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EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Legenda: meus comentários (amarelo) ; citação indireta (azul claro)

Conclusão: crítica política

P. 294

A teoria literária, como toda superestrutura, sofre as determinações de sua época e seus
avanços estão mais ou menos em consonância com os avanços históricos. “[...] a teoria
literária está indissoluvelmente ligada às crenças políticas e aos valores ideológicos. Na
verdade, a teoria literária é, em si mesma, menos um objetivo de investigação intelectual do
que uma perspectiva na qual vemos a história de nossa época”.

P. 295

Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo, na página 17, afirma que, na Bulgária, havia
exigências da ideologia dominante que norteavam também os estudos literários. Assim sendo,
para não coadunar com a ideologia dominante e, tampouco, se opor efetivamente a ela, ele
seguiria o caminho de abordagem estruturalista, trabalhando com formas linguísticas. “Como
falar de literatura sem ter de me curvar às exigências da ideologia dominante? Tomei um dos
raros caminhos em que era possível escapar da militância geral. Essa via consistia em tratar de
objetos sem cerne ideológico: ou seja, nas obras literárias, abordar a própria materialidade do
texto, nas suas formas linguísticas. Eu não era o único a tentar esta solução: desde a segunda
década do século XX, os formalistas russos já haviam desbravado o caminho, seguidos
posteriormente por outros. Na universidade, nosso professor mais importante era,
logicamente, um especialista em versificação” ( TODOROV ,2012, p.17). Transponho Todorov
aqui sem pretensão de fazer crítica ao que ele chama, em outras palavras, de neutralidade
ideológica. Apenas o faço para mostrar que, em regimes autoritários, as determinações do que
é ou não possível realizar são mais claras do que em regimes democráticos; o regime
autoritário ganha pela força e pelo medo. O regime dito democrático cria um jogo de
linguagem, de discurso, que acaba por impedir que se enquadrem nele certos significados e
posições, conforme dirá Eagleton (2006, p. 303). Mészáros (2005, p.43), mencionando o
abandono da brutalidade e da violência das leis que regiam os pobres no Reino Unido nos
séculos XVII e XVIII, afirma que uma saída econômica e mais eficaz foi encontrada pela classe
dirigente para controlar a sociedade: a educação. “Elas (a extrema brutalidade e a violência)
foram abandonadas não devido a considerações humanitárias, embora tenham sido
frequentemente racionalizadas em tais termos, mas porque uma gestão dura e inflexível
revelou-se um desperdício econômico, ou era, no mínimo, supérflua” (MÉSZÁROS, 2005, p.43).
Percebeu-se que poder-se-ia educar uma população com a finalidade de que ela se adequasse
aos interesses da classe dominante, de modo que as suas ideias parecessem naturais. Cito
Eagleton (2006, p. 295), para completar o papel da educação ou dos guardiões da crítica na
sociedade: “Não se questiona o fato de ser política a teoria literária, nem o fato de que o
frequente esquecimento desse detalhe tende a induzir ao erro: o que realmente é
questionável é a natureza de sua política. Tal objeção pode ser rapidamente sintetizada
dizendo-se que a grande maioria das teorias literárias delineadas neste livro ressaltaram, em
lugar de desafiar, os pressupostos do sistema de poder”. A opção de Todorov não foi neutra,
sem dúvida. A chave para entender essa recusa está nas suas próprias palavras: “Ainda que
não partilhasse da fé comunista – sem, porém, me sentir imbuído de um espírito de revolta –,
refugiava-me no comportamento adotado por muitos de meus compatriotas: em público,
concordava com os slogans oficiais, silenciosamente ou com tom de desprezo” (2012, p.16) .
Não estamos fazendo juízo de valor da opção de Todorov: nossa intenção é mostrar que a
teoria literária é guiada ideologicamente, ou, conforme Eagleton (2006, p. 295), a teoria
literária é disfarçada ou inconscientemente política. No caso de Todorov, havia consciência do
poder político da teoria literária.

P. 301

“O problema da teoria literária é que ela não é capaz de vencer as ideologias dominantes do
capitalismo industrial de nossos dias nem de se unir a elas”

“A impotência do humanismo liberal é um sintoma de sua relação essencialmente


contraditória com o capitalismo moderno. Embora seja parte da ideologia ‘oficial’ dessa
sociedade, e embora as ‘humanidades’ existam para reproduzi-lo, a ordem social na qual ele
existe dispõe, num certo sentido, de muito pouco tempo para ele”

“A aparente deferência reverente do capitalismo para com as artes é uma clara hipocrisia,
exceto quando ele pode pendurá-las na parede como um investimento sólido”

A arte contribui para a reprodução da ideologia do capital, contudo ela não é o foco central da
ordem social a que se liga, visto que o mercado e a economia, ou infraestrutura, apresenta
papel preponderante. O papel da superestrutura, dentro e para o sistema, é de manter as
pessoas e a sociedade sob controle, a despeito dos desequilíbrios reais e estruturais e de suas
desigualdades.

P. 302

O humanismo liberal é interessante para a sociedade burguesa, à medida que fomenta o


individualismo. “Portanto, os departamentos de literatura das instituições de ensino superior
são parte do aparelho ideológico do moderno Estado capitalista” (EAGLETON, 2006, p. 302).

P. 303

O papel das instituições de ensino superior, como aparelhos ideológicos do Estado (EAGLETON,
2006, p. 302) – ainda que não totalmente fidedignos, já que há valores encerrados nessa
tradição que compõem a antítese dos valores dominantes (EAGLETON, 2006, p. 303) –, é
assegurar certos significados e discursos, de modo que elas funcionem como guardiãs e
mediadoras inquestionáveis de ideias e valores de um regime instituído. Inclusive, no caso
específico da Teoria da Literatura, o cânone literário, por vezes, é definido pela adequação ou
não de uma obra a certos tipos de discursos; por vezes, é realmente uma determinação de
uma autoridade arbitrária (EAGLETON, 2006, p.305). “Ademais, se permitirmos que muitos
jovens passem alguns anos apenas lendo livros e conversando, é possível que, em
circunstâncias históricas mais abrangentes, eles não só comecem a questionar alguns valores
que lhes foram transmitidos, mas também comecem a questionar a autoridade que presidiu
essa transmissão”. “Os teóricos, críticos e professores de literatura são, portanto, menos
fornecedores de doutrina do que guardiões de um discurso. [...] Certos escritos são
selecionados como mais redutíveis a esse discurso do que outros; a eles dá-se o nome de
literatura, ou de ‘cânone literário’” (EAGLETON, 2006, p. 304).

O controle ideológico não se faz, em uma democracia, pela repressão direta à liberdade de
expressão, mas pela criação de significantes e códigos a serem dominados por uma
intelligentsia, e somente dentro dos quais certas posições são legítimas. Essa intelligentsia tem
o prestígio social e é também endossada socialmente para emitir opiniões, porém as regras
que balizam o jogo são ditadas pelo Estado (EAGLETON, 2006, p. 303). “Conseguir o certificado
de proficiência em estudos literários outorgado pelo Estado é uma questão de ser capaz de
falar e escrever de certas maneiras. [...] Ocorre que certos significados e posições não são
articuladas dentro desse discurso. Os estudos literários, em outras palavras, são uma questão
de significante, e não de significado” (EAGLETON, 2006, p. 303). – SOBRE ESSA QUESTÃO DA
INTELLIGENSTSIA, Ver SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira.

P. 305

O interesse da crítica literária pelo que ela entende como “literatura” remete ao seu valor,
visto que o texto literário seria mais estimável e compensador do que qualquer outro. Há
textos, contudo, de filosofia, por exemplo, que são mais compensadores do que determinados
textos ditos canônicos, o que nos remete a uma certa arbitrariedade quando se confere a um
texto o rótulo de literário.

P. 306

O discurso crítico fala mais de si mesmo do que sobre a obra. Ele possui regras próprias, é
autorreferencial – dado que, ao julgar uma obra, também faz endossar e legitimar um
conjunto de códigos dominado apenas por uma parcela iniciada da sociedade – e dominá-lo
confere certo prestígio. “[...] o discurso crítico é poder” (EAGLETON, 2006, p. 306) ; “O poder
do discurso crítico articula-se em vários níveis. Ele tem o poder de ‘policiar’ a língua, de
determinar que certos enunciados devem ser excluídos por não se conformarem ao que é
considerado um estilo aceitável” (EAGLETON, 2006, p. 306). O discurso acadêmico tende a se
reproduzir por sua preservação e ampliação controlada por aqueles que detêm a autoridade.
(EAGLETON, 2006, p. 307).

P. 308

A literatura, juntamente com a Teoria Literária, por se tratar de um ramo das ideologias sociais
e não ser dotada de unidade e identidade, é uma ilusão. Não existem instrumentos objetivos
concretos para se definir o que é ou não literário: inclusive essa definição pode variar histórica
e socialmente, a depender também dos atores e dos interesses em questão. (p. 308-309)
“Minha opinião é que seria mais útil ver a ‘literatura’ como um nome que as pessoas dão, de
tempos em tempos e por diferentes razões, a certos tipos de escrita, dentro de todo um
campo daquilo que Michel Foucault chamou de ‘práticas discursivas’, e que se alguma coisa
deva ser objeto de estudo, este deverá ser todo o campo de práticas, e não apenas as práticas
por vezes rotuladas, de maneira um tanto obscura, de ‘literatura’” (EAGLETON, 2006, p. 309).

P. 311

Entretanto, a Teoria da Literatura cunhou conceitos, conseguiu explicar certos fenômenos e


definiu de modo mais ou menos a contento alguns objetos, portanto o fato de tratá-la como
ilusão não significa que nada possa se extrair dela para se pensar as práticas discursivas
(EAGLETON, 2006, p. 311).

P. 314

Acreditar que a literatura se caracteriza, como acreditou Kant, como um objeto de


contemplação, é uma forma de esconder e naturalizar ideologias sem colocá-las criticamente à
prova. O autor está imbuído de interesses em todos os detalhes: seja a forma do texto, a
sintaxe, o gênero escolhido, sua organização, visando a causar determinados efeitos estéticos
no seu leitor. O leitor, por sua vez, também nutre interesses pela obra literária, ainda que seja
o entretenimento. A obra literária mimetiza elementos do mundo real que, ao serem dispostos
esteticamente, passam pelo filtro ideológico do autor – que é condicionado pelas condições
materiais objetivas reais da sociedade e por sua posição de classe, por mais que isso possa ser
inconsciente – para fornecer ao leitor a razoabilidade do seu modo de enxergar as
engrenagens sociais. Acreditar no desinteresse é ingenuidade. – PENSAR AQUI NO CONCEITO
DE “REPRODUÇÃO”

“[...] para os estetas, a glória da arte é sua total inutilidade. Hoje, pouca gente se inclinaria a
aceitar isso: qualquer leitura de uma obra é certamente um uso que se faz dela, em algum
sentido” (EAGLETON, 2006, p. 314).

“Toda teoria literária pressupõe um certo uso da literatura, mesmo que dela obtenhamos
apenas a sua completa inutilidade. A crítica humanista liberal não está errada ao usar a
literatura, mas sim ao enganar-se, pretendendo que não a utiliza. Usa-a para reforçar certos
valores morais que, como espero ter demonstrado, são na verdade indissociáveis de certos
valores ideológicos, e que no fim representam, implicitamente, uma forma política”
(EAGLETON, 2006, p. 314-315).

P. 315

Toda leitura, por qualquer viés de crítica literária, é uma leitura política. A diferença é que
algumas posições teóricas, como a crítica marxista e feminista, assumem esse papel, enquanto
outras tendem a não fazê-lo.

“Em qualquer estudo acadêmico selecionamos os objetos e métodos de procedimento que nos
parecem os mais importantes, e a nossa avaliação de sua importância é governada por
interesses que têm raízes profundas em nossas formas práticas de vida social. Os críticos
radicais não diferem quanto a isso: apenas têm uma série de prioridades sociais da qual a
maioria das pessoas atualmente tende a discordar. É por isso que tais críticos são
habitualmente rejeitados como ‘ideológicos’, porque ‘ideologia’ é sempre uma maneira de
descrever os interesses dos outros, não os nossos” (EAGLETON, 2006, p. 318-319).
P. 320

Um dos caminhos possíveis da crítica socialista: “Em certas situações, o processo mais
produtivo pode ser explorar a maneira pela qual os sistemas significantes de um texto
‘literário’ produzem certos efeitos ideológicos; ou pode ser o mesmo procedimento em
relação a um filme de Hollywood” (EAGLETON, 2006, p. 320).

P. 323

A cultura tem importância para a sociedade, contudo só para uma parte dela. Há pessoas que
estão à margem das produções culturais por diversos motivos. Aqueles cujas necessidades
básicas existenciais, como alimentação, por exemplo, vivem sem sequer se preocupar com
questões do espírito. “Os que trabalham no campo das práticas culturais provavelmente não
cometerão o erro de considerar sua atividade como de grande importância. Os homens não
vivem apenas pela cultura; a maioria deles, em toda a história, sempre foi privada da
oportunidade de conhecê-la, e os poucos afortunados que puder vivê-la o podem fazer hoje
graças ao trabalho dos outros. Penso que qualquer teoria cultural ou crítica que não se inicie
por esse fato isolado de extrema importância, e o tenha sempre presente em suas atividades,
provavelmente não terá muito valor” (EAGLETON, 2006, p.323).

Eagleton afirma que há momentos em que, mesmo em sociedades que não dispõe de tempo
livre para a cultura, ela surge e ganha significação relevante. Cita o exemplo de artistas que a
usaram na luta pela sua independência, portanto com sentido eminentemente político; cita
também a ação feminista e seu uso da arte; a indústria cultural que, mais eficientemente que
os críticos, que discursavam para um público muito restrito, tratou de formatar o gosto e a
sensibilidade do grande público – “O controle democrático desses aparatos ideológicos,
juntamente com as alternativas populares a eles, deve ter prioridade na agenda de qualquer
programa socialista no futuro” (EAGLETON, 2006, p. 325). Outra situação se revela na forte
literatura operária, ignorada pela crítica acadêmica e pelos órgãos culturais do Estado, mas
que é exemplo de uma ruptura importante com as relações predominantes no meio literário.

Para concluir, Eagleton afirma que a literatura, exemplificando-a com Shakespeare e Proust,
caso se libertassem do controle dos meios acadêmicos, poderia representar a morte da
literatura, mas a sua redenção.

REFERÊNCIAS

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: Difel, 2012.

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