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CAÇADA AO
AGENTE DO TEMPO
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A Crest tivera que abandonar o tempo real do ano 2.4O4.
O transmissor de tempo do planeta Vario catapultara ao
passado o ultracouraçado de Perry Rhodan, com toda sua
tripulação, por exatos 52.392 anos — e de volta à Via Láctea.
Na fase mais importante de suas operações, entretanto, os
senhores de Andrômeda não obtiveram êxito: Não conseguiram
mandar destruir a nave-capitânia da Frota Solar, quando esta
ressurgiu sobre Kahalo.
Os comandantes da Frota Lemurense de Vigilância foram
enganados, e a Crest pudera ser colocada em segurança.
Porém esta segurança é ilusória, uma vez que os terranos
do passado — que se dizem lemurenses — são inimigos dos
terranos do tempo do Império Solar, e também os halutenses,
naquele ano de 49.988, antes da virada do tempo, combatem
ferozmente todos os seres humanos.
Todos os caminhos para fora deste tempo hostil e de volta
ao Império Solar do ano 2.4O4 foram eficazmente obstruídos
para a Crest — por Frasbur, o agente dos senhores da galáxia.
Porém nem mesmo Frasbur, apesar do seu imenso poder
de retaliação, pôde impedir que os cavalgadores de ondas
Tronar e Rakal Woolver se juntassem a Reginald Bell, iniciando
no tempo real uma operação decisiva denominada Caçada ao
Agente do Tempo.
No primeiro instante, Tronar, Rakal e Tako não sabiam que tinham caído na
armadilha.
O Pavilhão Memorial estava vazio. Frasbur fugira, procurando um novo esconderijo
para si, Isso não tinha nada de especialmente inquietante. A procura teria que recomeçar,
e certamente acabariam por encontrá-lo.
Desta vez Tako disse em voz alta:
— Gucky está nos fazendo falta. Ele descobriria Frasbur telepaticamente. E então
nós teleportaríamos e ele seria agarrado.
— Sim, se ele estivesse aqui! — Tronar olhou em volta, como procurando alguma
coisa. — O que nos faz falta agora é uma ligação de rádio com o agente do tempo. Nós
poderíamos nos enfeixar, e estaríamos diante dele. Até mesmo se ele estivesse no futuro.
Rakal olhou para o teto.
— Essas coisas, ainda há pouco, já estavam ali? — perguntou ele.
Todos olharam para cima.
O teto do pavilhão vazio, bem abaixo da superfície de Kahalo, era nu como as
paredes. Ele havia sido fundido, das rochas primitivas, e recoberto com uma camada de
plástico. Eles, até então, haviam pensado muito pouco nisso. Mas viram imediatamente o
que é que Rakal queria dizer.
Barras de metal brilhantes, prateadas colocadas num espaço de meio metro entre si,
sobressaíam do teto poucos centímetros, formando um quadro retangular. O mesmo
englobava toda a gruta. Parecia como se fosse o começo de uma grade, que vinha
descendo para prender alguém.
Porém as barras não se movimentavam. Permaneciam firmemente embutidas.
Tako disse:
— Estas barras não estavam aí antes — sei disso com toda certeza. Estive olhando
para o teto, por isso posso afirmá-lo.
Rakal franziu a testa.
— Isso me cheira a encrenca. Nós disparamos uma coisa, aqui, que pode ser muito
ruim para nós. Talvez alguma aparelhagem de alarme, que denunciará a Frasbur que
alguém penetrou no Pavilhão Memorial abandonado.
— Acho melhor sumirmos daqui — sugeriu Tako.
Entretanto, antes deles terem oportunidade para isso aconteceu outra coisa.
Das pontas das barras prateadas de repente saíram feixes de uma luz muito branca,
penetrando exatamente na vertical no chão. Só agora os três homens notaram que também
no piso ocorrera uma modificação. Onde antes nada havia, rebrilhavam pequenos pontos
de contato. E era sobre estes que incidiam os feixes de luz branca. Formando uma grade
reticulada.
— O espaço é suficientemente grande — nós podemos passar — disse Tronar, mas
havia insegurança na sua voz. — Entretanto eu não me atreveria a me enredar nessa
corrente energética.
Rakal aproximou-se da retícula de luz, mas já a meio metro de distância ele parou,
como se tivesse topado com algum obstáculo invisível.
— Não consigo ir adiante. Os raios de luz — ou seja lá o que for — parecem uma
parede. Nós estamos trancados. Numa armadilha desgraçadamente muito esperta. E
agora?
— É só ficar calmo — admoestou Tronar, que não se mexa do lugar. He levantou os
olhos para o teto. — É uma grade energética, se não me engano. Mas bem diferente das
que nós conhecemos. Certamente a mesma não é destinada simplesmente para nos reter
aqui.
— Que outra finalidade poderia ter? — Rakal voltara para o centro do pavilhão. —
Que outro destino ela poderia ter, então?
De repente Tako empalideceu.
— Esperem aqui — disse ele, insistente. — Preciso descobrir uma coisa. Se eu tiver
sucesso, estaremos seguros. Caso contrário... — ele silenciou e ergueu os ombros.
Eles viram que ele se concentrou para o seu salto teleportador.
Tako desmaterializou — mas apenas pela fração de um segundo. Depois ele estava
estendido no meio do pavilhão, no chão, contorcendo-se em dores. De repente ele
estremeceu, e ficou muito quieto.
Tronar correu até ele, abaixando-se.
— Ele está inconsciente. Portanto, nem mesmo um teleportador consegue sair
daqui. Diabos! Nós estamos metidos numa bela enrascada!
Eles cuidaram de Tako, que logo voltou a si.
— É uma espécie de campo energético, um bloqueio de energia — disse ele — pois
as linhas do campo são energeticamente afins com o espaço de cinco dimensões. Mas é
de um tipo estranho — apesar do mesmo me parecer conhecido. Onde é mesmo que há
desses campos energéticos...?
— Raciocine com muita calma. Caso nós o soubermos, talvez possamos sair daqui.
Tronar começou a andar de um lado para o outro do pavilhão, sem aproximar-se
demais da grade. Eles notaram que as barras prateadas desciam cada vez mais do teto,
aproximando-se dos pontos de contato no piso. Logo eles não estariam presos apenas
pelo campo energético, mas também pelas grades metálicas.
— Poderia ser uma espécie de transmissor de matéria — disse Tako, de repente.
— Um transmissor? — Rakal olhou, espantado, para Tako. — Nesse caso, estão
querendo transportar-nos para algum lugar, sem nos matar imediatamente. Isso já é um
consolo, pelo menos.
As barras tocaram o chão. Os feixes de luz branca se apagaram.
Mas no mesmo instante rebrilhou uma luz verde, que encheu todo o recinto. A
mesma saía das barras prateadas e parecia uma parede. Tako nem chegou a experimentar,
pois tinha certeza que uma teleportação agora seria tão inútil como antes.
— Um transmissor, disso não pode haver mais a menor dúvida — repetiu Tako. —
Mas receio que não se trata de um transmissor comum. Um deste tipo, nós ainda nunca
encontramos. Temos que esperar para ver o que vai acontecer daqui por diante. Eu,
sinceramente, não tenho a menor idéia.
Rakal opinou:
— Que tal eu tentar me enfeixar? Talvez esta seria uma solução...
— Uma solução muito incerta, Rakal — Tronar sacudiu a cabeça. — Tako,
infelizmente, tem razão. Não podemos fazer outra coisa que não esperar. Se Frasbur quer
alguma coisa da gente, ele naturalmente vai aparecer.
Mas Frasbur não apareceu.
Ainda não.
Aconteceu uma coisa diferente, e com isto nem um dos três homens contava.
Aconteceu uma coisa que era totalmente impossível e para o que, de princípio, não havia
explicação.
Tronar, Rakal e Tako desmaterializaram, porém a sua consciência continuou
mantida. Eles viam e escutavam e sentiam tudo, mas já não tinham mais um corpo.
Somente o seu espírito, sua consciência, existia. Mas conseguiam reconhecer-se
mutuamente — formas que brilhavam fracamente, que se modificavam constantemente,
mas ainda assim permaneciam humanóides.
Ao mesmo tempo eles se movimentavam em grande velocidade através do espaço e
— conforme só ficaram sabendo mais tarde — também através do tempo.
A armadilha era um transmissor espácio-temporal.
***
Quando Tako teleportava, ele se diluía inteiramente e não sabia nada a respeito do
salto propriamente dito. Somente chegado ao destino ele rematerializava novamente e
conseguia de volta sua capacidade de pensar.
Para ele, esta nova experiência era especialmente impressionante e inquietante. Ele
viu a si mesmo e aos gêmeos pairar para fora da grade energética, atravessar o teto — e
mergulhar na noite de Kahalo.
O planeta ficou rapidamente para trás, quando eles, com uma aceleração
inimaginável, avançavam por entre o mar de estrelas, logo perdendo toda e qualquer
orientação.
Pela modificação do sol próximo, Tako pôde observar que eles se aproximavam da
velocidade da luz. Mas as estrelas não empalideciam, continuando nitidamente visíveis.
— Mas isso é impossível! — disse ele, e não ficou admirado quando uma daquelas
formas de luz pairou para mais perto dele, dizendo:
— Mas nós o estamos vivenciando, Tako! Não temos corpos, mas podemos pensar,
ver e falar. Ainda existimos, e isto no espaço normal.
— Isso se modificará tão logo ultrapassemos a velocidade da luz — raciocinou
Tako.
E ele tinha razão.
A transição veio acoplada com uma sensação de dor, que eles jamais haviam
sentido nesta forma intensa, mas não durou mais de uma fração de segundo. Logo foi
substituída por uma sensação de bem-estar, que imediatamente fez com que eles se
esquecessem de todos os terrores.
As três formas luminosas pairavam no nada, aparentemente sem velocidade e sem
qualquer peso. As estrelas continuavam visíveis, mas começaram a se aglomerar e
continuavam brilhando apenas fracamente agora, como se a sua luz tivesse que passar por
uma grossa vidraça ou através da água.
E então as estrelas, na sua massa, formaram um desenho definido e muito conhecido
dos homens.
— Isto é inconcebível! — gemeu Tako, quando conseguiu refazer-se do seu susto.
— E a nossa Via Láctea!
— De uma distância de pelo menos duzentos mil anos-luz! — confirmou Tronar,
perplexo. — Já não estou entendendo mais nada.
— Que transmissor é esse? — queria saber Rakal. — Um transmissor que não nos
leva de um lugar para outro, mas que nos faz pairar, plenamente conscientes, em pleno
cosmo?
Para estas suas perguntas não havia respostas.
A Via Láctea diminuía cada vez mais em tamanho, até tornar-se apenas um disco
muito fino, oval, que pairava, na sua brancura leitosa, no negrume do espaço. Depois
juntaram-se a ela outros discos, alguns estreitos, outros largos. Entre estes, apareciam
simples pontos luminosos, porém a imensa distância através da qual eles enviavam a sua
luz deixava transparecer que também eles consistiam de uma aglomeração de muitos
milhões de estrelas.
— Milhares de vias lácteas — disse Tako finalmente, e a sua voz sem som foi
entendida pelos outros novamente. Eles a escutavam, apesar de, aqui, no Nada, não poder
haver qualquer som. Mas eles também se viam, apesar de não haver qualquer luz.
Somente a luz das estrelas, e esta ficava a distâncias imensas, infinitas. — Nós podemos
ver o Universo inteiro.
— Eu gostaria de saber como é que vamos voltar novamente para Kahalo — disse
Rakal. — Ou será que querem que a gente morra de fome por aqui?
— Ninguém vai sentir fome — profetizou Tako. — Nem sede.
— Mas nós sentimos a dor, quando ultrapassamos a velocidade da luz.
— Não foi uma dor física, mas espiritual — ensinou Tako, como se soubesse de
todas estas coisas muito bem. — Nós só somos, ainda, espírito, ou se quiserem, ainda só
energia. Seres energéticos, é isso!
Eles silenciaram, perplexos, quando entenderam o que Tako afirmava. Seres
energéticos! Seres de energia pura! E como haviam ultrapassado a velocidade da luz, eles
deviam estar num outro espaço. No espaço linear! Ou no hiperespaço.
Também estariam num outro tempo?
Tronar fez a pergunta, mas não obteve resposta.
As vias lácteas pareciam agora apenas simples estrelas, aglomerando-se cada vez
mais. As distâncias entre elas, muitas vezes mais de um ou dois milhões de anos-luz, se
fundiam. E já as vias lácteas, elas próprias, começaram a formar um desenho, que em
absoluta atenuação permanecia sozinho no Universo. Assim como antes as estrelas
formavam uma galáxia, agora as galáxias transformavam-se numa unidade.
O que era esta unidade, e como é que ela se chamava?
A forma era difícil de ser descrita, apesar de já ser possível reconhecê-la. Talvez
uma espécie de fita entrelaçada parecida com uma faixa de Moebius...? Sim, devia ser
isso. O Universo era infinito, já se afirmava antigamente. E se formos passear numa faixa
de Moebius jamais chegaremos ao fim da faixa.
— Aquele lá é o nosso Universo — murmurou Tako, emocionado. — Ele consiste
de muitos milhões de vias lácteas. Todo o nosso Universo paira no Nada, no Nada
Absoluto. Ainda que consigamos visitar outras galáxias — jamais vamos conseguir
deixar o nosso Universo. As distâncias tornam-se não somente inconcebíveis, mas
simplesmente infinitas. Só existe o nosso Universo, nada mais.
Tako parecia ter razão. Cada vez menor tornava-se a fita entrelaçada no Universo
familiar, mas o mesmo continuava a pairar sozinho no Infinito. Na sua parte mais estreita
a faixa leitosa devia ter um diâmetro de cinco bilhões de anos-luz, mas certamente devia
ter um total de trinta bilhões de anos luz de comprimento, incluindo a faixa.
— Por que Frasbur está nos mostrando isso? — perguntou Tronar. — Por que ele
nos mostra uma coisa que jamais foi vista por algum de nós? O que é que ele pretende
conseguir com isso?
— Talvez ele queira apenas nos mostrar o quanto somos pequenos — Tako teria
feito um gesto com a mão, se tivesse mãos. — Ele quer nos deixar claro o quanto nós
terranos petulantes, ao tentarmos estender as mãos para outras galáxias. Esta certamente
seria uma explicação.
— Neste caso, está querendo dizer que, aquilo lá, é apenas uma ilusão, uma
mistificação?
— Não, de modo algum. Nós estamos vendo a realidade. A questão é apenas esta:
Quando a estamos vendo? Tal como era, como é — ou como será?
— E por que esse véu nebuloso, leitoso?
— Não se esqueçam que estamos no espaço linear — ou qualquer outro nome que
lhe queiramos dar. Alguma coisa nos separa do Universo normal. Nós o deixamos para
trás. Mas... — de repente Tako silenciou. Olhou para o Infinito, e os outros viram a
mesma coisa. De todos os lados novos pontos luminosos insinuavam-se para dentro do
espaço negro — outros Universos. Tinham a mesma forma do primeiro — o próprio. A
distância de uma faixa para a outra devia ter, em média, quinhentos bilhões de anos-luz.
E entre uns e outros não havia nada.
Absolutamente nada!
Rakal foi o primeiro a reconquistar a voz.
— Os outros Universos! O nosso é apenas um entre muitos. Que estruturação da
matéria! Como é inconcebivelmente grande e imenso tudo isso — e ainda assim, apenas
o começo. Agora eu começo a acreditar que nada surgiu por acaso, nem os planetas e
luas, nem os sóis, as vias lácteas ou os Universos. Tudo é muito coerente, dentro de leis
definidas, muito bem meditado, pensado. Não existe o caos, não há confusão
indiscriminada. Existem leis que nós, talvez, jamais entenderemos. Realmente, nós somos
pequeninos. Somos infinitamente pequenos, assim como o mundo em que existimos é
infinitamente grande. E onde fica, nisso tudo, o limite, se é que existe algum?
Entrementes os Universos haviam se aproximado mais uns dos outros. Por enquanto
ainda pareciam pairar, independentes entre si, no Nada, sem pretender estabelecer um
contato, mas os três homens pressentiam que o fenômeno de ainda há pouco se repetiria.
De ainda há pouco?
— Com que velocidade, aliás, nós devemos estar nos movendo, para podermos
observar tudo isso? — perguntou Tronar.
Tako falou:
— Com uma velocidade que não podemos mais expressar em palavras. Talvez,
entretanto, não seja apenas a velocidade que nos permite vivenciar tudo isso. Talvez
estejamos simplesmente caindo através do tempo e podemos ver os movimentos dos
Universos. Eu não sei. Aliás, eu não sei mais nada.
— Está se formando uma esfera, olhem lá!
Tako e Tronar olharam. As diminutas faixas luminosas entrelaçadas dos Universos
haviam se aglomerado ainda mais, formando uma esfera de luz. A distância entre os
diversos Universos isolados mal ainda podia ser distinguida. Naquela esfera devia haver,
reunidos, avaliando-se a grosso modo, um bilhão de Universos — e, elevado a um bilhão,
o número de galáxias.
A esfera pairava no Nada, envolta num anel luminoso, irradiante. Quase como um
sol, observado de uma distância de poucos minutos-luz. O círculo se fechara.
Além da esfera luminosa de Universos não havia nada. Tudo estava escuro e negro,
e sem qualquer luz. Os três homens continuavam pairando como num mar, três figuras de
luz, fantasmagóricas.
E então, de repente, havia quatro.
— Eu sabia que nós nos encontraríamos.
Tako notou que o novo corpo de luz também tinha formas humanóides, mas estas
pareciam mais estáveis do que as suas próprias. O estranho pairou para mais perto deles,
mas não tinha face. Tako não sentiu mais nenhum medo, apenas uma indescritível
curiosidade.
— Quem... o que é você?
— Você, Tako, me conhece. Tronar e Rakal Woolver nunca se encontraram
comigo. Meu nome é Ernst Ellert.
Ellert!
— Ellert está morto — disse Tako, calmo. — Pelo menos, ele já não existe mais em
nosso Universo.
— A mesma coisa também acontece com você — ou já se esqueceu disso?
Tronar e Rakal conheciam a história — jamais bem esclarecida — do
teletemporário Ernst Ellert, cujo corpo morreu, mas cujo espírito sempre regressava.
Sabiam que ele era amigo de Perry Rhodan. Timidamente eles evitaram um contato com
aquele ser misterioso, sem aliás saber se aqui poderia acontecer qualquer tipo de contato.
— Onde é que nós estamos? De onde você vem? — perguntou Tako.
— Vocês três e eu — nós somos quase um componente energético do hiperespaço e
com isto desprendidos de todas as leis conhecidas da natureza. Os seus corpos se
transformaram em energia — uma prelibação no desenvolvimento de todas as raças
inteligentes. Tudo se transforma, no correr do tempo, em energia — também o Universo.
Vocês não precisam explicar-me nada, conheço seus pensamentos e suas lembranças.
Mas, ao contrário, vou ser obrigado a ficar-lhes devendo uma explicação. Ela de nada
lhes adiantaria, pois não a entenderiam.
— Aquela esfera ali — a esfera de bilhões de Universos — disse Tako, lentamente
— esta é a forma definitiva? Ou ainda existem mais? Existem mais esferas? Ellert! Qual
é o tamanho disso tudo? Afinal, onde é que termina o Infinito? Naturalmente deve haver
um fim, assim como também o tempo tem um fim.
— Onde começa o círculo, Tako? Onde fica o centro na superfície de uma esfera?
Onde fica o centro do Infinito? Tako, jamais você o entenderia, ainda que eu tentasse
explicar-lhe tudo. Aquela esfera luminosa ali — ela é o nosso Universo principal. O
seguinte fica a uma distância tão grande de nós que a sua luz ainda não nos alcançou.
Talvez ela o faça, dentro de alguns trilhões de anos. Mas não creio que o faça. A maioria
dos Universos movimenta-se com a velocidade da luz — para dentro disso que você
chama de Infinito. E o fazem desde o começo dos tempos. E continuarão a fazê-lo até
quando já não mais houver tempo — até que também o tempo tenha se transformado em
energia. Tudo está em vias de transformação, de transubstanciação, Tako. Inclusive os
seres humanos.
A esfera luminosa do Universo principal aumentou de tamanho. Suas partes
unitárias tornaram-se novamente visíveis. Os Universos separavam-se novamente. Era o
movimento contrário àquele havido anteriormente. Os seres energéticos caíram de volta
ao Universo principal.
— Eu já não entendo mais nada disso — concedeu Tako. — Como é que você
conseguiu encontrar-nos nesta imensidão, no Infinito?
— Está se esquecendo que o tempo é como um rio, no qual eu posso nadar, à
vontade, para cá e para lá. Eu sabia que vocês viriam. Sei também que desaparecerão
novamente. Antes, entretanto, ainda irão encontrar-se com outro — com um outro
peregrino no tempo e no espaço. Ele lhes mostrará uma coisa que eu não posso mostrar.
Ainda estou atado a leis — não, não são as suas leis.
Os Universos singulares passaram por eles, pairando na imensidão, como faixas
luminosas, imóveis e estarrecidas, em si mesmas. E depois havia ainda outros pontos
luminosos, menores e mais próximos. Estes não eram imóveis e estarrecidos, mas
modificavam as suas formas constantemente. Grupos inteiros deles se haviam juntado, e
pareceu a Tako como se eles dançassem uma silenciosa e irreal brincadeira de roda.
— O que é isso? — perguntou ele, timidamente.
Desta vez não obteve resposta.
E então Tako pressentiu que também a vida em si é uma forma de energia.
***
O Universo que lhes era familiar estava diante deles, enorme e nítido.
— Vocês querem que eu os ajude — disse Ellert, pairando um pouco mais para
longe. A sua “voz” entretanto continuava tão nítida como antes. — Isso é impossível,
Tako. Vocês voltarão ao espaço normal, isso eu posso revelar-lhes. Aquele Frasbur, que
os mandou para cá, os levará de volta. Para ele passar-se-ão apenas segundos, ainda que,
aparentemente, vocês passem séculos por aqui. Entrementes, nada de significativo
acontece no vosso... no nosso Universo.
— Ellert, quem são os senhores da galáxia? Não poderia, pelo menos, revelar-nos
isso?
Foi uma risada clara, despreocupada, a que Tako ouviu.
— Comparados com o Universo — nem vamos falar do Universo principal — eles
são pequenos e insignificantes, quase tão insignificantes como os seres humanos. Tente
imaginar, Tako, que significação tem um grãozinho de areia numa praia de mil
quilômetros de comprimento e cinco de largura! Os senhores da galáxia são um
grãozinho semelhante. O ser humano, mal chega a ser um átomo nesta praia. Claro,
também isso é relativo. A Terra está com sua existência em jogo, pois se os senhores da
galáxia quiserem destruí-la, poderão fazê-lo. Não, não posso ajudá-los. Também não
tenho permissão para dizer-lhes quem são os senhores da galáxia. Mas vou mostrar-lhes
uma coisa. Então certamente compreenderão que existem entidades maiores que os
senhores da galáxia, e este conhecimento irá ajudá-los a julgar melhor e mais
favoravelmente a sua situação.
Tako, Tronar e Rakal não tinham qualquer influência sobre seus movimentos
através do espaço, porém mal Ellert terminara a sentença, sentiram-se levados por uma
força invisível, arrastados ao encontro da faixa luminosa do Universo. As galáxias
expandiam-se, afastando-se para todos os lados, enchendo logo todo o seu campo de
visão. Eram milhares e mais milhares de vias lácteas, cuja luz brilhava com intensidades
diferenciadas.
— Já há séculos atrás, astrônomos terranos verificaram que as vias lácteas podem
colidir. Foi possível, inclusive, fotografar-se uma colisão dessas. Ali, exatamente a nossa
frente. Estas são as duas galáxias. A luz que vocês estão vendo está sendo emitida neste
instante, já que não necessita de tempo para chegar até nós.
— Por que, então, não chegamos a ver os Universos principais?
— Porque velocidade ultraluz no hiperespaço significa outra coisa que no espaço
normal. Porém olhem para a frente. Essas duas vias lácteas. Vocês vivenciam tudo em
tempo aglutinado. O que vocês têm por um segundo são cerca de mil anos. Por isso que
tudo se passa tão depressa — e visivelmente.
Tako não fez mais perguntas. Junto com Rakal e Tronar ele ficou olhando aquelas
duas nebulosas em espiral, leitosas, que lentamente se aproximavam uma da outra. As
primeiras estrelas passaram umas pelas outras e nada aconteceu. Afinal, ainda estavam
separadas por anos-luz. Mas então colidiram as duas massas centrais das galáxias. E desta
vez as estrelas se tocaram. Eram atraídas mutuamente e colidiam. Menores precipitavam-
se para dentro de maiores, e violentas explosões atômicas volatilizavam-nas, irradiando-
as como energia. Uma nova após outra ardia em chamas, engolindo não apenas planetas e
luas mas quase sempre também o sol vizinho. A nova explosão encontrava outras
vítimas, e logo aquilo passou a uma autêntica reação em cadeia, que extinguia ambos os
núcleos das galáxias.
— De há muito nós passamos pelo estágio que poderíamos chamar de crítico. Em
alguns bilhões de anos de tempo relativo os astrônomos terranos publicarão suas
descobertas sensacionais, pois a luz precisa de todo este tempo no seu caminho pelo
espaço normal para chegar à Terra. Mas continuem olhando.
Quando os dois núcleos se transformaram numa única, imensa e gigantesca nova, a
sua luz sobrepujou todas as outras vias lácteas, praticamente apagando-as. Tako imaginou
sentir o calor dos milhares de sóis que eram transformados em energia.
As duas galáxias explodiram transformando-se numa nova galáctica.
Depois apenas duas nuvens luminosas, brilhando foscamente, vagavam pelo espaço,
afastando-se rapidamente uma da outra. E acabaram mergulhando na escuridão do espaço
intergaláctico.
— Nelas, agora, não há mais vida — disse Ellert, e na sua voz sem som sentia-se
um sincero pesar. — Todos os planetas foram destruídos, e havia muitos planetas
habitados em ambas as vias lácteas. Mas alguns dos seres viventes haviam desenvolvido
uma inteligência, que finalmente levou à destruição.
Tako hesitou com sua pergunta, mas finalmente acabou fazendo-a:
— Com isto você está querendo dizer que a colisão das duas galáxias foi obra de
seres inteligentes? Mas isto é...
— ...impossível, é o que quis dizer? Está enganado, Tako. Em ambas as galáxias
havia superinteligências, que se guerreavam mutuamente. Em vez de satisfazer-se com
seus próprios mundos, elas ultrapassaram os fantásticos espaços penetrando em outras
vias lácteas — até verem-se frente a frente. Não havia possibilidade de entendimento,
pois ambos eram igualmente fortes. Portanto fizeram uso de seus dons inconcebíveis e de
seus meios técnicos auxiliares — movimentando a sua galáxia, conforme queriam. Cada
uma tinha esperanças de poder chantagear a outra, mas nenhuma das inteligências cedeu.
Até que foi tarde demais. Vocês mesmos viram o que aconteceu. Só sobraram duas
nuvens de gás. Milhares de mundos destruídos, engolidos pelos seus sóis. Eles pairam de
encontro ao fim dos tempos, porém o sinal de sua morte somente chegará ao planeta
Terra, daqui a bilhões de anos — sem ser compreendido. Compreendem agora como é
minúscula a Terra, como é diminuto o homem — e como são pequenos os senhores da
galáxia?
— Talvez eles não possam fazer colidir a Nebulosa de Andrômeda com a nossa Via
Láctea, mas eles podem achar a Terra e destruí-la. Só isto, Ellert, é decisivo para nós.
Portanto, ajude-nos. Ou está querendo que, em breve, não existam mais seres humanos?
— Sua preocupação não tem sentido. Eu sei que haverá seres humanos. Homens
que são naturais daquele planeta em que vocês e eu nascemos. Mas também sei que terão
que usar sua própria força, para se ajudarem.
Silenciosamente aquelas quatro sombras luminosas vogaram pelo espaço, ao
encontro de duas galáxias conhecidas — a Via Láctea e a Nebulosa de Andrômeda.
— Eu lhes mostrei o espaço — continuou Ellert, após uma pausa, que demorou
segundos ou milênios. — Um outro irá mostrar-lhes o tempo. Frasbur, entrementes,
apenas viveu uma fração de segundos, desde que ativou a sua armadilha transmissora.
Adeus, Tako, Tronar e Rakal — e dêem lembranças minhas a Rhodan.
Antes mesmo de Tako poder perguntar uma outra coisa, só havia ainda três nuvens
luminosas vogando no espaço. A quarta desaparecera.
***
Entre as duas galáxias, no negrume do espaço sem estrelas surgiu, repentinamente,
um objeto cintilante, ficou maior e se aproximou. Tako somente o reconheceu quando
estava a apenas poucos metros de distância, pairando lentamente na sua direção.
— Harno! — gritou ele, surpreso.
A esfera tinha uma superfície lisa, polida, que parecia um espelho. Mas o que era
possível ver-se nela não podia ser designado como uma imagem de espelho. Harno, a
esfera de tempo e espaço, era o mais perfeito receptor de televisão que se poderia
imaginar.
Ninguém sabia exatamente quem era Harno e de onde ele vinha. Já por várias vezes
essa entidade estranha ajudara os seres humanos, para sempre desaparecer depois disso,
sem deixar traços. Harno vivia de energia pura, da luz das estrelas e do fluxo do tempo.
— Harno, você!? — repetiu Tako, sentindo um alívio indescritível. — Foi Ellert
que mandou você?
— Eu estou no todo — retrucou a entidade telepaticamente, e os três homens
desmaterializados podiam entendê-lo tão bem como se lhes falasse em voz alta. — Eu
estou em todo o tempo e em todo o espaço.
Tako pareceu não ouvir a nuance daquelas palavras.
— Pelo menos você pode explicar-nos o que aconteceu — e o que vai acontecer?
Nós vamos ficar para sempre no hiperespaço, talvez transformados em energia?
— Vocês já são energia. A armadilha transmissora dos senhores da galáxia jogou-os
num outro plano existencial. Vocês o chamam de “hiperespaço”, ou “um outro
Universo”. Isso não é uma expressão exata. A matéria dos diferentes Universos continua
uniforme em si mesma e existente, porém os planos e dimensões mudam. Meramente o
transcorrer do tempo muda. É ele também que transforma a velocidade da luz numa
simples teoria. Não existem limites de velocidades, somente um limite da capacidade de
compreensão humana.
— E nós...?
— Ellert já lhes disse. Frasbur os levará de volta. Ele já está estendendo a mão,
para tocar a alavanca que os catapultará de volta ao universo einsteiniano — para
Kahalo. Mas quanto tempo demora um movimento desses? Um segundo? Dois, talvez?
Aqui, isso nada mais significa. Pode demorar bilhões de anos.
Lateralmente passou por eles a Nebulosa de Andrômeda, tomou-se menor,
acabando finalmente no opaco ponto luminoso que os homens da Terra vêem há
milênios. Harno e seus três acompanhantes caíram para dentro da Via Láctea, tão
conhecida deles. Universos e galáxias haviam se transformado novamente em
aglomerados estelares.
Mas eles se encontravam no espaço normal, inatingível para aquelas entidades
energéticas, que somente existiam no hiperespaço.
— Mas, ainda assim, vocês podem vê-las — disse Harno, que lia os seus
pensamentos.
Tako notou, diante de si, um sol, em torno do qual orbitavam planetas. Nitidamente
era possível ver-se os movimentos orbitais, e sem ter que perguntar a Harno, ele entendeu
que o fluir do tempo não podia ser o normal. Os movimentos, inclusive, tornavam-se
cada vez mais rápidos, e logo os planetas giravam tão rapidamente em torno de sua
estrela-mãe, que todas as suas órbitas pareciam faixas incandescentes.
Só então Tako notou que aquelas constelações lhe eram familiares, mas que as
mesmas estavam se modificando lentamente. Dez segundos mais tarde, elas já perdiam
sua conformação original, formando novas constelações.
— Aquele astro ali...?
— Sim, é o Sol. Uma daquelas faixas orbitais incandescentes é a órbita da Terra —
milhares de anos no futuro. Já não vivem mais seres humanos nela.
— Não há mais seres humanos? — Tako parecia perplexo. — Mas Ellert acabou de
nos dizer que sempre existiriam seres humanos! Por que ele mentiu?
— Ele não mentiu. Mas também não disse onde os seres humanos estarão no
distante futuro. Como já tantas vezes no passado, eles abandonaram o seu planeta
pátrio, só que, desta vez, eles não voltaram mais. Não podiam. Um planeta como a Terra
não tem mais nada para lhes oferecer. Ela os mataria.
— Mataria? A Terra tornou-se radioativa?
— Não, Tako. A Terra tornou-se estéril, infértil, no sentido dos novos homens.
Assim como os seus ancestrais uma vez deixaram os mares, porque a terra lhes oferecia
melhores condições de vida, assim, mais tarde, os homens abandonaram a Terra, porque
o espaço lhes oferecia tudo de que precisavam. Pois no espaço são os diferentes campos
energéticos, as retículas dos planos gravitacionais e a luz dos sóis que oferecem tudo
aquilo, em forma da mais pura energia, que nos estágios iniciais do desenvolvimento
tinha que ser extraído da terra, com muito trabalho e perda de tempo. A clorofila e a
fotossíntese são dois dos conceitos que apontaram o caminho do futuro. Também eles
acabaram sendo desnecessários. Hoje o homem apanha aquilo de que necessita
diretamente do espaço. E é também no espaço que ele vive.
Tako tentou compreender as palavras de Harno, mas foi-lhe difícil entender-lhes o
sentido. Harno estava querendo sugerir que se tratava de uma total espiritualização do
homem? Queria ele indicar que o homem desistira do seu corpo, porque o mesmo se
tornara supérfluo?
Mas não teve coragem de propor uma pergunta.
— Algum dia — continuou Harno — também planetas e sóis terão se tornado
supérfluos. E passarão a ser energia. Energia, entretanto, é o elemento básico do tempo.
Quando ainda só existir energia, não mais nenhuma matéria, começa a última
transformação. Depois disso existirá, no espaço vazio, somente ainda o tempo, nada
mais.
Tako, por mais perturbado que estivesse desta vez não conseguiu abafar uma
pergunta:
— O que significa tempo, se qualquer possibilidade de relações com a energia ou
com a matéria estará faltando? Como ele poderia ser medido? E ainda existirá alguém
que possa medi-lo?
Na consciência dos três homens havia uma risada. Não era uma risada sardônica,
mas uma risada bondosa, condescendente.
— O tempo não é estável. Se o Universo — e agora estou falando de todo o
Universo — ainda consistir apenas de tempo, ocorre uma supersaturação. O tempo
começa a se converter em matéria. O circuito recomeça, uma vez mais. Matéria —
Energia — Tempo. Somente um deles nunca se transforma: o espaço. Ele permanece,
mesmo sendo o cenário de toda a gênese, evolução e perecimento. Mas também a vida
continua, apesar de modificar as suas formas. Ela simplesmente se adapta às
circunstâncias. Se não o fizer, perece. O homem, Tako, existirá eternamente. Ele tem
existido eternamente! Mas ele modifica suas formas de tal modo, que de milênios para
milênios não mais poderia ser reconhecido.
— Acredito — disse Tako, com certa veneração — começo a entender. Você certa
vez falou do fim dos tempos. Este é aquele instante em que o tempo começa a se
reconverter? A voltar para trás?
— É, sim. O tempo se solidifica. Não tem mais movimento porque já não existe
mais nenhum ponto de referência. Também a vida está congelada. Com o primeiro
átomo da nova energia, o fluxo do tempo começa a correr novamente, e a vida com ele.
Um novo Universo nasce. Nunca houve um começo. Nunca haverá um fim. Isso, Tako, é
a eternidade.
As órbitas planetárias incandescentes se apagaram, quando o sol, inchando muito,
as tragou. Logo o sol ficou de um vermelho muito escuro, e finalmente negro. E
desapareceu.
Harno levou seus protegidos de volta ao espaço entre a Nebulosa de Andrômeda e a
Via Láctea. E levou-os de volta, ao mesmo tempo, ao seu próprio tempo, que continuava
sendo o passado.
— Agora tenho que deixá-los — informou ele. — A mão de Frasbur já está na
alavanca da armadilha transmissora. Não demorará mais muito tempo e vocês
rematerializarão no seu novo Pavilhão Memorial em Kahalo. Novamente terão um
corpo. Que será o vosso antigo corpo.
— Quem é Frasbur? — perguntou Tronar.
— Um instrumento de superiores, não mais que isso — declarou Harno, afastando-
se rapidamente.
Sua superfície emitia um brilho fosco, no reflexo da luz das duas galáxias.
— Tenham cuidado com os seres energéticos do hiperespaço. Eles tentarão levá-
los, através de tentações, para que desistam de seus corpos. Se vocês se entregarem a
eles, passarão por cima do desenvolvimento natural e jamais voltarão a ter um corpo.
Portanto — tenham cuidado!
Depois Harno mergulhou no escuro do espaço sem estrelas.
***
Eles pairaram na direção de um solitário sistema solar, que parecia como que
perdido no espaço. Tako contou sete planetas, mas também podia estar errado. Ele estava
perturbado com o fato de não ter mais qualquer influência sobre seus movimentos.
Naturalmente ele, Tronar e Rakal permaneciam juntos, mas isso não queria dizer muita
coisa.
Por que Frasbur não apertava aquela alavanca de uma vez!?
Era um sol amarelo. A sua luz não conseguia sobrepujar a dos bailantes seres
energéticos que se tornavam visíveis por toda parte, aproximando-se.
— O que é isso? — perguntou Rakal, inquieto.
— Seres energéticos, desmaterializados como nós — declarou Tako, sem entender
muito bem aquilo tudo. — Harno nos preveniu contra eles.
Mas aquele aviso não valeu de muita coisa. Tako e os gêmeos não tinham a menor
idéia de como era possível defender-se de um ataque de seres de pura energia.
O ataque esperado, entretanto, não aconteceu.
Tako e seus acompanhantes caíram, na direção da superfície do planeta
desconhecido. Imaginaram estar sentindo a gravidade, mas sabiam muito bem que não
podia haver gravidade. Ou o planeta e o seu sol estavam no hiperespaço, e com isso,
submetidos a leis desconhecidas?
Era um planeta paradisíaco.
— Olhem só esses lindos oceanos, as maravilhosas ilhas com suas florestas
tropicais — disse Tako. — As praias de areias muito brancas — e — realmente, aquelas
árvores se parecem com palmeiras...
— Eu vejo apenas montanhas — montanhas, como as que sempre amei —
interrompeu-o Rakal, admirado. — Os seus cumes ultrapassam as nuvens, e por baixo
estão, escondidos, os vales verdes. Por caminhos estreitos chega-se ao alto, e...
— Não entendo para onde vocês estão olhando — disse Tronar, perplexo — pois eu
não vejo nem mares nem montanhas. Imensas savanas e matas ensolaradas onde abunda a
caça — é isso que eu consigo ver. Os rios cortam as florestas, e nas corredeiras vejo as
trutas saltando...
Tako disse:
— Cada um vê aquilo que gostaria de ver, amigos. Não vamos deixar que nos
enganem mais uma vez. Isso aí embaixo não é nenhum planeta, assim como este sol
amarelo não é um astro de verdade. Nós continuamos pairando em meio ao espaço, no
Nada. Nossa imaginação fabrica essas imagens, só isso. Quem de nós, às vezes, não
sonha com a Terra ou outros mundos, depois de ter vivido muito tempo no espaço? Aliás
a qualquer momento Frasbur tocará na...
Os seres luminosos haviam chegado mais perto. Eles vogavam para cima e para
baixo, afastavam-se e se aproximavam novamente. Parecia a Tako ouvir um canto
maravilhoso. Era uma melodia como ele jamais ouvira igual, harmônica e bela.
— Esqueçam os seus corpos e fiquem conosco!
O pensamento aninhara-se clara e nitidamente no seu consciente, como uma forte
mensagem telepática. Devia ter vindo daquelas entidades estranhas, que agora viam-se
por todos os lados, caindo lentamente com eles em direção ao planeta.
— Nós não pertencemos à sua espécie — disse... ou pensou Tako, o mais
fortemente que pôde. — Somos estranhos aqui e precisamos voltar ao nosso Universo.
Como poderíamos esquecer nossos corpos, sem os quais, para nós, não há vida?
— Esqueçam-nos, e vocês nunca mais precisarão deles — recebeu ele de volta.
Tako perguntou:
— Só esquecer — e isso bastaria?
— Qualquer desejo basta aqui. Desejem um planeta, e o terão, só para vocês, e
mais ninguém. Desejem um Universo, e ele pertencerá a vocês. Esqueçam os seus
corpos, e eles não mais existirão.
— A tentação é grande — disse Tronar. — É difícil não sucumbir a ela. Mas Harno,
afinal, nos avisou.
Tako não deu atenção à objeção. E perguntou a um dos seres energéticos:
— Quem são vocês?
A resposta foi desconcertante:
— Como podemos sabê-lo? Nós existimos desde sempre. E existiremos por toda a
eternidade.
— Só aqui? Ou vocês também conseguem passar àquele outro espaço que nós
chamamos de espaço normal?
— Alguns o conseguiram, mas eles só conseguiram arranjar complicações por lá,
já que nenhum contato direto é possível. Desistam de seus corpos... por favor.
— O que é que vocês ganham com isso?
Desta vez não houve resposta.
Rakal disse:
— Na realidade eu já estou praticamente esquecendo o meu corpo. Esta existência
em estado espiritual tem suas vantagens, pensando bem...
Tako viu que uma daquelas névoas iluminadas que boiava junto dele empalideceu
um pouco. E logo viu o perigo de ser separado, para sempre, de Rakal.
— Rakal! — gritou ele, se é possível designar sua mensagem telepática urgente
como um grito. — Ficou maluco?
A figura luminosa de Rakal novamente tornou-se mais forte.
— Quer dizer que isso realmente seria possível — veio uma voz sem som,
penetrando nitidamente no consciente de Tako. — Era só isso que eu queria saber. Nós
poderíamos viver eternamente.
— Sim — sem corpo.
Debaixo deles sumiu o planeta e com ele desapareceram o sol e os dançantes seres
energéticos. Tako, Tronar e Rakal estavam novamente pairando no Nada. A Via Láctea
aumentava de tamanho, com incrível rapidez, e os três homens precipitaram-se para
dentro daquele aglomerado de estrelas.
Caíam ao encontro do centro da galáxia.
Frasbur apertara para baixo a alavanca do transmissor.
4
O agente do tempo vestia um novo uniforme. Parecia ter sido tecido de fios de
prata, semelhante a um macacão espacial. No peito via-se uma mancha negra. Sobre a
mesma uma linha dourada, que serpenteava por entre duas galáxias — o sinal indicativo
do tempo.
Frasbur tinha desmontado o antigo Pavilhão Memorial sob as seis pirâmides,
mudando-se para um outro pavilhão-esconderijo. O mesmo era mobiliado e decorado tão
bem quanto o anterior, mas ficava profundamente sob a superfície do pólo sul de Kahalo.
Ele continuava sendo respeitado como o Grão-Mestre-Conselheiro na Terra, e os
lemurenses seguiam suas ordens, escrupulosamente, sem fazer perguntas.
Antes de Frasbur mudar-se, ele tinha armado a armadilha transmissora no antigo
Pavilhão Memorial. Sabia como ela funcionava, e confiava nos imensos conhecimentos
técnicos dos senhores da galáxia. Não existia armadilha mais perfeita. Os sinistros
estranhos do futuro não mais poderiam recorrer as seus dons parafísicos, depois que a
armadilha se fechasse sobre eles.
E ela se fechara!
Frasbur esperou alguns segundos, antes de decidir-se a trazê-los de volta ao
Universo normal. Pela aparelhagem secreta de vídeo ele pudera ver que se tratava de três
seres humanos. Um deles, sem dúvida, era um teleportador, pois tinha materializado,
junto com os outros dois, repentinamente no antigo Pavilhão Memorial.
Frasbur apertou a alavanca para baixo.
Bem no meio do novo Pavilhão Memorial, com suas muitas telas de imagem e
outros aparelhos de comunicação, estava a jaula reticulada do receptor. Ela brilhava numa
luz verde. Depois a luz tornou-se repentinamente vermelha — e se apagou.
Na jaula reticulada, no chão, três homens se contorciam.
Depois estremeceram violentamente e ficaram deitados, desfalecidos.
Frasbur sorriu, ao retirar a mão da alavanca. Era um sorriso frio, que não revelava
qualquer comiseração. Aqueles três ali eram seus inimigos, e ele os mataria, caso lhe
causassem dificuldades.
Ele abriu a jaula e entrou. Os olhos dos seus prisioneiros estavam bem abertos. E
eles lhe devolveram o olhar. E neste olhar parecia haver alívio.
Frasbur sabia por quê.
— Vocês estão satisfeitos em ter voltado a ser aquilo que eram antes, não é
verdade? — e ele sorriu, irônico. — Pelo menos, têm novamente um corpo. Mas isso não
lhes serve de muita coisa. Nada de teleportação, meu amigo — e ele bateu com o pé em
Tako, verificando que o japonês estava duro como uma tábua. — Vocês perderam os seus
dons. Pelo menos por enquanto. Estão firmemente em minhas mãos. E talvez eu agora,
finalmente, vou ficar sabendo quem vocês realmente são. Pena vocês ainda não poderem
me responder, mas logo que o puderem fazer outra vez, aconselho-os a falar tudo que
sabem.
Ele deixou a jaula, sem trancá-la. Sabia que isso não era necessário. Os três ainda
ficariam muito tempo sob a influência do choque causado por sua retransmissão, de volta
ao local de partida. Somente depois que ele lhes proporcionasse o tratamento adequado é
que aquela paralisação podia ser rapidamente curada.
Mas isso ainda unha tempo.
Ele dirigiu-se até a parede com as telas de imagem, sentando-se diante dos controles
complicados. Os seus dedos deslizavam rapidamente por cima de teclas e chaves. A
maior das telas de imagem começou a iluminar-se aos poucos. Padronagens coloridas
passaram rapidamente pelo tubo, até que finalmente uma imagem começou a se formar.
E então apareceu um rosto na tela.
Era um rosto duro, acostumado a mandar. Os cabelos quase brancos eram espessos,
e estavam penteados, lisos, para trás. Nos olhos havia um brilho frio, de aço. A cor da
pele era ligeiramente amorenada.
Uma corrente em volta do pescoço denunciava que o homem usava um ativador de
células. Ele era imortal. He era um dos senhores da galáxia.
***
Enquanto Frasbur relatava, Tako tentou se mover. Pelo canto dos olhos ele pôde ver
a tela de imagem e o rosto do senhor da galáxia, mas a conversa era mantida em voz tão
baixa que ele não entendeu uma só palavra daquilo que Frasbur e o seu superior do futuro
falavam.
Qualquer movimento dos seus membros era impossível. Somente a posição das
pupilas era possível modificar. Tako estava deitado entre Tronar e Rakal. Os gêmeos não
se mexiam. Tako não sabia, sequer, se eles ainda viviam.
Ele conseguia ouvir, ver e pensar, só isso. No momento tinha que se dar por
satisfeito com isso. Apesar do aviso de Frasbur, ele tentou concentrar-se num curto salto
de teleportação, mas foi inútil. Ele estava tão desamparado como um recém-nascido.
Do outro lado, na parede, a tela foi desligada. Frasbur levantou-se e voltou para a
jaula reticulada. Ficou olhando os seus prisioneiros. Os seus traços demonstravam
espanto, misturado com mal-estar.
— Com esta, acabei metido numa boa — disse ele, furioso. — Quem é que vocês
podem ser, para que lhes dêem tamanha importância? Não querem que eu lhes toque um
só fio de cabelo! Se fosse por mim, eu bem que os entortaria muito mais que isso. Vocês
já me deram muito trabalho.
Tako imaginou que os próprios senhores da galáxia queriam interrogá-los, para
ficarem sabendo tudo sobre Rhodan e os terranos, que ocasionavam tamanho tumulto na
Nebulosa de Andrômeda, e agora, ainda por cima, se metiam no passado — ainda que
involuntariamente.
Frasbur tinha as mãos atadas, e isso era bom.
Tako teria sorrido ironicamente, se isso lhe fosse possível.
Frasbur continuou:
— Eu vou retirá-los, um por um, do transmissor, para livrá-los dos efeitos colaterais
do choque. Que serei cuidadoso nisso, naturalmente é compreensível. Você, meu amigo,
vai continuar sob a ação da paralisia, para que não possa me desaparecer. O que há com
os outros dois, eu ainda descobrirei. Teleportadores eles não são, pois eu fiquei
observando o surgimento de vocês no pavilhão abandonado. O que, entretanto, são eles?
Naturalmente não obteve resposta. Frasbur estava ali, de pé, refletindo. Na parede
com as telas de imagem houve um zunido. Novamente acendeu-se o telão. Era outra vez
um dos senhores da galáxia, o mesmo que falara anteriormente.
Frasbur apressou-se, correndo até a aparelhagem. O mestre da galáxia falou por
quase dois minutos, depois a tela apagou-se novamente. Frasbur desligou e voltou para a
jaula gradeada. Desta vez o seu rosto mostrava uma insatisfação ainda maior que antes.
— Vocês devem ser ainda mais perigosos do que eu imaginei. Desagradável para
vocês, mas, de certo modo, agradável para mim. Vocês ficarão em estado de choque, até
serem interrogados pelos próprios senhores da galáxia. Dêem-se por felizes! Eles estão
fazendo muitas cerimônias com vocês. Sinto muito, mas vão ter que ter mais um pouco
de paciência, até que a nave deles venha buscá-los — ele fechou a porta da jaula
reticulada e voltou para o painel da aparelhagem de comunicações, para dar suas
instruções.
***
O sol amarelo atrás da popa do caça-mosquito transformou-se numa pequena
estrela, quando Kasom acelerou. A princípio ele ainda ficou abaixo da velocidade da luz,
para rastrear o espaço. O que viu, não o deixou exatamente calmo.
— Requisição de frotas, como se se tratasse de conquistar vinte sistemas solares —
resmungou ele.
Lemy tinha saído do bolso de Gucky, e estava sentado na barriga deste. Continuava
vestindo seu traje especial, mas abrira o capacete.
— Se os halutenses encontrarem Kahalo, e o destruírem, os lemurenses estão fritos.
Isto eles sabem muito bem. Vai nos ser extremamente difícil passar por ali, sem sermos
notados — ele bateu no seu diminuto peito. — Com a minha Helltiger eu o conseguiria.
— Com o charuto! — Gucky deu uma risada, divertido. — Uma nave com três
metros de comprimento! Alguém o teria notado, e simplesmente o jogaria contra uma
parede, baixinho.
— Não discutam — gritou Kasom, bondosamente. — Além do mais, o que Lemy
está dizendo é certo. Quanto menor for a nave, mais difícil será rastreá-la.
— E além do mais, não há paredes no espaço, contra as quais seria possível atirar
uma nave — declarou Lemy, lançando um olhar de triunfo para o rato-castor.
Gucky calou a boca.
Por pouco tempo, Kasom entrou no espaço linear, e ao regressar ao universo
einsteiniano o sol Orbon estava a uma distância de apenas duas semanas-luz. Nas telas
dos rastreadores havia tantas manchas energéticas, que não sobrava mais espaço para
nada. A olho nu, entretanto, não era possível ver-se nada, apesar da visão da carlinga ser
livre para todos os lados.
Kasom ligou o receptor de hiper-rádio. Em quase todos os comprimentos de ondas
dos lemurenses reinava grande atividade. Mensagens em código iam e voltavam, e, no
meio de tudo, apareciam textos normais, facilmente compreensíveis, na língua dos
futuros tefrodenses. Mas havia pouca coisa que pudesse interessá-los, nada tendo a ver
com os mutantes desaparecidos.
Depois de um novo vôo linear, Kasom entrou, com as turbinas desligadas,
diretamente no sistema de Orbon, voando em linha reta para Kahalo. Um rastreamento
agora seria muito difícil para as naves lemurenses, pois o mosquito, em relação ao espaço
que o rodeava, era tão diminuto que mal ainda poderia ser descoberto.
— Distância de Kahalo, três horas-luz — leu Kasom, dos controles. — Estamos
voando à metade da velocidade da luz.
— Arrastando-se! — piou Gucky, sem levá-lo a sério.
A concentração das frotas dos lemurenses podia ser reconhecida agora a olho nu —
nuvens brilhando claras ao resplendor do sol. Eles se movimentavam com relativa
lentidão e pareciam orbitar, dentro do sistema, o planeta Kahalo. Era praticamente certo
que uma nave maior jamais poderia passar através dessa barreira, sem ser notada.
Mas o mosquito não era uma nave grande.
Era apenas uma mosca entre vespões. Mas tão perigosa quanto estes — ou mais
perigosa ainda!
Inconscientemente quase, a mão gigantesca de Kasom tocou os controles dos dois
canhões conversores da proa. Só a sua existência já lhe dava segurança e confiança. E
além disso ainda havia o campo
hiperenergético protetor verde,
intransponível e praticamente
indestrutível.
— Talvez você consiga um
contato telepático com eles —
sugeriu Lemy, que pensava nos
mutantes desaparecidos.
— Afinal você conhece os
seus padrões mentais.
— Os dos gêmeos são tão
marcantes que eu os encontraria
imediatamente, mesmo em meio a
milhares de vibrações — disse Gucky orgulhoso. — Até mesmo através de algumas
horas-luz. Mas até agora ainda não consegui captar nada. Ou eles estão mortos — ou já
os levaram.
— Levaram? O que é que você está querendo dizer? — perguntou Kasom.
— Se Frasbur os agarrou, gordão, ele os meteu numa nave e despachou-os para a
Nebulosa de Andrômeda. De volta ao futuro, do qual acabaram de chegar. Mas, neste
caso, esse Frasbur vai se ver comigo!
— Antes de mais nada, é preciso agarrá-lo!
— Kasom tem razão — concordou Lemy. — E antes de mais nada esse Frasbur terá
que agarrar os mutantes. Não creio que Tako se deixe prender com tanta facilidade, e os
gêmeos muito menos. Portanto, continue procurando, Gucky!
Gucky fechou os olhos e recostou-se. Lemy quase caiu do seu colo, mas no último
instante ainda conseguiu segurar-se no bolso. E já ia dando vazão ao seu mau humor, em
palavras pouco corteses, quando Kasom disse secamente:
— Agora, vamos experimentar o canhão conversor.
Assustado, Gucky abriu os olhos, levantando-se. Desta vez, Lemy não foi
suficientemente rápido. Caiu para o chão da pequena cabine, mas felizmente caiu de pé.
Rapidamente Gucky abaixou-se, para levantá-lo.
— Desculpe — disse ele, provavelmente também surpreso. — O que é que você
está querendo dizer com isso, Kasom?
— Estamos sendo atacados. Por uma única nave de vigilância. Só espero que eles
não alertem toda a frota.
A nave de vigilância era uma nave espacial esférica, com um diâmetro de pouco
menos de um quilômetro. Aproximava-se, pela frente, em diagonal, estando a uma
distância de apenas quinhentos quilômetros ainda. Isto provavelmente acontecia porque
ela estava vindo do interior do sistema, tendo poucas possibilidades de rastreamento de
sua direção de vôo, corno teria se estivesse voando em direção contrária.
A uma distância de trezentos quilômetros ela abriu fogo.
Kasom sorriu, rangendo os dentes, ao ligar o automático do controle de fogo. Agora
bastaria que ele apertasse uma tecla. Os computadores mediam a distância, levando em
consideração a perda de tempo vertido entre o contato, ao disparar a bomba — e
esperavam.
Kasom pressionou a tecla vermelha do canhão-conversor.
Ainda no mesmo segundo detonou uma bomba com a força explosiva de vinte
gigatoneladas, bem no meio da nave dos lemurenses. A nave espacial esférica
transformou-se imediatamente numa bola energética chamejante, pela qual o mosquito
passou voando, em velocidade mantida. O campo hiperenergético protegeu-o das
radiações mortais e do calor, muito eficientemente.
— Espero que tenha sido uma nave inteiramente robotizada — disse Kasom,
respirando com dificuldades. — Mas não tivemos outra escolha. Eles nos teriam
destruído, sem perguntar primeiro. Além disso tínhamos que evitar que nossa posição
ficasse conhecida.
— Ainda mesmo que eles tivessem feito perguntas — resmungou Gucky — o que é
que não poderíamos ter respondido?
Kasom concordou.
Kahalo ainda estava duas horas-luz distante.
Lemy saiu de dentro do bolso do macacão de Gucky, para dormir um pouco. Gucky
fechou os olhos para concentrar-se novamente em eventuais impulsos telepáticos dos
desaparecidos.
E então, repentinamente, ele estremeceu, levantando-se.
***
O novo Pavilhão Memorial de Frasbur havia sido construído de tal modo que se
encontrava logo abaixo do pólo sul, ao lado dos hangares subterrâneos de um
espaçoporto. Entre os hangares e o Pavilhão Memorial não havia nenhuma ligação direta.
Quando Frasbur desejava chegar ao espaçoporto para dar as suas ordens, tinha que
abandonar o seu esconderijo, que era vigiado por robôs especiais, programados para a
luta. Um elevador antigravitacional levava-o para a superfície. Atrás dele fechava-se a
entrada, garantida por mecanismo controlado por computador, que unicamente obedecia a
um determinado padrão de suas ondas cerebrais. Frasbur achou desnecessário um campo
energético ou mesmo uma grade energética.
E este foi o único erro que ele cometeu.
Ele lançou um último olhar aos seus prisioneiros, que deixou para trás sob a guarda
de três robôs, e saiu do Pavilhão Memorial. Uma esteira rolante levou-o ao elevador. O
corredor estava muito bem iluminado, e à direita e à esquerda havia portas que iam dar
em outros pavilhões.
Quando, na superfície, a porta de entrada fechou-se atrás dele, Frasbur respirou
aliviado. Estava satisfeito por, mais uma vez, poder respirar ar puro. O carro voador
esperava por ele. Embarcou e ajustou os controles. Silenciosamente o veículo elevou-se
do chão, deslizando numa altura mínima na direção do espaçoporto que ficava a poucos
quilômetros de distância. Os telhados baixos dos edifícios administrativos rebrilhavam à
luz do sol que já ia baixo n o horizonte.
As sentinelas postadas diante do comando militar fizeram continência, quando
Frasbur passou. Mas ele nem se dignou lançar-lhes um olhar. Rapidamente, foi à procura
do almirante, que tinha sua sede em Kahalo, e que, junto com o Almirante Hakhat, dirigia
a defesa do setor de Kahalo.
O lemurense ergueu os olhos, espantado, quando Frasbur entrou — Preciso
imediatamente de uma nave menor com pouca tripulação — disse o agente do tempo,
sem esperar pela pergunta do almirante. — Tome providências para que a mesma esteja
pronta para partir dentro de uma hora. Carga urgente para Andrômeda.
O almirante, acostumado aos modos autoritários do suposto Grão-Mestre-
Conselheiro da Terra, apenas concordou com a cabeça.
— Pode ficar tranqüilo.
— Ótimo. E mais uma coisa: Desta vez eu mesmo irei junto, deixando o meu
quartel-general sob a vigilância dos guardas. O senhor ficará responsável para que
ninguém tente entrar no mesmo.
— Quem é que o faria? — perguntou o almirante, admirado. — Talvez os
estranhos, que há vários dias estão tentando penetrar em Kahalo?
— Exatamente esses! Reforce as atividades de vigilância em torno do sistema, e
destrua sem contemplação qualquer nave estranha. Destrua inclusive nossas próprias
naves, cujos comandantes não se identificarem, ao serem solicitados. Os estranhos
conhecem todos os truques.
— Devem ser verdadeiros super-homens — disse o almirante lentamente. — Aos
poucos começo a me interessar por eles.
Frasbur olhou-o fixamente.
— Acho melhor não fazê-lo. O senhor ainda terá aborrecimentos suficientes, uma
vez que o nosso bloqueio foi furado. Se isto acontecer mais uma vez, facilmente poderá
perder o seu posto — Frasbur foi até a porta. Ali ele voltou-se uma vez mais. — Não se
esqueça de minhas instruções, almirante. Dentro de uma hora, portanto.
— O senhor pode confiar em mim.
Frasbur deixou o edifício. A caminho do carro voador, viu que à sua esquerda
ficava a central de radiocomunicações, que se mantinha em vigilância permanente. Ali
todos os fios da defesa se reuniam. Até as últimas notícias chegarem ao Pavilhão
Memorial, entretanto, muitas vezes perdiam-se minutos preciosos.
Decidindo-se rapidamente, ele passou pela sentinela, entrando na sala de controle
do oficial de plantão.
— Como está a situação? As naves de vigilância já entraram em formação?
— Suas ordens foram executadas, Grão-Mestre. Não saiu qualquer outra unidade do
transmissor. Só que... — ele hesitou. — Acaba de chegar uma mensagem. A mesma já foi
encaminhada ao senhor, pelas vias normais.
— O que foi?
— Uma das naves de vigilância explodiu ainda dentro da zona de bloqueio, por
razões até agora inexplicáveis. Nenhuma mensagem de rádio, nada. Nenhuma nave
estranha foi rastreada. Deve tratar-se de um acidente.
Por quase dez segundos Frasbur ficou olhando a quantidade enorme de controles,
diante dos quais o oficial estava sentado. Finalmente disse:
— Um acidente? — ele sacudiu a cabeça. — Não creio. Mande imediatamente
algumas dúzias de naves para o local em questão. E da próxima vez o senhor me
informará imediatamente, se algo semelhante ocorrer. Sem qualquer demora.
Ele deixou o edifício e voou de volta ao Pavilhão Memorial. Chegando ali,
completou a ligação com os senhores da galáxia, informando-os do incidente.
Só depois é que ele se interessou pelos seus prisioneiros, indo certificar-se de que o
seu estado não se modificara em nada.
Tako, Tronar e Rakal continuavam deitados na jaula reticulada do transmissor, sem
qualquer possibilidade de se mexerem.
***
— Só podem ser os gêmeos — disse Gucky, excitado. — Os impulsos estão vindo
claros e nítidos — mas mesmo assim não estou entendendo nada. O que é que tudo isso
tem a ver com um transmissor? E eles também não conseguem se mexer.
Kasom virou-se. Sua expressão era séria, demonstrando preocupação.
— Concentre-se Gucky! Eles estão presos?
— Parece — o rato-castor tentou avistar Kahalo a olho nu, mas não conseguiu. O
planeta ainda estava muito afastado. — Precisamos chegar mais perto, para que eu possa
determinar a posição dos impulsos.
— Você pretende teleportar?
— Será que você vai pedir permissão para pouso? — foi a pergunta de Gucky.
Kasom olhou para os controles, mas não se mexeu. Com as turbinas desligadas o
caça-mosquito caía na direção de Kahalo. Ele agora não queria arriscar, de modo algum,
ainda ser rastreado no último instante.
— Eles estão nas mãos de Frasbur — disse Gucky, de repente. — Agora também
tenho Tako. Eles estão deitados num transmissor, paralisados. Frasbur recebeu ordem
para levá-los a Andrômeda.
Lemy perguntou:
— Quando?
— Não sei, mas certamente logo. Tronar está desesperado, porque está sem poder
fazer nada. Tako também não está se sentindo muito bem, e Rakal gostaria de quebrar o
pescoço desse tal Frasbur, se pudesse fazê-lo. Acho que temos que nos apressar.
Mantenha essa rota, sem modificá-la. Eu vou teleportar para Kahalo.
— Direção?
— Está clara. Os impulsos dos três mutantes são suficientemente fortes para servir
de orientação. Lemy, você poderia fazer-me o obséquio de sumir de dentro do meu
bolso?
Lemy nem se mexeu.
— Eu naturalmente irei com você — disse ele, estridentemente.
Gucky respirou fundo.
— Vir comigo? Deve ser megalomania, não? Este é um trabalho para homens, não
para duendes.
— E você, será que é um homem? — quis saber Lemy, zombeteiro.
Kasom interveio, sem tirar os olhos das telas de imagens e dos controles.
— Não briguem. Se não tiverem outras preocupações, lembrem-se pelo menos dos
mutantes prisioneiros. Cada minuto é precioso. Leve Lemy consigo, Gucky.
— Mas se alguém lhe pisar sob os pés, não é culpa minha. Eu tenho que cuidar de
mim mesmo.
Lemy escorregou, calmamente, de volta para o bolso de Gucky. Fechou o capacete
de seu traje especial. Com os braços cruzados sobre o peito, esperou pelo salto
teleportador de Gucky.
— Talvez fosse melhor informarmos Redhorse — sugeriu Kasom.
— Isso você poderá fazer depois. Logo que eu tiver encontrado Tako e os outros,
libertando-os, entrarei em contato com você. Ou nós desaparecemos como chegamos, ou
você manda chamar Redhorse. Tudo vai depender da situação. Porém não se aproxime
mais de meia hora-luz de Kahalo. Ali poderei rastrear você a qualquer momento.
Kasom anuiu.
— Você é quem sabe. Boa sorte, então.
— Obrigado.
Lemy não podia dizer nada porque o capacete do seu traje já estava fechado e o
telecomunicador desligado. Aliás, ele não entendia o que Gucky e Kasom tanto tinham
para falar. Não entendia o que os dois ainda tinham para se contar, quando havia tão
pouco tempo.
Mas logo chegou o momento.
Mais uma vez Gucky concentrou-se nos impulsos mentais dos três mutantes,
focalizou um lugar que ficava a cinqüenta metros deles — e saltou.
O robô de Frasbur que caminhava justamente através da estação energética quase
tropeçou no rato-castor que se materializou repentinamente diante dele. No último
instante ele parou, pois o seu cérebro positrônico reconheceu imediatamente o perigo.
Registrou Gucky como um invasor, e como fazia parte de suas tarefas proteger o
Pavilhão Memorial, ele agiu em fração de segundos.
Seus fortes braços metálicos agarraram Gucky, segurando-o firmemente.
Lemy só teve tempo de abaixar-se bem, dentro do bolso, para não ser amassado
pelos braços metálicos. Abriu o capacete para não ficar mais desligado do mundo
exterior.
Por que Gucky não teleportava novamente?!
Mas Gucky nem pensava nisso — não pretendia sumir de novo tão facilmente.
Além do mais, ninguém precisava saber a respeito dos dons que ele possuía.
Telecinese!
Já fazia muito tempo desde que Gucky “brincara” pela última vez com um robô. Na
sua situação, neste momento, isso nem era tão fácil assim, pois o ser metálico o segurava
fortemente. Gucky desistiu da teleportação não apenas porque revelaria o seu segredo,
mas principalmente porque não sabia para onde. Neste caso, a tentativa de se livrar do
robô era-lhe mais vantajosa.
Ela concentrou-se no seu adversário e emitiu sua energia telecinética sobre os dois
braços que o agarravam. O que aconteceu então, parecia ter sido filmado em câmara
lenta. Os braços do robô foram empurrados para trás, por uma força invisível. As garras
metálicas soltaram o corpo de Gucky, talvez mais pela surpresa. Gucky verificou,
admirado, que o robô podia “sentir” alguma coisa semelhante a espanto.
Mal Gucky estava livre, deu um passo para trás. Agora ele podia usar os seus dons
paranormais sem perigo para si mesmo. E logo o robô sentiu-lhe as conseqüências.
De repente ele tomou-se liberto da gravidade, não sentindo mais o chão sob os seus
pés.
Só agora Gucky teve oportunidade para examinar melhor as suas redondezas.
Imensos geradores haviam sido instalados sobre o piso de cimento. Escadas tornavam
mais fácil subir para o alto e cuidar dos controles. Um zunido constante enchia o
pavilhão, que estava fechado ao mundo exterior por uma porta metálica. No fundo,
Gucky notou um movimento.
— Outros robôs — murmurou Lemy, com cuidado, apesar de sua vozinha
dificilmente poder sobrepor-se ao ruído forte das máquinas.
— Antes de mais nada precisamos acabar com este aqui — disse Gucky, voltando-
se novamente para a sua vítima.
O robô pairava a três metros de altura, movimentando pesadamente braços e pernas.
Não era possível ver-se ele possuía uma estação transmissora autônoma. De qualquer
modo não se via qualquer antena.
“Só espero que esta parede seja suficientemente forte”, pensou Gucky.
O robô “tomou distância”, conforme Gucky disse mais tarde, ao contar suas
aventuras. Com bastante aceleração ele precipitou-se através do pavilhão, em diagonal,
batendo violentamente contra a parede de cimento armado. Pedaços de caliça voaram
para todos os lados, enquanto o metal se destroçava, com seus ruídos característicos.
Depois houve um estrondo terrível, quando o robô — solto pelas forças invisíveis de
Gucky — caiu para o chão. Uma lente quebrou-se. Sem forças, os braços ficaram na
posição em que se encontravam.
O robô fora destruído.
Mas os outros tinham notado o incidente.
— Talvez seja melhor sumirmos daqui — disse Lemy que, por uma questão de
segurança, continuava no bolso. — Por que vamos lutar com robôs, quando há coisas
mais importantes para fazer?
Gucky deu-lhe razão.
He viu dois robôs-mecânicos virem correndo, concentrou-se no corredor que devia
haver atrás da porta, e saltou.
O corredor estava feericamente iluminado. Como os prisioneiros, pela avaliação de
Gucky, deviam encontrar-se à esquerda, ele nem pensou por muito tempo. Marchou para
a esquerda.
— Talvez fosse melhor se você, a partir de agora, agisse independentemente —
disse ele para Lemy. — Caso eu caia numa armadilha, você sempre poderá funcionar
como nossa última salvação, ligue o seu defletor, para tornar-se invisível.
— De acordo. Mas cuide para que eu não fique sozinho no corredor. Isso não nos
adiantaria de muita coisa. Deixe a porta aberta pelo menos por um tempo suficiente para
que eu possa esgueirar-me por ela.
Gucky anuiu. E olhou para a porta. Ela formava o fim do corredor. Atrás dela
estavam os prisioneiros.
E provavelmente Frasbur também.
Os pensamentos de Tako estavam desesperados, pois não podia imaginar o quanto
estava próxima a salvação. Tronar e Rakal pareciam um pouco mais calmos, mas isso
provavelmente devia ser porque estavam cansados.
Gucky conseguiu captar também os pensamentos de Frasbur, apesar de consegui-lo
apenas de modo muito esfarrapado. O agente do tempo dispunha de um bloqueio mental
natural, que se abria só ocasionalmente. Seria difícil extrair dele a verdade. Mas, em
determinadas circunstâncias, um tal bloqueio podia ser removido facilmente. Com a
simples aplicação de um choque.
Frasbur sentia-se seguro. Tomara as últimas providências para o seu vôo para
Andrômeda — e para o futuro.
Gucky estava parado diante da porta.
— Em exatamente dez segundos eu vou abri-la. Entre você primeiro, Lemy. E não
perca Frasbur de vista. O homem é perigoso. Logo que ele tentar me liquidar, você
poderá atordoá-lo. Pegue a arma de choque. Não se esqueça, Rhodan o quer vivo.
— Este logo estará no papo — prometeu Lemy, achando tudo muito fácil.
Gucky olhou a porta. A fechadura era eletronicamente segura, mas isso não era
problema. Sem sequer tocá-la, o rato-castor abriu o complicado mecanismo
telecineticamente, e a porta abriu-se para dentro.
Lemy, entrementes, tornando invisível pelo seu campo defletor, esgueirou-se pelo
umbral, e como primeira coisa viu a jaula transmissora com os três prisioneiros.
Continuavam estendidos no chão, como mortos. Como Lemy não podia ser visto, levou
algum tempo para liquidar Frasbur.
Mas levou alguns segundos demais.
Frasbur notou imediatamente a abertura da porta. Ninguém, além dele mesmo,
podia abrir a porta para o centro de comunicações, a não ser que ele desse uma ordem
correspondente a um robô para fazê-lo. Portanto, Frasbur devia saber, naquele mesmo
segundo, com toda certeza, que alguém não autorizado abrira aquela porta.
Naturalmente ele não via Lemy, não agiu, ainda antes que Gucky pusesse os pés no
Pavilhão Memorial.
Num instante, Frasbur ligou o seu campo energético individual, que envolveu-o
inteiramente, protegendo-o contra todas as influências do mundo exterior. Nada
conseguia penetrar neste campo energético, que reluzia leitosamente, fazendo com que
todos os objetos parecessem esfumados.
Quando Gucky viu Frasbur, logo deu-se conta de que chegara alguns segundos tarde
demais.
5
E era tudo.
Redhorse lembrou-se de que este mapa originalmente vinha dos arcônidas e pelo
tempo relativo, tinha pelo menos dez mil anos. No momento as coisas estavam de modo
que ele somente seria desenhado dentro de quarenta mil anos.
Os terranos tinham apanhado o mapa dos arcônidas, fazendo anotações quanto a
modificações ocorridas. No MR-775-G-1 não ocorrera nenhuma modificação. Mas o
MR-775 também não fora investigado. Para que, afinal? O sol não tinha um só planeta, e
não servia como base de apoio.
Redhorse achou que se comportava como um tolo, perdendo tempo com esse tipo
de coisas. Que lhe importava se ninguém tinha investigado melhor aquele sol amarelo?
Para que, afinal? Ele era um sol, como centenas de milhares de outros. Que não
tivesse nenhum planeta, não era culpa sua.
Ou era...?
Redhorse levantou-se e levou de volta, ao oficial de navegação, os mapas que pedira
emprestados.
— Se houver alguma coisa, eu estarei na cúpula de observação.
— Entendido, senhor.
Redhorse não sabia, ele mesmo, o que lhe estava acontecendo. Ele não sabia o que
era nervosismo nem medo e era tido como audacioso. E agora esta inquietação
inexplicável! Ela tomara conta dele quando principiaram determinada órbita em torno do
sol MR-775.
A cúpula de observação era uma construção que sobressaía da nave esférica. As
paredes da cúpula eram transparentes, e permitiam uma visão para todos os lados. Havia
telescópios e outros instrumentos astronômicos, com os quais era possível observar o céu
de estrelas. Todo comandante de naves especiais da frota terrana tivera que passar, na
academia, por um curso de astronomia — além de centenas de outros. Redhorse entendia
alguma coisa de astronomia.
He sentou-se na cadeira confortável, que ficava junto da borda da cúpula, e olhou
para fora, para o espaço. O sol amarelo ficava um pouco para um lado, imensamente
grande e flamejante. Os filtros, entretanto, quebravam suficientemente a sua
luminosidade intensa.
Por quase dez minutos, Redhorse ficou observando o sol. Ele lembrava-lhe muito
do Sol, o astro-mãe da Terra. Gigantescas protuberâncias saltavam, muito longe, para
dentro do espaço, para depois cair novamente, de volta àquela atmosfera ardente. Havia
manchas negras no equador solar. Entre estas pareciam rodopiar redemoinhos claros, que
só se modificavam muito lentamente. A superfície propriamente dita, aparentemente
bexigosa, mas de aspecto rijo, era inteiramente normal.
Nada era fora do comum ou mesmo inquietante.
Redhorse logo abandonou o pensamento, que lhe viera repentinamente, que o seu
instinto o prevenia talvez sobre uma nova antes de iminente explosão. Os mapas estelares
ainda eram válidos dentro de cinqüenta mil anos. Se MR-775 se tivesse transformado
numa nova, isto estaria anotado nos mesmos.
Portanto não era isso.
Mas o que seria, então?
Ele curvou-se mais para a frente, para poder observar melhor a protuberância, que
lenta, mas visivelmente, estava saindo espaço a dentro. Ha não tinha a forma usualmente
observada, parecendo mais uma nuvem luminosa de gases incandescentes. Devia ter mais
de cem mil quilômetros de comprimento, com quase trinta mil quilômetros de largura.
Depois de ter atingido o ponto mais elevado de sua propagação, ela continuou
subindo.
Os olhos de Redhorse se apertaram. A nuvem agora teria que cair de volta para o
sol.
Mas não o fez.
Continuou subindo.
Redhorse lembrou-se das medições que haviam sido efetuadas. O campo de
gravitação do sol MR-775 era muito grande. Além disso ele tinha um campo magnético
considerável. Nenhuma protuberância poderia escapar desse campo.
Entretanto, era isto, exatamente, o que estava acontecendo!
Redhorse ficou sentado, sem se mexer. Era isto que ele estivera esperando
secretamente. Um acontecimento que fugia das normas estabelecidas. Aquela nuvem
luminosa parecia não conhecer qualquer força de atração. Ela zombava de todas as leis da
natureza, enquanto subia cada vez mais. Sua luminosidade, neste processo, ia
diminuindo, mas, ainda assim, continuava nitidamente visível. Sua velocidade devia ser
de muitos milhares de quilômetros por segundo, mas não tinha, de modo algum, a
velocidade da luz, como o chamado vento solar.
Chegou até a mudar de direção.
E agora Redhorse ficou alerta. Levantou-se de um salto, correndo ao
intercomunicador. Pediu que o ligassem com o professor Koch, o astrônomo de bordo.
Impacientemente esperou até que finalmente o rosto do cientista apareceu na tela de
imagem. Koch parecia ter estado dormindo, pois esfregava os olhos.
— O que é que há, assim, no meio da noite? Redhorse respirou fundo.
— Que conversa é essa de “noite”, professor? Vista alguma coisa e venha
rapidamente até a cúpula de observação. Tenho alguma coisa para o senhor. O senhor vai
ficar admirado, e num instante estará completamente acordado.
— Alguma coisa de astronomia? — na voz do cientista, de repente, havia um certo
interesse. — Estarei aí, dentro de dez segundos!
— Não é preciso exagerar! — admoestou Redhorse, mas a tela de imagem já estava
escura.
Koch devia ter cerca de oitenta anos, mas naturalmente ninguém lhe daria esta
idade. Os avanços no campo da medicina retardavam o processo de envelhecimento
consideravelmente. Hoje em dia os homens que chegavam a uma idade de cento e vinte
anos, e mesmo cento e cinqüenta anos, já não eram mais nenhuma raridade.
Hoje em dia — isso era dentro de cinqüenta e dois mil anos.
Redhorse voltou para o seu lugar, verificando que a nuvem luminosa mais uma vez
mudara de direção. Continuou afastando-se do sol, mas lentamente descreveu um círculo
que a colocava exatamente na órbita da KC-1, atravessando-a.
Redhorse começou a duvidar de que isso acontecia por acaso.
Koch veio correndo porta adentro. Estava justamente ajeitando o nó de uma gravata,
totalmente desnecessária, no pescoço, já que esquecera de colocar, antes, uma camisa.
— Onde é que está isso? — perguntou ele, quase quebrando a cabeça, ao bater com
a mesma fortemente na cúpula transparente.
— Isso...? — Redhorse silenciou, perplexo, porque, de repente, veio-lhe um
pensamento monstruoso, que tratou logo de afastar novamente. — Ó, a protuberância?
Ali, professor. Estamos justamente voando na sua direção.
Koch deu vazão, sem papas na língua, à sua decepção.
— Uma protuberância? É por causa de uma ridícula protuberância que o senhor me
tira da cama, major? Francamente...
— Não é uma protuberância comum, professor. Ha muda de direção e de
velocidade. E está vindo diretamente em cima de nós.
Koch olhou para Redhorse por alguns segundos, até finalmente entender o
significado de suas palavras. Sem dizer mais nada, ele olhou para fora, na direção
apontada.
A nuvem luminosa aumentara ainda mais de tamanho. Com isto ficara mais fina,
mas continuava perfeitamente visível. Agora já era claro que ela luzia de dentro para fora,
tendo luz própria, sendo portanto inteiramente independente do sol, no que dizia respeito
à sua luminosidade.
O professor Koch murmurava coisas ininteligíveis, para si mesmo, até finalmente se
virar.
— Isto não é nenhuma protuberância, major — disse ele.
— O que é, então?
Nenhuma resposta.
Koch correu ao telescópio, entrando desajeitadamente no assento. Redhorse ajudou-
o nisso, ligando imediatamente o direcionamento automático. O tubo do telescópio girou,
apontando diretamente para a nuvem luminosa.
Koch apertou o olho contra a ocular.
Para não ficar parado sem fazer nada, Redhorse também ligou as telas de
reprodução, que mostravam exatamente, em tamanho aumentado, aquilo que Koch via no
momento.
A nuvem consistia de matéria luminosa, mas com toda certeza não era uma
protuberância, no sentido normal. Agora ainda se encontrava afastada dez milhões de
quilômetros, pairando com absoluta certeza na direção do ponto de colisão. Quando Koch
ajustou um pouco melhor o telescópio, a ponta da nuvem tornou-se nitidamente visível.
A ponta de ataque...?
Pela primeira vez Redhorse teve a idéia maluca de que poderia tratar-se de um
ataque. Imediatamente afastou este pensamento, apesar de parecer um acaso muito
improvável, que a nuvem se comportasse de modo tão decisivo, visando o alvo. Mas isto
ainda não era certo. Dentro de exatamente dez minutos ela atingiria a órbita da KC-1 — e
seguiria voando pelo espaço.
Koch tirou o olho da ocular.
— Espantoso, realmente extremamente fora do comum. Estamos vendo uma coisa
que nem deveria existir. Acho que devia aconselhar-se com o Dr. Harrison. Ele é um
expert nessas coisas.
Redhorse olhou para Koch, sem querer acreditar. O Dr. Harrison era biólogo e um
expert em vida extraterrestre.
— Faça o que eu lhe disse — aconselhou Koch, de repente calmo e ponderado. —
O senhor não tem outra alternativa, que não a de reconhecer a realidade dos fatos.
— A nuvem... O senhor está querendo dizer...?
— Sim, ela é inteligente. Ela não apenas vive, mas também pensa. Isso pode-se
deduzir, sem erro, do seu comportamento. Pela primeira vez em nossa história nós nos
encontramos com energia inteligente.
Redhorse não respondeu. Foi até o intercomunicador, e mandou que o ligassem com
o biólogo. Harrison estava em sua cabine, lendo. Fez algumas piadas pertinentes, quando
Redhorse o informou sobre o que haviam visto no observatório, porém quando Koch lhe
explicou do que se tratava, ele esqueceu, inclusive, de desligar o intercomunicador.
Segundos mais tarde ele apareceu na cúpula.
— Onde está isso? — tossiu ele, atirando-se para o telescópio.
Koch deu-lhe o lugar, de boa vontade, contentando-se com as telas de imagem.
Redhorse continuou não dizendo nada. Olhou para fora, em direção à nuvem, que nos
minutos que haviam passado tornara-se ainda maior.
Harrison ficara imóvel, colado na ocular.
Entrementes a nuvem chegara à órbita da KC-1. Ela diminui sua velocidade,
girando sobre si mesma. Com isto, aparentemente, diminuiu de tamanho, mas isso era
apenas uma ilusão ótica. A ponta estava dirigida exatamente para a corveta, que voava ao
seu encontro.
Finalmente Harrison parecia ter visto o bastante.
— Não há dúvida — disse ele, tão sério como Redhorse jamais o havia visto —
trata-se de uma matéria viva, ou melhor: energia viva. Além disso, esta vida deve ser
inteligente. Ela pensa e age correspondentemente. Comporta-se como se estivesse
interessada em manter contato conosco — ele pigarreou. — O senhor sabe que minha
especialidade são formas de vida extraterrestres. Durante toda minha vida ocupei-me
disto, tendo publicado muitos livros a respeito. Já antigamente, em minha adolescência,
eu afirmava que devia haver inteligências que não possuíam um corpo material. Nós já
encontramos algumas dessas inteligências — certo. Mas jamais topamos com energia
viva e inteligente. E exatamente este será o caso, dentro de poucos minutos, se não
abandonarmos imediatamente esta órbita, desaparecendo daqui o mais depressa possível.
Aliás — acrescentou ele — eu lamentaria isso, profundamente.
— O senhor acha que essa “coisa” aí fora é perigosa? — perguntou Redhorse.
Harrison ergueu os ombros.
— Não tenho a menor idéia. Nós temos nosso campo defensivo hiperenergético,
que detém qualquer forma de energia. Não deixa passar nada. Nem mesmo aquilo ali.
Koch tomou Harrison pelo braço.
— Eu sou astrônomo, doutor, não sou biólogo. Nem tenho a sua sabedoria nesse
campo. O que é que eu devo imaginar como sendo energia inteligente?
Harrison lançou um olhar através das paredes transparentes da cúpula. A nuvem
luminosa aproximara-se ainda mais.
— Ainda temos algum tempo. Vou tentar explicar-lhe. Afinal, o que é inteligência?
Em primeiro lugar está o corpo, que consiste de matéria. Todo ser vivente dispõe de um
corpo. Portanto, se existe matéria inteligente — e também o homem nada mais é do que
matéria, provida de inteligência — também deve existir energia inteligente. Biólogos
terranos chegaram a essa conclusão, há muito tempo, mas sempre viam suas discussões,
sobre isto, apenas como teorias interessantes. Designava-se esta forma teórica de vida
como matéria luminosa viva. Uma expressão bastante inexata.
Na cúpula de observação não havia qualquer luz acesa, para não atrapalhar a visão
para fora. Mas pareceu a Redhorse que agora ficara mais claro. Ele seguiu os olhares de
Harrison e Koch. E sua antiga inquietação retomou.
A nuvem agora cobria praticamente todo o céu. E envolveu a nave. As estrelas mais
fracas empalideceram, como no alvorecer do dia, e só as maiores ainda brilhavam através
daquela luminosidade.
Redhorse foi até o intercomunicador.
Mandou que acordasse o Major Nowak-Mills, para que assumisse o comando. A
KC-1 foi colocada em estado de alerta.
— Acho que sua providência é desnecessária — disse Koch, inseguro. — Por que a
nuvem luminosa deveria significar perigo? Não creio que ela tenha intenção de atacar.
— Entretanto, ela se comporta como se fosse — disse Harrison e apontou para fora.
— Não apenas modificou sua direção, mas também ajustou a sua velocidade à nossa. Ela
agora está voando conosco em torno do sol, e envolveu inteiramente a nossa nave. Se isso
é possível de ser explicado com leis naturais normais, gostaria muito de ouvi-las,
professor.
— Visto sob o ponto de vista da astronomia, trata-se de um fenômeno inexplicável
— disse Koch, inseguro.
— Essa formulação nem me é estranha, nem original — zombou Harrison. E não
tirava os olhos da nuvem luminosa. — Estou muito interessado em saber se ela tentará
comunicar-se conosco.
— Ora, pare com isso, de uma vez por todas — gritou Redhorse, que pela primeira
vez em sua vida mostrava-se realmente nervoso. — Mesmo que se trate de energia viva
ou qualquer outro organismo luminoso vivente, isso não significa que o mesmo tenha que
ser inteligente. Talvez seja possível determinado processo de raciocínio, mas inteligência,
com discernimento e capacidade de planejamento... Não! Para isso, é preciso muito mais!
— Para isso é preciso mais, acha o senhor? — Harrison deu uma gargalhada sonora.
— O que — além de energia suficiente? E aquela nuvem aí fora tem mais energia à sua
disposição do que o senhor possa imaginar, comandante.
— Se a nuvem é inteligente, ela também é perigosa — concluiu Redhorse, ligando
novamente o intercomunicador. O Major Nowak-Mills atendeu. — Alerta para o
comando de fogo. Espere por novas instruções minhas. Mantenha-se junto dos controles
de propulsão.
— Entendido, sir. Deixo aberto o intercomunicador?
— Naturalmente. Mas não se preocupe com o que acontece aqui na cúpula. O
senhor o entenderia tão pouco quanto eu...
— Sir...?
Redhorse anuiu-lhe e voltou-se novamente para Koch e Harrison, que estavam
prestes a chegar a uma briga feia, devido a fenômenos inexplicáveis no interior da
nuvem.
E então ele ouviu, de repente, aquela voz.
Era uma voz telepática, isso Redhorse deduziu imediatamente. Pelas expressões dos
dois dentistas verificou que também eles recebiam a mensagem. Além disso a tela de
imagem mostrava também o rosto espantado do Major Nowak-Mills. Com isto, parecia
claro que todo homem a bordo da KC-1 podia ouvir aquela voz sinistra.
A voz dizia:
— Nós sabemos o que vocês pensam, e quem vocês são. Queremos agradecer-lhes
por terem vindo. Vocês significam a salvação.
O Dr. Harrison ficou estarrecido. O seu rosto iluminou-se como se acabasse de ter
tido uma revelação. Sua teoria se confirmara. Não podia mais haver qualquer dúvida de
que a nuvem luminosa era um ser vivente dotado de inteligência, que se comunicava
telepaticamente.
Tudo isto eram coisas que também Redhorse registrara, mas em primeira linha
verificou que não havia previsão de uma ação inimiga da parte da nuvem. Ao contrário.
A comunicação mental falava alguma coisa sobre salvação. Portanto aquele estranho ser
vivo estava em perigo.
Precisava de ajuda.
— Eu vou falar em voz alta — disse Redhorse para Harrison e Koch. — Ela,
certamente, também me entenderá assim — ele olhou para fora, onde a massa luminosa
batia contra o campo de proteção hiperenergético, sendo repelida, em ondas reluzentes.
— Quem são vocês? E como é que nós podemos ajudá-los?
A resposta veio imediatamente e podia ser entendida com perfeição.
— Nós somos nós. Mas que parede impenetrável é esta, que nos separa de vocês?
Vocês terão que removê-la, se quiserem ajudar-nos.
O Dr. Harrison devolveu o olhar inquiridor de Redhorse, e sacudiu a cabeça. Em
voz alta ele disse:
— De modo algum, major. O campo energético é nossa única proteção. A nuvem
concedeu que é incapaz de atravessá-lo. Uma comunicação telepática é possível — e isso
basta.
— O senhor acha que a nuvem é perigosa?
— Talvez.
Redhorse olhou novamente para fora. A massa luminosa não refulgia por igual, em
todas as suas partes. Ela parecia mover-se dentro de si mesma, ondeando de um lado para
o outro, como uma espécie de neblina. As formas dos redemoinhos, nitidamente visíveis,
modificavam-se constantemente. Repetidamente — pelo que Redhorse pôde observar —
esses redemoinhos quebravam-se contra o campo hiperenergético, para sempre resvalar
pelo mesmo, sem conseguir penetrá-lo.
— Nós temos que deixar a parede — disse ele aos seres luminosos. — Ela nos
protege contra vocês. Isto não é por desconfiança, mas nossas duas formas de vida são
diferentes demais. Um contato direto poderia matar-nos ou destruí-los. Expliquem por
que precisam de nossa ajuda.
— Nós somos energia e nos alimentamos de matéria. Nosso sol já teve quatro
planetas, mas isso já faz muito tempo. Desde então nós estamos famintos. Não há, neste
sistema, mais qualquer tipo de massa, e nós não conseguiríamos suportar o vôo até
alguma outra estrela. Vocês e nós poderíamos fazer uma troca. Vocês nos dão matéria,
nós lhes damos energia.
Harrison aproximou-se de Redhorse.
— Cuidado, major! Isso parece muito inocente, mas na realidade nós nos
encontramos com o maior perigo imaginável. Apesar disso, eu gostaria de estudar esta
forma de vida. Por outro lado, meu conselho é este: Vamos desaparecer daqui, enquanto
ainda podemos fazê-lo.
Koch se lastimava:
— Uma perda para a ciência! Que perda...
— Nós não deixaremos mais que saiam daqui!
Na tela de imagem do intercomunicador apareceu o rosto do oficial de comando de
tiro.
— Sir, talvez um tiro fosse a resposta acertada.
— Terá pouco sentido, capitão — disse Redhorse. — O ser coletivo consiste de
energia. Como é que poderíamos afastá-lo com energia?
Harrison disse, pensativo:
— Energia contra energia? Por que não? Afinal o homem é composto de matéria, e
é possível matá-lo com matéria, com uma bala, por exemplo.
Redhorse não respondeu. No seu lugar, entretanto, “falou” aquela estranha forma de
vida.
— Energia nada poderá contra nós, pois nós somos energia pura e vivemos de
energia pura — numa estrela. Mas se nós atacamos a sua matéria, alteramos a sua
estabilidade. Isto apressaria o nosso fim. Nós precisamos de matéria, de nada mais.
— E nós não podemos ceder matéria. Isso seria o nosso fim.
— Nós não os deixaremos mais sair daqui.
Esta era uma ameaça muito clara. Os seres de luz haviam tirado a máscara. Agora
suas intenções eram muito claras.
— Vocês não poderão nos impedir de fazê-lo — disse Redhorse. Ele fez um gesto,
chamando o Dr. Harrison. — Sim, doutor, o que é que o senhor acha?
— Quero pedir-lhe uma coisa, Major Redhorse. Quem sabe quando e se nós jamais
nos encontraremos novamente com esta forma de vida. Façamos uma experiência. Vamos
dar-lhes matéria. Com o canhão conversor.
Redhorse olhou-o, perplexo.
— Uma bomba? A troco de quê?
— Sem ignição, para que não detone. Uma bomba é matéria. Logo veremos o que
eles farão com ela. Só pode ser com o canhão conversor porque ele é capaz de transportar
massa através do campo hiperenergético.
— Compreendo — ele olhou novamente para fora. — Nós vamos dar-lhes um
pouco de matéria, mas somente tanta quanto pudermos dispensar. É uma bomba
inofensiva. Afastem-se de nós. Vocês não devem ficar perto demais.
Não houve resposta. A nuvem parecia decidida a não largar mais a presa que
conseguira envolver. Os torvelinhos luminosos envolviam a KC-1 como uma esfera
chamejante. Eles não recuaram nem um centímetro.
Com voz calma, Redhorse deu suas instruções. Na sala de comando de tiro uma
bomba foi desativada, antes de ser colocada no canhão conversor. Distância do ponto de
materialização: Quinhentos quilômetros.
Redhorse tinha suas razões para isso, mas nem ousou pensar muito nelas.
Depois ordenou a Nowak-Mills ligar os jatos.
— Vocês estão seguros! — finalmente mais uma mensagem telepática da nuvem
sinistra. — Vocês não poderão mais sair daqui. E também não poderão esconder-se
eternamente atrás do seu campo energético. Ele é de cinco dimensões, caso contrário
nós poderíamos penetrá-lo.
Redhorse hesitou em dar a ordem para disparar a bomba inofensiva. E disse ao seu
lugar-tenente:
— Experimente aceleração mínima, e depois informe o que acontece.
Segundos depois veio a notícia:
— Não acontece nada, sir. A nave permanece na órbita e não consegue deslocar-se.
Parece que estamos levando um planeta inteiro a reboque.
Redhorse fez um sinal para Harrison.
— Muito bem, nesse caso, vamos experimentá-lo.
O disparo da bomba através do campo hiperenergético não foi nenhum problema.
Ela desmaterializou e simplesmente foi teleportada através da zona de bloqueio. A
quinhentos quilômetros de distância da nave, ela voltou novamente ao espaço normal,
materializada — algumas toneladas de matéria. Uma mancha diminuta, escura, nas telas
de imagem.
Redhorse, Harrison e Koch ficaram olhando a nuvem energética brilhante, como
que hipnotizados.
A modificação começou imediatamente.
A notícia de que, em algum lugar em meio da nuvem, havia um pedaço de matéria,
devia ter-se espalhado com uma velocidade inconcebível. Nas telas de imagem era
possível ver como redemoinhos luminosos se concentravam em tomo da bomba,
envolvendo-a. E a quinhentos quilômetros de distância, o espaço ficava cada vez mais
claro.
— A nuvem está recuando — murmurou Harrison. — Provavelmente a massa da
bomba será transformada, controladamente, em energia — só assim a nuvem poderá
alimentar-se. A nuvem é um ser coletivo mas suas partes unitárias são egoístas. Dê uma
olhada...
E realmente era assim. O círculo externo da nuvem devia recear nada conseguir
daquele despojo. Ele pressionava para o interior — e de repente a KC-1 estava livre. A
aceleração começou imediatamente. A nave abandonou a órbita, afastando-se da nuvem
luminosa, que se aglomerava em torno da bomba, esquecendo a presa melhor.
— Desta escapamos — disse Harrison, aliviado. — Se a massa da bomba realmente
for convertida inteiramente em energia, deverá dar sustento suficiente para essa “coisa”.
Só não compreendo por que nada está anotado, nos mapas, sobre isso. Os arcônidas
certamente também já devem ter andado por aqui, alguma vez.
— Talvez a nuvem tenha morrido de fome, em quarenta mil anos — suspeitou
Redhorse.
A KC-1 afastou-se cada vez mais do sol amarelo, entrando numa nova órbita. Ainda
era possível distinguir a nuvem luminosa a olho nu. Ela se aglomerara, reduzindo-se, e
brilhava bem mais clara. Cintilava como um sol.
Koch correu para o telescópio. Ele estava firmemente decidido a observar o
fenômeno, por tanto tempo quanto lhe dessem oportunidade de fazê-lo. Harrison fez-lhe
companhia nisso.
Quando Redhorse deixou a cúpula de observação, a discussão entre os dois
cientistas já se inflamara.
Na sala de comando ele encontrou olhares aliviados. Todos estavam contentes por
terem escapado do perigo.
No silêncio, de repente, ouviu-se a voz agitada do chefe de radiocomunicações:
— Sir — contato de hiper-rádio!
Era Kasom.
— Redhorse — precisamos de sua ajuda! Venha imediatamente!
— Posição?
— Aí vão os dados e instruções...
Kasom falou durante dois minutos. Depois o receptor emudeceu.
Redhorse voltou à sala de comando com uma expressão impenetrável no rosto. Em
silêncio tomou lugar atrás dos instrumentos. Na tela de imagem continuava a ver-se o sol
e a nuvem luminosa resplandecente.
Segundos depois, ambos haviam desaparecido, enquanto a KC-1 entrava
velozmente pelo espaço.
6
Frasbur era alto e delgado. Sua pele tinha uma cor morena, aveludada, e os cabelos
muito negros eram ondulados e cheios. Ele era um homem que tinha uma incrível rapidez
para reagir.
He jamais vira Gucky, mas imaginou logo que ele pertencia aos terranos, que lhe
estavam dando tantos aborrecimentos. De modo algum ele cometeu o erro de subestimar
o rato-castor, cujos dons e capacidades ainda lhe eram desconhecidos. Mas, como Gucky
surgira aqui no Pavilhão Memorial, no mínimo devia ser um teleportador.
Lemy Danger ele não viu.
Gucky também possuía um tempo muito curto para reagir. Ainda antes de Frasbur
poder pegar na sua arma, ele já fechara o capacete, ligando o seu próprio campo
energético. Automaticamente o telecomunicador funcionou.
— Frasbur, se não me engano. Se alguma coisa aconteceu com aqueles três homens
ali na jaula, nem poderá imaginar o que o espera. Caso contrário, pode até ser que o
deixemos viver.
Frasbur entendeu cada palavra, pois Gucky falava na língua tefrodense. E Frasbur
era um tefrodense do tempo relativo, e não um lemurense ou um duplo.
Ele deu alguns passos para o lado, até colocar-se bem próximo da jaula reticulada
de transmissão. Sem sabê-lo, quase pisou em Lemy — invisível — mas este rapidamente
saltou para o lado.
— Os prisioneiros não são protegidos por um campo energético. Eu poderia matá-
los, agora, sem dificuldade, sem que alguém pudesse impedir-me de fazê-lo. Isto é uma
base para negociações?
Era uma base, isso Gucky teve que conceder.
— A morte dos prisioneiros de pouco lhe adiantaria, e muito menos aos senhores da
galáxia. Ao contrário: O senhor teria um monte de aborrecimentos, mesmo sem contar
comigo.
— Muito bem, o que quer de mim?
— Liberte os prisioneiros, e nós o deixaremos em paz.
Frasbur riu.
— Está impondo condições, quando sou eu que estou em posição melhor?
— As aparências enganam, Frasbur. O senhor não está em posição melhor, mas não
pode exigir que eu lhe ponha os meus trunfos sobre a mesa. Posso garantir-lhe,
entretanto, que não sairá são e salvo do seu esconderijo, com seu campo energético ou
não.
— Está blefando.
Gucky manteve-se aparentemente calmo. Ele sabia o que estava em jogo. Uma
observação errada, ou um movimento, e Frasbur podia matar Tako, Tronar ou Rakal.
Ninguém poderia impedir que o fizesse. Havia apenas uma única possibilidade de anular
o agente do tempo. Era preciso levá-lo a desligar o campo energético, que o protegia do
mundo exterior.
— Em seu lugar, eu não estaria tão convencido disso — declarou Gucky.
Frasbur olhou para os seus três prisioneiros. Continuavam deitados ali, imóveis,
mas conseguiam ver e ouvir tudo. Somente ele, Frasbur, conhecia o método, que os
livraria do hiperchoque. Mas nada o levaria a aplicá-lo.
— Como é que quer me obrigar a devolver os movimentos aos três terranos?
Acredita que seja capaz de manipular meus aparelhos? É o senhor que depende de mim,
confesse-o. E por isso mesmo terá que aceitar as minhas condições.
Por dentro, Gucky estava fervendo de raiva, mas controlou-se. Ele certamente
conseguiria levar Frasbur a cometer uma imprudência — para isso bastaria ter bastante
paciência.
Frasbur dirigiu-se até a grande parede com os controles e os telões de vídeo, com a
aparelhagem de comunicações. Apertou uma tecla, sem preocupar-se com o aviso de
Gucky. Ele sabia que ninguém poderia fazer-lhe mal algum.
Uma voz que parecia mecânica falou.
— Às suas ordens, senhor.
Frasbur sorriu, friamente, quando disse ao robô:
— Eu fui atacado no Pavilhão Memorial. Todas as saídas devem ser imediatamente
fechadas e guardadas. Ninguém pode sair, a não ser eu mesmo. Preparem a paradefesa.
Dez robôs de combate, imediatamente, ao Pavilhão Memorial. O intruso deverá ser
aniquilado — ele desligou e virou-se. — E agora?
Campos energéticos são uma faca de dois gumes. Frasbur conseguia mexer nas
instalações sem desligar o seu campo energético individual. Feixes energéticos passavam
de dentro para fora, mas jamais ao contrário.
— Vamos esperar — disse ele calmamente. — Há uma coisa que o senhor
esqueceu.
E então ele deu um pulo enorme, quando a porta foi aberta violentamente e os
guardas-robôs penetraram no Pavilhão Memorial. Imediatamente abriram fogo em cima
do rato-castor.
Gucky agiu com a velocidade de um raio, e exatamente conforme planejara. Fez uso
de seus dons telecinéticos.
Até mesmo um forte campo energético individual suporta apenas uma carga bem
determinada, depois ele acaba arriando. Quando penetra nele mais energia do que ele
mesmo devora para se manter, torna-se inútil.
Os tiros energéticos dos robôs eram dados completamente a esmo através do
pavilhão, sem encontrar um alvo. A força invisível de Gucky dirigiu os seus braços
armados numa outra direção, mas ele precisou de pelo menos dois minutos, até
finalmente ter todos os dez robôs sob o seu controle telecinético. Teve que concentrar-se
fortemente, e evitar, ao mesmo tempo, que um feixe de energia perdido, daquelas armas,
atingisse a jaula gradeada, com os mutantes imóveis.
Mas então as dez armas energéticas concentraram os seus raios no alvo que lhes era
ordenado.
No campo energético individual de Frasbur.
O agente do tempo ficou tão perturbado que quase não compreendeu em tempo o
que estava acontecendo. Ficou parado, como petrificado. O seu cérebro trabalhava e ele
logo reconheceu o tipo de perigo a que estava exposto. Um telecineta! Um telecineta que
obrigava os robôs a atacar o seu próprio chefe.
E dez feixes de armas energéticas, concentrados, eram demais até mesmo para o
campo energético individual de Frasbur.
O agente do tempo abaixou-se e passou correndo velozmente através das fileiras de
robôs, que não conseguiam reagir com a velocidade que Gucky gostaria que eles
tivessem. Ele atingiu a porta ainda aberta, correndo para o corredor. Gucky não podia
segui-lo, sem que os robôs imediatamente o atacassem.
— Lemy, atrás dele!
Ele não sabia se Lemy o escutara, e também não podia vê-lo. Somente pôde esperar
que o siganês invisível estivesse perseguindo Frasbur, sem perdê-lo de vista.
Antes de mais nada, teve que dar um jeito nos robôs, que se opunham, inutilmente,
contra a influência telecinética. Mas, por tempo indeterminado, nem um mestre telecineta
como Gucky seria capaz de pôr dez inimigos, ao mesmo tempo, em xeque.
No corredor, ouviam-se passos pesados. Que se aproximavam cada vez mais.
E então apareceram mais cinco robôs de combate, no Pavilhão Memorial.
Agora a coisa ficara séria para o rato-castor. Ele teve que usar de toda a sua
capacidade para não ser esmagado pela simples superioridade numérica. Mas por nenhum
dinheiro deste mundo ele agora teleportaria para colocar-se em segurança, deixando para
trás os seus amigos em estado de choque. Quisesse ele ou não, tinha que dar um jeito nos
robôs, tinha que vencê-los.
Os cinco recém-chegados abriram fogo, mas logo tiveram uma surpresa, com a qual
certamente não haviam contado.
Acabaram entrando no fogo cruzado dos seus próprios colegas. E como eles não
possuíam campos energéticos de proteção, o resultado foi devastador.
Dentro de apenas vinte minutos estavam incapacitados para qualquer ação, ou
inteiramente destruídos. Os seus destroços cobriam o piso do pavilhão e quase fecharam
o caminho para a fuga. Mas esta era a menor preocupação de Gucky, neste momento.
Ele ergueu dois dos dez robôs restantes do chão, e fez com que se atirassem, com
fúria total, em meio aos outros. Houve uma terrível confusão, e os feixes das armas
energéticas encontraram novos alvos. Quando Gucky retirou-se um pouco, para ganhar
novas forças, apenas quatro robôs de combate ergueram-se ainda, partindo para cima
dele, com as armas em riste.
Gucky esperou-os calmamente.
***
Frasbur corria pelos corredores, como se tivesse o demônio nos calcanhares.
E algo parecido era realmente o caso, só que o agente do tempo não o sabia. É que
Lemy ficara bem junto dele, esperando pela sua oportunidade.
A princípio esperou inutilmente. Frasbur nem pensava em desligar o seu campo
energético protetor.
O agente do tempo reconheceu ter cometido um erro. Apesar de todos os cuidados
ele subestimara o seu oponente, mas como é que ele poderia ter imaginado que o pequeno
estranho era teleportador e telecineta a um só tempo?
Este adversário não devia escapar-lhe. De qualquer modo, ele podia fugir e levar
consigo os estranhos paralisados. Os terranos certamente tinham conhecimento
suficiente, no campo médico, para eliminar os efeitos colaterais da hiper-transmissão.
Por isso ele tinha que fechar o Pavilhão Memorial hermeticamente à superfície, para
que os prisioneiros não pudessem ser seqüestrados.
Infelizmente ele não pensara em garantir o novo Pavilhão Memorial com uma para-
armadilha — um erro, conforme agora ficava demonstrado, os lemurenses possuíam este
tipo de instalação. Estavam estocadas em lugares seguros, mas podiam ser apanhadas a
qualquer hora e instaladas.
E era exatamente isto que Frasbur pretendia fazer.
No corredor, ele encontrou alguns robôs especiais. Deu-lhes a ordem de se
ocuparem imediatamente com o invasor do Pavilhão Memorial, e correu em frente.
Lemy continuou nos seus calcanhares. Além de tudo ele ligara sua aparelhagem de
vôo individual, já que não podia correr tão depressa. Assim ele pairava silenciosamente e
invisível atrás de Frasbur, que não se dava conta do seu estranho perseguidor.
O agente do tempo parou por um instante diante do elevador antigravitacional, com
o qual ele antes deixara o seu esconderijo e pelo qual também havia voltado. Depois
continuou, desta vez mais devagar. Chegou ao fim do corredor e parou novamente.
Uma parede de metal era tudo que se podia ver. Lemy convenceu-se imediatamente
que não se tratava de uma simples parede, e já o segundo seguinte deu-lhe razão.
Frasbur apertou com o pé num controle escondido, e a porta secreta deslizou para
dentro da parede oca do corredor. Fez-se uma abertura, suficientemente grande para que
Frasbur pudesse passar.
Antes de poder fechá-la novamente, Lemy também já havia passado.
O novo corredor tinha uma iluminação apenas suficiente e era bem mais estreito.
Frasbur mandara fazê-lo, para ter um caminho de fuga, mas, em primeira linha, para
poder surgir, a qualquer momento, sem ser esperado e notado, no espaçoporto e na
administração lemurense.
Ele não confiava nos lemurenses.
E sabia que eles também não confiavam nele.
Lemy não sentia o piso áspero, mas pôde ver pelo caminhar cuidadoso de Frasbur
que aquele corredor só era usado muito pouco. Continuava esperando por sua
oportunidade, e esperava que a mesma não demoraria a chegar.
E veio, quando Frasbur chegou ao fim do corredor.
Ele entrou no elevador antigravitacional, que imediatamente dirigiu-se para o alto.
Tudo ficou mais claro, e logo Frasbur estava dentro de uma espécie de guarita, parecendo
sem importância, como havia dúzias delas à beira do espaçoporto.
Os holofotes varriam o terreno, mergulhando-o numa luz que parecia dia. Por perto,
patrulhavam sentinelas, com as armas prontas para atirar. Eles parariam qualquer pessoa,
mas o deixariam passar, sem questioná-lo, o Grão-Mestre-Conselheiro da Terra. Frasbur
sabia disso e contava com isso. Agora não podia perder tempo. E se os técnicos
responsáveis pelas para-armadilhas estivessem dormindo, ele simplesmente teria que
acordá-los.
Naturalmente ele não poderia continuar andando por aí, protegido pelo seu campo
energético individual sem causar suspeitas. Teria que desligá-lo.
E o fez, ainda dentro da pequena guarita.
Lemy há muito tempo estava com a sua diminuta arma energética apontada para ele,
pronta para atirar. Ele a havia regulado de tal modo que apenas paralisaria uma pessoa,
sem matá-la. A paralisação duraria várias horas, caso não fosse injetado um antídoto.
Frasbur arriou como se tivesse sido atingido por um raio, quando o campo
paralisador o envolveu. Por sorte, ele não chegou a cair para fora da guarita, ficando
deitado sob sua proteção. Os guardas no espaçoporto nada notaram.
Lemy verificou que o adversário fora posto fora de combate, depois concentrou seus
pensamentos em Gucky e esperou que o rato-castor agora tivesse tempo para dar-lhe
atenção. E esperou.
***
Gucky ofereceu uma violenta batalha aos robôs do agente do tempo.
Secretamente ele sentiu pena que, além dos três mutantes paralisados, ele não
tivesse outras testemunhas, pois em sua opinião valeria a pena que esta luta fosse
registrada nos anais da história da humanidade. E no fundo, chegou até a divertir-se com
o que acontecia.
O piso do Pavilhão Memorial parecia um campo de ruínas após um violento ataque.
No meio daquilo tudo, de vez em quando mexia-se ainda uma ou outra peça de metal,
mas isso era tudo. Cada robô, que de agora em diante entrava no pavilhão, era
imediatamente exterminado por Gucky, com um tiro ou por telecinesia.
E então não apareceu mais nenhum.
Gucky trancou a porta. Ele agora podia ter certeza de que naquelas instalações
subterrâneas praticamente não havia mais um só robô. Foi até a jaula e olhou para aqueles
vultos imóveis no chão.
— Vocês podem pensar, portanto também podem me responder. De resto, está tudo
bem com vocês? Algum dano?
Tako respondeu por todos. Ele pensou:
— Tudo em ordem. Nossos sentidos trabalham normalmente, porém os nervos e
músculos estão paralisados. Frasbur pretendia levar-nos aos senhores da galáxia.
Dentro de uma hora. Tire-nos daqui, Gucky.
— Isso é fácil de dizer. Kasom e Redhorse esperam por nós. Lemy está tentando
liquidar Frasbur. Vocês têm que sair desse estado de paralisia antes que nós possamos
transportar-nos para um lugar seguro. Logo que eu tiver contato telepático com Lemy,
veremos...
Ele silenciou. Lemy o chamava. Ele paralisara Frasbur e esperava por ajuda.
— Logo estarei de volta. Não se preocupem, eu não demoro nada.
Ele localizou o lugar onde se encontrava Lemy e teleportou. Dez segundos mais
tarde rematerializou novamente do Pavilhão Memorial em ruínas. Colocou Frasbur no
chão e depôs cuidadosamente Lemy que tornara-se visível outra vez.
Na voz de Gucky havia satisfação.
— E então, Frasbur, o que me diz agora? Os seus robôs estão todos transformados
em sucatas, não valendo mais nada. Se a ligação de hiper-rádio com os seus senhores e
patrões ainda funciona, eu não sei. Mas sei que dificilmente ainda irá precisar dela. E
agora eu gostaria de pedir-lhe para libertar os três prisioneiros do seu choque. Está
preparado para isso?
Frasbur não podia responder, mas pensava.
E pensou um claro e categórico NÃO.
Gucky tirou-lhe os aparelhos que serviam para a formação do campo energético.
Aliás, tirou-lhe tudo que lhe pareceu suspeito. Deixou-lhe apenas o uniforme. Depois
injetou-lhe o antídoto, e poucos segundos mais tarde Frasbur estava novamente capaz de
agir. Mas isso não lhe adiantou muito. Lemy mantinha a sua arma constantemente
apontada para o agente do tempo.
Gucky procurou nos seus bolsos e tirou de lá um tubinho de comprimidos. Colocou-
os na sua mão espalmada e olhou-os quase que amorosamente.
— Uma droga dos diabos, que nossos químicos acabaram inventando! Na realidade
não é possível imaginar que estas pílulas possam ter um efeito tão destrutivo. E ainda por
cima, tão rapidamente! Até mesmo um sáurio esqueceria, em poucos minutos, que pesa
algumas toneladas. Aliás, ele esqueceria tudo. Como um ser humano. Só que o efeito nos
seres humanos é bem pior, porque eles, afinal, possuem uma coisa que se pode destruir.
Ou seja, um cérebro.
Ele olhou Frasbur, do alto, pois o primeiro estava acocorado no chão.
— Não entendo uma só palavra — disse Frasbur teimosamente, apesar de Gucky ter
dado indicações suficientes. — Que comprimidos são esses?
Gucky segurou o tubinho contra a luz indireta do teto.
— Pílulas para retificação de circunvoluções cerebrais — disse ele, embevecido. —
É que, assim, os pensamentos fluem mais facilmente.
Frasbur olhou-o sem entender.
— Como? — perguntou ele, perplexo.
— Ora, é muito simples. Mas, afinal, o senhor é leigo, ia me esquecendo disso.
Bem, como é que eu conto isso a meu filhinho? Bem, o que acontece, para expressá-lo
com o máximo de simplicidade, é que, uma vez que não há mais circunvoluções, os
pensamentos passam com uma velocidade tamanha pelo cérebro, que o mesmo não tem
mais tempo algum para armazenar lembranças. E agora, deu para entender?
Frasbur já não olhava mais Gucky, sem entender, mas bastante assustado.
— O senhor está querendo me roubar a memória?
— Não apenas isso — disse Gucky, indiferente, abrindo o tubinho. Tirou logo dois
comprimidos, colocando-os na palma da mão, e olhando em volta, como procurando
alguma coisa. — Um pouco de água talvez fosse bem melhor, pois então elas não seriam
tão amargas. Ora, isso com a retificação, com o endireitamento, digamos assim, das
circunvoluções cerebrais, nem seria tão terrível. Mas a droga tem um efeito ainda mais
profundo, meu amigo. As lembranças existentes permanecem. Portanto o senhor vai
contar-nos tudo que sabe até este momento. Como, por exemplo, também, como se livra
prisioneiros do seu estado de paralisia. E mais do que isso, aliás, nós não queremos saber.
Mas o que acontece depois, não lhe servirá para muita coisa. Essa droga de
endireitamento das circunvoluções cerebrais...
— Pare com isso! — gemeu Frasbur, horrorizado. — O senhor é o próprio
demônio!
— Muito obrigado pelo elogio. Mas eu lhe deixo em paz, se me revelar com nossos
amigos, ali na grade reticulada, as transformam outra vez em homens saudáveis e
lépidos...
— E se eu não o fizer — o que acontece então?
— O senhor é nosso prisioneiro e não tem nada que impor condições, mas eu posso
prometer-lhe que nada lhe acontecerá. De modo algum nós faremos experiências com o
senhor, nem tocaremos no seu cérebro.
Frasbur ficou refletindo. Depois balançou a cabeça.
— Muito bem. Eu vou ajudá-lo. Posso levantar-me?
Gucky leu seus pensamentos, e verificou, satisfeito, que Frasbur falava a verdade. A
perspectiva de transformar-se, para sempre, num idiota balbuciante, tinha sido demais
para ele. Ele agora mostrar-se-ia pronto a colaborar, e talvez, mais tarde, aproveitaria
uma oportunidade para fugir.
— Levante-se, mas nada de movimentos em falso. E ai do senhor, se fizer algum
mal aos prisioneiros! — Gucky ergueu o tubinho. — Nesse caso eu lhe faço engolir todo
o conteúdo de uma só vez, e poso garantir-lhe que, depois disso, em todo o Universo, não
haverá um imbecil maior que um certo Frasbur.
O agente do tempo ergueu ambas as mãos, num gesto defensivo.
— Se o senhor fosse telepata, saberia que estou falando sério.
— Se eu fosse telepata! — disse Gucky, indiferente. — Neste caso, eu também
saberia o que o senhor agora terá que fazer, para ajudar os prisioneiros, não é mesmo?
— Exatamente — concedeu Frasbur, sorrindo friamente.
Gucky verificou que o agente do tempo era cauteloso demais, evitando pensar nos
prisioneiros. Por meios telepáticos não era possível ficar sabendo o que era preciso fazer
para livrar Tako, Tronar e Rakal dos efeitos posteriores ao choque recebido.
Frasbur encaminhou-se à jaula reticulada, a qual, como por milagre, passara
incólume pela luta de titãs entre Gucky e os robôs. Olhou os prisioneiros, antes de virar-
se novamente, erguendo os ombros, e indo para o outro lado do pavilhão. A parede era
recoberta de controles e instrumentos de todo tipo. Alguns tiros energéticos haviam
causado enormes estragos.
— Tiveram sorte — disse Frasbur, puxando uma alavanca. Gucky estava bem junto
dele, com a arma energética pronta para disparar. — Eu agora vou produzir um campo de
transmissão especial, que envolverá completamente os homens em estado de choque.
Este é o método melhor e o mais rápido. Durante este tempo, eles ficam no transmissor.
Não demora mais de cinco minutos.
Gucky espiou nos pensamentos de Frasbur. Até agora, estava tudo certo o que dizia.
Ainda assim, cautela nunca era demais.
Mas também Frasbur foi cauteloso. Se havia telecinetas e teleportadores, por que
não haveria telepatas?
Mas nada é mais difícil do que não pensar em alguma coisa em que se tem que
pensar.
Somente por um único segundo Frasbur pensou na alavanca que puxara para fora, e
este pensamento estava relacionado com o conceito “errado”.
A alavanca certa era aquela que ficava-lhe à direita.
Gucky deu um salto para a frente, e empurrou a alavanca para trás.
— Estava querendo transportar os prisioneiros para algum lugar, Frasbur. Azar o
seu. Eles iriam desaparecer diante de nosso olhos, não é mesmo?
Frasbur recuou.
— Quer dizer que é mesmo telepata? Eu já imaginara.
— Então por que não agiu correspondentemente? Lemy, os feixes de paralisação.
Eu agora posso manipular sozinho estes controles aqui. Frasbur teve a gentileza de pensar
o tempo todo neles.
Frasbur arriou, estremecendo.
Gucky olhou-o por alguns instantes, depois colocou de volta, no seu bolso, o
tubinho de comprimidos, estudando o painel de controles. Com um puxão, ele apertou
para baixo a alavanca, na qual Frasbur fazia tanta questão de não pensar.
A grade do transmissor de repente começou a cintilar, iluminando-se com uma luz
azulada. Tako foi o primeiro a se mover.
— Falar eu anda não posso, mas isso logo virá. Foi a alavanca certa, Gucky.
Graças a Deus! — pensou ele.
— Eu sabia, caso contrário dificilmente ousaria ativá-la. Atenção, vou desligar
novamente. Espero que tenha sido o suficiente.
Mal o campo do transmissor havia sido desligado, Tako conseguiu falar. Tronar e
Rakal se mexeram.
— Já está dando para me mexer novamente. Eu temia que o efeito durasse por horas
seguidas — Tako ergueu-se devagar, hesitante. — Parece um milagre.
Gucky abriu a porta do transmissor.
— Muito bem, agora vamos ver se eu realmente fiz o meu cursinho de primeiros
socorros à toa. Bell está sempre dizendo que durante o mesmo, eu passei o tempo todo
dormindo, esse patife...!
***
Kasom terminara o seu passeio pelo vale, e durante todo o tempo pensara em
Gucky. Ele chegou a conversar, unilateralmente, com ele, descrevendo a situação. Como
não sabia se Gucky captaria ou não os seus impulsos, ele repetira a história pelo menos
uma dúzia de vezes. E agora a conhecia quase de cor.
No momento estava parado na entrada da gruta, olhando para o vale, lá embaixo.
Era uma vista bonita. Por cima estendia-se, infelizmente, um céu cinzento, e o sol
continuava pairando perto do horizonte. Do vale via-se apenas, ainda, o seu reflexo.
E então, de repente, houve um ruído atrás das costas de Kasom.
Ele pegou na arma e virou-se.
Gucky sorriu-lhe, divertido.
— E então, gordão, certamente ficou chateado, por aqui? Afinal, esteve pensando
uma bela baboseira, o tempo todo. Afinal, o que é que as moças de Rajika têm a ver com
a nossa missão...?
Kasom fez que não ouviu a pergunta.
— O que há com os outros? Onde está Lemy? Vocês os encontraram?
— Tudo em ordem, Kasom. Eu vou buscá-los. E também vamos trazer conosco um
lindo pacote — o agente do tempo Frasbur.
— E como é que vamos transportar tudo isso com o mosquito?
— Justamente! Entre em contato, imediatamente, com Redhorse, e ajeite isso. Que
ele se aproxime o máximo possível, depois nós teleportamos. Você pode calcular o
tempo. Redhorse vai precisar, com todo o cuidado, no máximo três horas até aqui. Mas
ele não deve pousar, isso seria perigoso demais. A distância também não quer dizer nada
se pudermos rastreá-lo. Se ele fizer uma comunicação de hiper-rádio durante três ou
cinco segundos, isso bastará. Para mim, como também para os gêmeos. Até que os
lemurenses dêem pela coisa, nós já teremos escapado. Logo estarei de volta com os
outros.
Kasom ainda quis dizer alguma coisa, mas Gucky já estava desmaterializando
novamente.
Kasom encolheu os ombros e entrou na cabine de comando do caça-mosquito.
Dentro de poucos minutos ele tinha estabelecido contato com a KC-1 e com o Major
Redhorse.
Depois, ele sentou-se diante de sua gruta e esperou.
Primeiro apareceu Tako com os gêmeos Tronar e Rakal. Ainda estavam exaustos,
mas fora disso, aquela aventura além do espaço e do tempo não parecia ter-lhes feito mal.
Gucky materializou com Frasbur pela mão e Lemy no bolso do macacão. O agente
do tempo, depois do tratamento recebido de Gucky, estava meio inconsciente e
inteiramente paralisado.
— Isso é bastante embaraçoso durante a teleportação — concedeu Gucky, mais
tarde, quando todos estavam sentados diante da gruta, olhando para o vale. — Talvez seja
melhor, Kasom, que você o leve consigo no caça. Ali ele tem lugar bastante e não
incomoda. Antes disso, nós ainda lhe aplicamos um campo paralisador, para que ele
durma. E quando ele despertar, já estará diante de Perry. E então ele logo abrirá a boca,
só com o susto.
— Pois eu sugiro que você o leve consigo — disse Kasom. — Quem sabe se eu vou
conseguir passar com o mosquito? — ele olhou o relógio. — Redhorse vai irradiar o
microssinal em exatamente duas horas e dez minutos. Precisamos estar preparados, pois
cinco segundos são desgraçadamente muito pouco tempo.
— São suficientes — disse Gucky. Ele olhou lá para baixo, para o vale, e nos seus
olhos, de repente, havia um brilho de saudade. — Aqui só cresce grama. Se eu me lembro
de minha horta em Terrânia, sinto água na boca. Já faz anos que os oficiais da
manutenção só me atiram cenouras congeladas, e ainda acham que, com isso, estão me
fazendo um enorme favor.
— Grama? Lembro-me que você também já comeu disso, certa vez — disse Tako.
— Isso foi no cumprimento do meu dever — retrucou Gucky, que não gostava de
ser lembrado do seu papel como lebre. Mas isso já fazia algumas centenas de anos. —
Tem um gosto horrível.
O tempo parecia passar muito lentamente. Tako e os gêmeos relatavam sua aventura
no hiperespaço. Especialmente o seu encontro com Harno e Ellert mereceu o maior
interesse de Gucky e Kasom. Lemy disse, finalmente:
— Que pena que eu não estava presente! E estes espíritos — ou seja lá o que eles
eram — quiseram convencer vocês a se tomarem um elemento energético do outro
Universo?
Gucky deu sua risadinha irônica.
— Ora, justamente você, Lemy! Eles dificilmente mostrariam interesse no
pouquinho de matéria que você tem para oferecer. Afinal, você mal daria força suficiente
para um barbeador elétrico.
— De qualquer maneira, você não pode negar que... — começou Lemy, mas
silenciou imediatamente, ao ouvir o ruído forte que penetrava na gruta.
— Desapareçam! — murmurou Gucky, jogando-se ao chão, de barriga para baixo.
— Procurem cobertura na gruta!
Eu vou dar uma olhada.
— Não seria melhor se eu...? — perguntou Lemy.
— Deixe isso comigo!
Enquanto os outros recuaram um pouco, Gucky empurrou-se mais para a frente, até
poder olhar para cima. Imediatamente descobriu os quatro planadores, que pairavam bem
próximos do cume da montanha e logo depois iniciaram a descida.
Parecia inteiramente como se fossem pousar.
— Era só o que ainda nos faltava! — disse Gucky, furioso. — O que é que eles vêm
procurar, justamente aqui? — ele verificou que se tratava de planadores
antigravitacionais bem comuns, dos que eram usados para transporte pessoal ou em
expedições. — Não parecem ter armas pesadas. Nós poderíamos dar conta deles, mas se
eles utilizarem o rádio, nosso esconderijo não valerá mais nada.
— Talvez eles nem estejam nos procurando — disse Kasom. — Em caso de
necessidade, vamos ter que surpreendê-los e liquidá-los.
— Isso já está me cansando — resmungou Gucky. Ele pensava na sua luta exaustiva
com os robôs. — Se nos mantivermos bem quietos, eles certamente não nos descobrirão.
Os quatro planadores pousaram. Alguns lemurenses uniformizados desceram e
começaram a discutir vivamente. Era possível ouvir suas vozes irritadas até na gruta,
mas, infelizmente, não se entendia nem uma palavra.
— Quem sabe agora eu poderia... — começou Lemy, mas foi imediatamente
interrompido por Gucky outra vez.
— Fique quieto! Está querendo chamar a atenção desses sujeitos para nós?
Lemy ficou quieto.
Os lemurenses pararam de discutir. Equiparam-se com alguns instrumentos e
marcharam na direção do pequeno riacho. Dois pilotos ficaram para trás, perto dos
aparelhos.
Lemy ligou o defletor e depois sua aparelhagem de vôo autônomo, mas isso os seus
amigos já não viram mais. Apenas sentiram uma leve brisa, quando Lemy saiu voando da
gruta.
Kasom disse:
— Redhorse já deve estar a caminho. Só espero que ele consiga passar pelas linhas
lemurenses sem incidentes. Eles vigiam aquilo muito bem.
Ninguém respondeu, e a conversa morreu novamente. Muito tensos, eles ficaram
observando os homens que haviam chegado ao riacho, tirando o equipamento das costas e
montando-o. Parecia muito o trabalho de um grupo de medições topográficas. Um dos
homens virou-se, repentinamente, batendo com a mão no ar. Depois sacudiu a cabeça,
disse alguma coisa aos seus companheiros, e começou a cavar no chão rochoso.
— Parecem garimpeiros à procura de ouro — disse Gucky, que ainda não
conseguira ler nada de significativo na mente daqueles homens e por isso estava
chateado.
— E são isso mesmo — ou coisa parecia — Lemy tornou-se visível novamente no
centro da gruta, pousando suavemente na rocha. — Eles estão à procura de algum metal.
Parece que ele existe aqui neste vale, pelo que eles puderam constatar com seus
instrumentos. Não precisamos ter medo deles.
— Mas se eu decolar, eles vão notá-lo — enfatizou Kasom. — Aliás, isso não tem
muita importância. Pois em poucos segundos terei Kahalo pelas costas.
— Garimpeiros! — resmungou Gucky, com desprezo. — Quem poderia imaginar
uma coisa dessas!
Kasom olhou o relógio.
— Mais dez minutos. Sugiro que nos aprontemos. O hiper-receptor está ligado. O
que acontece, quando o impulso chega?
Eles discutiram, mais uma vez, todos os detalhes.
Tronar e Rakal Woolver deveriam enfeixar-se imediatamente no hiperimpulso. Sem
perda de tempo eles rematerializariam na sala de rádio da KC-1.
Tako teleportaria junto com Gucky, levando consigo Frasbur ainda inconsciente.
Lemy não oferecia qualquer dificuldade, pois já estaria novamente metido no bolso de
Gucky. Apenas Kasom teria suas dificuldades pois, de modo algum, ele queria deixar
para trás o valioso caça-mosquito. Teria que tentar encontrar a KC-1 com ele. Se isso não
lhe fosse possível, teria que voltar, sozinho, para a Crest.
Cinco minutos.
Os lemurenses estavam justamente examinando as pedras que haviam encontrado
no leito do riacho. Eles estavam bastante ocupados consigo mesmos, e era duvidoso que
notassem o mosquito, quando este decolasse.
Gucky apanhou Lemy do chão, colocando no seu bolso.
— Segure-se, baixinho — aconselhou ele.
Depois pegou a mão flácida de Frasbur. Tako pegou na outra. Prendendo a
respiração, eles esperaram. Os capacetes estavam fechados.
Kasom estava sentado diante dos controles. Tronar e Rakal estavam parados, do seu
lado, esperando também pela microonda de rádio. Cinco segundos, para eles, era tempo
suficiente para enfeixarem-se na onda energética do impulso de rádio.
“Para mim é mais difícil”, pensou Gucky. “Mas se Tako me ajudar, e também
estiver concentrado no lugar exato, a coisa tem que dar certo.”
Kasom olhou para o alto-falante. Dele saía o chiado regular das interferências
cósmicas. Mas dez segundos, de acordo com o seu relógio.
E depois de exatamente dez segundos, ouve um clique no alto-falante.
O sinal combinado!
Depois de exatos cinco segundos ele emudeceu novamente.
Kasom virou-se.
Estava sozinho na gruta.
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