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Os barões

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 1 de dezembro de 2010

Um leitor pede gentilmente que eu lhe diga quem, afinal, são os tão falados e jamais nomeados “barões
da droga”. Quem ganha com o crescimento ilimitado das quadrilhas de narcotraficantes e sua
transformação em força revolucionária organizada, ideologicamente fanatizada, adestrada em táticas de
guerrilha urbana, capacitada a enfrentar com vantagem as forças policiais e não raro também as
militares?

A resposta é simplicíssima: quem ganha com o tráfico de drogas é quem produz e vende drogas. O
maior, se não o único fornecedor de drogas ao mercado brasileiro são as Farc, Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia. São elas, também, que dão adestramento militar e assistência técnica ao
Comando Vermelho, ao PCC e a outras quadrilhas locais.

Já faz dez anos que o então principal traficante brasileiro, Fernandinho Beira-Mar, preso na Colômbia,
descreveu em detalhes a operação em que trocava armas contrabandeadas do Líbano por duas toneladas
anuais de cocaína das Farc. Também faz dez anos que uma investigação da Polícia Federal chegou à
seguinte conclusão: “A guerrilha tem o comando das drogas” (v.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/031002jt.htm). Se alguém ainda tem dúvidas a respeito, é que
está gravemente afetado da Síndrome do Piu-Piu: “Será que eu vi um gatinho?”

Mas, dirá o leitor, não há também políticos envolvidos na trama, gente das altas esferas, que dirige tudo
de longe, discretamente, sem mostrar a cara ou sujar as mãozinhas?

É claro que há. Mas só são invisíveis a quem tenha medo de os enxergar. Para descobri-los, basta
averiguar quem, na política, protege as Farc. Não preciso dar nomes, preciso? Para avivar a memória,
leia as listas de participantes do Foro de São Paulo, entidade criada precisamente para articular, numa
estratégia revolucionária abrangente, a política e o crime.

Alguns ganham muito dinheiro com isso, mas nem todos, na lista, têm interesse financeiro direto no
narcotráfico – o que não os torna menos criminosos, é claro. As Farc e organizações similares servem-
lhes de arma de barganha, para criar o caos social, intimidar o inimigo e extorquir dele concessões
políticas que valem muito mais do que dinheiro. Quando a guerrilha está em vantagem, os políticos –
para usar uma expressão já velha – sublinham com as armas da retórica a retórica das armas,
anunciando o advento de uma sociedade justa gerada no ventre do morticínio redentor. Quando a
guerrilha está perdendo, eles usam o restinho dela como instrumento de chantagem, oferecendo a “paz”
em troca da transformação dos bandos armados em partidos políticos, de modo a premiar a imensa lista
de crimes hediondos com a abertura de uma estrada risonha e franca para a conquista do poder. Mais
detalhes em http://www.olavodecarvalho.org/semana/070924dc.html.

São esses os barões. Não há outros.

A parceria deles com o narcotráfico vem de longe. Começou na Ilha Grande, nos idos de 70, quando os
terroristas presos começaram a doutrinar os bandidos comuns e a ensinar-lhes os rudimentos da
guerrilha urbana segundo o manual de Carlos Marighela. Naquela época os guerrilheiros e a liderança
esquerdista em geral tinham um complexo de inferioridade: viam-se como uma elite isolada, sem raízes
nem ressonância no “povo”, em cujo nome falavam com um sorriso amarelo. Por uma feliz
coincidência, foram parar na cadeia numa época em que o filósofo germano-americano Herbert
Marcuse tinha lhes dado uma idéia genial: a faixa de população mais sensível à pregação
revolucionária não eram os trabalhadores, como pretendia Karl Marx, e sim os marginais – ladrões,
assassinos, narcotraficantes. Que parassem de fazer pregação nas fábricas e buscassem audiência no
submundo – tal era o caminho do sucesso. Quando as portas do cárcere se fecharam às suas costas,
abriram-se para eles as portas da mais doce esperança: lá estava, no pátio da prisão, o tão ambicionado
“povo”. Sua função no esquema? Transmutar o reduzido círculo de guerrilheiros em movimento
armado das massas revolucionárias.

Em 1991, o projeto, em formato definitivo, já vinha exposto com toda a clareza no livro Quatrocentos
Contra Um, de autoria do líder do Comando Vermelho, William da Silva Lima, publicado pela
Labortexto e lançado ao público na sede da Associação Brasileira da Imprensa, entre aplausos de
mandarins da intelectualidade esquerdista que ali viam materializados os seus sonhos mais belos de
justiça e caridade. Mais que materializados, ampliados:

“Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e
vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de
adolescentes, que matarão vocês nas esquinas.”

Todo o descalabro sangrento que hoje aterroriza a população do Rio de Janeiro não é senão a
efetivação do plano aí esboçado com a ajuda dos mesmos luminares do esquerdismo que hoje
pontificam sobre “segurança pública”.

O parágrafo seguinte não preciso escrever, porque já escrevi. Está no Diário do Comércio de 16 de
outubro de 2009 (http://www.olavodecarvalho.org/semana/091016dc.html):

“Mais tarde os terroristas subiram na vida, tornaram-se deputados, senadores, desembargadores,


ministros de Estado, tendo de afastar-se de seus antigos companheiros de presídio. Estes não ficaram,
porém, desprovidos de instrutores capacitados. A criação do Foro de São Paulo, iniciativa daqueles
terroristas aposentados, facilitou os contatos entre agentes das Farc e as quadrilhas de narcotraficantes
brasileiros – especialmente do PCC –, dos quais logo se tornaram mentores, estrategistas e sócios. Foi o
que demonstrou o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, MS, pagando por essa ousadia o
preço de ter de viver escondido, como de fosse ele próprio o maior dos delinqüentes (v.
http://www.eagora.org.br/arquivo/Farc-ensina-seqestro-a-PCC-e-CV-afirma-juiz/ e sobretudo
http://odilon.telmeworlds.sg/), enquanto os homens das Farc transitam livremente pelo país, têm toda a
proteção da militância esquerdista em caso de prisão e até são recebidos como hóspedes de honra por
altos próceres petistas.”

Mas também é claro que, entre esses dois momentos, os apóstolos da sociedade justa não ficaram
parados: fizeram leis que dificultam a ação da polícia (o governador carioca Leonel Brizola chegou a
bloqueá-la por completo), espalharam por toda a sociedade a noção de que os bandidos são vítimas e, a
pretexto de combater o crime por meio de uma “política de inclusão”, construíram nos redutos da
bandidagem obras de infra-estrutura que tornam a vida dos criminosos mais confortável e sua ação
mais eficiente. No meio de tanta atividade meritória, ainda tiveram tempo de estreitar os laços tático-
estratégicos entre as quadrilhas de delinqüentes e a militância política, articulando, nas reuniões do
Foro de São Paulo, a colaboração entre as Farc e o MST, que hoje recebe da guerrilha colombiana o
mesmo adestramento em técnicas de guerrilha que começou a ser transmitido aos presos da Ilha Grande
na década de 70.

Falar em “ligações” da esquerda com o crime é eufemismo. O que há é a unidade completa, a


integração perfeita, uma das mais formidáveis obras de engenharia revolucionária de todos os tempos.
Não espanta que empreendimento de tal envergadura tenha a seu dispor, entre os “formadores de
opinião”, um número até excessivo de colaboradores incumbidos de negar a sua existência.

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