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CAÇADA AO
AGENTE DO TEMPO

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A Crest tivera que abandonar o tempo real do ano 2.4O4.
O transmissor de tempo do planeta Vario catapultara ao
passado o ultracouraçado de Perry Rhodan, com toda sua
tripulação, por exatos 52.392 anos — e de volta à Via Láctea.
Na fase mais importante de suas operações, entretanto, os
senhores de Andrômeda não obtiveram êxito: Não conseguiram
mandar destruir a nave-capitânia da Frota Solar, quando esta
ressurgiu sobre Kahalo.
Os comandantes da Frota Lemurense de Vigilância foram
enganados, e a Crest pudera ser colocada em segurança.
Porém esta segurança é ilusória, uma vez que os terranos
do passado — que se dizem lemurenses — são inimigos dos
terranos do tempo do Império Solar, e também os halutenses,
naquele ano de 49.988, antes da virada do tempo, combatem
ferozmente todos os seres humanos.
Todos os caminhos para fora deste tempo hostil e de volta
ao Império Solar do ano 2.4O4 foram eficazmente obstruídos
para a Crest — por Frasbur, o agente dos senhores da galáxia.
Porém nem mesmo Frasbur, apesar do seu imenso poder
de retaliação, pôde impedir que os cavalgadores de ondas
Tronar e Rakal Woolver se juntassem a Reginald Bell, iniciando
no tempo real uma operação decisiva denominada Caçada ao
Agente do Tempo.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Milênios estão entre o Administrador-Geral e
o seu Império.
Rakal Woolver, Tronar Woolver e Tako Kakuta — Os
mutantes vivenciam o infinito — e recebem a visita da
Eternidade.
Gucky — O rato-castor promove uma batalha de robôs.
Lemy Danger — O menor general-de-divisão do Império Solar.
Don Redhorse — Sua corveta deve ser “tragada”.
Melbar Kasom — O ertrusiano pousa em Kahalo.
Frasbur — Agente do tempo dos senhores da galáxia.
1

Aproximadamente há cinqüenta mil anos antes do nascimento de Cristo, houve na


Terra uma civilização, ainda hoje difícil de ser imaginada. Os homens, naquela época, se
chamavam lemurenses, conheciam as viagens espaciais e mantinham relações comerciais
com muitos sistemas solares da Via Láctea. Até que, certo dia, surgiram os halutenses,
conquistando a galáxia.
Acabaram descobrindo os lemurenses, e então começou uma luta terrível pela
sobrevivência.
O inimigo era mais forte. Ele afugentou os seres humanos do seu planeta natal,
perseguindo-os através do Universo.
Do futuro veio a aparente salvação. Era misteriosa, mas ainda assim, era melhor do
que a certeza do desaparecimento total. Os lemurenses ousaram o salto através do grande
abismo, até a Nebulosa de Andrômeda. Mas foi um salto através do tempo.
Perry Rhodan fez o mesmo salto com a Crest III, só que não para a frente e sim para
trás. A máquina planetária do tempo, Vario, catapultou a Crest para mais de cinqüenta e
dois mil anos ao passado — bem no meio da primeira guerra galáctica, travada entre
lemurenses e halutenses.
Deste modo os senhores da galáxia, do presente relativo, tinham conseguido livrar-
se do seu maior inimigo — Perry Rhodan. Não havia mais uma ligação entre o passado e
o presente, que para Rhodan transformou-se num distante futuro.
Mas os senhores da galáxia estavam enganados.
Os cavalgadores de ondas Rakal e Tronar Woolver haviam conseguido regressar ao
presente, onde entraram em contato com Reginald Bell, dando-lhe ciência do que se
passava. Deste modo, os terranos estavam avisados e prevenidos. Com a ajuda de um
truque, os gêmeos Rakal e Tronar, o teleportador Tako Kakuta e o diminuto siganês
Lemy Danger, deixaram-se cair, voluntariamente, no alçapão do tempo, sendo
precipitados ao passado. Rhodan tinha que ser avisado.
E foi então que houve a pane.
***
Quando a nave-robô R-10 precipitava-se ao passado, não se via, logo a princípio,
nenhuma modificação nas telas de imagem. Logo depois, entretanto, as sombras
começaram a deslizar cada vez mais depressa, para, repentinamente, passarem outra vez
devagar e tomar forma. As imagens ficaram mais nítidas.
— Agora não vai demorar — disse Rakal, relaxando. — A qualquer momento o
transmissor,de situação de Vario deve aparecer.
Não precisaram esperar muito tempo. Por cima de Vario — cinqüenta e dois mil
anos no passado — apareceu no céu um arco de um vermelho resplandecente, com um
diâmetro de um milhão de quilômetros. O arco do transmissor. A R-10 no mesmo
instante foi colhida por uma formidável força impulsionadora, dirigindo-se,
absolutamente sem controle, na direção do arco. E a nave mergulhou.
Mal sentiram o choque, quando a R-10 fez um salto de dezoito anos-luz,
rematerializando no centro da Nebulosa de Andrômeda. Bem no meio do hexágono solar
do transmissor intergaláctico.
Eram seis sóis gigantes azuis, que forneciam a energia, que era necessária para a
transmissão de matéria, por uma distância de um milhão e meio de anos-luz.
Sem uma pausa a R-10 corria na direção do transmissor invisível, que formava no
centro de gravidade dos seis sóis. Desta vez, sentiram um leve choque, quando
desmaterializaram — para logo em seguida se rematerializarem. Eles estavam na familiar
Via Láctea. Exatamente a cinqüenta mil anos antes de Cristo. Entretanto, a
rematerialização durou apenas segundos, depois o hexágono galáctico irradiou-os
novamente, desta vez dirigidos ao planeta de retificação Kahalo.
Quando as telas de imagem começaram a funcionar novamente, Rakal ergueu-se, de
um salto, pois deitara-se para a transição.
Num segundo estava atrás dos controles.
Ele reconhecera a frota de interceptação lemurense, que se precipitava, com seus
canhões, reluzentes, sobre o inimigo que já era esperado.
O campo hiperdefensivo energético verde da R-10 impediu que fossem
imediatamente derrubados.
E começaram a revidar o fogo dos lemurenses.
A frota do almirante lemurense Hakhat consistia, em sua maior parte, de
espaçonaves de combate esféricas, com um diâmetro máximo de mil e oitocentos metros
— naves, portanto, como mais tarde possuíam os arcônidas. O agente do tempo Frasbur
comunicara aos lemurenses que algumas naves daquela raça estranha que se opunha à
emigração dos lemurenses para a Nebulosa de Andrômeda haviam conseguido penetrar
no transmissor. E que deviam materializar, a qualquer momento, sobre Kahalo.
A ordem era de exterminá-las.
O almirante Hakhat deu as suas ordens. De todos os lados apareceram as
esquadrilhas, tomando posição. A linha defensiva escalonara-se até uma profundidade de
dez anos-luz.
Frasbur não indicara qualquer número. Poderiam ser cinco, mas também poderiam
ser algumas milhares de naves, as que se esperavam.
A nave esférica com um diâmetro de sessenta metros — a R-10 — conseguiu
escapar do primeiro ataque. Isso não era de admirar, pois Rakal Woolver ainda estava nos
controles.
O mutante já esperava pelo ataque. Ele acelerou loucamente e rompeu as linhas
lemurenses com a ajuda do seu campo defensivo hiperenergético ligado. Controlados
pelo computador de bordo, os canhões atiravam ininterruptamente, em cada objeto que se
aproximasse.
Era intenção de Rakal somente desligar o controle automático quando o caminho
para a superfície do planeta Kahalo estivesse assegurado.
Tronar estava sentado ao lado dele, na sala de comando.
— Você está sendo negligente, Rakal. Ligue logo o hipertransmissor, para que
possamos chegar até lá embaixo, na onda de rádio. Tako pode teleportar. Lemy então
pode tentar escapar com a Helltiger.
Mais uma vez eles se aproximaram de Kahalo. O campo hiperenergético de
proteção desviava, brincando, todos os tiros energéticos, mas os mostradores do painel de
controle de repente pareciam ter enlouquecido. Os ponteiros giravam, como
ensandecidos, de um lado para o outro.
— O campo energético! — gritou Tronar. — Ele não consegue mais suportar a
carga por muito tempo! Vai arriar!
Rakal hesitou.
Eles estavam caindo para a superfície de Kahalo.
— Você acha? — ele ia apertar um botão para avisar Lemy pelo intercomunicador,
e dizer-lhe que preparasse o seu cruzador-miniatura para decolar, quando um golpe
violento sacudiu a R-10. A nave chegou a sair de sua rota, sendo logo rodeada por dez
pesadas naves de combate lemurenses.
O campo defensivo verde arriou definitivamente. Na protuberância equatorial
explodiram algumas turbinas.
— Saltar! — gritou Tronar, pegando o irmão pela mão. — Um feixe energético —
não importa o que seja! Caso contrário, estamos perdidos!
Para Tako foi mais simples.
Ele não precisava de meios auxiliares. No mesmo segundo ele teleportou — no
segundo em que a R-10 detonou definitivamente, atingida por uma bomba-robô.
E então — todos tinham sumido, sem deixar traços — Rakal, Tronar e Tako.
A Helltiger foi arrancada da escotilha e catapultada ao espaço.
Quando Lemy voltou novamente a si, estava à deriva, pairando sem ser notado entre
as gigantescas naves lemurenses em direção às estrelas.
Foi sorte sua terem camuflado a Helltiger para parecer-se com um destroço à deriva.
Só assim ele conseguiu chegar à base de Redpoint e à Crest, depois de algumas aventuras
imprevistas, para fazer o seu relatório a Perry Rhodan.
Tronar, Rakal e Tako, entretanto, continuavam desaparecidos.
Conforme já foi mencionado, para Tako a coisa foi muito fácil. Quando a nave
explodiu ele teleportou cegamente. Como estava usando o traje de combate especial, não
corria qualquer risco. Materializou em pleno espaço, a muitos segundos-luz de distância
das naves dos lemurenses.
Abaixo dele, pairava Kahalo, o planeta de ajustagem e retificação. Debaixo das
pirâmides ficava o Pavilhão Memorial, no qual se mantinha escondido Frasbur, o agente
do tempo.
Talvez fosse errado saltar logo até lá. O agente do tempo era perigoso e mantinha
contato com os senhores da galáxia. Havia, meios de comunicação capazes de transpor
milhões de anos-luz e cinqüenta mil anos-tempo.
Tako deixou-se, simplesmente, cair. A gravidade do planeta o atraía, e o
teleportador caía cada vez mais depressa.
Ele era um pontinho diminuto no infinito e dificilmente poderia ser rastreado. Tinha
portanto alguns minutos para preocupar-se com os seus amigos. Os gêmeos certamente
também deviam ter encontrado um meio de pôr-se em segurança, mas o que teria
acontecido com Lemy?
O siganês — de uma altura somente pouco acima de vinte centímetros, mas com
uma figura perfeitamente humana — estava sentado atrás dos controles de sua nave de
apenas três metros de comprimento — se é que ela ainda existia. Ela não poderia
simplesmente pousar em Kahalo, e aliás não deveria fazê-lo. Tomara que ele pudesse ter
escapado dos lemurenses. Em caso positivo, ele já devia estar a caminho de Crest.
E Rhodan logo enviaria ajuda.
Pelo canto dos olhos, Tako percebeu um relampejar. Diversas naves dos
lemurenses, numa formação muito apertada, vinham diretamente na sua direção, mas
logo tomaram uma curva para entrar em órbita de pouso em torno do planeta. Tako
continuou a cair.
O problema era reencontrar Rakal e Tronar. Os gêmeos deviam ter usado o primeiro
impulso energético que se lhes apresentara, para pôr-se em segurança. Talvez uma onda
de rádio, ou talvez até mesmo o feixe de um canhão energético. Havia sido combinado
que todos se encontrariam em Kahalo, talvez em alguma parte do Pavilhão Memorial,
que oferecia muitos esconderijos, e naturalmente não consistia de apenas um recinto.
Quando Tako alcançou as camadas superiores da atmosfera, ligou o seu campo
energético individual, para proteger-se do calor do atrito. Continuava deixando-se cair,
enquanto observava atentamente tudo que havia abaixo dele.
Podia reconhecer claramente as seis pirâmides. Elas forneciam o campo de
materialização. Neste materializavam-se todos os objetos que eram transmitidos para cá
do hexágono solar. E vice-versa.
E por baixo das pirâmides, ficava o Pavilhão Memorial. No espaçoporto havia uma
grande movimentação. Veículos de transporte pesados rolavam pelas esteiras, fornecendo
material de reabastecimento para as naves. Um pouco mais longe encontravam-se as
esquadrilhas de combate dos lemurenses, esperando pelas ordens para entrar em ação. Era
claramente visível que Hakhat estava firmemente decidido a defender Kahalo contra
qualquer ataque. Se Kahalo se perdesse, os lemurenses teriam cortada a sua última
possibilidade de uma retirada.
No último instante, Tako teleportou para as montanhas que ficavam a uma distância
de cerca de vinte quilômetros das pirâmides, rematerializando num dos seus cumes. Viu a
cidade, na planície diante de si, e reconheceu os reflexos brilhantes de milhares de naves
espaciais no campo de pouso. No ar, passavam esquadrilhas, mas seus aparelhos de
rastreamento não registravam Tako, pois ele já desligara o seu campo energético há
bastante tempo. A irradiação revelaria sua presença. Mas ele também correria esse risco
se ligasse o aparelho de vôo individual, assim como o seu defletor, que o tomava
invisível.
Aquela vista de Kahalo, em cinqüenta mil anos, dificilmente teria se modificado.
Kahalo sempre ficaria sendo o centro da galáxia, pois ele era o começo da estrada para
Andrômeda.
Uma esquadrilha de pequenos caças passou voando, a baixa altitude, por cima da
montanha. Tako chegou a abaixar-se instintivamente, apesar de saber perfeitamente que
não podia ser visto. Eles desapareceram na direção da cidade.
Tako ligou o seu rádio-capacete, tentando conseguir algum som do aparelho de
comunicação. Mas não ouviu nada. O alcance do pequeno aparelho era limitado, mas se
os gêmeos estavam em algum lugar no planeta ele os atingiria. Naturalmente era possível
que, na sua situação momentânea, ainda não podiam usar qualquer tipo de
radiocomunicação. Havia aparelhos muito sensíveis, que registravam e localizavam
imediatamente a mais leve irradiação.
Tako desligou novamente. Não lhe restava outra alternativa que agir sozinho, e
deixar o encontro com Rakal e Tronar mais ou menos ao acaso.
Os lemurenses eram seres humanos como ele. Se ele vestisse o uniforme deles,
poderia movimentar-se no seu meio livremente, sem chamar atenção, especialmente
porque a cor de sua pele fora adaptada a dos lemurenses. No seu traje especial, entretanto,
isso era impossível. Logo notariam nele o “estranho”, bastando vê-lo. Talvez fosse
vantajoso simplesmente esperar aqui, na montanha, e pôr o telecomunicador em
recepção. Isso não significava qualquer risco. Além disso, ele poderia entrar em contato
imediato com os gêmeos, tão logo eles informassem sua localização.
Tako examinou melhor os seus arredores, encontrando num desfiladeiro íngreme
que dava para os lados da cidade, uma pequena gruta. A mesma não era exatamente
espaçosa, entretanto oferecia proteção contra visibilidade e também do alto. Ele rolou
uma pedra para o meio, sentando-se na mesma. No momento sentia-se relativamente
seguro, mas a preocupação com o destino dos gêmeos, e sobretudo de Lemy, não
permitia que ele descansasse. Mas, agora, ele nada podia fazer. Em seus bolsos de
provisões ele encontrou concentrados e tabletes de água, matando mais ou menos a sua
fome. Depois rolou a pedra mais para junto da parede rochosa, acomodando-se para
dormir. Como estava ficando frio, ligou o aquecimento do seu traje. Colocou o receptor
de telecomunicador em volume máximo. Se um dos gêmeos transmitisse no comprimento
de onda combinado, ele certamente não deixaria de ouvi-lo.
***
Os gêmeos eram mutantes. Eram chamados cavalga-dores de ondas pelo fato de
terem o dom de poderem viajar em qualquer fluxo energético imaginável. Eles
desmaterializavam à vontade e usavam este fluxo energético — luz, ondas de rádio,
correntes elétricas ou os tiros energéticos de armas conversoras — como meios de
locomoção.
Quando a R-10 foi fortemente atingida, Tronar agarrou a mão do irmão.
— Saltar! Um feixe energético — não importa o que seja! Caso contrário,
estaremos perdidos!
E assim, os gêmeos incorporaram-se no feixe energético de um tiro de canhão
conversor, que acabou definitivamente com a R-10, destroçando-a. Sem qualquer perda
de tempo, e em condições desmaterializadas eles acabaram no ponto de saída do raio
energético — materializando-se novamente.
Infelizmente, eles não tinham qualquer influência nesse processo. Quisessem ou
não, transformavam-se novamente em seres humanos.
E se viram diante de seres humanos.
Os olhos esbugalhados, horrorizados, dos artilheiros na cúpula de artilharia da nave
de combate demonstravam como devia ser assustadora a visão dos gêmeos, que tão de
repente surgiam do nada. Os lemurenses ficaram como que paralisados. Tronar e Rakal
aproveitaram a ocasião para sair correndo da torre. O tipo de construção da nave de
combate — pois não havia dúvida que era uma delas — tinha muita semelhança com o
das terranas. Por isso eles não tiveram muita dificuldade de chegar à central de
radiocomunicação.
O caminho até lá, entretanto, não foi tão fácil assim.
Na nave havia alerta de combate. Por toda a parte, nos corredores, tropas e oficiais
passavam apressadamente, de um lado para outro. Eles praticamente nem davam atenção
aos gêmeos, cujos trajes especiais eram estranhos, mas numa nave tão grande, não
chamavam muita atenção. Poderia tratar-se de algum tipo de traje novo, talvez usado para
reparos no casco externo da nave.
Devido aos capacetes fechados, Tronar e Rakal não podiam comunicar-se entre si,
sem ligar o radiocomunicador.
Mas isso, neste lugar, significava um risco muito grande. Portanto eles se entendiam
somente através de gestos manuais.
Pularam para dentro do elevador antigravitacional, sendo levados para o alto.
Segundos mais tarde, encontravam-se no corredor principal, que, pouco adiante,
terminava diante de uma porta.
Era a porta para a sala de radiocomunicações.
A questão era apenas saber se a nave, naquele momento, estava mantendo uma
irradiação para Kahalo.
Por alguns segundos Tronar hesitou, depois aproximou-se da porta. A mesma
deslizou automaticamente para o lado. Os gêmeos entraram.
Toda a instalação, à primeira vista, não se diferenciava daquelas existentes em
naves terranas. A grande tela de imagem do hipercomunicador estava ligada. Mostrava o
rosto de um almirante lemurense. Numa cadeira diante da mesma, via-se o Almirante
Hakhat, comandante da Frota de Interceptação de Kahalo.
Atrás de Tronar e Rakal a porta fechou-se, silenciosamente.
Ninguém deu-lhes atenção, mas ambos já estavam, por assim dizer, em segurança.
A desmaterialização e incorporação aos hiperimpulsos duravam apenas frações de
segundos.
Os gêmeos entendiam o idioma dos lemurenses. Eram praticamente idênticos com o
tefrodense.
— ...outras naves dificilmente deverão aparecer — dizia o almirante na tela de
imagem. — Mande recolher, na medida do possível, as suas unidades, Hakhat. Deixe
apenas unidades de vigilância sobre Kahalo, em órbita. O senhor poderá manter a frota
defensiva, em estado de alerta, pousada no próprio planeta Kahalo. E isso é tudo.
— Entendido, sir — respondeu Hakhat.
Houve um momento de silêncio, depois o almirante estranho disse:
— Quem são esses aí?
— Onde, sir?
— Os dois homens, que acabaram de entrar na sala. Eles estão usando novos
uniformes experimentais?
Hakhat virou-se.
Ele já vira, uma vez, os trajes de combate especiais terranos. E precisou de apenas
um segundo para recuperar-se do seu espanto. Sabia que os terranos tinham mutantes,
entre os quais havia também teleportadores.
E reagiu com a velocidade de um raio — mas, assim mesmo — tarde demais.
— São os estranhos! Abram fogo! Matem-nos!
Ele mesmo arrancou sua arma energética do coldre, apontando-a para Tronar, que
era quem lhe estava mais perto. Os dois cavalgadores de ondas desmaterializaram. Um
reflexo de interferência passou rapidamente pela grande tela de imagem, depois via-se
ainda apenas o rosto admirado do almirante na mesma. Hakhat virou-se lentamente, com
sua arma energética ainda na mão. Os rádio-operadores presentes nem haviam se mexido.
— Sinto muito, almirante. Tudo foi muito rápido. Devem ter sido teleportadores. O
que quer dizer que sobreviveram à derrubada de sua nave.
— Dê o alerta para Kahalo — ordenou o almirante. Pela tela de imagem, via-se que,
de repente, ele se virava. Quando o seu rosto apareceu outra vez, estava muito pálido. —
Os dois estranhos foram avistados em minha seda de radiocomunicações. O que quer
dizer que chegaram a Kahalo. Minhas ordens ainda são válidas.
— Mate-os! — gritou Hakhat, agitado.
O Almirante sacudiu a cabeça.
— Não é possível matar-se quem já não está mais aqui. Tronar e Rakal haviam
conseguido chegar em Kahalo, usando o feixe de rádio do hipercomunicador,
rematerializando na sala de rádio do planeta. Mas somente por poucos segundos, depois
integraram-se novamente na corrente do impulso energético, conseguindo chegar numa
outra estação de rádio, a várias centenas de quilômetros de distância da capital. Para não
continuarem dependentes do acaso, eles dominaram os dois lemurenses que operavam a
estação. Só depois disso abriram seus capacetes.
— Chegamos — disse Rakal, aliviado. — Pergunto-me apenas por quanto tempo
vamos poder ficar por aqui.
— Não por muito tempo, Rakal — Tronar limpou a testa suada. — É claro que
vamos ter que sumir daqui. Gostaria de saber onde Tako se meteu.
— Para ele as coisas são mais fáceis que para nós, pois não depende de ondas
energéticas. Onde será que nós estamos, aqui?
— Não tenho a menor idéia. Naturalmente agora podemos fazer uso da estação, e
escolher para onde ir. Talvez exista uma ligação direta de rádio com Frasbur, no Pavilhão
Memorial. Neste caso, logo teríamos chegado ao nosso destino.
— E depois? Para onde o levaríamos? Rhodan o quer vivo. Um agente do tempo
morto não serve para nada. Só Frasbur é quem pode nos mostrar o caminho para o futuro.
Tronar anuiu, mas não respondeu. Ficou olhando os dois lemurenses inconscientes
estendidos no chão. Rakal ocupou-se dos aparelhos de rádio. Tentou uma conexão com o
Pavilhão Memorial, mas não recebeu resposta.
De repente, Tronar disse:
— O telecomunicador! Por que não tentamos estabelecer uma ligação com Tako?
Depois aproveitamos a onda de rádio para cavalgar até ele. A mesma é suficientemente
forte.
— Boa idéia. Mas se nós ficarmos irradiando por muito tempo, logo eles nos
pegarão.
— É claro que eles já sabem, agora mesmo, que aqui nesta estação alguma coisa
não está em ordem.
Ambos ligaram seus aparelhos, irradiando no mesmo comprimento de onda. Levou
apenas dez segundos para obterem uma resposta.
— Puxa, vocês estão chegando aqui alto e claro! E isso, que eu estava dormindo
firme. Onde é que estão metidos?
— Não faço idéia! E o senhor?
— Nas montanhas, a cerca de vinte quilômetros da cidade. Achei uma gruta. Um
pouco fria, mas, de resto, bem confortável. A partir daqui vamos poder operar com muita
facilidade acho eu.
— Ótimo, nós estaremos aí num instantinho. Mas, por favor, não vá desligar!
— Deus me livre! Nesse caso vocês dois ficam dependurados no ar.
***
Tako esperou, depois ouviu, repentinamente, um barulho logo atrás dele. Virou-se e
viu Rakal e Tronar. Praticamente os dois haviam caído ao chão, saindo diretamente de
dentro de sua aparelhagem de rádio.
— Felizmente reunidos outra vez — disse Tako. — Só falta Lemy — acrescentou
ele, preocupado.
— Lemy certamente já está a caminho da Crest — acalmou-o Rakal. — Acho que
agora já podemos pensar em executar nossa missão. A mesma consiste em pegar o agente
do tempo Frasbur, e, em caso de necessidade, exterminá-lo. Mas somente em caso de
necessidade! — enfatizou ele.
— Ótimo. E quando o tivermos agarrado — perguntou Tako — nós o trazemos aqui
para a gruta, e ficamos esperando pelo que possa acontecer, daí para a frente?
— Não temos outra escolha. Certamente vamos conseguir enviar um curto
hiperimpulso para Rhodan, para que ele fique sabendo o que se passa — Rakal ergueu a
mão, como se quisesse acalmar o mutante. — Eu, em seu lugar, não me preocuparia com
o que pode acontecer depois.
— Ainda assim, eu me pergunto se devíamos saltar agora para dentro do Pavilhão
Memorial. Seria muito simples, pois bastaria que eu pegasse os dois pelas mãos. Em caso
de necessidade, também podemos desaparecer imediatamente outra vez, caso algum
perigo nos ameace. Mas não creio que haja guardas em todos os recintos. O agente do
tempo tem poucas pessoas em quem confia. Além disso, dificilmente calcula que nós
iremos voltar tão depressa.
— Espere meia hora — sugeriu Tronar. — Estou com fome. Faz cinqüenta e dois
mil anos que não como nada.
Eles riram e desembrulharam suas provisões. Enquanto isso Tako ficou de guarda,
na entrada da gruta. Olhou para baixo, para a extensa planície, que se estendia até a
cidade. Continuamente pousavam naves, mas a vigilância aérea, mesmo assim, não
arrefeceu. Sem uma pausa, pequenos aviões de reconhecimento passavam por cima da
cidade e seus arredores. Ele quase teve a impressão de que na última meia hora a
atividade de vigilância fora bastante reforçada — provavelmente como conseqüência do
alarme que os gêmeos haviam acionado.
O olhar Tako ergueu-se para as seis pirâmides. Por baixo delas ficava o Pavilhão
Memorial, muito bem guardado e escondido. Penetrar no mesmo era difícil, caso não se
fosse um teleportador. E como o agente do tempo sabia da existência de um teleportador,
naturalmente era muito possível que ainda maiores medidas de segurança houvessem sido
tomadas, por ordem sua.
Gucky devia estar por aqui, pensou Tako, com saudades.
Mas Gucky, muito provavelmente, devia estar na Crest.
— Estamos prontos — disse Tronar, finalmente. Lá fora já começava a escurecer.
— Talvez seja melhor esperarmos até ficar completamente escuro.
— Debaixo da superfície, a luz do dia nada significa — Tako voltou para o interior
da gruta. — Acho que não devíamos perder tempo. Nenhum de nós sabe quando Lemy
alcançará a Crest. Pode ser em poucas horas, mas também é possível que leve dias. E
nenhum de nós sabe quando Rhodan vai nos mandar ajuda.
— O mais depressa possível, disso não tenho a menor dúvida — disse Rakal,
convicto. — Mas nunca antes de dez horas. A base de Redpoint fica a uma distância de
dois mil e seiscentos anos luz daqui.
Eles haviam recolocado o que sobrara de suas provisões nos seus devidos lugares.
Os capacetes estavam abertos.
— Mantenham suas armas energéticas prontas para atirar — aconselhou Tako. —
Eu tenho que segurar vocês dois pelas mãos, e logo ao rematerializarmos, não tenho
como me defender de imediato. Vocês, entretanto, ficam com uma das suas mãos livres.
Tronar estava à esquerda do japonês. Pegou a mão esquerda dele, e na sua esquerda
segurou firme sua arma energética. Com Rakal, aconteceu exatamente o contrário.
Depois eles esperaram.
Tako concentrou-se nas pirâmides que ficavam a vinte quilômetros de distância,
antes do seu olhar dirigir-se para o lugar em que devia estar o Pavilhão Memorial. Não
havia nenhum perigo, mesmo se ele calculasse mal, materializando dentro das rochas,
simplesmente seria jogado de volta com seus dois camaradas, até o ponto de partida da
teleportação. Um pouco doloroso, mas nada perigoso.
E então ele saltou.
Tiveram sorte. Rematerializaram bem debaixo do teto de um largo pavilhão, à meia-
luz, caindo cerca de trinta metros, lá do alto. Tronar soltou-se, dando um salto mortal.
Imediatamente, entretanto, estava de pé novamente, olhando rapidamente para todos os
lados. Somente conseguiu ver o que os outros também já haviam captado.
O pavilhão estava vazio.
Mas era mesmo aquele pavilhão que lhes era conhecido como o Pavilhão Memorial.
Todos os aparelhos, entretanto, haviam sido desmontados e retirados dali. Nada
ficara, além das paredes nuas, e alguns pontos de iluminação escondidos. Os traços da
súbita retirada dali não haviam sido removidos. No chão viam-se peças de reposição
quebradas, em meio a blocos de cimento arrebentados. Uma poltrona meio quebrada
estava a um canto.
— Chegamos tarde demais — constatou Tako, desapontado. — Frasbur fugiu.
Como é que vamos encontrá-lo agora?
Tronar ficou caminhando pelo pavilhão, e encontrou a porta. A mesma deixou-se
abrir. Atrás dela ficava outro recinto, também vazio e abandonado.
Todo o Pavilhão Memorial existia ainda, apenas como um fragmento. Todo o
equipamento e as importantes possibilidades de comunicação de rádio com Andrômeda e
para o futuro, não mais se encontravam ali.
— Ele deve ter deixado alguns indícios para trás — achou Rakal.
Tako estava parado, de pé, bem no centro do pavilhão principal.
— Para isso só há uma explicação — disse ele. — Com a morte de Regnal-Orton,
os senhores da galáxia ficaram prevenidos. Eles devem ter reconhecido, de repente, que
tinham nos subestimado. E tomaram suas providências correspondentes. Afinal de contas,
Frasbur teve tempo suficiente para pôr-se em segurança. Não creio que ele tenha
abandonado Kahalo, para isso este planeta é importante demais. Simplesmente deve estar
metido num outro esconderijo, de onde pode continuar operando normalmente. E nós
vamos ter que encontrá-lo.
Na realidade fora assim, mas nem Tako podia imaginar toda a verdade. Ninguém
podia imaginá-la, nem mesmo Perry Rhodan. A verdade sobre os senhores da galáxia era
tão Inconcebível e fantástica, que só com raciocínio lógico não se podia chegar a ela.
Frasbur estava sentado no seu esconderijo, esperando pelo regresso dos sinistros
estranhos, que vinham do futuro.
Antes, entretanto, ele preparara a sua armadilha, no Pavilhão Memorial.
E os três mutantes haviam caído nela, sem de nada suspeitarem.
2

O relato de Lemy Danger estava chegando ao fim.


— O resto, posso contar em poucas palavras. Uma vez que Tronar e Rakal haviam
conseguido sair daqui para a Nebulosa de Andrômeda e ao futuro, naturalmente também
devia existir o caminho de volta. Por isso nos deixamos prender, voluntariamente, no
alçapão do tempo Vario, na Nebulosa de Andrômeda, de onde fomos catapultados ao
passado. Por cima de Kahalo, nós nos perdemos, porém eu tenho certeza que os dois
cavalgadores de ondas e Tako chegaram em Kahalo, sem um arranhão. Talvez eles até já
tenham agarrado Frasbur, e apenas estão esperando que alguém vá buscá-los.
O General-de-Divisão Lemy Danger estava diante de Perry Rhodan, de pé, em cima
da mesa. Ainda vestia o seu traje de combate, e abrira apenas o pequeno capacete.
Ninguém pudera fazer com que ele vestisse uma roupa mais cômoda.
Junto de Rhodan sentara-se o gigante Melbar Kasom, amigo muito especial de
Lemy. Era originário do planeta Ertrus, no Sistema Kreit, sendo um terrano adaptado ao
ambiente. Como em Ertrus havia uma gravidade de 3,4 gravos, Kasom pesava cerca de
oitocentos quilos, sendo um gigante, ao lado de quem Lemy já pequeno em si, mais
parecia uma mosca.
Junto de Kasom, Gucky estava acocorado, em cima de uma cadeira, mantendo uma
cara impenetrável. Todo aquele mimo em torno do anão Lemy lentamente estava lhe
dando nos nervos. O mesmo, em sua opinião, estava sendo tratado como se já tivesse
levado a Crest, sozinho, sem a ajuda de ninguém, de volta ao presente. Quando a parte
mais difícil dessa empreitada certamente ainda estava por vir. E era nisto que eles
certamente iriam precisar dele, Gucky. E como iriam precisar dele!
Havia ainda outros oficiais graduados e personalidades presentes, mas os mesmos
não tiveram um papel de importância nos acontecimentos que se seguiram. Somente o
Major Redhorse, chefe do comando de desembarque, não devia ficar sem menção. Era ele
quem, mais tarde, faria parte do grupo. Redhorse era descendente de índios americanos,
com um cabelo quase azulado de tão negro, tinha um metro e noventa de altura, e era tido
como homem corajoso, valente.
— Muito bem, por que não vamos logo?! — piou Gucky, batendo com o punho
fechado sobre a mesa. — Se eles estão esperando por nós — o que estamos esperando
nós?
Rhodan olhou-o, muito sério.
— Não vamos esperar muito tempo, baixinho. Os gêmeos o Tako estão correndo
sério perigo, acho eu. Não devemos esquecer que não se pode subestimar Frasbur. Ele é
um tefrodense do tempo atual. Ele voltou ao passado, por ordem dos senhores da galáxia,
para influenciar os acontecimentos por aqui, de acordo com a vontade deles. He sabe que
nós não nos damos por vencidos. Naturalmente deve ter tomado suas providências, e só
posso esperar que os três mutantes pensem nisso, quando o atacarem.
— Espero que não seja necessário mencionar — disse Lemy Danger, com a sua
vozinha clara — que eu estarei presente nessa missão. Afinal de contas, quem conhece
melhor a situação sou eu.
Gucky quase ficou sem ar. Furioso, ele olhou para Lemy.
— É mesmo... você acha isso? E quem foi que tirou você daquela encrenca toda, na
qual você se meteu, no caminho da Kahalo para cá?
Agora foi a vez de Lemy ficar com a respiração difícil.
— Ué, mas não foi exatamente o contrário?
— Seja como for — ensinou o rato-castor — sem mim você agora ainda não estaria
aqui. Não é certo?
Lemy fez que sim.
— Pode ser. Mas o que é que isso tem a ver com a missão que temos pela frente?
— Eu também vou — só isso.
Lemy sorriu.
— Eu não tenho nada contra, se o chefe também estiver de acordo — ele olhou para
Rhodan. — Correto?
Kasom e Redhorse levantaram as mãos.
— Nós nos oferecemos para ir, voluntariamente.
Perry Rhodan recostara-se, sem participar dos debates.
Curvou-se para a frente novamente, respondendo ao olhar de Lemy.
— Em Kahalo vamos precisar de, pelo menos, dois bons teleportadores, portanto
Gucky irá também. Além disso, ele é telecineta e telepata. Kasom dirigirá o caça-
mosquito, no qual Gucky e Lemy facilmente encontrarão lugar. O Major Redhorse
chefiará uma corveta, fazendo cobertura da retaguarda. As posições exatas ainda veremos
depois, mais uma vez, nos mapas. Acho aconselhável que Redhorse não se aproxime
demais de Kahalo, mas que fique esperando a uma distância de alguns meses-luz. Vamos
combinar sinais em código. Em linhas gerais, isso é tudo que tenho a dizer sobre o
assunto. O principal é que me tragam de volta os gêmeos e Tako. Sãos e salvos.
— E naturalmente também Frasbur, o agente do tempo — disse Gucky. — Também
são e salvo.
— Alguns galos na cabeça dele não fariam muita diferença — disse Redhorse, sem
esconder o seu ódio.
Rhodan levantou-se.
— Redhorse e Kasom, os senhores me acompanham. Precisamos falar sobre a rota.
Lemy, Gucky, nós nos encontraremos dentro de duas horas, no Hangar VII. Lá está a
KC-1 e o caça de vocês. Trajes de combate e provisões. Tudo claro?
Gucky levantou-se, foi até a mesa e apanhou Lemy.
— Posso levar meu irmãozinho para a caminha? — quis saber ele, cortes. — É bom
tirar uma soneca de uma hora, sempre que temos um negócio importante pela frente.
Quem afirma isso sou eu.
— Dá para entender — retrucou Lemy, cordial. — Vamos.
Rhodan esperou até que a porta se fechasse atrás dos dois.
— Meus senhores, venham até o meu camarote. Lá tenho os mapas de que
precisamos. — No corredor ele acrescentou: — São os mapas que ainda estarão válidos
dentro de cinqüenta mil anos. No Universo as coisas se modificam muito lentamente. Às
vezes lentamente demais.
Eles o seguiram em silêncio.
A Crest III era uma nave espacial esférica com dois e meio quilômetros de
diâmetro, um mundo em si mesma. Com ela, cinco mil pessoas haviam sido catapultadas
ao passado. Entretanto os lemurenses não haviam conseguido enfrentar a Crest, muito
menos destruí-la. Ela encontrara proteção e cobertura no sistema do sol gigante Redpoint,
orbitando, junto com o estaleiro espacial MA-genial, o astro.
A uma eternidade de distância da Terra e do presente. Chegados ao camarote,
Rhodan estendeu os mapas.
— Kahalo fica a uma distância de dois mil e seiscentos anos-luz daqui. A oito
meses-luz distante de Kahalo, existe um sol amarelo sem planetas. Esta será a sua meta,
Major Redhorse. Entre ali, em proteção contra rastreamento, mas de modo que possa
receber um sinal de hiper-rádio a qualquer momento. Fique constantemente na escuta,
esperando até que Kasom lhe dê o sinal combinado. Isto, ainda poderão discutir durante o
vôo. O mosquito fica no hangar da KC-1, até que Kahalo esteja apenas a poucos anos-luz
de distância. Então o senhor se separa deles, seguindo o seu vôo sozinho. Redhorse
servirá de reforço e comando de emergência. A ação de busca, propriamente dita, dos três
mutantes, será efetuada por Kasom, Gucky e Lemy. Caso o mosquito seja destruído
durante o pouso, o senhor, Redhorse, terá que intervir. E sem contemplações. A corveta é
ultramoderna, e tem, para a sua classe, o maior poder de fogo concebível. O senhor
poderá enfrentar, caso seja necessário, qualquer tipo de arma conhecida, podendo liquidar
até mesmo os grandes cruzadores de combate dos lemurenses sem arriscar-se a um só
arranhão. Vá buscar Kasom e seus acompanhantes de Kahalo, caso seja necessário.
— Entendido — disse Redhorse, impassível, mas os seus olhos brilhavam. — Tudo
em ordem.
— Conosco também — disse Kasom, calmo. — Tenho certeza que vamos
conseguir.
— A questão é apenas sabermos se os gêmeos e Tako também o conseguiram — se
ainda estão vivos. Os senhores partem daqui a quarenta minutos. Perguntas?
Não havia mais perguntas.
No hangar, Gucky e Lemy esperavam. O siganês, evidentemente, lastimava não
poder decolar com a sua Helltiger, para colocar à prova a sua eficiência, mas aceitou sem
reservas as ordens de Perry Rhodan. Quando Kasom e Redhorse apareceram no hangar,
ele já estava acomodado no bolso do macacão de Gucky, olhando para fora apenas com
sua cabeça.
— Afinal, chegaram — disse ele, um tanto descortês, o que para ele era muito raro.
— Nós já estamos esperando.
— Ainda há bastante tempo — acalmou-o Redhorse. — Decolaremos somente
daqui a cinco minutos. O mosquito está no hangar da KC-1.
Exatamente cinco minutos depois a KC-1 deixava o gigantesco hangar da Crest,
lançando-se velozmente pelo espaço. O ultracouraçado logo ficou para trás, quando
Redhorse acelerou. Por trás, durante um instante, apareceu a configuração estranha da
MA-genial — uma plataforma gigantesca com edificações e campos de pouso. Depois,
também ela desapareceu no infinito do cosmo. O sol vermelho gigante tomava opacas
todas as estrelas, até que também ele foi diminuindo. Finalmente ele era apenas mais uma
estrela entre milhares de outras.
A KC-1 entrou no espaço linear, no qual as leis do Universo normal nada mais
valem. A ligação com o universo einsteiniano era impossível, e todo objeto que não se
movimentava para diante com velocidade ultraluz ficava inatingível. Basicamente, deste
modo, o espaço linear era um Universo negativo.
Somente a poucos anos-luz de Kahalo é que Redhorse deixou a nave cair de volta
ao espaço normal, para orientar-se. Todos eles haviam dormido algumas horas, e
esperavam, restabelecidos, pelo início da missão. Na sala de comando eles se reuniram
para uma última conferência.
— Os rastreadores mostram diversas esquadrilhas dos lemurenses — disse
Redhorse, apontando para a tela de imagem. — Elas protegem Kahalo de ataques dos
halutenses. Vai ser difícil para vocês atravessarem as suas linhas.
Kasom encolheu os ombros.
— Vamos ter sorte bastante. O mosquito é pequeno, portanto é muito ágil e rápido
nas manobras. Até que eles nos descubram, já sumimos novamente, ficando fora do seu
alcance.
Os caças-mosquito realmente eram naves pequenas muito perigosas. Com um
comprimento de vinte e seis metros, e providos de aletas na popa, eles podiam, inclusive,
manobrar dentro da atmosfera de um planeta, mas no espaço, após uma curta aceleração,
logo alcançavam a velocidade da luz. Firmemente embutido no nariz, na direção do vôo,
havia um canhão energético, além de um canhão conversor, que podia teleportar para
qualquer alvo desejado uma bomba atômica de vinte gigatoneladas de força explosiva.
Um mosquito tinha a capacidade de acelerar a setecentos quilômetros por segundo
ao quadrado.
— Vamos proceder a mais um curto vôo linear, para chegarmos ao sol amarelo que
é nosso alvo. Antes disto, vocês saem pela eclusa, e tentam chegar, sozinhos, a Kahalo.
Três anos-luz — isso não é muito.
— Os sinais em código estão claros? — quis saber Kasom, para certificar-se. —
Somente um único sinal deverá ser suficiente. É curto demais para possibilitar um
rastreamento, além disso, talvez não tenhamos tempo. Se o mosquito for destruído logo
ao pousar, o senhor espera cinco horas, Redhorse, até vir atrás de nós. Talvez consiga
pousar, sem ser notado, no lado noturno do planeta, para esperar por nós.
— Isso é pouco provável — com toda essa vigilância. Mas vou tentar.
Gucky segurou Lemy, que estava sentado no seu bolso. Depois levantou-se.
— Sempre essa conversa mole, desnecessária. Vamos sair logo voando. Talvez
estejamos perdendo nosso tempo aqui, enquanto os mutantes estejam esperando
desesperadamente por nossa ajuda.
Redhorse sorriu para ele.
— Talvez você tenha razão, mas espero que não — disse ele.
Kasom e Gucky subiram para o caça-mosquito. O gigante tomou lugar na frente,
atrás dos controles de vôo, enquanto Gucky — com Lemy ainda no bolso do seu macacão
— acomodou-se confortavelmente num cadeirão atrás dele. Parecia ter muita pressa em
chegar.
— Boa sorte — desejou-lhes Redhorse. — E... não demorem a me chamar!
— Se precisarmos do senhor, isso vai acontecer mais depressa do que possa
imaginar — retrucou Kasom. — Até mais tarde.
Redhorse voltou à sala de comando da KC-1. Pelas telas de imagem ele observou
como o caça-mosquito, cinco minutos mais tarde, entrava velozmente pelo espaço,
perdendo-se, segundos depois, entre as estrelas. E logo ele teve bastante que fazer
consigo mesmo, pois os lemurenses o haviam rastreado, e atacavam com uma raiva
incontida.
Por diversas vezes ele mergulhou no espaço linear, mudando de rota. Os
perseguidores perderam o seu rastro. Quando, a oito meses-luz de Kahalo ele voltou ao
Universo einsteiniano, não viu mais nada dos lemurenses. Para que tudo permanecesse
assim, ele aproximou-se com uma velocidade próxima da luz do sol amarelo, chegando o
mais próximo possível do astro. A aparelhagem de refrigeração da corveta trabalhava ao
máximo, mas até mesmo o campo de proteção hiperenergético verde ameaçava arriar sob
a repentina carga recebida.
Redhorse lembrou-se do aviso de Rhodan. Afastou-se novamente um pouco do sol,
entrando exatamente na zona fronteiriça, numa órbita estável. Depois desligou as
turbinas. Aqui, qualquer tipo de rastreamento era praticamente impossível, mas a
interferência do sol, muito próximo, não era suficientemente forte para impossibilitar
comunicações por rádio.
O hiper-rádio foi ligado e mantido sob constante vigilância. Os aparelhos
gravadores ficaram prontos para a ação. Qualquer impulso, por mais curto que fosse,
seria imediata mente registrado.
Por um instante, Redhorse ainda ficou na sala de comando, observando as telas de
imagens. A bola de fogo amarela dominava, de um lado, toda a área de visão. Do outro
lado ficavam as estrelas.
Uma delas era o sol do Sistema Orbon, e um dos planetas chamava-se Kahalo.
Ponto central da Via Láctea.
Abruptamente, Redhorse levantou-se passando o comando ao Major Nowak-Mills.
Uma inquietação inexplicável apossara-se dele, e ele queria tentar relaxar um pouco.
Ninguém podia imaginar o que eles ainda tinham pela frente.
Talvez ele necessitasse de todas as suas forças para superar as próximas horas ou os
próximos dias.
3

No primeiro instante, Tronar, Rakal e Tako não sabiam que tinham caído na
armadilha.
O Pavilhão Memorial estava vazio. Frasbur fugira, procurando um novo esconderijo
para si, Isso não tinha nada de especialmente inquietante. A procura teria que recomeçar,
e certamente acabariam por encontrá-lo.
Desta vez Tako disse em voz alta:
— Gucky está nos fazendo falta. Ele descobriria Frasbur telepaticamente. E então
nós teleportaríamos e ele seria agarrado.
— Sim, se ele estivesse aqui! — Tronar olhou em volta, como procurando alguma
coisa. — O que nos faz falta agora é uma ligação de rádio com o agente do tempo. Nós
poderíamos nos enfeixar, e estaríamos diante dele. Até mesmo se ele estivesse no futuro.
Rakal olhou para o teto.
— Essas coisas, ainda há pouco, já estavam ali? — perguntou ele.
Todos olharam para cima.
O teto do pavilhão vazio, bem abaixo da superfície de Kahalo, era nu como as
paredes. Ele havia sido fundido, das rochas primitivas, e recoberto com uma camada de
plástico. Eles, até então, haviam pensado muito pouco nisso. Mas viram imediatamente o
que é que Rakal queria dizer.
Barras de metal brilhantes, prateadas colocadas num espaço de meio metro entre si,
sobressaíam do teto poucos centímetros, formando um quadro retangular. O mesmo
englobava toda a gruta. Parecia como se fosse o começo de uma grade, que vinha
descendo para prender alguém.
Porém as barras não se movimentavam. Permaneciam firmemente embutidas.
Tako disse:
— Estas barras não estavam aí antes — sei disso com toda certeza. Estive olhando
para o teto, por isso posso afirmá-lo.
Rakal franziu a testa.
— Isso me cheira a encrenca. Nós disparamos uma coisa, aqui, que pode ser muito
ruim para nós. Talvez alguma aparelhagem de alarme, que denunciará a Frasbur que
alguém penetrou no Pavilhão Memorial abandonado.
— Acho melhor sumirmos daqui — sugeriu Tako.
Entretanto, antes deles terem oportunidade para isso aconteceu outra coisa.
Das pontas das barras prateadas de repente saíram feixes de uma luz muito branca,
penetrando exatamente na vertical no chão. Só agora os três homens notaram que também
no piso ocorrera uma modificação. Onde antes nada havia, rebrilhavam pequenos pontos
de contato. E era sobre estes que incidiam os feixes de luz branca. Formando uma grade
reticulada.
— O espaço é suficientemente grande — nós podemos passar — disse Tronar, mas
havia insegurança na sua voz. — Entretanto eu não me atreveria a me enredar nessa
corrente energética.
Rakal aproximou-se da retícula de luz, mas já a meio metro de distância ele parou,
como se tivesse topado com algum obstáculo invisível.
— Não consigo ir adiante. Os raios de luz — ou seja lá o que for — parecem uma
parede. Nós estamos trancados. Numa armadilha desgraçadamente muito esperta. E
agora?
— É só ficar calmo — admoestou Tronar, que não se mexa do lugar. He levantou os
olhos para o teto. — É uma grade energética, se não me engano. Mas bem diferente das
que nós conhecemos. Certamente a mesma não é destinada simplesmente para nos reter
aqui.
— Que outra finalidade poderia ter? — Rakal voltara para o centro do pavilhão. —
Que outro destino ela poderia ter, então?
De repente Tako empalideceu.
— Esperem aqui — disse ele, insistente. — Preciso descobrir uma coisa. Se eu tiver
sucesso, estaremos seguros. Caso contrário... — ele silenciou e ergueu os ombros.
Eles viram que ele se concentrou para o seu salto teleportador.
Tako desmaterializou — mas apenas pela fração de um segundo. Depois ele estava
estendido no meio do pavilhão, no chão, contorcendo-se em dores. De repente ele
estremeceu, e ficou muito quieto.
Tronar correu até ele, abaixando-se.
— Ele está inconsciente. Portanto, nem mesmo um teleportador consegue sair
daqui. Diabos! Nós estamos metidos numa bela enrascada!
Eles cuidaram de Tako, que logo voltou a si.
— É uma espécie de campo energético, um bloqueio de energia — disse ele — pois
as linhas do campo são energeticamente afins com o espaço de cinco dimensões. Mas é
de um tipo estranho — apesar do mesmo me parecer conhecido. Onde é mesmo que há
desses campos energéticos...?
— Raciocine com muita calma. Caso nós o soubermos, talvez possamos sair daqui.
Tronar começou a andar de um lado para o outro do pavilhão, sem aproximar-se
demais da grade. Eles notaram que as barras prateadas desciam cada vez mais do teto,
aproximando-se dos pontos de contato no piso. Logo eles não estariam presos apenas
pelo campo energético, mas também pelas grades metálicas.
— Poderia ser uma espécie de transmissor de matéria — disse Tako, de repente.
— Um transmissor? — Rakal olhou, espantado, para Tako. — Nesse caso, estão
querendo transportar-nos para algum lugar, sem nos matar imediatamente. Isso já é um
consolo, pelo menos.
As barras tocaram o chão. Os feixes de luz branca se apagaram.
Mas no mesmo instante rebrilhou uma luz verde, que encheu todo o recinto. A
mesma saía das barras prateadas e parecia uma parede. Tako nem chegou a experimentar,
pois tinha certeza que uma teleportação agora seria tão inútil como antes.
— Um transmissor, disso não pode haver mais a menor dúvida — repetiu Tako. —
Mas receio que não se trata de um transmissor comum. Um deste tipo, nós ainda nunca
encontramos. Temos que esperar para ver o que vai acontecer daqui por diante. Eu,
sinceramente, não tenho a menor idéia.
Rakal opinou:
— Que tal eu tentar me enfeixar? Talvez esta seria uma solução...
— Uma solução muito incerta, Rakal — Tronar sacudiu a cabeça. — Tako,
infelizmente, tem razão. Não podemos fazer outra coisa que não esperar. Se Frasbur quer
alguma coisa da gente, ele naturalmente vai aparecer.
Mas Frasbur não apareceu.
Ainda não.
Aconteceu uma coisa diferente, e com isto nem um dos três homens contava.
Aconteceu uma coisa que era totalmente impossível e para o que, de princípio, não havia
explicação.
Tronar, Rakal e Tako desmaterializaram, porém a sua consciência continuou
mantida. Eles viam e escutavam e sentiam tudo, mas já não tinham mais um corpo.
Somente o seu espírito, sua consciência, existia. Mas conseguiam reconhecer-se
mutuamente — formas que brilhavam fracamente, que se modificavam constantemente,
mas ainda assim permaneciam humanóides.
Ao mesmo tempo eles se movimentavam em grande velocidade através do espaço e
— conforme só ficaram sabendo mais tarde — também através do tempo.
A armadilha era um transmissor espácio-temporal.
***
Quando Tako teleportava, ele se diluía inteiramente e não sabia nada a respeito do
salto propriamente dito. Somente chegado ao destino ele rematerializava novamente e
conseguia de volta sua capacidade de pensar.
Para ele, esta nova experiência era especialmente impressionante e inquietante. Ele
viu a si mesmo e aos gêmeos pairar para fora da grade energética, atravessar o teto — e
mergulhar na noite de Kahalo.
O planeta ficou rapidamente para trás, quando eles, com uma aceleração
inimaginável, avançavam por entre o mar de estrelas, logo perdendo toda e qualquer
orientação.
Pela modificação do sol próximo, Tako pôde observar que eles se aproximavam da
velocidade da luz. Mas as estrelas não empalideciam, continuando nitidamente visíveis.
— Mas isso é impossível! — disse ele, e não ficou admirado quando uma daquelas
formas de luz pairou para mais perto dele, dizendo:
— Mas nós o estamos vivenciando, Tako! Não temos corpos, mas podemos pensar,
ver e falar. Ainda existimos, e isto no espaço normal.
— Isso se modificará tão logo ultrapassemos a velocidade da luz — raciocinou
Tako.
E ele tinha razão.
A transição veio acoplada com uma sensação de dor, que eles jamais haviam
sentido nesta forma intensa, mas não durou mais de uma fração de segundo. Logo foi
substituída por uma sensação de bem-estar, que imediatamente fez com que eles se
esquecessem de todos os terrores.
As três formas luminosas pairavam no nada, aparentemente sem velocidade e sem
qualquer peso. As estrelas continuavam visíveis, mas começaram a se aglomerar e
continuavam brilhando apenas fracamente agora, como se a sua luz tivesse que passar por
uma grossa vidraça ou através da água.
E então as estrelas, na sua massa, formaram um desenho definido e muito conhecido
dos homens.
— Isto é inconcebível! — gemeu Tako, quando conseguiu refazer-se do seu susto.
— E a nossa Via Láctea!
— De uma distância de pelo menos duzentos mil anos-luz! — confirmou Tronar,
perplexo. — Já não estou entendendo mais nada.
— Que transmissor é esse? — queria saber Rakal. — Um transmissor que não nos
leva de um lugar para outro, mas que nos faz pairar, plenamente conscientes, em pleno
cosmo?
Para estas suas perguntas não havia respostas.
A Via Láctea diminuía cada vez mais em tamanho, até tornar-se apenas um disco
muito fino, oval, que pairava, na sua brancura leitosa, no negrume do espaço. Depois
juntaram-se a ela outros discos, alguns estreitos, outros largos. Entre estes, apareciam
simples pontos luminosos, porém a imensa distância através da qual eles enviavam a sua
luz deixava transparecer que também eles consistiam de uma aglomeração de muitos
milhões de estrelas.
— Milhares de vias lácteas — disse Tako finalmente, e a sua voz sem som foi
entendida pelos outros novamente. Eles a escutavam, apesar de, aqui, no Nada, não poder
haver qualquer som. Mas eles também se viam, apesar de não haver qualquer luz.
Somente a luz das estrelas, e esta ficava a distâncias imensas, infinitas. — Nós podemos
ver o Universo inteiro.
— Eu gostaria de saber como é que vamos voltar novamente para Kahalo — disse
Rakal. — Ou será que querem que a gente morra de fome por aqui?
— Ninguém vai sentir fome — profetizou Tako. — Nem sede.
— Mas nós sentimos a dor, quando ultrapassamos a velocidade da luz.
— Não foi uma dor física, mas espiritual — ensinou Tako, como se soubesse de
todas estas coisas muito bem. — Nós só somos, ainda, espírito, ou se quiserem, ainda só
energia. Seres energéticos, é isso!
Eles silenciaram, perplexos, quando entenderam o que Tako afirmava. Seres
energéticos! Seres de energia pura! E como haviam ultrapassado a velocidade da luz, eles
deviam estar num outro espaço. No espaço linear! Ou no hiperespaço.
Também estariam num outro tempo?
Tronar fez a pergunta, mas não obteve resposta.
As vias lácteas pareciam agora apenas simples estrelas, aglomerando-se cada vez
mais. As distâncias entre elas, muitas vezes mais de um ou dois milhões de anos-luz, se
fundiam. E já as vias lácteas, elas próprias, começaram a formar um desenho, que em
absoluta atenuação permanecia sozinho no Universo. Assim como antes as estrelas
formavam uma galáxia, agora as galáxias transformavam-se numa unidade.
O que era esta unidade, e como é que ela se chamava?
A forma era difícil de ser descrita, apesar de já ser possível reconhecê-la. Talvez
uma espécie de fita entrelaçada parecida com uma faixa de Moebius...? Sim, devia ser
isso. O Universo era infinito, já se afirmava antigamente. E se formos passear numa faixa
de Moebius jamais chegaremos ao fim da faixa.
— Aquele lá é o nosso Universo — murmurou Tako, emocionado. — Ele consiste
de muitos milhões de vias lácteas. Todo o nosso Universo paira no Nada, no Nada
Absoluto. Ainda que consigamos visitar outras galáxias — jamais vamos conseguir
deixar o nosso Universo. As distâncias tornam-se não somente inconcebíveis, mas
simplesmente infinitas. Só existe o nosso Universo, nada mais.
Tako parecia ter razão. Cada vez menor tornava-se a fita entrelaçada no Universo
familiar, mas o mesmo continuava a pairar sozinho no Infinito. Na sua parte mais estreita
a faixa leitosa devia ter um diâmetro de cinco bilhões de anos-luz, mas certamente devia
ter um total de trinta bilhões de anos luz de comprimento, incluindo a faixa.
— Por que Frasbur está nos mostrando isso? — perguntou Tronar. — Por que ele
nos mostra uma coisa que jamais foi vista por algum de nós? O que é que ele pretende
conseguir com isso?
— Talvez ele queira apenas nos mostrar o quanto somos pequenos — Tako teria
feito um gesto com a mão, se tivesse mãos. — Ele quer nos deixar claro o quanto nós
terranos petulantes, ao tentarmos estender as mãos para outras galáxias. Esta certamente
seria uma explicação.
— Neste caso, está querendo dizer que, aquilo lá, é apenas uma ilusão, uma
mistificação?
— Não, de modo algum. Nós estamos vendo a realidade. A questão é apenas esta:
Quando a estamos vendo? Tal como era, como é — ou como será?
— E por que esse véu nebuloso, leitoso?
— Não se esqueçam que estamos no espaço linear — ou qualquer outro nome que
lhe queiramos dar. Alguma coisa nos separa do Universo normal. Nós o deixamos para
trás. Mas... — de repente Tako silenciou. Olhou para o Infinito, e os outros viram a
mesma coisa. De todos os lados novos pontos luminosos insinuavam-se para dentro do
espaço negro — outros Universos. Tinham a mesma forma do primeiro — o próprio. A
distância de uma faixa para a outra devia ter, em média, quinhentos bilhões de anos-luz.
E entre uns e outros não havia nada.
Absolutamente nada!
Rakal foi o primeiro a reconquistar a voz.
— Os outros Universos! O nosso é apenas um entre muitos. Que estruturação da
matéria! Como é inconcebivelmente grande e imenso tudo isso — e ainda assim, apenas
o começo. Agora eu começo a acreditar que nada surgiu por acaso, nem os planetas e
luas, nem os sóis, as vias lácteas ou os Universos. Tudo é muito coerente, dentro de leis
definidas, muito bem meditado, pensado. Não existe o caos, não há confusão
indiscriminada. Existem leis que nós, talvez, jamais entenderemos. Realmente, nós somos
pequeninos. Somos infinitamente pequenos, assim como o mundo em que existimos é
infinitamente grande. E onde fica, nisso tudo, o limite, se é que existe algum?
Entrementes os Universos haviam se aproximado mais uns dos outros. Por enquanto
ainda pareciam pairar, independentes entre si, no Nada, sem pretender estabelecer um
contato, mas os três homens pressentiam que o fenômeno de ainda há pouco se repetiria.
De ainda há pouco?
— Com que velocidade, aliás, nós devemos estar nos movendo, para podermos
observar tudo isso? — perguntou Tronar.
Tako falou:
— Com uma velocidade que não podemos mais expressar em palavras. Talvez,
entretanto, não seja apenas a velocidade que nos permite vivenciar tudo isso. Talvez
estejamos simplesmente caindo através do tempo e podemos ver os movimentos dos
Universos. Eu não sei. Aliás, eu não sei mais nada.
— Está se formando uma esfera, olhem lá!
Tako e Tronar olharam. As diminutas faixas luminosas entrelaçadas dos Universos
haviam se aglomerado ainda mais, formando uma esfera de luz. A distância entre os
diversos Universos isolados mal ainda podia ser distinguida. Naquela esfera devia haver,
reunidos, avaliando-se a grosso modo, um bilhão de Universos — e, elevado a um bilhão,
o número de galáxias.
A esfera pairava no Nada, envolta num anel luminoso, irradiante. Quase como um
sol, observado de uma distância de poucos minutos-luz. O círculo se fechara.
Além da esfera luminosa de Universos não havia nada. Tudo estava escuro e negro,
e sem qualquer luz. Os três homens continuavam pairando como num mar, três figuras de
luz, fantasmagóricas.
E então, de repente, havia quatro.
— Eu sabia que nós nos encontraríamos.
Tako notou que o novo corpo de luz também tinha formas humanóides, mas estas
pareciam mais estáveis do que as suas próprias. O estranho pairou para mais perto deles,
mas não tinha face. Tako não sentiu mais nenhum medo, apenas uma indescritível
curiosidade.
— Quem... o que é você?
— Você, Tako, me conhece. Tronar e Rakal Woolver nunca se encontraram
comigo. Meu nome é Ernst Ellert.
Ellert!
— Ellert está morto — disse Tako, calmo. — Pelo menos, ele já não existe mais em
nosso Universo.
— A mesma coisa também acontece com você — ou já se esqueceu disso?
Tronar e Rakal conheciam a história — jamais bem esclarecida — do
teletemporário Ernst Ellert, cujo corpo morreu, mas cujo espírito sempre regressava.
Sabiam que ele era amigo de Perry Rhodan. Timidamente eles evitaram um contato com
aquele ser misterioso, sem aliás saber se aqui poderia acontecer qualquer tipo de contato.
— Onde é que nós estamos? De onde você vem? — perguntou Tako.
— Vocês três e eu — nós somos quase um componente energético do hiperespaço e
com isto desprendidos de todas as leis conhecidas da natureza. Os seus corpos se
transformaram em energia — uma prelibação no desenvolvimento de todas as raças
inteligentes. Tudo se transforma, no correr do tempo, em energia — também o Universo.
Vocês não precisam explicar-me nada, conheço seus pensamentos e suas lembranças.
Mas, ao contrário, vou ser obrigado a ficar-lhes devendo uma explicação. Ela de nada
lhes adiantaria, pois não a entenderiam.
— Aquela esfera ali — a esfera de bilhões de Universos — disse Tako, lentamente
— esta é a forma definitiva? Ou ainda existem mais? Existem mais esferas? Ellert! Qual
é o tamanho disso tudo? Afinal, onde é que termina o Infinito? Naturalmente deve haver
um fim, assim como também o tempo tem um fim.
— Onde começa o círculo, Tako? Onde fica o centro na superfície de uma esfera?
Onde fica o centro do Infinito? Tako, jamais você o entenderia, ainda que eu tentasse
explicar-lhe tudo. Aquela esfera luminosa ali — ela é o nosso Universo principal. O
seguinte fica a uma distância tão grande de nós que a sua luz ainda não nos alcançou.
Talvez ela o faça, dentro de alguns trilhões de anos. Mas não creio que o faça. A maioria
dos Universos movimenta-se com a velocidade da luz — para dentro disso que você
chama de Infinito. E o fazem desde o começo dos tempos. E continuarão a fazê-lo até
quando já não mais houver tempo — até que também o tempo tenha se transformado em
energia. Tudo está em vias de transformação, de transubstanciação, Tako. Inclusive os
seres humanos.
A esfera luminosa do Universo principal aumentou de tamanho. Suas partes
unitárias tornaram-se novamente visíveis. Os Universos separavam-se novamente. Era o
movimento contrário àquele havido anteriormente. Os seres energéticos caíram de volta
ao Universo principal.
— Eu já não entendo mais nada disso — concedeu Tako. — Como é que você
conseguiu encontrar-nos nesta imensidão, no Infinito?
— Está se esquecendo que o tempo é como um rio, no qual eu posso nadar, à
vontade, para cá e para lá. Eu sabia que vocês viriam. Sei também que desaparecerão
novamente. Antes, entretanto, ainda irão encontrar-se com outro — com um outro
peregrino no tempo e no espaço. Ele lhes mostrará uma coisa que eu não posso mostrar.
Ainda estou atado a leis — não, não são as suas leis.
Os Universos singulares passaram por eles, pairando na imensidão, como faixas
luminosas, imóveis e estarrecidas, em si mesmas. E depois havia ainda outros pontos
luminosos, menores e mais próximos. Estes não eram imóveis e estarrecidos, mas
modificavam as suas formas constantemente. Grupos inteiros deles se haviam juntado, e
pareceu a Tako como se eles dançassem uma silenciosa e irreal brincadeira de roda.
— O que é isso? — perguntou ele, timidamente.
Desta vez não obteve resposta.
E então Tako pressentiu que também a vida em si é uma forma de energia.
***
O Universo que lhes era familiar estava diante deles, enorme e nítido.
— Vocês querem que eu os ajude — disse Ellert, pairando um pouco mais para
longe. A sua “voz” entretanto continuava tão nítida como antes. — Isso é impossível,
Tako. Vocês voltarão ao espaço normal, isso eu posso revelar-lhes. Aquele Frasbur, que
os mandou para cá, os levará de volta. Para ele passar-se-ão apenas segundos, ainda que,
aparentemente, vocês passem séculos por aqui. Entrementes, nada de significativo
acontece no vosso... no nosso Universo.
— Ellert, quem são os senhores da galáxia? Não poderia, pelo menos, revelar-nos
isso?
Foi uma risada clara, despreocupada, a que Tako ouviu.
— Comparados com o Universo — nem vamos falar do Universo principal — eles
são pequenos e insignificantes, quase tão insignificantes como os seres humanos. Tente
imaginar, Tako, que significação tem um grãozinho de areia numa praia de mil
quilômetros de comprimento e cinco de largura! Os senhores da galáxia são um
grãozinho semelhante. O ser humano, mal chega a ser um átomo nesta praia. Claro,
também isso é relativo. A Terra está com sua existência em jogo, pois se os senhores da
galáxia quiserem destruí-la, poderão fazê-lo. Não, não posso ajudá-los. Também não
tenho permissão para dizer-lhes quem são os senhores da galáxia. Mas vou mostrar-lhes
uma coisa. Então certamente compreenderão que existem entidades maiores que os
senhores da galáxia, e este conhecimento irá ajudá-los a julgar melhor e mais
favoravelmente a sua situação.
Tako, Tronar e Rakal não tinham qualquer influência sobre seus movimentos
através do espaço, porém mal Ellert terminara a sentença, sentiram-se levados por uma
força invisível, arrastados ao encontro da faixa luminosa do Universo. As galáxias
expandiam-se, afastando-se para todos os lados, enchendo logo todo o seu campo de
visão. Eram milhares e mais milhares de vias lácteas, cuja luz brilhava com intensidades
diferenciadas.
— Já há séculos atrás, astrônomos terranos verificaram que as vias lácteas podem
colidir. Foi possível, inclusive, fotografar-se uma colisão dessas. Ali, exatamente a nossa
frente. Estas são as duas galáxias. A luz que vocês estão vendo está sendo emitida neste
instante, já que não necessita de tempo para chegar até nós.
— Por que, então, não chegamos a ver os Universos principais?
— Porque velocidade ultraluz no hiperespaço significa outra coisa que no espaço
normal. Porém olhem para a frente. Essas duas vias lácteas. Vocês vivenciam tudo em
tempo aglutinado. O que vocês têm por um segundo são cerca de mil anos. Por isso que
tudo se passa tão depressa — e visivelmente.
Tako não fez mais perguntas. Junto com Rakal e Tronar ele ficou olhando aquelas
duas nebulosas em espiral, leitosas, que lentamente se aproximavam uma da outra. As
primeiras estrelas passaram umas pelas outras e nada aconteceu. Afinal, ainda estavam
separadas por anos-luz. Mas então colidiram as duas massas centrais das galáxias. E desta
vez as estrelas se tocaram. Eram atraídas mutuamente e colidiam. Menores precipitavam-
se para dentro de maiores, e violentas explosões atômicas volatilizavam-nas, irradiando-
as como energia. Uma nova após outra ardia em chamas, engolindo não apenas planetas e
luas mas quase sempre também o sol vizinho. A nova explosão encontrava outras
vítimas, e logo aquilo passou a uma autêntica reação em cadeia, que extinguia ambos os
núcleos das galáxias.
— De há muito nós passamos pelo estágio que poderíamos chamar de crítico. Em
alguns bilhões de anos de tempo relativo os astrônomos terranos publicarão suas
descobertas sensacionais, pois a luz precisa de todo este tempo no seu caminho pelo
espaço normal para chegar à Terra. Mas continuem olhando.
Quando os dois núcleos se transformaram numa única, imensa e gigantesca nova, a
sua luz sobrepujou todas as outras vias lácteas, praticamente apagando-as. Tako imaginou
sentir o calor dos milhares de sóis que eram transformados em energia.
As duas galáxias explodiram transformando-se numa nova galáctica.
Depois apenas duas nuvens luminosas, brilhando foscamente, vagavam pelo espaço,
afastando-se rapidamente uma da outra. E acabaram mergulhando na escuridão do espaço
intergaláctico.
— Nelas, agora, não há mais vida — disse Ellert, e na sua voz sem som sentia-se
um sincero pesar. — Todos os planetas foram destruídos, e havia muitos planetas
habitados em ambas as vias lácteas. Mas alguns dos seres viventes haviam desenvolvido
uma inteligência, que finalmente levou à destruição.
Tako hesitou com sua pergunta, mas finalmente acabou fazendo-a:
— Com isto você está querendo dizer que a colisão das duas galáxias foi obra de
seres inteligentes? Mas isto é...
— ...impossível, é o que quis dizer? Está enganado, Tako. Em ambas as galáxias
havia superinteligências, que se guerreavam mutuamente. Em vez de satisfazer-se com
seus próprios mundos, elas ultrapassaram os fantásticos espaços penetrando em outras
vias lácteas — até verem-se frente a frente. Não havia possibilidade de entendimento,
pois ambos eram igualmente fortes. Portanto fizeram uso de seus dons inconcebíveis e de
seus meios técnicos auxiliares — movimentando a sua galáxia, conforme queriam. Cada
uma tinha esperanças de poder chantagear a outra, mas nenhuma das inteligências cedeu.
Até que foi tarde demais. Vocês mesmos viram o que aconteceu. Só sobraram duas
nuvens de gás. Milhares de mundos destruídos, engolidos pelos seus sóis. Eles pairam de
encontro ao fim dos tempos, porém o sinal de sua morte somente chegará ao planeta
Terra, daqui a bilhões de anos — sem ser compreendido. Compreendem agora como é
minúscula a Terra, como é diminuto o homem — e como são pequenos os senhores da
galáxia?
— Talvez eles não possam fazer colidir a Nebulosa de Andrômeda com a nossa Via
Láctea, mas eles podem achar a Terra e destruí-la. Só isto, Ellert, é decisivo para nós.
Portanto, ajude-nos. Ou está querendo que, em breve, não existam mais seres humanos?
— Sua preocupação não tem sentido. Eu sei que haverá seres humanos. Homens
que são naturais daquele planeta em que vocês e eu nascemos. Mas também sei que terão
que usar sua própria força, para se ajudarem.
Silenciosamente aquelas quatro sombras luminosas vogaram pelo espaço, ao
encontro de duas galáxias conhecidas — a Via Láctea e a Nebulosa de Andrômeda.
— Eu lhes mostrei o espaço — continuou Ellert, após uma pausa, que demorou
segundos ou milênios. — Um outro irá mostrar-lhes o tempo. Frasbur, entrementes,
apenas viveu uma fração de segundos, desde que ativou a sua armadilha transmissora.
Adeus, Tako, Tronar e Rakal — e dêem lembranças minhas a Rhodan.
Antes mesmo de Tako poder perguntar uma outra coisa, só havia ainda três nuvens
luminosas vogando no espaço. A quarta desaparecera.
***
Entre as duas galáxias, no negrume do espaço sem estrelas surgiu, repentinamente,
um objeto cintilante, ficou maior e se aproximou. Tako somente o reconheceu quando
estava a apenas poucos metros de distância, pairando lentamente na sua direção.
— Harno! — gritou ele, surpreso.
A esfera tinha uma superfície lisa, polida, que parecia um espelho. Mas o que era
possível ver-se nela não podia ser designado como uma imagem de espelho. Harno, a
esfera de tempo e espaço, era o mais perfeito receptor de televisão que se poderia
imaginar.
Ninguém sabia exatamente quem era Harno e de onde ele vinha. Já por várias vezes
essa entidade estranha ajudara os seres humanos, para sempre desaparecer depois disso,
sem deixar traços. Harno vivia de energia pura, da luz das estrelas e do fluxo do tempo.
— Harno, você!? — repetiu Tako, sentindo um alívio indescritível. — Foi Ellert
que mandou você?
— Eu estou no todo — retrucou a entidade telepaticamente, e os três homens
desmaterializados podiam entendê-lo tão bem como se lhes falasse em voz alta. — Eu
estou em todo o tempo e em todo o espaço.
Tako pareceu não ouvir a nuance daquelas palavras.
— Pelo menos você pode explicar-nos o que aconteceu — e o que vai acontecer?
Nós vamos ficar para sempre no hiperespaço, talvez transformados em energia?
— Vocês já são energia. A armadilha transmissora dos senhores da galáxia jogou-os
num outro plano existencial. Vocês o chamam de “hiperespaço”, ou “um outro
Universo”. Isso não é uma expressão exata. A matéria dos diferentes Universos continua
uniforme em si mesma e existente, porém os planos e dimensões mudam. Meramente o
transcorrer do tempo muda. É ele também que transforma a velocidade da luz numa
simples teoria. Não existem limites de velocidades, somente um limite da capacidade de
compreensão humana.
— E nós...?
— Ellert já lhes disse. Frasbur os levará de volta. Ele já está estendendo a mão,
para tocar a alavanca que os catapultará de volta ao universo einsteiniano — para
Kahalo. Mas quanto tempo demora um movimento desses? Um segundo? Dois, talvez?
Aqui, isso nada mais significa. Pode demorar bilhões de anos.
Lateralmente passou por eles a Nebulosa de Andrômeda, tomou-se menor,
acabando finalmente no opaco ponto luminoso que os homens da Terra vêem há
milênios. Harno e seus três acompanhantes caíram para dentro da Via Láctea, tão
conhecida deles. Universos e galáxias haviam se transformado novamente em
aglomerados estelares.
Mas eles se encontravam no espaço normal, inatingível para aquelas entidades
energéticas, que somente existiam no hiperespaço.
— Mas, ainda assim, vocês podem vê-las — disse Harno, que lia os seus
pensamentos.
Tako notou, diante de si, um sol, em torno do qual orbitavam planetas. Nitidamente
era possível ver-se os movimentos orbitais, e sem ter que perguntar a Harno, ele entendeu
que o fluir do tempo não podia ser o normal. Os movimentos, inclusive, tornavam-se
cada vez mais rápidos, e logo os planetas giravam tão rapidamente em torno de sua
estrela-mãe, que todas as suas órbitas pareciam faixas incandescentes.
Só então Tako notou que aquelas constelações lhe eram familiares, mas que as
mesmas estavam se modificando lentamente. Dez segundos mais tarde, elas já perdiam
sua conformação original, formando novas constelações.
— Aquele astro ali...?
— Sim, é o Sol. Uma daquelas faixas orbitais incandescentes é a órbita da Terra —
milhares de anos no futuro. Já não vivem mais seres humanos nela.
— Não há mais seres humanos? — Tako parecia perplexo. — Mas Ellert acabou de
nos dizer que sempre existiriam seres humanos! Por que ele mentiu?
— Ele não mentiu. Mas também não disse onde os seres humanos estarão no
distante futuro. Como já tantas vezes no passado, eles abandonaram o seu planeta
pátrio, só que, desta vez, eles não voltaram mais. Não podiam. Um planeta como a Terra
não tem mais nada para lhes oferecer. Ela os mataria.
— Mataria? A Terra tornou-se radioativa?
— Não, Tako. A Terra tornou-se estéril, infértil, no sentido dos novos homens.
Assim como os seus ancestrais uma vez deixaram os mares, porque a terra lhes oferecia
melhores condições de vida, assim, mais tarde, os homens abandonaram a Terra, porque
o espaço lhes oferecia tudo de que precisavam. Pois no espaço são os diferentes campos
energéticos, as retículas dos planos gravitacionais e a luz dos sóis que oferecem tudo
aquilo, em forma da mais pura energia, que nos estágios iniciais do desenvolvimento
tinha que ser extraído da terra, com muito trabalho e perda de tempo. A clorofila e a
fotossíntese são dois dos conceitos que apontaram o caminho do futuro. Também eles
acabaram sendo desnecessários. Hoje o homem apanha aquilo de que necessita
diretamente do espaço. E é também no espaço que ele vive.
Tako tentou compreender as palavras de Harno, mas foi-lhe difícil entender-lhes o
sentido. Harno estava querendo sugerir que se tratava de uma total espiritualização do
homem? Queria ele indicar que o homem desistira do seu corpo, porque o mesmo se
tornara supérfluo?
Mas não teve coragem de propor uma pergunta.
— Algum dia — continuou Harno — também planetas e sóis terão se tornado
supérfluos. E passarão a ser energia. Energia, entretanto, é o elemento básico do tempo.
Quando ainda só existir energia, não mais nenhuma matéria, começa a última
transformação. Depois disso existirá, no espaço vazio, somente ainda o tempo, nada
mais.
Tako, por mais perturbado que estivesse desta vez não conseguiu abafar uma
pergunta:
— O que significa tempo, se qualquer possibilidade de relações com a energia ou
com a matéria estará faltando? Como ele poderia ser medido? E ainda existirá alguém
que possa medi-lo?
Na consciência dos três homens havia uma risada. Não era uma risada sardônica,
mas uma risada bondosa, condescendente.
— O tempo não é estável. Se o Universo — e agora estou falando de todo o
Universo — ainda consistir apenas de tempo, ocorre uma supersaturação. O tempo
começa a se converter em matéria. O circuito recomeça, uma vez mais. Matéria —
Energia — Tempo. Somente um deles nunca se transforma: o espaço. Ele permanece,
mesmo sendo o cenário de toda a gênese, evolução e perecimento. Mas também a vida
continua, apesar de modificar as suas formas. Ela simplesmente se adapta às
circunstâncias. Se não o fizer, perece. O homem, Tako, existirá eternamente. Ele tem
existido eternamente! Mas ele modifica suas formas de tal modo, que de milênios para
milênios não mais poderia ser reconhecido.
— Acredito — disse Tako, com certa veneração — começo a entender. Você certa
vez falou do fim dos tempos. Este é aquele instante em que o tempo começa a se
reconverter? A voltar para trás?
— É, sim. O tempo se solidifica. Não tem mais movimento porque já não existe
mais nenhum ponto de referência. Também a vida está congelada. Com o primeiro
átomo da nova energia, o fluxo do tempo começa a correr novamente, e a vida com ele.
Um novo Universo nasce. Nunca houve um começo. Nunca haverá um fim. Isso, Tako, é
a eternidade.
As órbitas planetárias incandescentes se apagaram, quando o sol, inchando muito,
as tragou. Logo o sol ficou de um vermelho muito escuro, e finalmente negro. E
desapareceu.
Harno levou seus protegidos de volta ao espaço entre a Nebulosa de Andrômeda e a
Via Láctea. E levou-os de volta, ao mesmo tempo, ao seu próprio tempo, que continuava
sendo o passado.
— Agora tenho que deixá-los — informou ele. — A mão de Frasbur já está na
alavanca da armadilha transmissora. Não demorará mais muito tempo e vocês
rematerializarão no seu novo Pavilhão Memorial em Kahalo. Novamente terão um
corpo. Que será o vosso antigo corpo.
— Quem é Frasbur? — perguntou Tronar.
— Um instrumento de superiores, não mais que isso — declarou Harno, afastando-
se rapidamente.
Sua superfície emitia um brilho fosco, no reflexo da luz das duas galáxias.
— Tenham cuidado com os seres energéticos do hiperespaço. Eles tentarão levá-
los, através de tentações, para que desistam de seus corpos. Se vocês se entregarem a
eles, passarão por cima do desenvolvimento natural e jamais voltarão a ter um corpo.
Portanto — tenham cuidado!
Depois Harno mergulhou no escuro do espaço sem estrelas.
***
Eles pairaram na direção de um solitário sistema solar, que parecia como que
perdido no espaço. Tako contou sete planetas, mas também podia estar errado. Ele estava
perturbado com o fato de não ter mais qualquer influência sobre seus movimentos.
Naturalmente ele, Tronar e Rakal permaneciam juntos, mas isso não queria dizer muita
coisa.
Por que Frasbur não apertava aquela alavanca de uma vez!?
Era um sol amarelo. A sua luz não conseguia sobrepujar a dos bailantes seres
energéticos que se tornavam visíveis por toda parte, aproximando-se.
— O que é isso? — perguntou Rakal, inquieto.
— Seres energéticos, desmaterializados como nós — declarou Tako, sem entender
muito bem aquilo tudo. — Harno nos preveniu contra eles.
Mas aquele aviso não valeu de muita coisa. Tako e os gêmeos não tinham a menor
idéia de como era possível defender-se de um ataque de seres de pura energia.
O ataque esperado, entretanto, não aconteceu.
Tako e seus acompanhantes caíram, na direção da superfície do planeta
desconhecido. Imaginaram estar sentindo a gravidade, mas sabiam muito bem que não
podia haver gravidade. Ou o planeta e o seu sol estavam no hiperespaço, e com isso,
submetidos a leis desconhecidas?
Era um planeta paradisíaco.
— Olhem só esses lindos oceanos, as maravilhosas ilhas com suas florestas
tropicais — disse Tako. — As praias de areias muito brancas — e — realmente, aquelas
árvores se parecem com palmeiras...
— Eu vejo apenas montanhas — montanhas, como as que sempre amei —
interrompeu-o Rakal, admirado. — Os seus cumes ultrapassam as nuvens, e por baixo
estão, escondidos, os vales verdes. Por caminhos estreitos chega-se ao alto, e...
— Não entendo para onde vocês estão olhando — disse Tronar, perplexo — pois eu
não vejo nem mares nem montanhas. Imensas savanas e matas ensolaradas onde abunda a
caça — é isso que eu consigo ver. Os rios cortam as florestas, e nas corredeiras vejo as
trutas saltando...
Tako disse:
— Cada um vê aquilo que gostaria de ver, amigos. Não vamos deixar que nos
enganem mais uma vez. Isso aí embaixo não é nenhum planeta, assim como este sol
amarelo não é um astro de verdade. Nós continuamos pairando em meio ao espaço, no
Nada. Nossa imaginação fabrica essas imagens, só isso. Quem de nós, às vezes, não
sonha com a Terra ou outros mundos, depois de ter vivido muito tempo no espaço? Aliás
a qualquer momento Frasbur tocará na...
Os seres luminosos haviam chegado mais perto. Eles vogavam para cima e para
baixo, afastavam-se e se aproximavam novamente. Parecia a Tako ouvir um canto
maravilhoso. Era uma melodia como ele jamais ouvira igual, harmônica e bela.
— Esqueçam os seus corpos e fiquem conosco!
O pensamento aninhara-se clara e nitidamente no seu consciente, como uma forte
mensagem telepática. Devia ter vindo daquelas entidades estranhas, que agora viam-se
por todos os lados, caindo lentamente com eles em direção ao planeta.
— Nós não pertencemos à sua espécie — disse... ou pensou Tako, o mais
fortemente que pôde. — Somos estranhos aqui e precisamos voltar ao nosso Universo.
Como poderíamos esquecer nossos corpos, sem os quais, para nós, não há vida?
— Esqueçam-nos, e vocês nunca mais precisarão deles — recebeu ele de volta.
Tako perguntou:
— Só esquecer — e isso bastaria?
— Qualquer desejo basta aqui. Desejem um planeta, e o terão, só para vocês, e
mais ninguém. Desejem um Universo, e ele pertencerá a vocês. Esqueçam os seus
corpos, e eles não mais existirão.
— A tentação é grande — disse Tronar. — É difícil não sucumbir a ela. Mas Harno,
afinal, nos avisou.
Tako não deu atenção à objeção. E perguntou a um dos seres energéticos:
— Quem são vocês?
A resposta foi desconcertante:
— Como podemos sabê-lo? Nós existimos desde sempre. E existiremos por toda a
eternidade.
— Só aqui? Ou vocês também conseguem passar àquele outro espaço que nós
chamamos de espaço normal?
— Alguns o conseguiram, mas eles só conseguiram arranjar complicações por lá,
já que nenhum contato direto é possível. Desistam de seus corpos... por favor.
— O que é que vocês ganham com isso?
Desta vez não houve resposta.
Rakal disse:
— Na realidade eu já estou praticamente esquecendo o meu corpo. Esta existência
em estado espiritual tem suas vantagens, pensando bem...
Tako viu que uma daquelas névoas iluminadas que boiava junto dele empalideceu
um pouco. E logo viu o perigo de ser separado, para sempre, de Rakal.
— Rakal! — gritou ele, se é possível designar sua mensagem telepática urgente
como um grito. — Ficou maluco?
A figura luminosa de Rakal novamente tornou-se mais forte.
— Quer dizer que isso realmente seria possível — veio uma voz sem som,
penetrando nitidamente no consciente de Tako. — Era só isso que eu queria saber. Nós
poderíamos viver eternamente.
— Sim — sem corpo.
Debaixo deles sumiu o planeta e com ele desapareceram o sol e os dançantes seres
energéticos. Tako, Tronar e Rakal estavam novamente pairando no Nada. A Via Láctea
aumentava de tamanho, com incrível rapidez, e os três homens precipitaram-se para
dentro daquele aglomerado de estrelas.
Caíam ao encontro do centro da galáxia.
Frasbur apertara para baixo a alavanca do transmissor.
4

O agente do tempo vestia um novo uniforme. Parecia ter sido tecido de fios de
prata, semelhante a um macacão espacial. No peito via-se uma mancha negra. Sobre a
mesma uma linha dourada, que serpenteava por entre duas galáxias — o sinal indicativo
do tempo.
Frasbur tinha desmontado o antigo Pavilhão Memorial sob as seis pirâmides,
mudando-se para um outro pavilhão-esconderijo. O mesmo era mobiliado e decorado tão
bem quanto o anterior, mas ficava profundamente sob a superfície do pólo sul de Kahalo.
Ele continuava sendo respeitado como o Grão-Mestre-Conselheiro na Terra, e os
lemurenses seguiam suas ordens, escrupulosamente, sem fazer perguntas.
Antes de Frasbur mudar-se, ele tinha armado a armadilha transmissora no antigo
Pavilhão Memorial. Sabia como ela funcionava, e confiava nos imensos conhecimentos
técnicos dos senhores da galáxia. Não existia armadilha mais perfeita. Os sinistros
estranhos do futuro não mais poderiam recorrer as seus dons parafísicos, depois que a
armadilha se fechasse sobre eles.
E ela se fechara!
Frasbur esperou alguns segundos, antes de decidir-se a trazê-los de volta ao
Universo normal. Pela aparelhagem secreta de vídeo ele pudera ver que se tratava de três
seres humanos. Um deles, sem dúvida, era um teleportador, pois tinha materializado,
junto com os outros dois, repentinamente no antigo Pavilhão Memorial.
Frasbur apertou a alavanca para baixo.
Bem no meio do novo Pavilhão Memorial, com suas muitas telas de imagem e
outros aparelhos de comunicação, estava a jaula reticulada do receptor. Ela brilhava numa
luz verde. Depois a luz tornou-se repentinamente vermelha — e se apagou.
Na jaula reticulada, no chão, três homens se contorciam.
Depois estremeceram violentamente e ficaram deitados, desfalecidos.
Frasbur sorriu, ao retirar a mão da alavanca. Era um sorriso frio, que não revelava
qualquer comiseração. Aqueles três ali eram seus inimigos, e ele os mataria, caso lhe
causassem dificuldades.
Ele abriu a jaula e entrou. Os olhos dos seus prisioneiros estavam bem abertos. E
eles lhe devolveram o olhar. E neste olhar parecia haver alívio.
Frasbur sabia por quê.
— Vocês estão satisfeitos em ter voltado a ser aquilo que eram antes, não é
verdade? — e ele sorriu, irônico. — Pelo menos, têm novamente um corpo. Mas isso não
lhes serve de muita coisa. Nada de teleportação, meu amigo — e ele bateu com o pé em
Tako, verificando que o japonês estava duro como uma tábua. — Vocês perderam os seus
dons. Pelo menos por enquanto. Estão firmemente em minhas mãos. E talvez eu agora,
finalmente, vou ficar sabendo quem vocês realmente são. Pena vocês ainda não poderem
me responder, mas logo que o puderem fazer outra vez, aconselho-os a falar tudo que
sabem.
Ele deixou a jaula, sem trancá-la. Sabia que isso não era necessário. Os três ainda
ficariam muito tempo sob a influência do choque causado por sua retransmissão, de volta
ao local de partida. Somente depois que ele lhes proporcionasse o tratamento adequado é
que aquela paralisação podia ser rapidamente curada.
Mas isso ainda unha tempo.
Ele dirigiu-se até a parede com as telas de imagem, sentando-se diante dos controles
complicados. Os seus dedos deslizavam rapidamente por cima de teclas e chaves. A
maior das telas de imagem começou a iluminar-se aos poucos. Padronagens coloridas
passaram rapidamente pelo tubo, até que finalmente uma imagem começou a se formar.
E então apareceu um rosto na tela.
Era um rosto duro, acostumado a mandar. Os cabelos quase brancos eram espessos,
e estavam penteados, lisos, para trás. Nos olhos havia um brilho frio, de aço. A cor da
pele era ligeiramente amorenada.
Uma corrente em volta do pescoço denunciava que o homem usava um ativador de
células. Ele era imortal. He era um dos senhores da galáxia.
***
Enquanto Frasbur relatava, Tako tentou se mover. Pelo canto dos olhos ele pôde ver
a tela de imagem e o rosto do senhor da galáxia, mas a conversa era mantida em voz tão
baixa que ele não entendeu uma só palavra daquilo que Frasbur e o seu superior do futuro
falavam.
Qualquer movimento dos seus membros era impossível. Somente a posição das
pupilas era possível modificar. Tako estava deitado entre Tronar e Rakal. Os gêmeos não
se mexiam. Tako não sabia, sequer, se eles ainda viviam.
Ele conseguia ouvir, ver e pensar, só isso. No momento tinha que se dar por
satisfeito com isso. Apesar do aviso de Frasbur, ele tentou concentrar-se num curto salto
de teleportação, mas foi inútil. Ele estava tão desamparado como um recém-nascido.
Do outro lado, na parede, a tela foi desligada. Frasbur levantou-se e voltou para a
jaula reticulada. Ficou olhando os seus prisioneiros. Os seus traços demonstravam
espanto, misturado com mal-estar.
— Com esta, acabei metido numa boa — disse ele, furioso. — Quem é que vocês
podem ser, para que lhes dêem tamanha importância? Não querem que eu lhes toque um
só fio de cabelo! Se fosse por mim, eu bem que os entortaria muito mais que isso. Vocês
já me deram muito trabalho.
Tako imaginou que os próprios senhores da galáxia queriam interrogá-los, para
ficarem sabendo tudo sobre Rhodan e os terranos, que ocasionavam tamanho tumulto na
Nebulosa de Andrômeda, e agora, ainda por cima, se metiam no passado — ainda que
involuntariamente.
Frasbur tinha as mãos atadas, e isso era bom.
Tako teria sorrido ironicamente, se isso lhe fosse possível.
Frasbur continuou:
— Eu vou retirá-los, um por um, do transmissor, para livrá-los dos efeitos colaterais
do choque. Que serei cuidadoso nisso, naturalmente é compreensível. Você, meu amigo,
vai continuar sob a ação da paralisia, para que não possa me desaparecer. O que há com
os outros dois, eu ainda descobrirei. Teleportadores eles não são, pois eu fiquei
observando o surgimento de vocês no pavilhão abandonado. O que, entretanto, são eles?
Naturalmente não obteve resposta. Frasbur estava ali, de pé, refletindo. Na parede
com as telas de imagem houve um zunido. Novamente acendeu-se o telão. Era outra vez
um dos senhores da galáxia, o mesmo que falara anteriormente.
Frasbur apressou-se, correndo até a aparelhagem. O mestre da galáxia falou por
quase dois minutos, depois a tela apagou-se novamente. Frasbur desligou e voltou para a
jaula gradeada. Desta vez o seu rosto mostrava uma insatisfação ainda maior que antes.
— Vocês devem ser ainda mais perigosos do que eu imaginei. Desagradável para
vocês, mas, de certo modo, agradável para mim. Vocês ficarão em estado de choque, até
serem interrogados pelos próprios senhores da galáxia. Dêem-se por felizes! Eles estão
fazendo muitas cerimônias com vocês. Sinto muito, mas vão ter que ter mais um pouco
de paciência, até que a nave deles venha buscá-los — ele fechou a porta da jaula
reticulada e voltou para o painel da aparelhagem de comunicações, para dar suas
instruções.
***
O sol amarelo atrás da popa do caça-mosquito transformou-se numa pequena
estrela, quando Kasom acelerou. A princípio ele ainda ficou abaixo da velocidade da luz,
para rastrear o espaço. O que viu, não o deixou exatamente calmo.
— Requisição de frotas, como se se tratasse de conquistar vinte sistemas solares —
resmungou ele.
Lemy tinha saído do bolso de Gucky, e estava sentado na barriga deste. Continuava
vestindo seu traje especial, mas abrira o capacete.
— Se os halutenses encontrarem Kahalo, e o destruírem, os lemurenses estão fritos.
Isto eles sabem muito bem. Vai nos ser extremamente difícil passar por ali, sem sermos
notados — ele bateu no seu diminuto peito. — Com a minha Helltiger eu o conseguiria.
— Com o charuto! — Gucky deu uma risada, divertido. — Uma nave com três
metros de comprimento! Alguém o teria notado, e simplesmente o jogaria contra uma
parede, baixinho.
— Não discutam — gritou Kasom, bondosamente. — Além do mais, o que Lemy
está dizendo é certo. Quanto menor for a nave, mais difícil será rastreá-la.
— E além do mais, não há paredes no espaço, contra as quais seria possível atirar
uma nave — declarou Lemy, lançando um olhar de triunfo para o rato-castor.
Gucky calou a boca.
Por pouco tempo, Kasom entrou no espaço linear, e ao regressar ao universo
einsteiniano o sol Orbon estava a uma distância de apenas duas semanas-luz. Nas telas
dos rastreadores havia tantas manchas energéticas, que não sobrava mais espaço para
nada. A olho nu, entretanto, não era possível ver-se nada, apesar da visão da carlinga ser
livre para todos os lados.
Kasom ligou o receptor de hiper-rádio. Em quase todos os comprimentos de ondas
dos lemurenses reinava grande atividade. Mensagens em código iam e voltavam, e, no
meio de tudo, apareciam textos normais, facilmente compreensíveis, na língua dos
futuros tefrodenses. Mas havia pouca coisa que pudesse interessá-los, nada tendo a ver
com os mutantes desaparecidos.
Depois de um novo vôo linear, Kasom entrou, com as turbinas desligadas,
diretamente no sistema de Orbon, voando em linha reta para Kahalo. Um rastreamento
agora seria muito difícil para as naves lemurenses, pois o mosquito, em relação ao espaço
que o rodeava, era tão diminuto que mal ainda poderia ser descoberto.
— Distância de Kahalo, três horas-luz — leu Kasom, dos controles. — Estamos
voando à metade da velocidade da luz.
— Arrastando-se! — piou Gucky, sem levá-lo a sério.
A concentração das frotas dos lemurenses podia ser reconhecida agora a olho nu —
nuvens brilhando claras ao resplendor do sol. Eles se movimentavam com relativa
lentidão e pareciam orbitar, dentro do sistema, o planeta Kahalo. Era praticamente certo
que uma nave maior jamais poderia passar através dessa barreira, sem ser notada.
Mas o mosquito não era uma nave grande.
Era apenas uma mosca entre vespões. Mas tão perigosa quanto estes — ou mais
perigosa ainda!
Inconscientemente quase, a mão gigantesca de Kasom tocou os controles dos dois
canhões conversores da proa. Só a sua existência já lhe dava segurança e confiança. E
além disso ainda havia o campo
hiperenergético protetor verde,
intransponível e praticamente
indestrutível.
— Talvez você consiga um
contato telepático com eles —
sugeriu Lemy, que pensava nos
mutantes desaparecidos.
— Afinal você conhece os
seus padrões mentais.
— Os dos gêmeos são tão
marcantes que eu os encontraria
imediatamente, mesmo em meio a
milhares de vibrações — disse Gucky orgulhoso. — Até mesmo através de algumas
horas-luz. Mas até agora ainda não consegui captar nada. Ou eles estão mortos — ou já
os levaram.
— Levaram? O que é que você está querendo dizer? — perguntou Kasom.
— Se Frasbur os agarrou, gordão, ele os meteu numa nave e despachou-os para a
Nebulosa de Andrômeda. De volta ao futuro, do qual acabaram de chegar. Mas, neste
caso, esse Frasbur vai se ver comigo!
— Antes de mais nada, é preciso agarrá-lo!
— Kasom tem razão — concordou Lemy. — E antes de mais nada esse Frasbur terá
que agarrar os mutantes. Não creio que Tako se deixe prender com tanta facilidade, e os
gêmeos muito menos. Portanto, continue procurando, Gucky!
Gucky fechou os olhos e recostou-se. Lemy quase caiu do seu colo, mas no último
instante ainda conseguiu segurar-se no bolso. E já ia dando vazão ao seu mau humor, em
palavras pouco corteses, quando Kasom disse secamente:
— Agora, vamos experimentar o canhão conversor.
Assustado, Gucky abriu os olhos, levantando-se. Desta vez, Lemy não foi
suficientemente rápido. Caiu para o chão da pequena cabine, mas felizmente caiu de pé.
Rapidamente Gucky abaixou-se, para levantá-lo.
— Desculpe — disse ele, provavelmente também surpreso. — O que é que você
está querendo dizer com isso, Kasom?
— Estamos sendo atacados. Por uma única nave de vigilância. Só espero que eles
não alertem toda a frota.
A nave de vigilância era uma nave espacial esférica, com um diâmetro de pouco
menos de um quilômetro. Aproximava-se, pela frente, em diagonal, estando a uma
distância de apenas quinhentos quilômetros ainda. Isto provavelmente acontecia porque
ela estava vindo do interior do sistema, tendo poucas possibilidades de rastreamento de
sua direção de vôo, corno teria se estivesse voando em direção contrária.
A uma distância de trezentos quilômetros ela abriu fogo.
Kasom sorriu, rangendo os dentes, ao ligar o automático do controle de fogo. Agora
bastaria que ele apertasse uma tecla. Os computadores mediam a distância, levando em
consideração a perda de tempo vertido entre o contato, ao disparar a bomba — e
esperavam.
Kasom pressionou a tecla vermelha do canhão-conversor.
Ainda no mesmo segundo detonou uma bomba com a força explosiva de vinte
gigatoneladas, bem no meio da nave dos lemurenses. A nave espacial esférica
transformou-se imediatamente numa bola energética chamejante, pela qual o mosquito
passou voando, em velocidade mantida. O campo hiperenergético protegeu-o das
radiações mortais e do calor, muito eficientemente.
— Espero que tenha sido uma nave inteiramente robotizada — disse Kasom,
respirando com dificuldades. — Mas não tivemos outra escolha. Eles nos teriam
destruído, sem perguntar primeiro. Além disso tínhamos que evitar que nossa posição
ficasse conhecida.
— Ainda mesmo que eles tivessem feito perguntas — resmungou Gucky — o que é
que não poderíamos ter respondido?
Kasom concordou.
Kahalo ainda estava duas horas-luz distante.
Lemy saiu de dentro do bolso do macacão de Gucky, para dormir um pouco. Gucky
fechou os olhos para concentrar-se novamente em eventuais impulsos telepáticos dos
desaparecidos.
E então, repentinamente, ele estremeceu, levantando-se.
***
O novo Pavilhão Memorial de Frasbur havia sido construído de tal modo que se
encontrava logo abaixo do pólo sul, ao lado dos hangares subterrâneos de um
espaçoporto. Entre os hangares e o Pavilhão Memorial não havia nenhuma ligação direta.
Quando Frasbur desejava chegar ao espaçoporto para dar as suas ordens, tinha que
abandonar o seu esconderijo, que era vigiado por robôs especiais, programados para a
luta. Um elevador antigravitacional levava-o para a superfície. Atrás dele fechava-se a
entrada, garantida por mecanismo controlado por computador, que unicamente obedecia a
um determinado padrão de suas ondas cerebrais. Frasbur achou desnecessário um campo
energético ou mesmo uma grade energética.
E este foi o único erro que ele cometeu.
Ele lançou um último olhar aos seus prisioneiros, que deixou para trás sob a guarda
de três robôs, e saiu do Pavilhão Memorial. Uma esteira rolante levou-o ao elevador. O
corredor estava muito bem iluminado, e à direita e à esquerda havia portas que iam dar
em outros pavilhões.
Quando, na superfície, a porta de entrada fechou-se atrás dele, Frasbur respirou
aliviado. Estava satisfeito por, mais uma vez, poder respirar ar puro. O carro voador
esperava por ele. Embarcou e ajustou os controles. Silenciosamente o veículo elevou-se
do chão, deslizando numa altura mínima na direção do espaçoporto que ficava a poucos
quilômetros de distância. Os telhados baixos dos edifícios administrativos rebrilhavam à
luz do sol que já ia baixo n o horizonte.
As sentinelas postadas diante do comando militar fizeram continência, quando
Frasbur passou. Mas ele nem se dignou lançar-lhes um olhar. Rapidamente, foi à procura
do almirante, que tinha sua sede em Kahalo, e que, junto com o Almirante Hakhat, dirigia
a defesa do setor de Kahalo.
O lemurense ergueu os olhos, espantado, quando Frasbur entrou — Preciso
imediatamente de uma nave menor com pouca tripulação — disse o agente do tempo,
sem esperar pela pergunta do almirante. — Tome providências para que a mesma esteja
pronta para partir dentro de uma hora. Carga urgente para Andrômeda.
O almirante, acostumado aos modos autoritários do suposto Grão-Mestre-
Conselheiro da Terra, apenas concordou com a cabeça.
— Pode ficar tranqüilo.
— Ótimo. E mais uma coisa: Desta vez eu mesmo irei junto, deixando o meu
quartel-general sob a vigilância dos guardas. O senhor ficará responsável para que
ninguém tente entrar no mesmo.
— Quem é que o faria? — perguntou o almirante, admirado. — Talvez os
estranhos, que há vários dias estão tentando penetrar em Kahalo?
— Exatamente esses! Reforce as atividades de vigilância em torno do sistema, e
destrua sem contemplação qualquer nave estranha. Destrua inclusive nossas próprias
naves, cujos comandantes não se identificarem, ao serem solicitados. Os estranhos
conhecem todos os truques.
— Devem ser verdadeiros super-homens — disse o almirante lentamente. — Aos
poucos começo a me interessar por eles.
Frasbur olhou-o fixamente.
— Acho melhor não fazê-lo. O senhor ainda terá aborrecimentos suficientes, uma
vez que o nosso bloqueio foi furado. Se isto acontecer mais uma vez, facilmente poderá
perder o seu posto — Frasbur foi até a porta. Ali ele voltou-se uma vez mais. — Não se
esqueça de minhas instruções, almirante. Dentro de uma hora, portanto.
— O senhor pode confiar em mim.
Frasbur deixou o edifício. A caminho do carro voador, viu que à sua esquerda
ficava a central de radiocomunicações, que se mantinha em vigilância permanente. Ali
todos os fios da defesa se reuniam. Até as últimas notícias chegarem ao Pavilhão
Memorial, entretanto, muitas vezes perdiam-se minutos preciosos.
Decidindo-se rapidamente, ele passou pela sentinela, entrando na sala de controle
do oficial de plantão.
— Como está a situação? As naves de vigilância já entraram em formação?
— Suas ordens foram executadas, Grão-Mestre. Não saiu qualquer outra unidade do
transmissor. Só que... — ele hesitou. — Acaba de chegar uma mensagem. A mesma já foi
encaminhada ao senhor, pelas vias normais.
— O que foi?
— Uma das naves de vigilância explodiu ainda dentro da zona de bloqueio, por
razões até agora inexplicáveis. Nenhuma mensagem de rádio, nada. Nenhuma nave
estranha foi rastreada. Deve tratar-se de um acidente.
Por quase dez segundos Frasbur ficou olhando a quantidade enorme de controles,
diante dos quais o oficial estava sentado. Finalmente disse:
— Um acidente? — ele sacudiu a cabeça. — Não creio. Mande imediatamente
algumas dúzias de naves para o local em questão. E da próxima vez o senhor me
informará imediatamente, se algo semelhante ocorrer. Sem qualquer demora.
Ele deixou o edifício e voou de volta ao Pavilhão Memorial. Chegando ali,
completou a ligação com os senhores da galáxia, informando-os do incidente.
Só depois é que ele se interessou pelos seus prisioneiros, indo certificar-se de que o
seu estado não se modificara em nada.
Tako, Tronar e Rakal continuavam deitados na jaula reticulada do transmissor, sem
qualquer possibilidade de se mexerem.
***
— Só podem ser os gêmeos — disse Gucky, excitado. — Os impulsos estão vindo
claros e nítidos — mas mesmo assim não estou entendendo nada. O que é que tudo isso
tem a ver com um transmissor? E eles também não conseguem se mexer.
Kasom virou-se. Sua expressão era séria, demonstrando preocupação.
— Concentre-se Gucky! Eles estão presos?
— Parece — o rato-castor tentou avistar Kahalo a olho nu, mas não conseguiu. O
planeta ainda estava muito afastado. — Precisamos chegar mais perto, para que eu possa
determinar a posição dos impulsos.
— Você pretende teleportar?
— Será que você vai pedir permissão para pouso? — foi a pergunta de Gucky.
Kasom olhou para os controles, mas não se mexeu. Com as turbinas desligadas o
caça-mosquito caía na direção de Kahalo. Ele agora não queria arriscar, de modo algum,
ainda ser rastreado no último instante.
— Eles estão nas mãos de Frasbur — disse Gucky, de repente. — Agora também
tenho Tako. Eles estão deitados num transmissor, paralisados. Frasbur recebeu ordem
para levá-los a Andrômeda.
Lemy perguntou:
— Quando?
— Não sei, mas certamente logo. Tronar está desesperado, porque está sem poder
fazer nada. Tako também não está se sentindo muito bem, e Rakal gostaria de quebrar o
pescoço desse tal Frasbur, se pudesse fazê-lo. Acho que temos que nos apressar.
Mantenha essa rota, sem modificá-la. Eu vou teleportar para Kahalo.
— Direção?
— Está clara. Os impulsos dos três mutantes são suficientemente fortes para servir
de orientação. Lemy, você poderia fazer-me o obséquio de sumir de dentro do meu
bolso?
Lemy nem se mexeu.
— Eu naturalmente irei com você — disse ele, estridentemente.
Gucky respirou fundo.
— Vir comigo? Deve ser megalomania, não? Este é um trabalho para homens, não
para duendes.
— E você, será que é um homem? — quis saber Lemy, zombeteiro.
Kasom interveio, sem tirar os olhos das telas de imagens e dos controles.
— Não briguem. Se não tiverem outras preocupações, lembrem-se pelo menos dos
mutantes prisioneiros. Cada minuto é precioso. Leve Lemy consigo, Gucky.
— Mas se alguém lhe pisar sob os pés, não é culpa minha. Eu tenho que cuidar de
mim mesmo.
Lemy escorregou, calmamente, de volta para o bolso de Gucky. Fechou o capacete
de seu traje especial. Com os braços cruzados sobre o peito, esperou pelo salto
teleportador de Gucky.
— Talvez fosse melhor informarmos Redhorse — sugeriu Kasom.
— Isso você poderá fazer depois. Logo que eu tiver encontrado Tako e os outros,
libertando-os, entrarei em contato com você. Ou nós desaparecemos como chegamos, ou
você manda chamar Redhorse. Tudo vai depender da situação. Porém não se aproxime
mais de meia hora-luz de Kahalo. Ali poderei rastrear você a qualquer momento.
Kasom anuiu.
— Você é quem sabe. Boa sorte, então.
— Obrigado.
Lemy não podia dizer nada porque o capacete do seu traje já estava fechado e o
telecomunicador desligado. Aliás, ele não entendia o que Gucky e Kasom tanto tinham
para falar. Não entendia o que os dois ainda tinham para se contar, quando havia tão
pouco tempo.
Mas logo chegou o momento.
Mais uma vez Gucky concentrou-se nos impulsos mentais dos três mutantes,
focalizou um lugar que ficava a cinqüenta metros deles — e saltou.
O robô de Frasbur que caminhava justamente através da estação energética quase
tropeçou no rato-castor que se materializou repentinamente diante dele. No último
instante ele parou, pois o seu cérebro positrônico reconheceu imediatamente o perigo.
Registrou Gucky como um invasor, e como fazia parte de suas tarefas proteger o
Pavilhão Memorial, ele agiu em fração de segundos.
Seus fortes braços metálicos agarraram Gucky, segurando-o firmemente.
Lemy só teve tempo de abaixar-se bem, dentro do bolso, para não ser amassado
pelos braços metálicos. Abriu o capacete para não ficar mais desligado do mundo
exterior.
Por que Gucky não teleportava novamente?!
Mas Gucky nem pensava nisso — não pretendia sumir de novo tão facilmente.
Além do mais, ninguém precisava saber a respeito dos dons que ele possuía.
Telecinese!
Já fazia muito tempo desde que Gucky “brincara” pela última vez com um robô. Na
sua situação, neste momento, isso nem era tão fácil assim, pois o ser metálico o segurava
fortemente. Gucky desistiu da teleportação não apenas porque revelaria o seu segredo,
mas principalmente porque não sabia para onde. Neste caso, a tentativa de se livrar do
robô era-lhe mais vantajosa.
Ela concentrou-se no seu adversário e emitiu sua energia telecinética sobre os dois
braços que o agarravam. O que aconteceu então, parecia ter sido filmado em câmara
lenta. Os braços do robô foram empurrados para trás, por uma força invisível. As garras
metálicas soltaram o corpo de Gucky, talvez mais pela surpresa. Gucky verificou,
admirado, que o robô podia “sentir” alguma coisa semelhante a espanto.
Mal Gucky estava livre, deu um passo para trás. Agora ele podia usar os seus dons
paranormais sem perigo para si mesmo. E logo o robô sentiu-lhe as conseqüências.
De repente ele tomou-se liberto da gravidade, não sentindo mais o chão sob os seus
pés.
Só agora Gucky teve oportunidade para examinar melhor as suas redondezas.
Imensos geradores haviam sido instalados sobre o piso de cimento. Escadas tornavam
mais fácil subir para o alto e cuidar dos controles. Um zunido constante enchia o
pavilhão, que estava fechado ao mundo exterior por uma porta metálica. No fundo,
Gucky notou um movimento.
— Outros robôs — murmurou Lemy, com cuidado, apesar de sua vozinha
dificilmente poder sobrepor-se ao ruído forte das máquinas.
— Antes de mais nada precisamos acabar com este aqui — disse Gucky, voltando-
se novamente para a sua vítima.
O robô pairava a três metros de altura, movimentando pesadamente braços e pernas.
Não era possível ver-se ele possuía uma estação transmissora autônoma. De qualquer
modo não se via qualquer antena.
“Só espero que esta parede seja suficientemente forte”, pensou Gucky.
O robô “tomou distância”, conforme Gucky disse mais tarde, ao contar suas
aventuras. Com bastante aceleração ele precipitou-se através do pavilhão, em diagonal,
batendo violentamente contra a parede de cimento armado. Pedaços de caliça voaram
para todos os lados, enquanto o metal se destroçava, com seus ruídos característicos.
Depois houve um estrondo terrível, quando o robô — solto pelas forças invisíveis de
Gucky — caiu para o chão. Uma lente quebrou-se. Sem forças, os braços ficaram na
posição em que se encontravam.
O robô fora destruído.
Mas os outros tinham notado o incidente.
— Talvez seja melhor sumirmos daqui — disse Lemy que, por uma questão de
segurança, continuava no bolso. — Por que vamos lutar com robôs, quando há coisas
mais importantes para fazer?
Gucky deu-lhe razão.
He viu dois robôs-mecânicos virem correndo, concentrou-se no corredor que devia
haver atrás da porta, e saltou.
O corredor estava feericamente iluminado. Como os prisioneiros, pela avaliação de
Gucky, deviam encontrar-se à esquerda, ele nem pensou por muito tempo. Marchou para
a esquerda.
— Talvez fosse melhor se você, a partir de agora, agisse independentemente —
disse ele para Lemy. — Caso eu caia numa armadilha, você sempre poderá funcionar
como nossa última salvação, ligue o seu defletor, para tornar-se invisível.
— De acordo. Mas cuide para que eu não fique sozinho no corredor. Isso não nos
adiantaria de muita coisa. Deixe a porta aberta pelo menos por um tempo suficiente para
que eu possa esgueirar-me por ela.
Gucky anuiu. E olhou para a porta. Ela formava o fim do corredor. Atrás dela
estavam os prisioneiros.
E provavelmente Frasbur também.
Os pensamentos de Tako estavam desesperados, pois não podia imaginar o quanto
estava próxima a salvação. Tronar e Rakal pareciam um pouco mais calmos, mas isso
provavelmente devia ser porque estavam cansados.
Gucky conseguiu captar também os pensamentos de Frasbur, apesar de consegui-lo
apenas de modo muito esfarrapado. O agente do tempo dispunha de um bloqueio mental
natural, que se abria só ocasionalmente. Seria difícil extrair dele a verdade. Mas, em
determinadas circunstâncias, um tal bloqueio podia ser removido facilmente. Com a
simples aplicação de um choque.
Frasbur sentia-se seguro. Tomara as últimas providências para o seu vôo para
Andrômeda — e para o futuro.
Gucky estava parado diante da porta.
— Em exatamente dez segundos eu vou abri-la. Entre você primeiro, Lemy. E não
perca Frasbur de vista. O homem é perigoso. Logo que ele tentar me liquidar, você
poderá atordoá-lo. Pegue a arma de choque. Não se esqueça, Rhodan o quer vivo.
— Este logo estará no papo — prometeu Lemy, achando tudo muito fácil.
Gucky olhou a porta. A fechadura era eletronicamente segura, mas isso não era
problema. Sem sequer tocá-la, o rato-castor abriu o complicado mecanismo
telecineticamente, e a porta abriu-se para dentro.
Lemy, entrementes, tornando invisível pelo seu campo defletor, esgueirou-se pelo
umbral, e como primeira coisa viu a jaula transmissora com os três prisioneiros.
Continuavam estendidos no chão, como mortos. Como Lemy não podia ser visto, levou
algum tempo para liquidar Frasbur.
Mas levou alguns segundos demais.
Frasbur notou imediatamente a abertura da porta. Ninguém, além dele mesmo,
podia abrir a porta para o centro de comunicações, a não ser que ele desse uma ordem
correspondente a um robô para fazê-lo. Portanto, Frasbur devia saber, naquele mesmo
segundo, com toda certeza, que alguém não autorizado abrira aquela porta.
Naturalmente ele não via Lemy, não agiu, ainda antes que Gucky pusesse os pés no
Pavilhão Memorial.
Num instante, Frasbur ligou o seu campo energético individual, que envolveu-o
inteiramente, protegendo-o contra todas as influências do mundo exterior. Nada
conseguia penetrar neste campo energético, que reluzia leitosamente, fazendo com que
todos os objetos parecessem esfumados.
Quando Gucky viu Frasbur, logo deu-se conta de que chegara alguns segundos tarde
demais.
5

Apesar do perigo de ser rastreado, Kasom entrou em comunicação de hiper-rádio


com o Major Don Redhorse, por alguns minutos.
— Gucky e Lemy estão a caminho — informou ele. — Eu continuarei voando na
direção de Kahalo. Distância, uma hora-luz. O automático está ligado. Caso me aconteça
alguma coisa, um sinal será irradiado em nossa onda. Logo que o receber, o senhor deve
entrar em ação. Tente conseguir contato com Gucky.
— Tudo claro. Aqui tudo em ordem.
— Ótimo. Voltarei a chamar, quando tiver pousado.
— Está querendo pousar em Kahalo?
— Vou, pelo menos, tentá-lo. Desligo.
Kasom sabia o risco que estava assumindo. Mas achou melhor esperar em Kahalo
do que expor-se a um rastreamento e localização aqui em pleno espaço. Além disso, ele
teria que diminuir a velocidade ainda mais, o que aumentaria consideravelmente o perigo
de ser descoberto.
Ele passou por uma esquadrilha de vigilância, numa distância de cem quilômetros,
sem ser visto. Ele mesmo viu as naves com bastante nitidez. Elas orbitavam Kahalo numa
formação muito bem ordenada. A nave-capitânia era uma nave espacial esférica com um
quilômetro e meio de diâmetro.
Kasom era suficientemente cuidadoso para ficar com as mãos bem próximas dos
controles mais importantes. Em poucos segundos ele podia ligar os jatos e acelerar a
nave. E então era muito improvável que alguém ainda pudesse alcançá-lo. O máximo que
poderiam fazer era cortar-lhe o caminho.
A esquadrilha ficou para trás.
Depois de uma hora, Kahalo apareceu, um pequeno astro no meio do aglomerado de
estrelas do centro da galáxia. O sol propriamente dito ficava à direita. Kasom continuava
rastreando cada vez mais naves dos lemurenses, mas nenhuma delas aproximou-se tanto
que pudesse representar um grande perigo. Ele contara, há muito tempo já, com o
regresso de Gucky, mas o rato-castor não dava notícias.
Talvez alguma coisa tivesse dado errado.
Isso reforçou sua determinação de pousar diretamente em Kahalo.
Não importava onde ele pousaria. De Gucky ele sabia apenas que o antigo Pavilhão
Memorial já não mais existia — Tako pensara nisso, de passagem, quando Gucky captou
seus pensamentos. Entretanto, onde ficava o novo esconderijo, também Tako não sabia.
À direita, perto da bola chamejante do sol, de repente houve um raiar e um
movimento. Kasom olhou mais atentamente, usando a tela de aumento para isso. E
assustou-se. Uma esquadrilha de pelo menos vinte naves vinha exatamente em sua
direção.
Se ele não modificasse sua velocidade e a rota, aconteceria um encontro.
— Neste caso, acho que não tenho outra escolha — resmungou Kasom, e ficou
contente porque a decisão de pousar em Kahalo agora tinha que ser tomada. Ligou as
turbinas, quando teve certeza de ter sido descoberto.
E começou a perseguição, a caçada.
Os lemurenses imediatamente alertaram a frota de vigilância. Kasom pôde ouvi-lo,
pelas mensagens de rádio que trocavam, em texto normal. He era tomado por um
oponente que não devia ser levado a sério, uma vez que era tão pequeno.
— Vocês vão ficar admirados! — disse Kasom, indignado. Mas depois acrescentou:
— Talvez até seja bem bom, se eles me subestimarem.
Ele acelerou e deixou os perseguidores para trás. Em poucos minutos ele alcançara
a velocidade da luz, dirigindo-se para Kahalo. Algumas das esquadrilhas que haviam
recebido o alarme queriam cortar-lhe o caminho, vindo pelos lados, porém ele passou em
velocidade espantosa bem no meio delas, derrubando um cruzador de vigilância, no
processo.
Depois, teve que diminuir a velocidade, para não chegar a superfície de Kahalo com
a velocidade da luz.
Ele escolheu o lado noturno. Antes certificou-se de que os lemurenses já o haviam
perdido, nos seus aparelhos de rastreamento. Certamente eles não contavam com o fato
de que ele se aproximaria tanto do planeta proibido. Num pouso, certamente eles nem
pensavam.
Mas Kasom ousou fazê-lo.
Em altitude baixa ele passou por cima de uma área desabitada, evitando as cidades
iluminadas e as instalações industriais. Ele sabia que em Kahalo havia montanhas e
desertos. Inteiramente por acaso ele voltou-se para o sul. Não muito longe do pólo sul
descobriu uma cadeia de montanhas de altura moderada, pedregosa e sem qualquer
vegetação. Aliás, o sol, por aqui, ainda estava brilhando. Mas já estava bem perto do
horizonte.
Ele encontrou um vale pequeno, quase redondo, fechado por declives íngremes. As
rochas que sobressaíam ofereciam proteção contra visibilidade do alto, e dificilmente
alguém pousaria por aqui. Pelo menos nunca sem uma razão de emergência.
O caça-mosquito pairou com ajuda dos seus campos antigravitacionais para baixo
das rochas sobressaindo das encostas, pousando no fundo do vale. Kasom desligou as
turbinas. Agora ele unha certeza que não mais podia ser rastreado. Suspirou aliviado,
esperando que Gucky, quando chegasse a hora, captasse os impulsos dos seus
pensamentos. Ele naturalmente ainda pensaria que ele estava no espaço, mas em telepatia
não importava a distância nem a direção, para uma captação normal.
Entretanto, Kasom não podia adormecer.
Comeu alguma coisa, depois saiu da cabine, dando um pequeno passeio pelo vale.
O ar estava claro e limpo. Um pouco de relva, era a única vegetação. Aquela calma fez-
lhe bem.
Kasom pensava ininterruptamente em Gucky.
Deste modo seria mais fácil para o rato-castor encontrá-lo.
***
A corveta KC-1 tomara-se um satélite do sol amarelo, que ficava solitário no
espaço, a oito meses-luz de Kahalo. Como este sol não tinha planetas, os lemurenses
haviam desistido de postar naves de vigilância em suas proximidades.
Redhorse dormira por duas horas e agora sentia-se novamente muito alerta. E
substituiu o Major Nowak-Mills na sala de comando.
— Nenhum rastreamento?
— Nada. No hiper-receptor estão apenas os lemurenses. Em nossa onda secreta
combinada, continua total silêncio de rádio. Eu queria...
O major ainda não terminara de falar, quando Kasom anunciou-se. Informou a
respeito de seu projetado pouso em Kahalo. A conversa foi muito curta e não trouxe
nenhuma certeza quanto ao destino dos mutantes. Gucky os teria encontrado?
— Descanse bastante — aconselhou Redhorse. Quando o seu lugar-tenente saiu, ele
começou a andar de um lado para o outro na sala de comando, muito inquieto. De vez em
quando trocava algumas palavras com os oficiais de serviço, e com os técnicos. Depois
ele parou novamente diante das telas de imagem, como se ali pudesse descobrir a causa
de sua inquietação inexplicável.
Mas as telas estavam vazias, a não ser pelo sol próximo e as estrelas longínquas.
O sol!
Redhorse sabia que era bobagem, mas tinha que ser o sol, que o preocupava. Afinal,
que sol era esse? Ele era insignificante e desconhecido, porque não possuía nenhum
planeta. Tudo bem. Mas a sua intuição dizia-lhe que...
Intuição! Que tolice!
Deixou de olhar as telas de imagem, e foi até o oficial de navegação.
— Tenente, dê-me os mapas estelares deste setor aqui. O mapa geral, sim...
obrigado. E também o mapa setorial com as anotações. Obrigado.
Ele pegou os mapas e foi até junto do painel de controles. Sentou-se e estendeu
primeiramente o mapa geral, na pequena mesa, que puxou para fora.
Começou a sua busca a partir do Sistema Orbon, para encontrar o sol amarelo. Ele
tinha a designação MR-775-G-1. Nas “Explicações” lia-se:

Sol amarelo normal. Tipo Sol.


Nenhum planeta.
Não investigado.

E era tudo.
Redhorse lembrou-se de que este mapa originalmente vinha dos arcônidas e pelo
tempo relativo, tinha pelo menos dez mil anos. No momento as coisas estavam de modo
que ele somente seria desenhado dentro de quarenta mil anos.
Os terranos tinham apanhado o mapa dos arcônidas, fazendo anotações quanto a
modificações ocorridas. No MR-775-G-1 não ocorrera nenhuma modificação. Mas o
MR-775 também não fora investigado. Para que, afinal? O sol não tinha um só planeta, e
não servia como base de apoio.
Redhorse achou que se comportava como um tolo, perdendo tempo com esse tipo
de coisas. Que lhe importava se ninguém tinha investigado melhor aquele sol amarelo?
Para que, afinal? Ele era um sol, como centenas de milhares de outros. Que não
tivesse nenhum planeta, não era culpa sua.
Ou era...?
Redhorse levantou-se e levou de volta, ao oficial de navegação, os mapas que pedira
emprestados.
— Se houver alguma coisa, eu estarei na cúpula de observação.
— Entendido, senhor.
Redhorse não sabia, ele mesmo, o que lhe estava acontecendo. Ele não sabia o que
era nervosismo nem medo e era tido como audacioso. E agora esta inquietação
inexplicável! Ela tomara conta dele quando principiaram determinada órbita em torno do
sol MR-775.
A cúpula de observação era uma construção que sobressaía da nave esférica. As
paredes da cúpula eram transparentes, e permitiam uma visão para todos os lados. Havia
telescópios e outros instrumentos astronômicos, com os quais era possível observar o céu
de estrelas. Todo comandante de naves especiais da frota terrana tivera que passar, na
academia, por um curso de astronomia — além de centenas de outros. Redhorse entendia
alguma coisa de astronomia.
He sentou-se na cadeira confortável, que ficava junto da borda da cúpula, e olhou
para fora, para o espaço. O sol amarelo ficava um pouco para um lado, imensamente
grande e flamejante. Os filtros, entretanto, quebravam suficientemente a sua
luminosidade intensa.
Por quase dez minutos, Redhorse ficou observando o sol. Ele lembrava-lhe muito
do Sol, o astro-mãe da Terra. Gigantescas protuberâncias saltavam, muito longe, para
dentro do espaço, para depois cair novamente, de volta àquela atmosfera ardente. Havia
manchas negras no equador solar. Entre estas pareciam rodopiar redemoinhos claros, que
só se modificavam muito lentamente. A superfície propriamente dita, aparentemente
bexigosa, mas de aspecto rijo, era inteiramente normal.
Nada era fora do comum ou mesmo inquietante.
Redhorse logo abandonou o pensamento, que lhe viera repentinamente, que o seu
instinto o prevenia talvez sobre uma nova antes de iminente explosão. Os mapas estelares
ainda eram válidos dentro de cinqüenta mil anos. Se MR-775 se tivesse transformado
numa nova, isto estaria anotado nos mesmos.
Portanto não era isso.
Mas o que seria, então?
Ele curvou-se mais para a frente, para poder observar melhor a protuberância, que
lenta, mas visivelmente, estava saindo espaço a dentro. Ha não tinha a forma usualmente
observada, parecendo mais uma nuvem luminosa de gases incandescentes. Devia ter mais
de cem mil quilômetros de comprimento, com quase trinta mil quilômetros de largura.
Depois de ter atingido o ponto mais elevado de sua propagação, ela continuou
subindo.
Os olhos de Redhorse se apertaram. A nuvem agora teria que cair de volta para o
sol.
Mas não o fez.
Continuou subindo.
Redhorse lembrou-se das medições que haviam sido efetuadas. O campo de
gravitação do sol MR-775 era muito grande. Além disso ele tinha um campo magnético
considerável. Nenhuma protuberância poderia escapar desse campo.
Entretanto, era isto, exatamente, o que estava acontecendo!
Redhorse ficou sentado, sem se mexer. Era isto que ele estivera esperando
secretamente. Um acontecimento que fugia das normas estabelecidas. Aquela nuvem
luminosa parecia não conhecer qualquer força de atração. Ela zombava de todas as leis da
natureza, enquanto subia cada vez mais. Sua luminosidade, neste processo, ia
diminuindo, mas, ainda assim, continuava nitidamente visível. Sua velocidade devia ser
de muitos milhares de quilômetros por segundo, mas não tinha, de modo algum, a
velocidade da luz, como o chamado vento solar.
Chegou até a mudar de direção.
E agora Redhorse ficou alerta. Levantou-se de um salto, correndo ao
intercomunicador. Pediu que o ligassem com o professor Koch, o astrônomo de bordo.
Impacientemente esperou até que finalmente o rosto do cientista apareceu na tela de
imagem. Koch parecia ter estado dormindo, pois esfregava os olhos.
— O que é que há, assim, no meio da noite? Redhorse respirou fundo.
— Que conversa é essa de “noite”, professor? Vista alguma coisa e venha
rapidamente até a cúpula de observação. Tenho alguma coisa para o senhor. O senhor vai
ficar admirado, e num instante estará completamente acordado.
— Alguma coisa de astronomia? — na voz do cientista, de repente, havia um certo
interesse. — Estarei aí, dentro de dez segundos!
— Não é preciso exagerar! — admoestou Redhorse, mas a tela de imagem já estava
escura.
Koch devia ter cerca de oitenta anos, mas naturalmente ninguém lhe daria esta
idade. Os avanços no campo da medicina retardavam o processo de envelhecimento
consideravelmente. Hoje em dia os homens que chegavam a uma idade de cento e vinte
anos, e mesmo cento e cinqüenta anos, já não eram mais nenhuma raridade.
Hoje em dia — isso era dentro de cinqüenta e dois mil anos.
Redhorse voltou para o seu lugar, verificando que a nuvem luminosa mais uma vez
mudara de direção. Continuou afastando-se do sol, mas lentamente descreveu um círculo
que a colocava exatamente na órbita da KC-1, atravessando-a.
Redhorse começou a duvidar de que isso acontecia por acaso.
Koch veio correndo porta adentro. Estava justamente ajeitando o nó de uma gravata,
totalmente desnecessária, no pescoço, já que esquecera de colocar, antes, uma camisa.
— Onde é que está isso? — perguntou ele, quase quebrando a cabeça, ao bater com
a mesma fortemente na cúpula transparente.
— Isso...? — Redhorse silenciou, perplexo, porque, de repente, veio-lhe um
pensamento monstruoso, que tratou logo de afastar novamente. — Ó, a protuberância?
Ali, professor. Estamos justamente voando na sua direção.
Koch deu vazão, sem papas na língua, à sua decepção.
— Uma protuberância? É por causa de uma ridícula protuberância que o senhor me
tira da cama, major? Francamente...
— Não é uma protuberância comum, professor. Ha muda de direção e de
velocidade. E está vindo diretamente em cima de nós.
Koch olhou para Redhorse por alguns segundos, até finalmente entender o
significado de suas palavras. Sem dizer mais nada, ele olhou para fora, na direção
apontada.
A nuvem luminosa aumentara ainda mais de tamanho. Com isto ficara mais fina,
mas continuava perfeitamente visível. Agora já era claro que ela luzia de dentro para fora,
tendo luz própria, sendo portanto inteiramente independente do sol, no que dizia respeito
à sua luminosidade.
O professor Koch murmurava coisas ininteligíveis, para si mesmo, até finalmente se
virar.
— Isto não é nenhuma protuberância, major — disse ele.
— O que é, então?
Nenhuma resposta.
Koch correu ao telescópio, entrando desajeitadamente no assento. Redhorse ajudou-
o nisso, ligando imediatamente o direcionamento automático. O tubo do telescópio girou,
apontando diretamente para a nuvem luminosa.
Koch apertou o olho contra a ocular.
Para não ficar parado sem fazer nada, Redhorse também ligou as telas de
reprodução, que mostravam exatamente, em tamanho aumentado, aquilo que Koch via no
momento.
A nuvem consistia de matéria luminosa, mas com toda certeza não era uma
protuberância, no sentido normal. Agora ainda se encontrava afastada dez milhões de
quilômetros, pairando com absoluta certeza na direção do ponto de colisão. Quando Koch
ajustou um pouco melhor o telescópio, a ponta da nuvem tornou-se nitidamente visível.
A ponta de ataque...?
Pela primeira vez Redhorse teve a idéia maluca de que poderia tratar-se de um
ataque. Imediatamente afastou este pensamento, apesar de parecer um acaso muito
improvável, que a nuvem se comportasse de modo tão decisivo, visando o alvo. Mas isto
ainda não era certo. Dentro de exatamente dez minutos ela atingiria a órbita da KC-1 — e
seguiria voando pelo espaço.
Koch tirou o olho da ocular.
— Espantoso, realmente extremamente fora do comum. Estamos vendo uma coisa
que nem deveria existir. Acho que devia aconselhar-se com o Dr. Harrison. Ele é um
expert nessas coisas.
Redhorse olhou para Koch, sem querer acreditar. O Dr. Harrison era biólogo e um
expert em vida extraterrestre.
— Faça o que eu lhe disse — aconselhou Koch, de repente calmo e ponderado. —
O senhor não tem outra alternativa, que não a de reconhecer a realidade dos fatos.
— A nuvem... O senhor está querendo dizer...?
— Sim, ela é inteligente. Ela não apenas vive, mas também pensa. Isso pode-se
deduzir, sem erro, do seu comportamento. Pela primeira vez em nossa história nós nos
encontramos com energia inteligente.
Redhorse não respondeu. Foi até o intercomunicador, e mandou que o ligassem com
o biólogo. Harrison estava em sua cabine, lendo. Fez algumas piadas pertinentes, quando
Redhorse o informou sobre o que haviam visto no observatório, porém quando Koch lhe
explicou do que se tratava, ele esqueceu, inclusive, de desligar o intercomunicador.
Segundos mais tarde ele apareceu na cúpula.
— Onde está isso? — tossiu ele, atirando-se para o telescópio.
Koch deu-lhe o lugar, de boa vontade, contentando-se com as telas de imagem.
Redhorse continuou não dizendo nada. Olhou para fora, em direção à nuvem, que nos
minutos que haviam passado tornara-se ainda maior.
Harrison ficara imóvel, colado na ocular.
Entrementes a nuvem chegara à órbita da KC-1. Ela diminui sua velocidade,
girando sobre si mesma. Com isto, aparentemente, diminuiu de tamanho, mas isso era
apenas uma ilusão ótica. A ponta estava dirigida exatamente para a corveta, que voava ao
seu encontro.
Finalmente Harrison parecia ter visto o bastante.
— Não há dúvida — disse ele, tão sério como Redhorse jamais o havia visto —
trata-se de uma matéria viva, ou melhor: energia viva. Além disso, esta vida deve ser
inteligente. Ela pensa e age correspondentemente. Comporta-se como se estivesse
interessada em manter contato conosco — ele pigarreou. — O senhor sabe que minha
especialidade são formas de vida extraterrestres. Durante toda minha vida ocupei-me
disto, tendo publicado muitos livros a respeito. Já antigamente, em minha adolescência,
eu afirmava que devia haver inteligências que não possuíam um corpo material. Nós já
encontramos algumas dessas inteligências — certo. Mas jamais topamos com energia
viva e inteligente. E exatamente este será o caso, dentro de poucos minutos, se não
abandonarmos imediatamente esta órbita, desaparecendo daqui o mais depressa possível.
Aliás — acrescentou ele — eu lamentaria isso, profundamente.
— O senhor acha que essa “coisa” aí fora é perigosa? — perguntou Redhorse.
Harrison ergueu os ombros.
— Não tenho a menor idéia. Nós temos nosso campo defensivo hiperenergético,
que detém qualquer forma de energia. Não deixa passar nada. Nem mesmo aquilo ali.
Koch tomou Harrison pelo braço.
— Eu sou astrônomo, doutor, não sou biólogo. Nem tenho a sua sabedoria nesse
campo. O que é que eu devo imaginar como sendo energia inteligente?
Harrison lançou um olhar através das paredes transparentes da cúpula. A nuvem
luminosa aproximara-se ainda mais.
— Ainda temos algum tempo. Vou tentar explicar-lhe. Afinal, o que é inteligência?
Em primeiro lugar está o corpo, que consiste de matéria. Todo ser vivente dispõe de um
corpo. Portanto, se existe matéria inteligente — e também o homem nada mais é do que
matéria, provida de inteligência — também deve existir energia inteligente. Biólogos
terranos chegaram a essa conclusão, há muito tempo, mas sempre viam suas discussões,
sobre isto, apenas como teorias interessantes. Designava-se esta forma teórica de vida
como matéria luminosa viva. Uma expressão bastante inexata.
Na cúpula de observação não havia qualquer luz acesa, para não atrapalhar a visão
para fora. Mas pareceu a Redhorse que agora ficara mais claro. Ele seguiu os olhares de
Harrison e Koch. E sua antiga inquietação retomou.
A nuvem agora cobria praticamente todo o céu. E envolveu a nave. As estrelas mais
fracas empalideceram, como no alvorecer do dia, e só as maiores ainda brilhavam através
daquela luminosidade.
Redhorse foi até o intercomunicador.
Mandou que acordasse o Major Nowak-Mills, para que assumisse o comando. A
KC-1 foi colocada em estado de alerta.
— Acho que sua providência é desnecessária — disse Koch, inseguro. — Por que a
nuvem luminosa deveria significar perigo? Não creio que ela tenha intenção de atacar.
— Entretanto, ela se comporta como se fosse — disse Harrison e apontou para fora.
— Não apenas modificou sua direção, mas também ajustou a sua velocidade à nossa. Ela
agora está voando conosco em torno do sol, e envolveu inteiramente a nossa nave. Se isso
é possível de ser explicado com leis naturais normais, gostaria muito de ouvi-las,
professor.
— Visto sob o ponto de vista da astronomia, trata-se de um fenômeno inexplicável
— disse Koch, inseguro.
— Essa formulação nem me é estranha, nem original — zombou Harrison. E não
tirava os olhos da nuvem luminosa. — Estou muito interessado em saber se ela tentará
comunicar-se conosco.
— Ora, pare com isso, de uma vez por todas — gritou Redhorse, que pela primeira
vez em sua vida mostrava-se realmente nervoso. — Mesmo que se trate de energia viva
ou qualquer outro organismo luminoso vivente, isso não significa que o mesmo tenha que
ser inteligente. Talvez seja possível determinado processo de raciocínio, mas inteligência,
com discernimento e capacidade de planejamento... Não! Para isso, é preciso muito mais!
— Para isso é preciso mais, acha o senhor? — Harrison deu uma gargalhada sonora.
— O que — além de energia suficiente? E aquela nuvem aí fora tem mais energia à sua
disposição do que o senhor possa imaginar, comandante.
— Se a nuvem é inteligente, ela também é perigosa — concluiu Redhorse, ligando
novamente o intercomunicador. O Major Nowak-Mills atendeu. — Alerta para o
comando de fogo. Espere por novas instruções minhas. Mantenha-se junto dos controles
de propulsão.
— Entendido, sir. Deixo aberto o intercomunicador?
— Naturalmente. Mas não se preocupe com o que acontece aqui na cúpula. O
senhor o entenderia tão pouco quanto eu...
— Sir...?
Redhorse anuiu-lhe e voltou-se novamente para Koch e Harrison, que estavam
prestes a chegar a uma briga feia, devido a fenômenos inexplicáveis no interior da
nuvem.
E então ele ouviu, de repente, aquela voz.
Era uma voz telepática, isso Redhorse deduziu imediatamente. Pelas expressões dos
dois dentistas verificou que também eles recebiam a mensagem. Além disso a tela de
imagem mostrava também o rosto espantado do Major Nowak-Mills. Com isto, parecia
claro que todo homem a bordo da KC-1 podia ouvir aquela voz sinistra.
A voz dizia:
— Nós sabemos o que vocês pensam, e quem vocês são. Queremos agradecer-lhes
por terem vindo. Vocês significam a salvação.
O Dr. Harrison ficou estarrecido. O seu rosto iluminou-se como se acabasse de ter
tido uma revelação. Sua teoria se confirmara. Não podia mais haver qualquer dúvida de
que a nuvem luminosa era um ser vivente dotado de inteligência, que se comunicava
telepaticamente.
Tudo isto eram coisas que também Redhorse registrara, mas em primeira linha
verificou que não havia previsão de uma ação inimiga da parte da nuvem. Ao contrário.
A comunicação mental falava alguma coisa sobre salvação. Portanto aquele estranho ser
vivo estava em perigo.
Precisava de ajuda.
— Eu vou falar em voz alta — disse Redhorse para Harrison e Koch. — Ela,
certamente, também me entenderá assim — ele olhou para fora, onde a massa luminosa
batia contra o campo de proteção hiperenergético, sendo repelida, em ondas reluzentes.
— Quem são vocês? E como é que nós podemos ajudá-los?
A resposta veio imediatamente e podia ser entendida com perfeição.
— Nós somos nós. Mas que parede impenetrável é esta, que nos separa de vocês?
Vocês terão que removê-la, se quiserem ajudar-nos.
O Dr. Harrison devolveu o olhar inquiridor de Redhorse, e sacudiu a cabeça. Em
voz alta ele disse:
— De modo algum, major. O campo energético é nossa única proteção. A nuvem
concedeu que é incapaz de atravessá-lo. Uma comunicação telepática é possível — e isso
basta.
— O senhor acha que a nuvem é perigosa?
— Talvez.
Redhorse olhou novamente para fora. A massa luminosa não refulgia por igual, em
todas as suas partes. Ela parecia mover-se dentro de si mesma, ondeando de um lado para
o outro, como uma espécie de neblina. As formas dos redemoinhos, nitidamente visíveis,
modificavam-se constantemente. Repetidamente — pelo que Redhorse pôde observar —
esses redemoinhos quebravam-se contra o campo hiperenergético, para sempre resvalar
pelo mesmo, sem conseguir penetrá-lo.
— Nós temos que deixar a parede — disse ele aos seres luminosos. — Ela nos
protege contra vocês. Isto não é por desconfiança, mas nossas duas formas de vida são
diferentes demais. Um contato direto poderia matar-nos ou destruí-los. Expliquem por
que precisam de nossa ajuda.
— Nós somos energia e nos alimentamos de matéria. Nosso sol já teve quatro
planetas, mas isso já faz muito tempo. Desde então nós estamos famintos. Não há, neste
sistema, mais qualquer tipo de massa, e nós não conseguiríamos suportar o vôo até
alguma outra estrela. Vocês e nós poderíamos fazer uma troca. Vocês nos dão matéria,
nós lhes damos energia.
Harrison aproximou-se de Redhorse.
— Cuidado, major! Isso parece muito inocente, mas na realidade nós nos
encontramos com o maior perigo imaginável. Apesar disso, eu gostaria de estudar esta
forma de vida. Por outro lado, meu conselho é este: Vamos desaparecer daqui, enquanto
ainda podemos fazê-lo.
Koch se lastimava:
— Uma perda para a ciência! Que perda...
— Nós não deixaremos mais que saiam daqui!
Na tela de imagem do intercomunicador apareceu o rosto do oficial de comando de
tiro.
— Sir, talvez um tiro fosse a resposta acertada.
— Terá pouco sentido, capitão — disse Redhorse. — O ser coletivo consiste de
energia. Como é que poderíamos afastá-lo com energia?
Harrison disse, pensativo:
— Energia contra energia? Por que não? Afinal o homem é composto de matéria, e
é possível matá-lo com matéria, com uma bala, por exemplo.
Redhorse não respondeu. No seu lugar, entretanto, “falou” aquela estranha forma de
vida.
— Energia nada poderá contra nós, pois nós somos energia pura e vivemos de
energia pura — numa estrela. Mas se nós atacamos a sua matéria, alteramos a sua
estabilidade. Isto apressaria o nosso fim. Nós precisamos de matéria, de nada mais.
— E nós não podemos ceder matéria. Isso seria o nosso fim.
— Nós não os deixaremos mais sair daqui.
Esta era uma ameaça muito clara. Os seres de luz haviam tirado a máscara. Agora
suas intenções eram muito claras.
— Vocês não poderão nos impedir de fazê-lo — disse Redhorse. Ele fez um gesto,
chamando o Dr. Harrison. — Sim, doutor, o que é que o senhor acha?
— Quero pedir-lhe uma coisa, Major Redhorse. Quem sabe quando e se nós jamais
nos encontraremos novamente com esta forma de vida. Façamos uma experiência. Vamos
dar-lhes matéria. Com o canhão conversor.
Redhorse olhou-o, perplexo.
— Uma bomba? A troco de quê?
— Sem ignição, para que não detone. Uma bomba é matéria. Logo veremos o que
eles farão com ela. Só pode ser com o canhão conversor porque ele é capaz de transportar
massa através do campo hiperenergético.
— Compreendo — ele olhou novamente para fora. — Nós vamos dar-lhes um
pouco de matéria, mas somente tanta quanto pudermos dispensar. É uma bomba
inofensiva. Afastem-se de nós. Vocês não devem ficar perto demais.
Não houve resposta. A nuvem parecia decidida a não largar mais a presa que
conseguira envolver. Os torvelinhos luminosos envolviam a KC-1 como uma esfera
chamejante. Eles não recuaram nem um centímetro.
Com voz calma, Redhorse deu suas instruções. Na sala de comando de tiro uma
bomba foi desativada, antes de ser colocada no canhão conversor. Distância do ponto de
materialização: Quinhentos quilômetros.
Redhorse tinha suas razões para isso, mas nem ousou pensar muito nelas.
Depois ordenou a Nowak-Mills ligar os jatos.
— Vocês estão seguros! — finalmente mais uma mensagem telepática da nuvem
sinistra. — Vocês não poderão mais sair daqui. E também não poderão esconder-se
eternamente atrás do seu campo energético. Ele é de cinco dimensões, caso contrário
nós poderíamos penetrá-lo.
Redhorse hesitou em dar a ordem para disparar a bomba inofensiva. E disse ao seu
lugar-tenente:
— Experimente aceleração mínima, e depois informe o que acontece.
Segundos depois veio a notícia:
— Não acontece nada, sir. A nave permanece na órbita e não consegue deslocar-se.
Parece que estamos levando um planeta inteiro a reboque.
Redhorse fez um sinal para Harrison.
— Muito bem, nesse caso, vamos experimentá-lo.
O disparo da bomba através do campo hiperenergético não foi nenhum problema.
Ela desmaterializou e simplesmente foi teleportada através da zona de bloqueio. A
quinhentos quilômetros de distância da nave, ela voltou novamente ao espaço normal,
materializada — algumas toneladas de matéria. Uma mancha diminuta, escura, nas telas
de imagem.
Redhorse, Harrison e Koch ficaram olhando a nuvem energética brilhante, como
que hipnotizados.
A modificação começou imediatamente.
A notícia de que, em algum lugar em meio da nuvem, havia um pedaço de matéria,
devia ter-se espalhado com uma velocidade inconcebível. Nas telas de imagem era
possível ver como redemoinhos luminosos se concentravam em tomo da bomba,
envolvendo-a. E a quinhentos quilômetros de distância, o espaço ficava cada vez mais
claro.
— A nuvem está recuando — murmurou Harrison. — Provavelmente a massa da
bomba será transformada, controladamente, em energia — só assim a nuvem poderá
alimentar-se. A nuvem é um ser coletivo mas suas partes unitárias são egoístas. Dê uma
olhada...
E realmente era assim. O círculo externo da nuvem devia recear nada conseguir
daquele despojo. Ele pressionava para o interior — e de repente a KC-1 estava livre. A
aceleração começou imediatamente. A nave abandonou a órbita, afastando-se da nuvem
luminosa, que se aglomerava em torno da bomba, esquecendo a presa melhor.
— Desta escapamos — disse Harrison, aliviado. — Se a massa da bomba realmente
for convertida inteiramente em energia, deverá dar sustento suficiente para essa “coisa”.
Só não compreendo por que nada está anotado, nos mapas, sobre isso. Os arcônidas
certamente também já devem ter andado por aqui, alguma vez.
— Talvez a nuvem tenha morrido de fome, em quarenta mil anos — suspeitou
Redhorse.
A KC-1 afastou-se cada vez mais do sol amarelo, entrando numa nova órbita. Ainda
era possível distinguir a nuvem luminosa a olho nu. Ela se aglomerara, reduzindo-se, e
brilhava bem mais clara. Cintilava como um sol.
Koch correu para o telescópio. Ele estava firmemente decidido a observar o
fenômeno, por tanto tempo quanto lhe dessem oportunidade de fazê-lo. Harrison fez-lhe
companhia nisso.
Quando Redhorse deixou a cúpula de observação, a discussão entre os dois
cientistas já se inflamara.
Na sala de comando ele encontrou olhares aliviados. Todos estavam contentes por
terem escapado do perigo.
No silêncio, de repente, ouviu-se a voz agitada do chefe de radiocomunicações:
— Sir — contato de hiper-rádio!
Era Kasom.
— Redhorse — precisamos de sua ajuda! Venha imediatamente!
— Posição?
— Aí vão os dados e instruções...
Kasom falou durante dois minutos. Depois o receptor emudeceu.
Redhorse voltou à sala de comando com uma expressão impenetrável no rosto. Em
silêncio tomou lugar atrás dos instrumentos. Na tela de imagem continuava a ver-se o sol
e a nuvem luminosa resplandecente.
Segundos depois, ambos haviam desaparecido, enquanto a KC-1 entrava
velozmente pelo espaço.
6

Frasbur era alto e delgado. Sua pele tinha uma cor morena, aveludada, e os cabelos
muito negros eram ondulados e cheios. Ele era um homem que tinha uma incrível rapidez
para reagir.
He jamais vira Gucky, mas imaginou logo que ele pertencia aos terranos, que lhe
estavam dando tantos aborrecimentos. De modo algum ele cometeu o erro de subestimar
o rato-castor, cujos dons e capacidades ainda lhe eram desconhecidos. Mas, como Gucky
surgira aqui no Pavilhão Memorial, no mínimo devia ser um teleportador.
Lemy Danger ele não viu.
Gucky também possuía um tempo muito curto para reagir. Ainda antes de Frasbur
poder pegar na sua arma, ele já fechara o capacete, ligando o seu próprio campo
energético. Automaticamente o telecomunicador funcionou.
— Frasbur, se não me engano. Se alguma coisa aconteceu com aqueles três homens
ali na jaula, nem poderá imaginar o que o espera. Caso contrário, pode até ser que o
deixemos viver.
Frasbur entendeu cada palavra, pois Gucky falava na língua tefrodense. E Frasbur
era um tefrodense do tempo relativo, e não um lemurense ou um duplo.
Ele deu alguns passos para o lado, até colocar-se bem próximo da jaula reticulada
de transmissão. Sem sabê-lo, quase pisou em Lemy — invisível — mas este rapidamente
saltou para o lado.
— Os prisioneiros não são protegidos por um campo energético. Eu poderia matá-
los, agora, sem dificuldade, sem que alguém pudesse impedir-me de fazê-lo. Isto é uma
base para negociações?
Era uma base, isso Gucky teve que conceder.
— A morte dos prisioneiros de pouco lhe adiantaria, e muito menos aos senhores da
galáxia. Ao contrário: O senhor teria um monte de aborrecimentos, mesmo sem contar
comigo.
— Muito bem, o que quer de mim?
— Liberte os prisioneiros, e nós o deixaremos em paz.
Frasbur riu.
— Está impondo condições, quando sou eu que estou em posição melhor?
— As aparências enganam, Frasbur. O senhor não está em posição melhor, mas não
pode exigir que eu lhe ponha os meus trunfos sobre a mesa. Posso garantir-lhe,
entretanto, que não sairá são e salvo do seu esconderijo, com seu campo energético ou
não.
— Está blefando.
Gucky manteve-se aparentemente calmo. Ele sabia o que estava em jogo. Uma
observação errada, ou um movimento, e Frasbur podia matar Tako, Tronar ou Rakal.
Ninguém poderia impedir que o fizesse. Havia apenas uma única possibilidade de anular
o agente do tempo. Era preciso levá-lo a desligar o campo energético, que o protegia do
mundo exterior.
— Em seu lugar, eu não estaria tão convencido disso — declarou Gucky.
Frasbur olhou para os seus três prisioneiros. Continuavam deitados ali, imóveis,
mas conseguiam ver e ouvir tudo. Somente ele, Frasbur, conhecia o método, que os
livraria do hiperchoque. Mas nada o levaria a aplicá-lo.
— Como é que quer me obrigar a devolver os movimentos aos três terranos?
Acredita que seja capaz de manipular meus aparelhos? É o senhor que depende de mim,
confesse-o. E por isso mesmo terá que aceitar as minhas condições.
Por dentro, Gucky estava fervendo de raiva, mas controlou-se. Ele certamente
conseguiria levar Frasbur a cometer uma imprudência — para isso bastaria ter bastante
paciência.
Frasbur dirigiu-se até a grande parede com os controles e os telões de vídeo, com a
aparelhagem de comunicações. Apertou uma tecla, sem preocupar-se com o aviso de
Gucky. Ele sabia que ninguém poderia fazer-lhe mal algum.
Uma voz que parecia mecânica falou.
— Às suas ordens, senhor.
Frasbur sorriu, friamente, quando disse ao robô:
— Eu fui atacado no Pavilhão Memorial. Todas as saídas devem ser imediatamente
fechadas e guardadas. Ninguém pode sair, a não ser eu mesmo. Preparem a paradefesa.
Dez robôs de combate, imediatamente, ao Pavilhão Memorial. O intruso deverá ser
aniquilado — ele desligou e virou-se. — E agora?
Campos energéticos são uma faca de dois gumes. Frasbur conseguia mexer nas
instalações sem desligar o seu campo energético individual. Feixes energéticos passavam
de dentro para fora, mas jamais ao contrário.
— Vamos esperar — disse ele calmamente. — Há uma coisa que o senhor
esqueceu.
E então ele deu um pulo enorme, quando a porta foi aberta violentamente e os
guardas-robôs penetraram no Pavilhão Memorial. Imediatamente abriram fogo em cima
do rato-castor.
Gucky agiu com a velocidade de um raio, e exatamente conforme planejara. Fez uso
de seus dons telecinéticos.
Até mesmo um forte campo energético individual suporta apenas uma carga bem
determinada, depois ele acaba arriando. Quando penetra nele mais energia do que ele
mesmo devora para se manter, torna-se inútil.
Os tiros energéticos dos robôs eram dados completamente a esmo através do
pavilhão, sem encontrar um alvo. A força invisível de Gucky dirigiu os seus braços
armados numa outra direção, mas ele precisou de pelo menos dois minutos, até
finalmente ter todos os dez robôs sob o seu controle telecinético. Teve que concentrar-se
fortemente, e evitar, ao mesmo tempo, que um feixe de energia perdido, daquelas armas,
atingisse a jaula gradeada, com os mutantes imóveis.
Mas então as dez armas energéticas concentraram os seus raios no alvo que lhes era
ordenado.
No campo energético individual de Frasbur.
O agente do tempo ficou tão perturbado que quase não compreendeu em tempo o
que estava acontecendo. Ficou parado, como petrificado. O seu cérebro trabalhava e ele
logo reconheceu o tipo de perigo a que estava exposto. Um telecineta! Um telecineta que
obrigava os robôs a atacar o seu próprio chefe.
E dez feixes de armas energéticas, concentrados, eram demais até mesmo para o
campo energético individual de Frasbur.
O agente do tempo abaixou-se e passou correndo velozmente através das fileiras de
robôs, que não conseguiam reagir com a velocidade que Gucky gostaria que eles
tivessem. Ele atingiu a porta ainda aberta, correndo para o corredor. Gucky não podia
segui-lo, sem que os robôs imediatamente o atacassem.
— Lemy, atrás dele!
Ele não sabia se Lemy o escutara, e também não podia vê-lo. Somente pôde esperar
que o siganês invisível estivesse perseguindo Frasbur, sem perdê-lo de vista.
Antes de mais nada, teve que dar um jeito nos robôs, que se opunham, inutilmente,
contra a influência telecinética. Mas, por tempo indeterminado, nem um mestre telecineta
como Gucky seria capaz de pôr dez inimigos, ao mesmo tempo, em xeque.
No corredor, ouviam-se passos pesados. Que se aproximavam cada vez mais.
E então apareceram mais cinco robôs de combate, no Pavilhão Memorial.
Agora a coisa ficara séria para o rato-castor. Ele teve que usar de toda a sua
capacidade para não ser esmagado pela simples superioridade numérica. Mas por nenhum
dinheiro deste mundo ele agora teleportaria para colocar-se em segurança, deixando para
trás os seus amigos em estado de choque. Quisesse ele ou não, tinha que dar um jeito nos
robôs, tinha que vencê-los.
Os cinco recém-chegados abriram fogo, mas logo tiveram uma surpresa, com a qual
certamente não haviam contado.
Acabaram entrando no fogo cruzado dos seus próprios colegas. E como eles não
possuíam campos energéticos de proteção, o resultado foi devastador.
Dentro de apenas vinte minutos estavam incapacitados para qualquer ação, ou
inteiramente destruídos. Os seus destroços cobriam o piso do pavilhão e quase fecharam
o caminho para a fuga. Mas esta era a menor preocupação de Gucky, neste momento.
Ele ergueu dois dos dez robôs restantes do chão, e fez com que se atirassem, com
fúria total, em meio aos outros. Houve uma terrível confusão, e os feixes das armas
energéticas encontraram novos alvos. Quando Gucky retirou-se um pouco, para ganhar
novas forças, apenas quatro robôs de combate ergueram-se ainda, partindo para cima
dele, com as armas em riste.
Gucky esperou-os calmamente.
***
Frasbur corria pelos corredores, como se tivesse o demônio nos calcanhares.
E algo parecido era realmente o caso, só que o agente do tempo não o sabia. É que
Lemy ficara bem junto dele, esperando pela sua oportunidade.
A princípio esperou inutilmente. Frasbur nem pensava em desligar o seu campo
energético protetor.
O agente do tempo reconheceu ter cometido um erro. Apesar de todos os cuidados
ele subestimara o seu oponente, mas como é que ele poderia ter imaginado que o pequeno
estranho era teleportador e telecineta a um só tempo?
Este adversário não devia escapar-lhe. De qualquer modo, ele podia fugir e levar
consigo os estranhos paralisados. Os terranos certamente tinham conhecimento
suficiente, no campo médico, para eliminar os efeitos colaterais da hiper-transmissão.
Por isso ele tinha que fechar o Pavilhão Memorial hermeticamente à superfície, para
que os prisioneiros não pudessem ser seqüestrados.
Infelizmente ele não pensara em garantir o novo Pavilhão Memorial com uma para-
armadilha — um erro, conforme agora ficava demonstrado, os lemurenses possuíam este
tipo de instalação. Estavam estocadas em lugares seguros, mas podiam ser apanhadas a
qualquer hora e instaladas.
E era exatamente isto que Frasbur pretendia fazer.
No corredor, ele encontrou alguns robôs especiais. Deu-lhes a ordem de se
ocuparem imediatamente com o invasor do Pavilhão Memorial, e correu em frente.
Lemy continuou nos seus calcanhares. Além de tudo ele ligara sua aparelhagem de
vôo individual, já que não podia correr tão depressa. Assim ele pairava silenciosamente e
invisível atrás de Frasbur, que não se dava conta do seu estranho perseguidor.
O agente do tempo parou por um instante diante do elevador antigravitacional, com
o qual ele antes deixara o seu esconderijo e pelo qual também havia voltado. Depois
continuou, desta vez mais devagar. Chegou ao fim do corredor e parou novamente.
Uma parede de metal era tudo que se podia ver. Lemy convenceu-se imediatamente
que não se tratava de uma simples parede, e já o segundo seguinte deu-lhe razão.
Frasbur apertou com o pé num controle escondido, e a porta secreta deslizou para
dentro da parede oca do corredor. Fez-se uma abertura, suficientemente grande para que
Frasbur pudesse passar.
Antes de poder fechá-la novamente, Lemy também já havia passado.
O novo corredor tinha uma iluminação apenas suficiente e era bem mais estreito.
Frasbur mandara fazê-lo, para ter um caminho de fuga, mas, em primeira linha, para
poder surgir, a qualquer momento, sem ser esperado e notado, no espaçoporto e na
administração lemurense.
Ele não confiava nos lemurenses.
E sabia que eles também não confiavam nele.
Lemy não sentia o piso áspero, mas pôde ver pelo caminhar cuidadoso de Frasbur
que aquele corredor só era usado muito pouco. Continuava esperando por sua
oportunidade, e esperava que a mesma não demoraria a chegar.
E veio, quando Frasbur chegou ao fim do corredor.
Ele entrou no elevador antigravitacional, que imediatamente dirigiu-se para o alto.
Tudo ficou mais claro, e logo Frasbur estava dentro de uma espécie de guarita, parecendo
sem importância, como havia dúzias delas à beira do espaçoporto.
Os holofotes varriam o terreno, mergulhando-o numa luz que parecia dia. Por perto,
patrulhavam sentinelas, com as armas prontas para atirar. Eles parariam qualquer pessoa,
mas o deixariam passar, sem questioná-lo, o Grão-Mestre-Conselheiro da Terra. Frasbur
sabia disso e contava com isso. Agora não podia perder tempo. E se os técnicos
responsáveis pelas para-armadilhas estivessem dormindo, ele simplesmente teria que
acordá-los.
Naturalmente ele não poderia continuar andando por aí, protegido pelo seu campo
energético individual sem causar suspeitas. Teria que desligá-lo.
E o fez, ainda dentro da pequena guarita.
Lemy há muito tempo estava com a sua diminuta arma energética apontada para ele,
pronta para atirar. Ele a havia regulado de tal modo que apenas paralisaria uma pessoa,
sem matá-la. A paralisação duraria várias horas, caso não fosse injetado um antídoto.
Frasbur arriou como se tivesse sido atingido por um raio, quando o campo
paralisador o envolveu. Por sorte, ele não chegou a cair para fora da guarita, ficando
deitado sob sua proteção. Os guardas no espaçoporto nada notaram.
Lemy verificou que o adversário fora posto fora de combate, depois concentrou seus
pensamentos em Gucky e esperou que o rato-castor agora tivesse tempo para dar-lhe
atenção. E esperou.
***
Gucky ofereceu uma violenta batalha aos robôs do agente do tempo.
Secretamente ele sentiu pena que, além dos três mutantes paralisados, ele não
tivesse outras testemunhas, pois em sua opinião valeria a pena que esta luta fosse
registrada nos anais da história da humanidade. E no fundo, chegou até a divertir-se com
o que acontecia.
O piso do Pavilhão Memorial parecia um campo de ruínas após um violento ataque.
No meio daquilo tudo, de vez em quando mexia-se ainda uma ou outra peça de metal,
mas isso era tudo. Cada robô, que de agora em diante entrava no pavilhão, era
imediatamente exterminado por Gucky, com um tiro ou por telecinesia.
E então não apareceu mais nenhum.
Gucky trancou a porta. Ele agora podia ter certeza de que naquelas instalações
subterrâneas praticamente não havia mais um só robô. Foi até a jaula e olhou para aqueles
vultos imóveis no chão.
— Vocês podem pensar, portanto também podem me responder. De resto, está tudo
bem com vocês? Algum dano?
Tako respondeu por todos. Ele pensou:
— Tudo em ordem. Nossos sentidos trabalham normalmente, porém os nervos e
músculos estão paralisados. Frasbur pretendia levar-nos aos senhores da galáxia.
Dentro de uma hora. Tire-nos daqui, Gucky.
— Isso é fácil de dizer. Kasom e Redhorse esperam por nós. Lemy está tentando
liquidar Frasbur. Vocês têm que sair desse estado de paralisia antes que nós possamos
transportar-nos para um lugar seguro. Logo que eu tiver contato telepático com Lemy,
veremos...
Ele silenciou. Lemy o chamava. Ele paralisara Frasbur e esperava por ajuda.
— Logo estarei de volta. Não se preocupem, eu não demoro nada.
Ele localizou o lugar onde se encontrava Lemy e teleportou. Dez segundos mais
tarde rematerializou novamente do Pavilhão Memorial em ruínas. Colocou Frasbur no
chão e depôs cuidadosamente Lemy que tornara-se visível outra vez.
Na voz de Gucky havia satisfação.
— E então, Frasbur, o que me diz agora? Os seus robôs estão todos transformados
em sucatas, não valendo mais nada. Se a ligação de hiper-rádio com os seus senhores e
patrões ainda funciona, eu não sei. Mas sei que dificilmente ainda irá precisar dela. E
agora eu gostaria de pedir-lhe para libertar os três prisioneiros do seu choque. Está
preparado para isso?
Frasbur não podia responder, mas pensava.
E pensou um claro e categórico NÃO.
Gucky tirou-lhe os aparelhos que serviam para a formação do campo energético.
Aliás, tirou-lhe tudo que lhe pareceu suspeito. Deixou-lhe apenas o uniforme. Depois
injetou-lhe o antídoto, e poucos segundos mais tarde Frasbur estava novamente capaz de
agir. Mas isso não lhe adiantou muito. Lemy mantinha a sua arma constantemente
apontada para o agente do tempo.
Gucky procurou nos seus bolsos e tirou de lá um tubinho de comprimidos. Colocou-
os na sua mão espalmada e olhou-os quase que amorosamente.
— Uma droga dos diabos, que nossos químicos acabaram inventando! Na realidade
não é possível imaginar que estas pílulas possam ter um efeito tão destrutivo. E ainda por
cima, tão rapidamente! Até mesmo um sáurio esqueceria, em poucos minutos, que pesa
algumas toneladas. Aliás, ele esqueceria tudo. Como um ser humano. Só que o efeito nos
seres humanos é bem pior, porque eles, afinal, possuem uma coisa que se pode destruir.
Ou seja, um cérebro.
Ele olhou Frasbur, do alto, pois o primeiro estava acocorado no chão.
— Não entendo uma só palavra — disse Frasbur teimosamente, apesar de Gucky ter
dado indicações suficientes. — Que comprimidos são esses?
Gucky segurou o tubinho contra a luz indireta do teto.
— Pílulas para retificação de circunvoluções cerebrais — disse ele, embevecido. —
É que, assim, os pensamentos fluem mais facilmente.
Frasbur olhou-o sem entender.
— Como? — perguntou ele, perplexo.
— Ora, é muito simples. Mas, afinal, o senhor é leigo, ia me esquecendo disso.
Bem, como é que eu conto isso a meu filhinho? Bem, o que acontece, para expressá-lo
com o máximo de simplicidade, é que, uma vez que não há mais circunvoluções, os
pensamentos passam com uma velocidade tamanha pelo cérebro, que o mesmo não tem
mais tempo algum para armazenar lembranças. E agora, deu para entender?
Frasbur já não olhava mais Gucky, sem entender, mas bastante assustado.
— O senhor está querendo me roubar a memória?
— Não apenas isso — disse Gucky, indiferente, abrindo o tubinho. Tirou logo dois
comprimidos, colocando-os na palma da mão, e olhando em volta, como procurando
alguma coisa. — Um pouco de água talvez fosse bem melhor, pois então elas não seriam
tão amargas. Ora, isso com a retificação, com o endireitamento, digamos assim, das
circunvoluções cerebrais, nem seria tão terrível. Mas a droga tem um efeito ainda mais
profundo, meu amigo. As lembranças existentes permanecem. Portanto o senhor vai
contar-nos tudo que sabe até este momento. Como, por exemplo, também, como se livra
prisioneiros do seu estado de paralisia. E mais do que isso, aliás, nós não queremos saber.
Mas o que acontece depois, não lhe servirá para muita coisa. Essa droga de
endireitamento das circunvoluções cerebrais...
— Pare com isso! — gemeu Frasbur, horrorizado. — O senhor é o próprio
demônio!
— Muito obrigado pelo elogio. Mas eu lhe deixo em paz, se me revelar com nossos
amigos, ali na grade reticulada, as transformam outra vez em homens saudáveis e
lépidos...
— E se eu não o fizer — o que acontece então?
— O senhor é nosso prisioneiro e não tem nada que impor condições, mas eu posso
prometer-lhe que nada lhe acontecerá. De modo algum nós faremos experiências com o
senhor, nem tocaremos no seu cérebro.
Frasbur ficou refletindo. Depois balançou a cabeça.
— Muito bem. Eu vou ajudá-lo. Posso levantar-me?
Gucky leu seus pensamentos, e verificou, satisfeito, que Frasbur falava a verdade. A
perspectiva de transformar-se, para sempre, num idiota balbuciante, tinha sido demais
para ele. Ele agora mostrar-se-ia pronto a colaborar, e talvez, mais tarde, aproveitaria
uma oportunidade para fugir.
— Levante-se, mas nada de movimentos em falso. E ai do senhor, se fizer algum
mal aos prisioneiros! — Gucky ergueu o tubinho. — Nesse caso eu lhe faço engolir todo
o conteúdo de uma só vez, e poso garantir-lhe que, depois disso, em todo o Universo, não
haverá um imbecil maior que um certo Frasbur.
O agente do tempo ergueu ambas as mãos, num gesto defensivo.
— Se o senhor fosse telepata, saberia que estou falando sério.
— Se eu fosse telepata! — disse Gucky, indiferente. — Neste caso, eu também
saberia o que o senhor agora terá que fazer, para ajudar os prisioneiros, não é mesmo?
— Exatamente — concedeu Frasbur, sorrindo friamente.
Gucky verificou que o agente do tempo era cauteloso demais, evitando pensar nos
prisioneiros. Por meios telepáticos não era possível ficar sabendo o que era preciso fazer
para livrar Tako, Tronar e Rakal dos efeitos posteriores ao choque recebido.
Frasbur encaminhou-se à jaula reticulada, a qual, como por milagre, passara
incólume pela luta de titãs entre Gucky e os robôs. Olhou os prisioneiros, antes de virar-
se novamente, erguendo os ombros, e indo para o outro lado do pavilhão. A parede era
recoberta de controles e instrumentos de todo tipo. Alguns tiros energéticos haviam
causado enormes estragos.
— Tiveram sorte — disse Frasbur, puxando uma alavanca. Gucky estava bem junto
dele, com a arma energética pronta para disparar. — Eu agora vou produzir um campo de
transmissão especial, que envolverá completamente os homens em estado de choque.
Este é o método melhor e o mais rápido. Durante este tempo, eles ficam no transmissor.
Não demora mais de cinco minutos.
Gucky espiou nos pensamentos de Frasbur. Até agora, estava tudo certo o que dizia.
Ainda assim, cautela nunca era demais.
Mas também Frasbur foi cauteloso. Se havia telecinetas e teleportadores, por que
não haveria telepatas?
Mas nada é mais difícil do que não pensar em alguma coisa em que se tem que
pensar.
Somente por um único segundo Frasbur pensou na alavanca que puxara para fora, e
este pensamento estava relacionado com o conceito “errado”.
A alavanca certa era aquela que ficava-lhe à direita.
Gucky deu um salto para a frente, e empurrou a alavanca para trás.
— Estava querendo transportar os prisioneiros para algum lugar, Frasbur. Azar o
seu. Eles iriam desaparecer diante de nosso olhos, não é mesmo?
Frasbur recuou.
— Quer dizer que é mesmo telepata? Eu já imaginara.
— Então por que não agiu correspondentemente? Lemy, os feixes de paralisação.
Eu agora posso manipular sozinho estes controles aqui. Frasbur teve a gentileza de pensar
o tempo todo neles.
Frasbur arriou, estremecendo.
Gucky olhou-o por alguns instantes, depois colocou de volta, no seu bolso, o
tubinho de comprimidos, estudando o painel de controles. Com um puxão, ele apertou
para baixo a alavanca, na qual Frasbur fazia tanta questão de não pensar.
A grade do transmissor de repente começou a cintilar, iluminando-se com uma luz
azulada. Tako foi o primeiro a se mover.
— Falar eu anda não posso, mas isso logo virá. Foi a alavanca certa, Gucky.
Graças a Deus! — pensou ele.
— Eu sabia, caso contrário dificilmente ousaria ativá-la. Atenção, vou desligar
novamente. Espero que tenha sido o suficiente.
Mal o campo do transmissor havia sido desligado, Tako conseguiu falar. Tronar e
Rakal se mexeram.
— Já está dando para me mexer novamente. Eu temia que o efeito durasse por horas
seguidas — Tako ergueu-se devagar, hesitante. — Parece um milagre.
Gucky abriu a porta do transmissor.
— Muito bem, agora vamos ver se eu realmente fiz o meu cursinho de primeiros
socorros à toa. Bell está sempre dizendo que durante o mesmo, eu passei o tempo todo
dormindo, esse patife...!
***
Kasom terminara o seu passeio pelo vale, e durante todo o tempo pensara em
Gucky. Ele chegou a conversar, unilateralmente, com ele, descrevendo a situação. Como
não sabia se Gucky captaria ou não os seus impulsos, ele repetira a história pelo menos
uma dúzia de vezes. E agora a conhecia quase de cor.
No momento estava parado na entrada da gruta, olhando para o vale, lá embaixo.
Era uma vista bonita. Por cima estendia-se, infelizmente, um céu cinzento, e o sol
continuava pairando perto do horizonte. Do vale via-se apenas, ainda, o seu reflexo.
E então, de repente, houve um ruído atrás das costas de Kasom.
Ele pegou na arma e virou-se.
Gucky sorriu-lhe, divertido.
— E então, gordão, certamente ficou chateado, por aqui? Afinal, esteve pensando
uma bela baboseira, o tempo todo. Afinal, o que é que as moças de Rajika têm a ver com
a nossa missão...?
Kasom fez que não ouviu a pergunta.
— O que há com os outros? Onde está Lemy? Vocês os encontraram?
— Tudo em ordem, Kasom. Eu vou buscá-los. E também vamos trazer conosco um
lindo pacote — o agente do tempo Frasbur.
— E como é que vamos transportar tudo isso com o mosquito?
— Justamente! Entre em contato, imediatamente, com Redhorse, e ajeite isso. Que
ele se aproxime o máximo possível, depois nós teleportamos. Você pode calcular o
tempo. Redhorse vai precisar, com todo o cuidado, no máximo três horas até aqui. Mas
ele não deve pousar, isso seria perigoso demais. A distância também não quer dizer nada
se pudermos rastreá-lo. Se ele fizer uma comunicação de hiper-rádio durante três ou
cinco segundos, isso bastará. Para mim, como também para os gêmeos. Até que os
lemurenses dêem pela coisa, nós já teremos escapado. Logo estarei de volta com os
outros.
Kasom ainda quis dizer alguma coisa, mas Gucky já estava desmaterializando
novamente.
Kasom encolheu os ombros e entrou na cabine de comando do caça-mosquito.
Dentro de poucos minutos ele tinha estabelecido contato com a KC-1 e com o Major
Redhorse.
Depois, ele sentou-se diante de sua gruta e esperou.
Primeiro apareceu Tako com os gêmeos Tronar e Rakal. Ainda estavam exaustos,
mas fora disso, aquela aventura além do espaço e do tempo não parecia ter-lhes feito mal.
Gucky materializou com Frasbur pela mão e Lemy no bolso do macacão. O agente
do tempo, depois do tratamento recebido de Gucky, estava meio inconsciente e
inteiramente paralisado.
— Isso é bastante embaraçoso durante a teleportação — concedeu Gucky, mais
tarde, quando todos estavam sentados diante da gruta, olhando para o vale. — Talvez seja
melhor, Kasom, que você o leve consigo no caça. Ali ele tem lugar bastante e não
incomoda. Antes disso, nós ainda lhe aplicamos um campo paralisador, para que ele
durma. E quando ele despertar, já estará diante de Perry. E então ele logo abrirá a boca,
só com o susto.
— Pois eu sugiro que você o leve consigo — disse Kasom. — Quem sabe se eu vou
conseguir passar com o mosquito? — ele olhou o relógio. — Redhorse vai irradiar o
microssinal em exatamente duas horas e dez minutos. Precisamos estar preparados, pois
cinco segundos são desgraçadamente muito pouco tempo.
— São suficientes — disse Gucky. Ele olhou lá para baixo, para o vale, e nos seus
olhos, de repente, havia um brilho de saudade. — Aqui só cresce grama. Se eu me lembro
de minha horta em Terrânia, sinto água na boca. Já faz anos que os oficiais da
manutenção só me atiram cenouras congeladas, e ainda acham que, com isso, estão me
fazendo um enorme favor.
— Grama? Lembro-me que você também já comeu disso, certa vez — disse Tako.
— Isso foi no cumprimento do meu dever — retrucou Gucky, que não gostava de
ser lembrado do seu papel como lebre. Mas isso já fazia algumas centenas de anos. —
Tem um gosto horrível.
O tempo parecia passar muito lentamente. Tako e os gêmeos relatavam sua aventura
no hiperespaço. Especialmente o seu encontro com Harno e Ellert mereceu o maior
interesse de Gucky e Kasom. Lemy disse, finalmente:
— Que pena que eu não estava presente! E estes espíritos — ou seja lá o que eles
eram — quiseram convencer vocês a se tomarem um elemento energético do outro
Universo?
Gucky deu sua risadinha irônica.
— Ora, justamente você, Lemy! Eles dificilmente mostrariam interesse no
pouquinho de matéria que você tem para oferecer. Afinal, você mal daria força suficiente
para um barbeador elétrico.
— De qualquer maneira, você não pode negar que... — começou Lemy, mas
silenciou imediatamente, ao ouvir o ruído forte que penetrava na gruta.
— Desapareçam! — murmurou Gucky, jogando-se ao chão, de barriga para baixo.
— Procurem cobertura na gruta!
Eu vou dar uma olhada.
— Não seria melhor se eu...? — perguntou Lemy.
— Deixe isso comigo!
Enquanto os outros recuaram um pouco, Gucky empurrou-se mais para a frente, até
poder olhar para cima. Imediatamente descobriu os quatro planadores, que pairavam bem
próximos do cume da montanha e logo depois iniciaram a descida.
Parecia inteiramente como se fossem pousar.
— Era só o que ainda nos faltava! — disse Gucky, furioso. — O que é que eles vêm
procurar, justamente aqui? — ele verificou que se tratava de planadores
antigravitacionais bem comuns, dos que eram usados para transporte pessoal ou em
expedições. — Não parecem ter armas pesadas. Nós poderíamos dar conta deles, mas se
eles utilizarem o rádio, nosso esconderijo não valerá mais nada.
— Talvez eles nem estejam nos procurando — disse Kasom. — Em caso de
necessidade, vamos ter que surpreendê-los e liquidá-los.
— Isso já está me cansando — resmungou Gucky. Ele pensava na sua luta exaustiva
com os robôs. — Se nos mantivermos bem quietos, eles certamente não nos descobrirão.
Os quatro planadores pousaram. Alguns lemurenses uniformizados desceram e
começaram a discutir vivamente. Era possível ouvir suas vozes irritadas até na gruta,
mas, infelizmente, não se entendia nem uma palavra.
— Quem sabe agora eu poderia... — começou Lemy, mas foi imediatamente
interrompido por Gucky outra vez.
— Fique quieto! Está querendo chamar a atenção desses sujeitos para nós?
Lemy ficou quieto.
Os lemurenses pararam de discutir. Equiparam-se com alguns instrumentos e
marcharam na direção do pequeno riacho. Dois pilotos ficaram para trás, perto dos
aparelhos.
Lemy ligou o defletor e depois sua aparelhagem de vôo autônomo, mas isso os seus
amigos já não viram mais. Apenas sentiram uma leve brisa, quando Lemy saiu voando da
gruta.
Kasom disse:
— Redhorse já deve estar a caminho. Só espero que ele consiga passar pelas linhas
lemurenses sem incidentes. Eles vigiam aquilo muito bem.
Ninguém respondeu, e a conversa morreu novamente. Muito tensos, eles ficaram
observando os homens que haviam chegado ao riacho, tirando o equipamento das costas e
montando-o. Parecia muito o trabalho de um grupo de medições topográficas. Um dos
homens virou-se, repentinamente, batendo com a mão no ar. Depois sacudiu a cabeça,
disse alguma coisa aos seus companheiros, e começou a cavar no chão rochoso.
— Parecem garimpeiros à procura de ouro — disse Gucky, que ainda não
conseguira ler nada de significativo na mente daqueles homens e por isso estava
chateado.
— E são isso mesmo — ou coisa parecia — Lemy tornou-se visível novamente no
centro da gruta, pousando suavemente na rocha. — Eles estão à procura de algum metal.
Parece que ele existe aqui neste vale, pelo que eles puderam constatar com seus
instrumentos. Não precisamos ter medo deles.
— Mas se eu decolar, eles vão notá-lo — enfatizou Kasom. — Aliás, isso não tem
muita importância. Pois em poucos segundos terei Kahalo pelas costas.
— Garimpeiros! — resmungou Gucky, com desprezo. — Quem poderia imaginar
uma coisa dessas!
Kasom olhou o relógio.
— Mais dez minutos. Sugiro que nos aprontemos. O hiper-receptor está ligado. O
que acontece, quando o impulso chega?
Eles discutiram, mais uma vez, todos os detalhes.
Tronar e Rakal Woolver deveriam enfeixar-se imediatamente no hiperimpulso. Sem
perda de tempo eles rematerializariam na sala de rádio da KC-1.
Tako teleportaria junto com Gucky, levando consigo Frasbur ainda inconsciente.
Lemy não oferecia qualquer dificuldade, pois já estaria novamente metido no bolso de
Gucky. Apenas Kasom teria suas dificuldades pois, de modo algum, ele queria deixar
para trás o valioso caça-mosquito. Teria que tentar encontrar a KC-1 com ele. Se isso não
lhe fosse possível, teria que voltar, sozinho, para a Crest.
Cinco minutos.
Os lemurenses estavam justamente examinando as pedras que haviam encontrado
no leito do riacho. Eles estavam bastante ocupados consigo mesmos, e era duvidoso que
notassem o mosquito, quando este decolasse.
Gucky apanhou Lemy do chão, colocando no seu bolso.
— Segure-se, baixinho — aconselhou ele.
Depois pegou a mão flácida de Frasbur. Tako pegou na outra. Prendendo a
respiração, eles esperaram. Os capacetes estavam fechados.
Kasom estava sentado diante dos controles. Tronar e Rakal estavam parados, do seu
lado, esperando também pela microonda de rádio. Cinco segundos, para eles, era tempo
suficiente para enfeixarem-se na onda energética do impulso de rádio.
“Para mim é mais difícil”, pensou Gucky. “Mas se Tako me ajudar, e também
estiver concentrado no lugar exato, a coisa tem que dar certo.”
Kasom olhou para o alto-falante. Dele saía o chiado regular das interferências
cósmicas. Mas dez segundos, de acordo com o seu relógio.
E depois de exatamente dez segundos, ouve um clique no alto-falante.
O sinal combinado!
Depois de exatos cinco segundos ele emudeceu novamente.
Kasom virou-se.
Estava sozinho na gruta.
7

O Major Redhorse estava de pé entre a sala de comando e a sala de hiper-rádio,


quando o sinal combinado foi irradiado. Antes, ele tinha passado por uma agitada
perseguição e caçada através das linhas de vigilância lemurenses. Só podia agradecer ao
acaso ter conseguido livrar-se dos teimosos perseguidores, fazendo com que eles
perdessem o seu rastro.
Em queda livre a KC-1 caía na direção da superfície de Kahalo. Deste modo, um
rastreamento era praticamente impossível, a não ser que alguma nave lemurense estivesse
muito próxima.
A dois mil quilômetros de Kahalo, Redhorse ligara novamente a propulsão e
interrompeu a queda livre da nave espacial esférica. A KC-1 entrou numa órbita de
apenas poucos minutos. Nas telas de rastreamento apareceram, repentinamente, os
pontinhos dos perseguidores. E rapidamente ficaram maiores.
— Agora! — disse Redhorse.
O comando era desnecessário. O automático estava ligado há horas, e não precisava
de qualquer regulagem humana.
O impulso hiperenergético de rádio foi enviado.
Ainda antes de terminar havia, na KC-1, mais quatro seres humanos, além de um
rato-castor e um siganês. Todos eles materializaram na sala de radiocomunicações. Tako
perdeu o equilíbrio e foi ao chão, quando Gucky soltou o desmaiado Frasbur. Levantou-
se novamente, com alguma dificuldade, lançando um olhar de censura ao rato-castor.
Gucky repuxou a cara, com um sorriso de desculpas.
— Desculpe-me, Tako. Mas eu já tinha até esquecido o bom Frasbur — ele
aproximou-se de Redhorse. — Apresentamo-nos de volta da missão, major. E agora nada
mais que — disparar pelo centro!
— O que houve com Kasom?
— Está vindo por aí. Espero.
Redhorse olhou as telas de imagem.
— Realmente não temos outra alternativa, a não ser desaparecer daqui o mais
depressa possível. Dentro de poucos minutos isso aqui certamente vai ser um inferno.
Espero que Kasom ainda consiga passar.
— Ele vai conseguir — garantiu Tako, otimista. — Importante é que levemos
Frasbur até Rhodan. Ele vai tirar dele tudo que é importante para nós. Kasom — bem,
para falar francamente, eu não me preocupo absolutamente por ele.
Redhorse deu as instruções necessárias ao Major Nowak-Mills. A KC-1 iniciou
viagem e logo estava saindo, em aceleração máxima, da zona de perigo. Os lemurenses
iniciaram a perseguição, mas ficaram para trás, quando a nave espacial esférica
desapareceu no espaço linear.
A cerca de duzentos anos-luz distante de Kahalo a KC-1 voltou ao espaço normal,
para investigar a situação de Kasom. Os rastreadores trabalhavam com sua força máxima
e mostravam qualquer tipo de matéria numa circunferência de diversos anos-luz. Além
disso, Redhorse irradiou um microssinal de reconhecimento, mas não obteve resposta.
Também os rastreadores não revelaram onde estava o pequeno caça-mosquito.
Depois de duas horas, eles desistiram da busca.
Redhorse mostrava-se preocupado. Lemy e Gucky, que dormiram um pouco, eram
mais otimistas.
— Talvez ele tenha escolhido um outro caminho, para ter maior segurança. Nós
estamos numa rota direta para Redpoint. É bem possível que ele tenha escolhido uma
outra rota.
— É claro, pode ser — Redhorse não parecia muito convencido. Era dele a
responsabilidade de levar de volta para a Crest todos os participantes da expedição, sãos e
salvos. — Mas também pode não ser.
— Kasom! — disse Gucky, também não exatamente convencido. — Pelo que eu
conheço de Kasom, ele seria capaz de voar para a Crest até sem o mosquito. Dele, eu
espero qualquer coisa.
— Mas eu estou realmente preocupado — concedeu Lemy.
Gucky levantou os olhos para o teto.
— Eu também — disse ele, quase inaudivelmente.
Eles fizeram somente vôos lineares curtos, para sempre voltarem ao espaço normal,
onde podiam procurar por Kasom. Certa vez, descobriram, muito perto, diversas naves
dos lemurenses foram rastreados e perseguidos. Escaparam pelo espaço linear.
De Kasom não havia nenhum sinal.
Talvez a sua fuga tivesse falhado, e agora ele poderia estar esperando por ajuda, em
algum lugar, se ainda estivesse vivo. Ou então o haviam enfrentado e destruído sua
pequena nave espacial.
— Impossível — afirmou Lemy. — O potencial de combate do caça...
— ...nem sempre é decisivo — interveio Redhorse. — Se ele foi surpreendido pelos
lemurenses, talvez não pudesse safar-se com a rapidez necessária. Mas, acho que não faz
sentido quebrarmos a cabeça sobre isso. Vamos fazer mais uma interrupção, depois
voaremos diretamente para a Crest. Eu desembarco vocês ali, e depois volto para Kahalo.
Sozinho. Vou encontrar Kasom, ainda que tenha que virar todo aquele planeta de cabeça
para baixo.
Gucky silenciou, chateado. Ele não tinha nenhuma sugestão melhor para fazer.
— Mas eu vou também! — piou Lemy, que estava parado, de pernas abertas, em
cima da mesa de navegação. — Eu vou procurar meu amigo Kasom!
Gucky estendeu a mão, segurando Lemy na mesma. O anão debateu-se
desesperadamente, com braços e pernas, mas Gucky era mais forte. E com ele, pouco
adiantava o recorde de levantamento de peso de Lemy, no seu mundo de origem.
— Você vai encontrá-lo? Isso certamente me espantaria. Escute, você geralmente é
um menino muito inteligente. Eu gostaria de perguntar-lhe uma coisa. Quantos anos,
realmente, você tem agora?
— Cento e setenta... — gaguejou Lemy, espantado. Não sabia o que Gucky tinha
em mente. — Por quê?
— Você já vai ver. A sua raça — são terranos adaptados às condições ambientais,
certo?
— Certo. Para que isso?
— E desde quando existe uma raça de terranos adaptados às condições ambientais
no seu planeta-mãe?
— Desde cerca de trezentos anos. Por que pergunta?
— Ótimo, então, para terminar, uma última pergunta — Gucky colocou Lemy
novamente sobre a mesa. — Qual é a sua perspectiva de tempo de vida?
— Para que essa besteira toda? Qualquer um sabe que um siganês chega a
oitocentos ou novecentos anos de idade.
Gucky deu uma gargalhada sonora.
— E nunca ninguém lhe disse que você é um mentiroso? Como é que você pode
saber quantos anos vocês têm de perspectiva de vida, se existem há apenas trezentos
anos? Será que você poderia revelar-me isso?
Lemy olhou para o rato-castor, perplexo. No seu rosto havia uma ligeira sombra de
surpresa, mas só por alguns segundos. Depois ele disse:
— Nossos cientistas é que descobriram isso.
Gucky anuiu, zombeteiro.
— Não me diga? Gente competente, devo dizer. Certamente também eram
siganeses.
Lemy passeava de um lado para o outro, sobre a mesa.
— Acho que agora temos preocupações muito diferentes, se não me engano. Major
Redhorse, tome providências para que eu, a bordo de sua nave, não seja incomodado
mais que o necessário. E sobretudo que não me façam mais perguntas idiotas — ele olhou
para Gucky, atentamente. — Uma coisa que eu gostaria de saber: Que história foi aquela
com os comprimidos que você quis impingir a Frasbur? Retificação de circunvoluções
cerebrais... ou coisa parecida. Isso é coisa que nem existe!
— E claro que há circunvoluções cerebrais — retrucou Gucky, sério. E
maliciosamente, acrescentou. — Pelo menos em seres inteligentes.
— Estou falando dos comprimidos. Onde é que você arranjou essa droga?
Gucky levou a mão ao bolso da calça, retirando o tubinho. Segurou-o na mão
espalmada, e riu, irônico.
— Está falando disso aqui? São comprimidos para dor de dente. Coisa antiquada,
mas o que é que eu posso fazer? Todos os terranos ou têm uma prótese ou têm dentes
perfeitamente sãos. Mas quem é que me faria uma prótese? Portanto, tomo os
comprimidos quando ele me dói.
— Dê-se por feliz por ter apenas um só dente, pois desse jeito só podem arrancar-
lhe um só. E nisso, desde logo, desejo-lhe um bom divertimento — disse Lemy.
Gucky lançou um olhar demolidor para Lemy, mas depois sorriu, matreiro, e saiu,
bamboleando, da sala de comando.
— Muito bem, vamos em frente — disse Redhorse, fazendo um sinal com a cabeça
para o piloto-chefe. — Destino: Redpoint. Vôo direto para a Crest.
Algumas horas mais tarde Redpoint já podia ser visto a olho nu. O astro vermelho
foi avistado, logo que a KC-1 saiu do espaço linear, iniciando de imediato a manobra de
aproximação. Na ocasião Redhorse mandou irradiar uma rápida mensagem de hiper-
rádio, identificando-se a si mesmo e a sua nave.
Frasbur estava deitado na sua cabine, preso por algemas magnéticas. Estava
novamente consciente, mas insistia em silenciar, não respondendo a qualquer pergunta.
Tako, Rakal e Tronar já estavam novamente restabelecidos, esperando impacientes o
momento de poderem apresentar-se a Rhodan. O seu relato sobre o hiperespaço
certamente o interessaria.
Também Redhorse tinha seus problemas. O professor Koch e o Dr. Harrison tinham
feito um relatório quilométrico a respeito do seu encontro com o ser luminoso, recheado
de expressões técnicas e científicas. Uma pessoa normal dificilmente entenderia aquilo.
A Crest foi avistada.
Uma das escotilhas estava aberta, e a KC-1 pôde voar diretamente para dentro do
hangar. Quando a enorme eclusa encheu-se de ar respirável, Redhorse deu permissão para
abandonarem a nave.
Excepcionalmente Gucky, desta vez, cumpriu as determinações. Junto com os
gêmeos, Tako e Lemy ele entrou no hangar e esperou, até que dois oficiais trouxessem
Frasbur, prisioneiro. O agente do tempo mantinha uma cara impenetrável, porém os seus
olhos faiscavam de raiva.
A porta para o interior da Crest deslizou para um lado. Rhodan entrou no hangar,
acompanhado de alguns oficiais. Ele cumprimentou os que estavam regressando e depois
olhou longamente para Frasbur. Mas não disse uma só palavra. Os olhares dos dois
homens cruzaram-se por segundos, depois Frasbur baixou a cabeça.
Rhodan virou-se.
— Levem-no a um dos camarotes de segurança. Mais tarde falaremos com ele —
ele esperou até que os dois oficiais houvessem desaparecido com o prisioneiro. —
Redhorse, o senhor pode passar o comando da corveta novamente ao Major Nowak-
Mills. Todo o resto, discutiremos dentro de meia hora, no cassino dos oficiais. Eu os
espero ali.
Ele quis virar-se, mas Gucky foi mais rápido. Pegou Rhodan pela ponta do casaco
do uniforme.
— Na realidade nós queríamos apenas trazer-lhe, rapidamente, Frasbur, Perry. Nós
temos que voltar, uma vez mais a Kahalo, ainda que contra nossa vontade. Você não está
sentindo falta de ninguém?
Rhodan parou, voltando-se novamente. Atentamente, ao que parecia, ele olhou os
que estavam reunidos ali. Depois sacudiu a cabeça.
— Não, não sinto falta de ninguém. De quem eu deveria sentir falta?
Gucky tentou ler os pensamentos de Rhodan, mas ali encontrou logo aquele
bloqueio que não era possível penetrar.
O que é que Rhodan estaria escondendo dele?
— Sir, nós tivemos que deixar Melbar Kasom para trás. Tudo aconteceu com uma
rapidez tão surpreendente, e nós fomos perseguidos... — disse Redhorse.
Diante deles, na porta para o corredor principal, apareceu uma sombra gigantesca.
Kasom entrou no hangar.
— Mas não foram suficientemente rápidos — disse ele, bonachão. — Eu fui mais
rápido. Já faz horas que eu me encontro aqui na Crest, censurando-me terrivelmente por
ter deixado vocês para trás, tão abandonados e sozinhos. Eu estava justamente querendo
decolar — para ir buscar vocês — quando, de repente, chegaram.
Redhorse olhou para ele, aliviado e furioso ao mesmo tempo, mas não respondeu.
Lemy também silenciou. Ele esperou até que Kasom o apanhasse do chão, segurando-o
diante do seu rosto.
— E então, baixinho, você não fala nada?
— Eu estou muito contente em ver você aqui, gordão — murmurou Lemy,
emocionado.
Gucky não estava absolutamente emocionado.
Ele disse algumas coisas que, se fossem publicadas, aumentariam
consideravelmente o vocabulário dos terranos comuns. Só que, infelizmente, essas coisas
eram impublicáveis.
***
**
*

Três mutantes vivenciaram a Eternidade... Gucky


promoveu uma batalha contra os robôs — e com muita
sorte a tropa de choque conseguiu voltar para bordo da
Crest, trazendo com ela um prisioneiro: Frasbur, o
agente do tempo dos senhores da galáxia.
Frasbur será interrogado. O que o agente do
tempo dirá, de livre e espontânea vontade, ou mesmo
contra ela, levará a uma nova missão!
A Crest aproxima-se do sexto planeta da Vega — e
Perry Rhodan lança um Ultimato ao Desconhecido.
Ultimato ao Desconhecido é o título do próximo
volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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