tem um procedimento com duas fa-
ses. Ocorre que a primeira fase, ou juízo de admissibilidade, resulta em uma decisão que determina o futuro do procedimento. Se o réu for
pronunciado, será submetido à segunda fase, na qual ocorrerá o julgamento pelo júri popular. Caso ocorra a desclassificação da infração
para outra, não afeta à competência do júri, o procedimento prosseguirá perante o juízo que seja competente e com o rito proc essual cabí-
vel ao crime desclassificado.
O § 2° versa sobre a possibilidade de desclassificação de crimes outros, não dolosos contra a vida, por exemplo, em casos de
aplicação da emendatio e mutatio libelli (temas que trataremos no capítulo 16). A título de exemplo, imagine que a organização judiciária de
determinado Estado tenha atribuído que na comarca X, a 1ª. Vara Criminal julgue crimes contra a administração pública, enquanto a 5ª.
Vara teria competência para crimes patrimoniais. Se uma denúncia for oferecida, naquela comarca, por um crime de peculato, será distribu-
ída para a 1ª. Vara Criminal. Durante o processo, no entanto, surgem provas de que a conduta praticada era, na verdade, apropriação
indébita, já que o bem do qual o réu se apropriara não pertencia à administração. Neste caso, competente a 5ª. Vara Criminal, a quem
deverá o juiz remeter os autos.
Outro aspecto que configura competência em razão da matéria diz respeito à execução penal. Cumpre ao juízo da Vara de Exe-
cuções Penais de cada Estado, portanto, órgão pertencente à Justiça Estadual, a presidência dos processos de execução das pen as priva-
tivas de liberdade, independentemente da origem da condenação. Assim, ainda que a pena tenha origem em uma sentença condenatória
proferida por juízo federal, eleitoral ou militar, a execução estará a cargo da Vara de Execuções Penais do Estado (arts. 2, 65 e 66 da Lei
7.210/84). Contudo, duas são as exceções: quando o preso estiver cumprindo sua pena em presídio federal a competência para o proces-
so de execução será da Justiça Federal; e quando a condenação ocorrer em processo de competência originária do STF (arts. 102 , inc. I,
m, da CRFB). Neste sentido a Súmula 192 do STJ:
Súmula 192 do STJ - Compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela
justiça federal, militar ou eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a administração estadual

6. Competência por distribuição

Segundo o art. 75 do CPP, a precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscrição judiciária, houver
mais de um juiz igualmente competente.

7. Conexão

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A conexão, prevista no art. 76 do CPP, ocorre nas hipóteses em que duas ou mais infrações são praticadas, possuindo, entre
elas, um mesmo nexo causal. Dependendo do nexo causal entre as infrações, três são as espécies de conexão:
I – Subjetiva ou intersubjetiva, que se subdividem em:
a) por simultaneidade;
b) por concurso ou concursal;
c) por reciprocidade.
II – Objetiva ou material, lógica ou teleológica.
III – Processual, instrumental ou probatória.
No inciso I, o nexo causal se caracteriza através do vínculo entre as várias pessoas envolvidas, o motivo que as leva à prática
dos crimes, isolada ou conjuntamente, daí falarmos em conexão subjetiva ou intersubjetiva.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias
pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras.
Neste caso, identificamos três períodos distintos no inciso I do art. 76, os quais configuram, respectivamente, as espécies de co-
nexão subjetiva por SIMULTANEIDADE (“se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias
pessoas reunidas), por CONCURSO ou CONCURSAL (por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar), ou ainda a
conexão subjetiva por RECIPROCIDADE (por várias pessoas, umas contra as outras).
Já o inciso II apresenta vínculos objetivos entre as diversas infrações. Ocorre quando uma infração é praticada para facilitar
ou ocultar outra, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação às demais. Dispõe o art. 76, inc. II, do CPP: “se, no m esmo
caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir imp unidade ou vantagem em relação a
qualquer delas (OBJETIVA OU MATERIAL, LÓGICA OU TELEOLÓGICA)”.
São exemplos de conexão objetiva ou material: um sequestro praticado para facilitar o crime de estupro; a ocultação de um ca-
dáver decorrente da prática de um homicídio.
Quando falamos em conexão, principalmente nos casos de conexão objetiva e lógica, devemos estar atentos à eventual aplica-
ção do princípio da consunção, já que existem situações nas quais ocorrem ante-fatos e pós-fatos impuníveis, hipóteses em que o crime é
único e, portanto, não há que se falar em fatos conexos.
Exemplos de conexão lógica ou teleológicas podem ser encontrados em uma ameaça a testemunhas, resistência à prisão, hipó-
teses em que se procura garantir impunidade, bem como nos crimes de favorecimento, em que se busca obter vantagem.
Dispõe o artigo 76, inc. II, do CPP:
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou van-
tagem em relação a qualquer delas (OBJETIVA OU MATERIAL, LÓGICA OU TELEOLÓGICA).
Já o inc. III estabelece:
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração (PRO-
BATÓRIA, INSTRUMENTAL OU PROCESSUAL).
Melhor exemplo para a hipótese é o que envolve furto e receptação, onde a prova da receptação depende da prova da origem ilí-
cita da res.

8. Continência

A continência, prevista no art. 77 do CPP, também é causa de modificação da competência. Ocorre quando temos uma única in-
fração (uma única ação ou uma única omissão) e esta produz vários resultados, ou ainda quando foi praticada por várias pessoas e, em
decorrência, vários serão acusados pela mesma infração.
São, portanto, hipóteses de continência:
1) Concurso de agentes:
Ocorre quando várias pessoas praticam a mesma infração. Estamos diante de um concurso de agentes. Pode ser uma hipótese
de coautoria ou uma hipótese de participação.
Como consequência da continência, haverá unidade de processo e julgamento, de forma a garantir economia processual, evitan-
do-se, ainda, decisões conflitantes.
Ressalte-se, entretanto, que haverá separação obrigatória (na forma do art. 79, inc. II, do CPP) no caso de um dos coautores ou
partícipes ser menor de dezoito anos, caso em que o menor será encaminhado ao Juízo da Infância e Juventude.
2) Concurso formal; aberratio ictus; aberratio criminis.
Ocorre continência quando temos pluralidade de resultados, como nos casos de concurso formal de crimes, nas hipóteses de
aberratio ictus ou erro na execução, e aberratio criminis ou resultado diverso do pretendido. Essas hipóteses de continência estão pre-
vistas no art. 77, II, do CPP.

9. Prevenção

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A prevenção atua como causa de modificação da competência nas hipóteses em que o juiz realiza ato jurisdicional em processo
no qual não seria territorialmente competente. Trata-se de competência relativa que, como visto anteriormente, é prorrogável, sendo nova-
mente necessário lembrar da súmula 706 do STF, indicada anteriormente.
Súmula 706 do STF: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”.

10. Prerrogativa de função

A competência ratione personae pode ser analisada sob dois aspectos. No primeiro aspecto olhamos a figura do magistrado e se
ele pode exercer função jurisdicional naquele momento do processo. Vejamos o seguinte exemplo: O Ministro do STF tem competência
para analisar casos praticamente de todas as matérias e detém competência territorial em todo território nacional, mas não poderia proferir
decisões em processos em curso no primeiro grau de jurisdição. O limite para o exercício da função jurisdicional por parte daquele magis-
trado restringe-se aos processos de competência originária da Corte Suprema ou aos recursos de competência daquele órgão. Trata-se da
competência funcional vertical.
Mas precisamos analisar a competência funcional horizontalmente.
Considerando todos os réus criminais do país, verificamos que os mesmos se encontram em uma mesma situação dentro da re-
lação jurídico-processual penal: são réus, polo passivo da relação jurídico processual penal.
No entanto, verificamos que determinados réus, em razão de relevante função exercida dentro das diversas esferas do poder
estatal, possuem “força” hierárquica, certa influência, no exercício de cargos para os quais se exigiria uma conduta pautada pela mora-
lidade, legalidade e idoneidade. Receberam os mesmos, para o exercício daquela função, um voto de confiança da sociedade, sen do
certo que o último que se esperaria deles seria a prática de crimes, devendo ser julgados por órgãos do Poder Judiciário que, ao menos
em tese, não sofreriam dos mesmos qualquer influência.
A título de exemplo, um juiz não pode ser julgado por outro juiz, que se poderia considerar seu colega ou ter sido de alguma for-
ma influenciado por ele durante sua formação.
Um juiz, por exemplo, não poderia ser julgado pelos seus pares, devendo ser julgado por membros do Judiciário que exercem a
função jurisdicional há mais tempo e que, ainda que em tese, possuem mais conhecimento da matéria e mais experiência no exercício da
função, dificultando eventual influência por parte do magistrado em face de quem pesa a acusação. Por isso, juízes de primeir a instância
são julgados pelo Tribunal que reformaria suas decisões. Se referido tribunal é isento para reformar a decisão daquele magistrado, em
consequência, deveria estar isento para julgá-lo pelo crime supostamente praticado.
Da mesma forma, desembargadores não podem ser julgados pelos próprios desembargadores do Tribunal a que pertencem, de-
vendo ser julgados pelo órgão que reformaria suas decisões, ou seja, o STJ, e assim por diante.
De maneira semelhante, se um prefeito comete um crime, a função por ele exercida se encontra, dentro do Poder Executivo, em
um mesmo nível hierárquico daquela exercida pelos juízes no Poder Judiciário. Portanto, se um prefeito praticar um crime, ele será julgado
pelo Tribunal de Justiça, órgão que julgaria os juízes.
Dentro desta mesma sistemática conseguimos distribuir a maioria dos cargos que possui prerrogativa de função no texto cons-
titucional.
Devemos, entretanto, tomar cuidado com eventuais exceções. A título de exemplo, podemos citar os Conselheiros Municipais
de Contas, que, embora atuem em nível municipal, possuem prerrogativa de função para o STJ. Reparem, dispõe a CRFB que: Conse-
lheiros do Tribunal de Contas da União são julgados no STF, Conselheiros do Tribunal de Contas dos Estados são julgados no ST J, e
os Conselheiros Municipais também são julgados no STJ. É uma exceção, mas que se justifica. Afinal, os Conselhos Municipais de
Contas foram extintos com a CRFB/88, somente permanecendo dos Conselhos do RJ e SP, os quais possuem status de conselhos
estaduais. Portanto, ao equiparar os Conselheiros Municipais de Contas do RJ e SP a Conselheiros Estaduais, a CRFB os manteve
sendo julgados no STJ.
Contudo, com relação aos parlamentares federais, em recente decisão proferida em questão de ordem na AP 937, por maioria de
votos, decidiu o Plenário do STF que o foro por prerrogativa de função conferido aos deputados federais e senadores aplica-se apenas a
crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas.
A hipótese enquadra-se dentro do contexto do que a doutrina denomina mutação constitucional, que consiste na alteração infor-
mal do texto/norma da Constituição Federal, para a qual se passa a dar interpretação diversa.
A decisão do STF na Ação Penal 937 é, com certeza, a decisão de maior relevância no tema prerrogativa de função desde o can-
celamento da antiga Súmula 394 da mesma Corte, mas seus reais e completos efeitos dependerão de discussões futuras. Como mencio-
nado anteriormente, a decisão proferida em questão de ordem na referida ação penal originária considerou apenas a prerrogativ a dos
membros do Congresso Nacional, sendo necessário o acompanhamento da jurisprudência quanto aos demais cargos.
Da mesma forma, faz-se necessária maior discussão sobre os critérios a serem adotados para a definição do que ou quais seriam
os crimes praticados no exercício da função e em razão dela.
Vejamos a posição adotada pelo STF:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMI-
TAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM
RAZÃO DELE. ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa

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1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na intepretação até aqui adotada pelo Supremo
Tribunal Federal, alcança todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102, I,
b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer
relação com o seu exercício.
2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes
praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios cons-
titucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsa-
bilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do
sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade
administrativa.
3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício
das funções – e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de causa-
lidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta
disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo.
4. A orientação aqui preconizada encontra-se em harmonia com diversos precedentes do STF. De fato, o
Tribunal adotou idêntica lógica ao condicionar a imunidade parlamentar material – i.e., a que os protege por
suas opiniões, palavras e votos – à exigência de que a manifestação tivesse relação com o exercício do
mandato. Ademais, em inúmeros casos, o STF realizou interpretação restritiva de suas competências consti-
tucionais, para adequá-las às suas finalidades. Precedentes. II. Quanto ao momento da fixação definitiva da
competência do STF 5. A partir do final da instrução processual, com a publicação do despacho de intima-
ção para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais – do STF
ou de qualquer outro órgão – não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo
ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. A jurisprudência desta Corte admite a possibili-
dade de prorrogação de competências constitucionais quando necessária para preservar a efetividade e a
racionalidade da prestação jurisdicional. Precedentes. III. Conclusão 6. Resolução da questão de ordem
com a fixação das seguintes teses: “(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes come-
tidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instru-
ção processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a com-
petência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a
ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. 7. Aplicação da nova linha inter-
pretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e
demais juízos com base na jurisprudência anterior. 8. Como resultado, determinação de baixa da ação penal
ao Juízo da 256ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, em razão de o réu ter renunciado ao cargo de Deputado
Federal e tendo em vista que a instrução processual já havia sido finalizada perante a 1ª instância." (passa-
gem do voto do relator, Ministro Luis Roberto Barroso na questão de ordem da AP 937, julgada em
03.05.2018).

Quanto à modulação dos efeitos da decisão, posicionou-se o STF no sentido de que o novo entendimento deve ser aplicado in-
clusive aos processos em curso, salvo quando já encerrada a instrução probatória, ficando resguardados os atos e as decisões do STF – e
dos juízes de outras instâncias – tomados com base na jurisprudência anterior, a qual fora assentada no julgamento do INQ 687, que ense-
jou o cancelamento da antiga Súmula 394, bem como no julgamento da questão de ordem na AP 606, cuja ementa abaixo transcreve-se a
seguir.
Ementa: AÇÃO PENAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM. RENÚNCIA AO MAN-
DATO. PRERROGATIVA DE FORO. 1. A renúncia de parlamentar, após o final da instrução, não acarreta a
perda de competência do Supremo Tribunal Federal. Superação da jurisprudência anterior. 2. Havendo a
renúncia ocorrido anteriormente ao final da instrução, declina-se da competência para o juízo de primeiro
grau. (AP-QO 606, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 12/08/2014, publicado em
18/09/2014, Primeira Turma)
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PROCESSO CRIMINAL CONTRA EX-DEPUTADO
FEDERAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. INEXISTÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO. COMPETÊNCIA DE
JUÍZO DE 1º GRAU. NÃO MAIS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CANCELAMENTO DA SÚMULA
394. 1. Interpretando ampliativamente normas da Constituição Federal de 1946 e das Leis nºs 1.079/50 e
3.528/59, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência, consolidada na Súmula 394, segunda a qual,
"cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de fun-
ção, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício". 2. A tese
consubstanciada nessa Súmula não se refletiu na Constituição de 1988, ao menos às expressas, pois, no
art. 102, I, "b", estabeleceu competência originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar "os
membros do Congresso Nacional", nos crimes comuns. Continua a norma constitucional não contemplando
os ex-membros do Congresso Nacional, assim como não contempla o ex-Presidente, o ex-Vice-Presidente,

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o ex-Procurador-Geral da República, nem os ex-Ministros de Estado (art. 102, I, "b" e "c"). Em outras pala-
vras, a Constituição não é explícita em atribuir tal prerrogativa de foro às autoridades e mandatários, que,
por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato. Dir-se-á que a tese da Súmula 394 per-
manece válida, pois, com ela, ao menos de forma indireta, também se protege o exercício do cargo ou do
mandato, se durante ele o delito foi praticado e o acusado não mais o exerce. Não se pode negar a relevân-
cia dessa argumentação, que, por tantos anos, foi aceita pelo Tribunal. Mas também não se pode, por outro
lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a
proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte
Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do car-
go ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes
de cargos ou mandatos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem,
não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cida-
dãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos. 3. Questão de Ordem sus-
citada pelo Relator, propondo cancelamento da Súmula 394 e o reconhecimento, no caso, da competência
do Juízo de 1º grau para o processo e julgamento de ação penal contra ex-Deputado Federal. Acolhimento
de ambas as propostas, por decisão unânime do Plenário. 4. Ressalva, também unânime, de todos os atos
praticados e decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula 394, enquanto vigo-
rou. (Inq 687 QO, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/1999, DJ 09-11-
2001 PP-00044 EMENT VOL-02051-02 PP-00217 RTJ VOL-00179-03 PP-00912)

Muitas são as dúvidas ainda existentes sobre a recente decisão do STF. A principal diz respeito aos cargos a que aplicada a nova
interpretação, já que tanto a Ação Penal 937 como o Inquérito 4667 (ementa abaixo colacionada) referem-se apenas a parlamentares
federais.

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.


IMPUTAÇÃO DE FATO OCORRIDO ANTES DA POSSE COMO DEPUTADO FEDERAL. MAIORIA EX-
PRESSIVA JÁ FORMADA EM PLENÁRIO. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por expressiva maioria de 8 (oito) votos, já manifestou entendi-
mento de que o foro por prerrogativa de função só deve ser observado nos casos de imputação de crimes
cometidos no cargo e em razão do cargo. Sentido e alcance do art. 53, § 1º da Constituição Federal, refe-
rente a Deputados Federais e Senadores.
2. Diante da improbabilidade de reversão de tal orientação, não se afigura adequado que o Tribunal continue
a conduzir inquéritos ou a instruir ações penais para os quais a maioria dos seus membros considera não ter
ele competência.
3. A condução de um processo por Tribunal que não será competente para julgamento final da causa contra-
ria o princípio da identidade física do juiz, sem que exista uma razão legítima para tanto.
4. Competência declinada para o Juízo Federal Criminal de Santos/SP. (...)
II. A POSIÇÃO JÁ CLARAMENTE DELINEADA EM PLENÁRIO
7. Na Sessão do dia 23 de novembro, o Supremo Tribunal retomou o julgamento iniciado em 31 de maio
deste ano (Questão de Ordem na AP 937), relativamente ao tema do foro privilegiado. Sete dos Ministros
acompanharam meu voto, na parte em que sustentei que o foro perante o STF somente se verificaria relati-
vamente aos fatos ocorridos no cargo e em razão do cargo. O eminente Ministro Alexandre de Moraes
acompanhou-me quanto à exigência de que os fatos tivessem ocorrido no cargo, embora tenha entendido
que não se limitasse aos praticados em razão do cargo. Vale dizer: a posição de S. Exa. quanto à não inci-
dência do foro aplica-se à presente hipótese.
8. Portanto, oito dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – i.e., a totalidade dos que votaram até agora,
em número superior à maioria absoluta – manifestaram-se pela incompetência desta Corte, entendendo que
o foro especial por prerrogativa de função, de que cuida o § 1º do art. 53 da Constituição Federal (relativo a
Deputados Federais e Senadores), só deve ser observado nos casos em que a prática de crimes se deu no
exercício do cargo e em razão do cargo.
9. Ainda que interrompido o julgamento por pedido de vista regimental, não parece provável, considerada a
maioria já formada, que sua conclusão se dê em sentido oposto ao já delineado. Para evitar controvérsias
desnecessárias em outros órgãos jurisdicionais, destaco que – sem prejuízo da tese que venha a ser adota-
da pelo Tribunal ao fim do julgamento da referida Questão de Ordem – o entendimento majoritário já con-
solidado se refere, ao menos por ora, unicamente ao foro competente para o processamento e jul-
gamento de parlamentares federais.
III. BREVE REFLEXÃO: FORO PRIVILEGIADO, IMPUNIDADE E PROPOSTAS PARA O FUTURO TRA-
TAMENTO DA MATÉRIA

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10. Como tenho afirmado, a restrição do foro aqui proposta – como a restrição do foro em geral – resolve,
sobretudo, os problemas que ele acarreta para o Supremo Tribunal Federal. Dentre eles, a politização inde-
vida da Corte, a criação de tensões com o Congresso Nacional e o desprestígio junto à sociedade, por se
tratar de uma competência que ele exerce mal. Há uma visão atrasada que ainda prevalece em alguns es-
paços da vida brasileira de que quanto mais competências se têm, maior a quantidade de poder. Nesta vi-
são, o poder não é uma forma de fazer o bem e promover justiça, mas um instrumento para proteger os
amigos e perseguir os inimigos. Já é boa hora de se superarem os ciclos do atraso institucional e existencial
no Brasil. (...)
III. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA
14. No caso aqui examinado, não se afigura adequado que o Tribunal continue a instruir ações penais ou a
conduzir inquéritos para os quais não se considere competente, por ampla maioria, como no caso sob exa-
me. Entender de modo diverso, com manutenção destes feitos em tramitação neste Tribunal, implica delibe-
rada vulneração ao princípio da identidade física do juiz, sem que exista uma razão legítima para tanto.
15. Além disso, a permanência dos autos no Supremo representaria uma inversão de valores, uma vez que
este Tribunal funcionaria como instância de execução meramente material de atos processuais relacionados
a processos que serão, em realidade, julgados pela primeira instância, em prejuízo até mesmo do princípio
da identidade física do juiz.
16. Este o quadro, impõe-se a imediata implementação do entendimento majoritário do Tribunal com a re-
messa dos autos para o Juízo competente (arts. 109, na forma do 108, § 1o, ambos do CPP).
17. Assim, considerando que a conduta imputada ao investigado foi praticada quando ainda não detinha foro
especial por prerrogativa de função perante este Tribunal, declino da competência desta Corte para remeter
os autos ao Juízo Federal Criminal de Santos/SP. (passagem do voto do relator, Inq 4667, julgado em
06/02/2018, DJe-023 08/02/2018 - grifou-se)

Embora a decisão do STF esteja, a princípio, restrita aos Deputados Federais e Senadores, a mesma já começa a repercutir so-
bre os demais tribunais, o que verificamos, desde logo, na decisão proferida pelo Ministro Luís Felipe Salomão, relator nos autos da AP
866/DF, que tramitava perante o Superior Tribunal de Justiça, abaixo transcrita.
Vejamos a posição do STJ, adotada em caráter monocrático, logo a seguir ao julgamento do STF na Ação Penal 937:

DECISÃO: 1. Diante da recente e notória decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar ques-
tão de ordem na AP 937, da relatoria do Ministro Roberto Barroso, conferindo nova e conforme interpretação
ao art. 102, I, b e c da CF, assentando a competência da Corte Suprema para processar e julgar os mem-
bros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes praticados no exercício e em razão da fun-
ção pública, e que tem efeitos prospectivos, em linha de princípio, ao menos em relação às pessoas deten-
toras de mandato eletivo com prerrogativa de foro perante este Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I,
"a"), faz-se necessária igual observância da regra constitucional a justificar eventual manutenção, ou não, do
trâmite processual da presente ação penal perante a Corte Especial deste Tribunal Superior. (...)
2. Assim, parece claro que o Excelso Pretório decidiu que se faz necessária a adoção de interpretação res-
tritiva das competências constitucionais, consoante precedentes recentes daquela Suprema Corte. (...)
3. De outra parte, pelo princípio da simetria, os Estados são obrigados a se organizarem de forma simétrica
à prevista para a União. Afinal, de acordo com o art. 25, caput, da CF/1988, "os Estados organizam-se e re-
gem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição".
A jurisprudência da Corte Constitucional sempre conferiu grande relevância ao princípio da simetria. (...)
Assim, o princípio da simetria informa a interpretação de qualquer regra que envolva o pacto federativo no
Brasil.
4. No caso em exame, é ação penal na qual foi ofertada denúncia em face de (...), atual Governador do Es-
tado da Paraíba, pela suposta prática de 12 (doze) crimes de responsabilidade de prefeitos (art. 1º, inciso
XIII, do DL 201/67), decorrente da nomeação e admissão de servidores contra expressa disposição de lei,
ocorridos entre 01.01.2010 e 01.02.2010, quando o denunciado exercia o cargo de Prefeito Municipal de Jo-
ão Pessoa/PB, ou seja, delitos que, em tese, não guardam relação com o exercício, tampouco teriam sido
praticados em razão da função pública atualmente exercida pelo denunciado como Governador. Nessa con-
formidade, reconhecida a inaplicabilidade da regra constitucional de prerrogativa de foro ao presente caso,
por aplicação do princípio da simetria e em consonância com a decisão da Suprema Corte antes referida,
determino a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, para distribuição a
uma das Varas Criminais da Capital, e posterior prosseguimento da presente ação penal perante o juízo
competente. (Passagem da decisão monocrática proferida pelo Rel. Min. Luís Felipe Salomão, nos autos
da AP 866/DF (2013/0258052-5), em 07.05.2018, DJe 08.05.2018)
Contudo, considerando as prerrogativas estabelecidas no texto constitucional, observe o gráfico abaixo:

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STF

Presidente da
República Procurador-
Vice- Geral da Re-
Membros dos Presidente pública
Senadores
Tribunais de Ministros dos Tribunais Superio- Ministros da Chefes de
Deputados
Contas da res República Missão Diplo-
Federais
União Ministros e mática de
Comandantes caráter perma-
das Forças nente
Armadas

STJ

Membros dos
Tribunais de Desembargadores dos Tribunais
Contas dos de Justiça dos Estados e do Membros do
Estados e do Distrito Federal Governadores Ministério
Distrito Federal Desembargadores dos Tribunais dos Estados e Público da
Membros dos Regionais Federais do Distrito União que
Conselhos ou Desembargadores dos Tribunais Federal oficiem perante
Tribunais de Regionais Eleitorais e do Traba- tribunais
Contas dos lho
Municípios

TJ TRF

Deputados
Estaduais **

Juízes Fede-
rais da área de
Membros do Juízes Estadu- sua jurisdição Membros do
Ministério Deputados ais e do Distrito Juízes da Ministério
Prefeitos *
Público Esta- Estaduais ** Federal e Justiça Militar Público da
dual Territórios Juízes da União
Justiça do
Trabalho

Secretários de
Vereadores **
Estado**

A princípio, prerrogativa de função deve ser estabelecida pela Constituição Federal, mas é importante destacar que alguns cargos
não foram lembrados pelo legislador constituinte. Neste caso, admite-se que a Constituição dos Estados atribua a prerrogativa, desde que
sejam respeitados dois critérios: simetria e não contrariedade. Ou seja, a função exercida pelo ocupante do cargo deve ser semelhante a
uma função desempenhada por cargo que possua prerrogativa na Carta Magna.
Por tal motivo, Deputados Estaduais**, Vereadores** e Secretários de Estado**, por exemplo, podem ter sua prerrogativa definida
na Constituição Estadual.
Por outro lado, não atende ao critério da simetria, p. ex., a prerrogativa que determinadas Constituições Estaduais estabelec eram
para Delegados de Polícia, motivo pelo qual os Tribunais Superiores reconhecem a inconstitucionalidade desses dispositivos 4.

4
Veja-se: 1) “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ALÍNEA “E” DO INCISO VIII DO ARTIGO 46 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS, NA REDAÇÃO
QUE LHE FOI DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29, DE 31 DE OUTUBRO DE 2001. Ação julgada parcialmente procedente para reconhecer a inconstitucio-
nalidade da expressão “e os Delegados de Polícia”, contida no dispositivo normativo impugnado.” (ADI 2587, de 01/12/2004, DJ 06/11/2006); e 2) “PRERROGATIVA DE
FORO. EXTENSÃO AOS DELEGADOS. INADMISSIBILIDADE. (...) 4. Prerrogativa de foro. Delegados de Polícia. Esta Corte consagrou tese no sentido da impossibilida-
de de estender-se a prerrogativa de foro, ainda que por previsão da Carta Estadual, em face da ausência de previsão simétrica no modelo federal. (...) Ação Direta de In-
constitucionalidade julgada procedente, em parte.” (ADI 882, de 19/02/2004, DJ 23/04/2004).

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Já a não contrariedade significa dizer que o disposto na Constituição Estadual não pode contrariar texto da Constituição Fede ral.
Exatamente por isso, a prerrogativa de função fixada em Constituições Estaduais não pode prevalecer sobre a garantia individu al funda-
mental do Tribunal do Júri, fixada na CRFB. Neste sentido as Súmulas 721 do STF e Vinculante 45.

Súmula Vinculante 45 - A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função esta-
belecido exclusivamente pela constituição estadual.
Súmula 721 - A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclu-
sivamente pela Constituição Estadual.

Ressalte-se, entretanto, que, conforme posicionamento majoritário, Deputados Estaduais possuem simetria firmada pela própria
Constituição Federal (art. 27, § 1º), razão pela qual, diferentemente dos demais cargos com prerrogativas estaduais, devem ser processa-
dos pelos respectivos tribunais, em competência originária, ainda que o crime seja doloso contra a vida.
Apesar do tema apresentar grande divergência doutrinária, deve-se observar o entendimento apresentado pelo STJ nos julgados
a seguir:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DEPUTADO ESTADUAL. FORO


POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TRIBUNAL DO JÚRI. SIMETRIA CONSTI-
TUCIONAL. ABRANGÊNCIA DA PRERROGATIVA DE FORO NA EXPRESSÃO INVIOLABILIDADE E IMU-
NIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 721/STF AOS DEPUTADOS ESTADUAIS. EXTENSÃO DA
GARANTIA DO ART. 27, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.” (HC 109.941/RJ, de 02/12/2010, DJe
04/04/2011)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA.
DEPUTADO ESTADUAL. ART. 27, § 1º, CF. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO.
1. Apesar de não constar do artigo 27, parágrafo 1º, da Carta Magna, expressamente, a extensão do foro
por prerrogativa de função aos deputados estaduais, tem-se que as Constituições locais, ao estabelecerem
para os parlamentares do estado idêntica garantia prevista para os congressistas, refletem a própria Consti-
tuição Federal, não se podendo, portanto, afirmar que referida prerrogativa encontra-se prevista, exclusiva-
mente, na Constituição Estadual.
2. A adoção de um critério fundado na aplicação de regras simétricas, conforme preceitua a própria Carta
Magna, em seu artigo 25, reforça a relevância da função pública protegida pela norma do foro privativo.
3. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.
(STJ. CC 105.227/TO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
24/11/2010, DJe 25/03/2011)

Entretanto, todas essas questões estão agora em xeque, uma vez que, a princípio, posiciona-se o STF, com a AP 937 anterior-
mente indicada, por afastar a prerrogativa nos casos em que o crime não se relacione à função exercida.
Detalhe não menos importante diz respeito a um conflito entre a competência ratione personae atribuída aos prefeitos e a compe-
tência ratione materiae da Justiça Federal ou da Justiça Eleitoral. É certo que a prerrogativa dos Prefeitos está estabelecida para o Tribunal
de Justiça do Estado em que exerce a função (no art. 29, X, da CRFB/88). Contudo, o Tribunal de Justiça é órgão da Justiça Co mum Esta-
dual, motivo pelo qual se o crime praticado pelo Prefeito for federal ou eleitoral, deverá o mesmo ser processado e julgado pelo TRF ou
TRE, respectivamente.
Neste sentido o teor das Súmulas 702 do STF e 208 do STJ:

Súmula 702 (STF) - A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência
da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.
Súmula 208 (STJ) - Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de
contas perante órgão federal.

Raciocínio diferente aplica-se a Juízes Estaduais e membros do Ministério Público Estadual, que se mantém no Tribunal de Justi-
ça mesmo em caso de crimes federais, somente dali saindo para a Justiça Eleitoral, ressaltando-se o disposto no art. 96, III, da CRFB/88:
Art. 96. Compete privativamente:
III. aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Pú-
blico, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Importante ainda lembrar que a prerrogativa de função somente se aplica à prática de crimes, não se estendendo a atos
de improbidade administrativa, e decorre exclusivamente da função e não da pessoa, não sendo possível sua extensão após o
final do exercício funcional. Por tal motivo, a antiga súmula 394 do STF foi cancelada, bem como foram, em 2005, declarados
inconstitucionais os parágrafos do art. 84 do CPP (ADIN 2797-2 e ADIN 2860-0).

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Da mesma forma, dispõe a Súmula 451 do STF:
“A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício
funcional.”
Contudo, o STF, julgando questão de ordem na Ação Penal originária 606, passou a entender que nas hipóteses em que a
perda do cargo decorre de renúncia por parte de seu titular, caso esta tenha ocorrido após encerramento da instrução probatória,
deverá ser mantida a competência da Corte para o julgamento, evitando-se a fraude processual por parte do acusado que, proposi-
talmente, renuncia ao cargo/mandato apenas para evitar o julgamento iminente.
AÇÃO PENAL CONTRA DEPUTADO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM. RENÚNCIA AO MANDATO.
PRERROGATIVA DE FORO. 1. A renúncia de parlamentar, após o final da instrução, não acarreta a perda
de competência do Supremo Tribunal Federal. Superação da jurisprudência anterior. 2. Havendo a renúncia
ocorrido anteriormente ao final da instrução, declina-se da competência para o juízo de primeiro grau. (STF.
AP 606 QO, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 12/08/2014, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014)
Para finalizar, devemos lembrar que em face do disposto no art. 77, I, do CPP, quando várias pessoas forem acusadas pela
mesma infração e uma delas possui prerrogativa, esta exercerá sobre as demais a vis attractiva, sendo todos processados e julgados
juntos perante o órgão de instância superior (art. 78, III, do CPP) 5.
Este entendimento é reforçado pela Súmula 704 do STF:
Súmula 704 - Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou co-
nexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.
Contudo, há exceções, dentre as quais destacamos os processos em que, diante da complexidade ou do número excessivo de
réus, em especial quando há réus presos e soltos, faz-se necessária a separação, a critério do julgador6. É o que estabelece o art. 80 do
CPP:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou
de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação.

11. Foro e Juízo Prevalente

Dispõe o art. 78 do CPP:


Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;
Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria:
a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;
b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;
III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação;
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Assim, havendo conexão e continência, a regra é a de que deverá haver unidade de processo e julgamento, definindo-se o foro
e/ou o juízo competente de acordo com o disposto no art. 78 do CPP.
Contudo, existem hipóteses de separação obrigatória dos processos, conforme indicado no art. 79 do mesmo Código. Caso haja
concurso de agentes envolvendo um menor de 18 anos (inimputável) e um maior, somente o maior poderá ser processado criminalmente,
devendo o menor ser submetido ao Juízo da Infância e Juventude, para fins de aplicação do procedimento previsto no Estatuto da Criança
e do Adolescente. Da mesma forma, os crimes militares, previstos no Código Penal Militar, submetem-se a processo próprio perante a
Justiça Militar, regido pelas regras do Código de Processo Penal Militar, e não ao CPP comum, motivo pelo qual também se dará a separa-
ção obrigatória dos processos, ainda que haja conexão entre o crime militar e o crime comum.
Também será hipótese de separação obrigatória dos processos quando um dos corréus contrair, no curso do processo, doença
mental, hipótese na qual, em relação a ele, deverá ser suspenso o processo na forma do art. 152 do CPP, ou ainda, na eventualidade das

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Assim decidiu o STF no Inq 2688, de 02/12/2014, DJe-029 12/02/2015: “Inquérito. 2. Competência originária. 3. Penal e Processual Penal. 4. Conexão e continência.
Réus sem foro originário perante o Supremo Tribunal Federal. “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal, a atração, por conti-
nência ou conexão, do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados” (Súmula 704). Eventual separação dos processos e consequente
declinação do julgamento a outra instância deve ser analisada pelo Supremo Tribunal, com base no art. 80 do CPP. Tratando-se de delitos praticados em concurso de
agente, não havendo motivo relevante, o desmembramento não se justifica.”
6 “(...) nos termos da jurisprudência desta Corte, “O desmembramento do feito é faculdade do juiz (art. 80 do Código de Processo Penal). Não havendo comprovação de
qualquer prejuízo em razão da separação dos feitos, não há como reconhecer-se qualquer nulidade” (HC 56.817/SP, 6.ª Turma, Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOU-
RA, DJe de 30/03/2009). No caso, o desmembramento restou justificado, com amparo no art. 80 do Código de Processo Penal, tendo o Tribunal de origem ressaltado
que ‘Vários são os envolvidos, e as testemunhas e as diligências a serem determinadas e analisadas, o que poderia tornar inviável o processamento adequado da ação
penal, acaso todos os fatos venham a ser agrupados em uma única ação. Pois bem, diante desse quadro, não se pode permitir o ‘agigantamento’ do processo, sob pena
de trazer prejuízos à jurisdição e às próprias defesas’.” (HC 129491, de 04/08/2015, DJe-155 07/08/2015)

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recusas, no julgamento perante o Tribunal do Júri, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Senten-
ça (art. 469, § 1º., do CPP).
Poderá ocorrer ainda a separação facultativa dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de
tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro
motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.

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