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B Observação clínica:
Anamnese:
Aspectos gerais: Na maioria das doenças do aparelho digestivo, o
raciocínio diagnóstico depende dos dados obtidos na história clínica, que deve ser
bastante cuidadosa e a mais completa possível. A abordagem inicial requer um cuidado
muito especial, pois dela dependerá a obtenção da confiança do paciente, fundamental
não só para que dados importantes de caráter íntimo possam ser revelados, mas também
para o sucesso do tratamento, sempre dependente da colaboração do paciente, aquilo
que chamamos de empatia, ou seja, o bom relacionamento médico-paciente baseado na
confiança. Essa confiança é a base do sucesso na adesão aos esquemas terapêuticos que
serão propostos.
Neste capítulo será descrito como a história clínica e o exame físico devem ser
conduzidos no paciente que procura o serviço médico com queixa digestiva. Nunca é
demais lembrar que o paciente deve ser sempre visto como um todo, ou seja, não se
deve separar a emoção da parte orgânica propriamente dita. Portanto, é importante
sempre verificar como o paciente manipula as situações do dia a dia e como elas
interferem em seus sintomas. Embora a razão da consulta sejam queixas digestivas, o
exame físico não deve se restringir ao abdome; deve abranger os demais órgãos
também. Não queremos com isso dizer que, por exemplo, o exame neurológico seja
semelhante ao realizado pelo especialista, mas alguns itens, como a pesquisa de
reflexos, não poderão faltar.
Como conduzir a anamnese: A anamnese inicia-se com a simples
anotação da queixa principal do paciente e de seu início (a queixa e sua duração –
QD). Em seguida, por meio da exposição verbal que o paciente faz acerca de sua
doença, auxiliado por criteriosas perguntas, o médico deve, sem induzir qualquer tipo de
resposta, caracterizar cada um dos sintomas apresentados, hierarquizá-los de acordo
com sua importância clínica, questionar há quanto tempo eles se instalaram, descrever
todo o transcurso da doença, suas melhoras, seus agravamentos, a intervenção de
tratamentos havidos, clínicos ou cirúrgicos, além de resultados de exames subsidiários,
até o momento da consulta. Descreve-se, com essas informações, a história da moléstia
atual (HMA). Dentro da história da moléstia atual, deve-se ainda verificar se as
manifestações da doença estão relacionadas temporalmente com algum acontecimento
vivido pelo paciente (por exemplo, traumas emocionais por problemas na vida afetiva
ou nas relações dentro da família ou no trabalho; mudanças nos hábitos de vida,
incluindo mudanças no tipo de alimentação; introdução de algum medicamento etc.). A
história da moléstia atual deve ser caracterizada pelas minúcias e o detalhamento das
informações.
Recomenda-se permitir que o paciente exponha livremente seus padecimentos,
facilitando seus relatos pelo silêncio, atitude corporal e olhar. O médico deve intervir
apenas para esclarecer os pontos que lhe pareçam obscuros ou para complementar os
detalhes importantes não relatados.
Na descrição dos diferentes sintomas relacionados ao aparelho digestivo que
faremos adiante, são indicados, além da definição, as respectivas características que
devem ser investigadas, uma vez que somente com elas cada sintoma adquire força para
o diagnóstico da causa que o está provocando.
Algumas características comuns a todos os sintomas, como duração, intensidade,
fatores que melhoram e fatores que pioram devem ser investigadas; outras, entretanto,
são bem particulares, como poderá ser observado nas descrições de cada um dos
sintomas. Ressaltamos que é de muito interesse para o diagnóstico o relacionamento dos
sintomas com fenômenos fisiológicos digestivos (deglutição, refeições, evacuação),
extradigestivos (movimentos do corpo, fenômenos urogenitais, respiração, sono, estado
emocional e situações estressantes) e com tipos específicos de alimento (por exemplo,
leite, alimentos gordurosos) ou de drogas (por exemplo, anti-inflamatórios,
medicamentos que interferem na atividade motora do tubo digestivo). Também é de
suma importância para o raciocínio diagnóstico a análise da associação entre os
diferentes sintomas digestivos entre si e com anormalidades subjetivas e objetivas
extradigestivas.
A dor visceral, tanto das afecções agudas como crônicas, tende a se localizar na
linha mediana do abdome e suas vizinhanças, em áreas que se localizam tanto mais para
baixo da linha que vai do apêndice xifoide ao púbis, quanto mais distalmente no tubo
digestivo se situar a lesão que a causou.
Na área correspondente ao epigástrio e suas imediações, localizam-se as dores
consequentes a úlceras gástricas e duodenais, dispepsias funcionais e orgânicas,
gastrites agudas (as gastrites crônicas não são consideradas causadoras de dor), tumores
gástricos, colecistites, pancreatites, obstruções no intestino delgado proximal,
apendicites (em fase inicial), hepatites e congestão aguda do fígado, abscessos
subfrênicos, pneumonias, angina e infarto do miocárdio.
Na área correspondente ao mesogástrio e suas imediações, situam-se as dores
produzidas por infecções, inflamações, obstrução, isquemia e distensões do intestino
delgado, apendicite (em fase inicial), pancreatites e tumores do pâncreas.
Na área correspondente ao hipogástrio e todo o baixo ventre, são apontadas as
dores produzidas pelas seguintes doenças: inflamações, obstrução, isquemia,
diverticulite e tumores do intestino distal, apendicite, salpingites, gravidez ectópica,
afecções do ovário e cistites. A dor da colecistite, em geral aguda, é inicialmente
referida no ponto vesicular (corresponde aproximadamente à junção dos 2/3 laterais
com o terço medial da borda costal direita). Na apendicite aguda clássica, a dor é
referida no ponto apendicular.
Dores na região dorsal podem ser decorrentes de úlceras pépticas penetrantes da
face posterior do duodeno ou do estômago. As dores produzidas por doenças da vesícula
ou das vias biliares podem ser referidas na região inferior da omoplata direita. As
pancreatites provocam dores epigástricas e mesogástricas que tendem, em cerca de 50%
dos casos, a também afetar a área em faixa até o dorso, à direita e/ou à esquerda.
Processos infecciosos subfrênicos provocam dor supraclavicular e na face lateral do
pescoço, territórios dos nervos frênicos. As dores das afecções do cólon esquerdo e reto
podem ser percebidas na fossa ilíaca esquerda e até na região sacral. As dores dos
cálculos ureterais costumam se manifestar nas faces laterais do abdome, obliquamente,
até a genitália.
A dor da variedade somática ocorrerá quando o peritônio parietal for atingido por
inflamação, infiltração ou isquemia. Sua característica é localizar-se exatamente na
região superficial correspondente à lesão. Quando um processo inflamatório evolui,
atingindo o peritônio parietal (por exemplo, na apendicite aguda), a dor, inicialmente do
tipo visceral, epigátrica ou mesogástrica, muda de localização para a fossa ilíaca direita,
no ponto apendicular ou em suas imediações, às vezes em poucas horas.
Cronologia e periodicidade: Além de saber desde quando está
presente, deve-se conhecer o curso das dores abdominais ao longo do tempo, desde sua
instalação. Elas podem se instalar de forma aguda ou serem crônicas, intermitentes ou
contínuas.
Dor abdominal aguda: A dor abdominal aguda e intensa
acompanhada de manifestações locais e gerais e iniciada dentro de 1 a 72 horas (para
alguns, 24 horas) caracteriza o que é conhecido como abdome agudo e pode prenunciar
grave doença aguda, que exige cuidados imediatos. Algumas dessas dores abdominais
agudas tendem a desaparecer espontaneamente, como nas gastroenterites agudas.
Outras vezes, as dores agudas são caracterizadas por sucessivas intensificações e
alívios definindo o tipo de dor “em cólica” da obstrução de víscera oca (intestinal, biliar
ou ureteral).
A dor das apendicites e diverticulites agudas tem intensidade continuamente
progressiva. Em afecções arteriais abdominais agudas, como no infarto mesentérico e na
ruptura de aneurisma da aorta, a dor pode alcançar intensidade elevada muito
rapidamente.
Dor abdominal crônica: As dores abdominais crônicas
são provocadas por doenças orgânicas ou funcionais e podem ser contínuas ou
apresentar recidivas agudas com períodos de remissão que podem chegar a semanas,
meses ou até anos. Uma mesma doença, na dependência de fatores inerentes à sua
própria evolução ou ao quadro psíquico do paciente, pode assumir uma ou outra dessas
características, de forma temporária ou definitiva.
Um exemplo típico de dor periódica é o da úlcera péptica duodenal ou gástrica.
Nessas doenças, a dor abdominal tem período de duração variável de uma a algumas
semanas quando cessa espontaneamente: é o período em que a úlcera está aberta ou
ativa.
Em seguida, na chamada acalmia, período que varia de semanas a anos, a dor está
ausente, o que pode significar que a lesão está cicatrizada. Portanto, as úlceras
gastroduodenais têm como característica longos períodos de dor e de acalmia.
Se a dor abdominal de um paciente com úlcera péptica se tornar constante ou se
agravar, mudando suas características habituais, deve-se suspeitar de aprofundamento
da úlcera na parede do órgão comprometido (úlcera terebrante ou perfurante).
Outro exemplo de dor intermitente é o que acontece na evolução da doença
calculosa da vesícula biliar: se os cálculos migram para o ducto cístico e o colédoco,
ocorrem dores que duram de poucas horas a poucos dias. Passado o quadro agudo, há
períodos oligossintomáticos ou assintomáticos mais ou menos prolongados, que podem
persistir por anos. Assim, a dor biliar tem como característica períodos dolorosos curtos
(horas, poucos dias) e períodos de acalmia longos.
Outra doença que evolui por crises de dores, frequentemente intensas, intercaladas
por períodos de acalmia, é a pancreatite crônica calcificante, produzida pelo alcoolismo
crônico. A identificação da coincidência cronológica entre a dor abdominal e o período
da menstruação ou do meio do ciclo menstrual deve lembrar a possibilidade de
endometriose e da dor da ovulação, respectivamente.
Intensidade e tipo: A intensidade da dor depende do grau de
sensibilidade do paciente, por sua vez, influenciada por experiências dolorosas prévias e
fatores relacionados ao psiquismo, a fatores culturais, à personalidade e à etnia. Por
isso, a intensidade da dor nem sempre guarda relação com o tipo e a gravidade da
doença subjacente, tendo, consequentemente, limitado valor diagnóstico, pois pode
refletir mais o estado psíquico do paciente do que a natureza da doença que a está
provocando.
As dores mais intensas costumam ser as que expressam o abdome agudo por
afecções inflamatórias, obstrutivas e isquêmicas. Entretanto, afecções funcionais, como
a síndrome do intestino irritável, eventualmente, podem produzir atrozes dores
abdominais. Alguns sintomas associados são indicativos da real intensidade da dor:
sudorese, palidez, bradicardia, hipotensão arterial, náuseas e vômitos, ou seja, os
sintomas deletérios induzidos pela própria dor.
O tipo da dor pode sugerir sua causa. A dor em “queimação” ou dor “funda” no
epigástrio é importante indicador da possibilidade de doença péptica. A dor tipo “peso”
sugere distensão de víscera oca ou parenquimatosa e pode ser a queixa do paciente com
dispepsia funcional. A dor em “cólica” ou “torcida”, revelada por sensação de
constrição da víscera durante curto intervalo de tempo, quando assume forte
intensidade, seguida por considerável abrandamento, é sugestiva de processo obstrutivo
dos órgãos tubulares e encontra exemplos nas litíases ureteral (cólica renal) e das vias
biliares (cólica biliar) e nas obstruções intestinais de qualquer etiologia. Pode,
entretanto, ocorrer em portadores de doenças funcionais, como síndrome do intestino
irritável e doenças inflamatórias (doença de Crohn e retocolite ulcerativa inespecífica) e
infecciosas (gastroenterites agudas).
A dor “contínua”, definida pela sua permanência prolongada que mantém a
mesma intensidade, é observada, por exemplo, nas neoplasias. Deve-se lembrar que,
frequentemente, os cálculos biliares, ao atravessarem as vias biliares, podem não
provocar a chamada “cólica” biliar, mas manifestar-se por dor contínua (dor biliar). A
dor em “pontada” ou “facada” apresenta-se em processos inflamatórios agudos que
envolvem o peritônio.
OBS: As palavras que aparecem entre aspas neste parágrafo são comumente
pronunciadas pelos pacientes como designativas do caráter de sua dor. Muitas outras
podem ser ditas, quase sempre do tipo comparativo. Quando a palavra do paciente não
pode ser bem traduzida por um termo médico que a identifique e, por vezes, por ser
muito expressiva para a descrição do que o paciente está sentindo, o médico pode referi-
la na observação clínica entre aspas e seguida do termo sic (advérbio latino =
textualmente). Na verdade, o “sic” pode ser associado à contração de um termo do
latim, o “sicut”, que significa “assim como é, exatamente desta forma”. Essa
expressão encontra-se em textos antigos, dentre os quais podemos citar uma antífona
religiosa bastante conhecida: “... Sicut erat in principio et nunc et semper, et in
seculae seculorum...”, ou seja, “Assim como era no princípio, agora e sempre e
pelos séculos dos séculos...”. Na verdade, objetiva-se dizer que a expressão anterior é
afirmada “exatamente desta forma” hoje e em toda a eternidade.
Por vezes, o paciente não identifica sua queixa como dor, mas como um
“desconforto” em uma determinada região do abdome; essa sensação pode ser
considerada como um equivalente da dor.
Ritmo ou horário: São dados acerca das variações do sintoma
no decorrer das 24 horas do dia e, particularmente, com as atividades funcionais do
aparelho digestivo. A dor da úlcera duodenal costuma ocorrer cerca de 2 a 4 horas após
as refeições, mantendo certo paralelismo com os níveis de acidez do estômago. A
alimentação, em geral, determina o alívio da dor. Esse tipo de ritmo é chamado a três
tempos: dói-come-passa. Quando a acidez noturna é grande, o paciente pode ser
despertado de seu sono pela dor. Essa queixa é denominada clocking (do inglês clock =
despertador). Em geral, ao despertar pela manhã, em jejum, o ulceroso não apresenta
dor, pois está longe do período digestivo, dado pelas refeições. Nos portadores de
úlceras gástricas, a dor costuma acontecer logo após as refeições, em consequência da
distensão do órgão acometido por processo inflamatório em suas paredes. O mesmo
pode ocorrer nas gastrites agudas provocadas por agentes infecciosos ou por excessiva
ingestão de bebidas alcoólicas. Nas colecistites e pancreatites agudas, a solicitação
funcional desses órgãos também provocará dores pós-prandiais precoces. A angina
mesentérica, causada por isquemia das alças do intestino delgado em decorrência da
obstrução da artéria mesentérica superior, caracteriza-se pela dor, frequentemente
intensa, aproximadamente cerca de 15 a 30 minutos após uma refeição, quando há
maior demanda de sangue arterial para o processo de digestão e absorção. Por razões
desconhecidas, a dor biliar tende a ocorrer durante a noite, despertando o paciente. Na
diferenciação entre doença orgânica e doença funcional, deve ser considerado
excepcional que uma dor que desperta o paciente de seu sono tenha causa funcional.
Fatores que agravam e fatores que aliviam : O conhecimento
de fatores que agravam e de fatores que aliviam a dor abdominal é de muita importância
para o diagnóstico. Os anti-inflamatórios, em geral, agravam as dores por afecções
gástricas e duodenais. Por sua vez, a ingestão de alimentos piora a dor de processos
inflamatórios gástricos (gastrite aguda, úlcera gástrica, neoplasias do estômago). Por
vezes, o desconforto determinado pela ingestão de alimentos é tão grande que o paciente
interrompe a refeição, preferindo passar um pouco de fome a sentir dor (sítio ou
sitofobia). Correlatamente, os vômitos e as eructações melhoram a dor ou o desconforto
causado por essas mesmas doenças. A ingestão de alimentos pode provocar o
agravamento das doenças biliares e pancreáticas e, também, desperta a dor da obstrução
mesentérica (angina abdominal). Quando a evacuação ou a eliminação de flatos alivia
temporariamente uma dor abdominal, a indicação é de que ela está sendo produzida no
intestino grosso por afecções funcionais ou orgânicas.
Nos processos patológicos que afetam o retroperitônio, como nas pancreatites,
apendicites agudas ou úlceras penetrantes, o paciente tende a manter a flexão do tronco
sobre os membros inferiores, em típicas atitudes ou decúbitos antálgicos (que melhoram
a dor). Quando o peritônio parietal for comprometido por um processo patológico,
particularmente nos agudos, a deambulação e a trepidação (no carro ou ambulância em
direção ao pronto-socorro) tendem a piorar a dor abdominal (popularmente chamada
“sinal do solavanco”).
A informação sobre medicamentos que melhoraram a dor pode trazer elementos
para o diagnóstico, como já referido acerca dos antiácidos e inibidores de bombas de
prótons. A melhora com analgésicos indica que a dor, provavelmente, é decorrente de
lesões inflamatórias ou de neoplasias; a melhora com antiespasmódicos indica o
comprometimento de vísceras ocas; os anti-inflamatórios podem melhorar dores de
origem neoplásica, cólicas renais, afecções musculares e esqueléticas, mas com
frequência induzem ou agravam dor decorrente da úlcera ou inflamação do estômago.
Traumas emocionais (ameaça ou perda real de bens ou de entes queridos,
desilusões amorosas, abusos físicos e sexuais, distúrbios familiares etc.), além de serem
fatores que favorecem a instalação de dores abdominais (somatização), são também seus
agravantes.
Duração: É importante lembrar que as dores decorrentes da
úlcera gastroduodenal duram horas, e em geral são aliviadas por alimentação ou
alcalinos. As dores biliares apresentam curta duração (minutos) e são, em geral,
recorrentes (repetitivas). As dores pancreáticas apresentam horas de duração e
apresentam alívio em determinadas posições (flexão do tronco em direção dos membros
inferiores = posição de prece maometana).
Irradiação: A irradiação da dor deve ser sempre pesquisada,
pois fornece subsídios importantes para diagnosticar o provável órgão comprometido e
possíveis complicações. A dor decorrente de doença gastroduodenal localiza-se no
epigástrio. A irradiação para as costas, com caráter transfixante, é indício de
complicação grave, sinal de que a úlcera perfurou e está bloqueada no pâncreas, o órgão
adjacente. Quando a dor passa a apresentar irradiação difusa, com sensibilidade
aumentada do abdome à pressão manual, e dor aguda quando a pressão manual é
bruscamente cessada (descompressão brusca), trata-se de provável perfuração em
abdome livre com comprometimento peritoneal.
A dor de origem vesicular costuma apresentar irradiação para a região dorsal
direita e, às vezes, para a região escapular direita.
A irradiação da dor em faixa (do hipocôndrio direito para o hipocôndrio esquerdo)
é sugestiva de comprometimento pancreático.
Náuseas e vômitos: Náusea é uma sensação desagradável percebida no
epigástrio e na garganta, também definida como enjoo ou sensação de vômito iminente,
acompanhada de aversão à ingestão de alimento, mal-estar geral, sudorese e alterações
do ritmo cardíaco. Em casos específicos, associa-se à cefaleia em um dos hemicrânios
(enxaqueca) ou à sensação de vertigem (afecções do labirinto). Como sintoma isolado,
acontece por repugnância a algum alimento, a um odor desagradável ou à visão de uma
cena chocante e, também, como efeito colateral de medicamento.
Vômito é a expulsão abrupta do conteúdo gástrico para o exterior, geralmente
precedido por náuseas, e pode ocorrer de forma espontânea ou induzida
voluntariamente. Muitas causas estão relacionadas à presença de náuseas e vômitos,
incluindo doenças orgânicas e funcionais do aparelho digestivo, uso de medicamentos,
ação de tóxicos, além de várias doenças endócrinas, infecciosas, neurológicas e
psiquiátricas.
Esses dois sintomas podem ocorrer, conjuntamente, em doenças agudas (por
exemplo, gastrites e gastroenterites, por ação de medicamentos ou de tóxicos, presença
de sangue na luz gástrica) ou incidirem cronicamente de forma frequente ou episódica
(por exemplo, enxaqueca, cinetoses, doenças crônicas do trato digestivo alto, inclusive
das vias biliares e do pâncreas). Vômitos abruptos, em jato, não precedidos por náuseas,
são provocados por hipertensão intracraniana.
A informação sobre o material expelido pelo vômito é de importância para o
diagnóstico, destacando-se três condições especiais:
B Exame físico: Quando o médico utiliza seus órgãos dos sentidos para perceber
manifestações da doença que afeta seu paciente, ele está realizando o exame físico, tão
importante para o diagnóstico como a anamnese. Informalmente, o exame físico começa
quando o médico lança seu primeiro olhar para o paciente. Formalmente, segue-se à
anamnese, empregam-se os sentidos da visão, tato e audição para realizar a inspeção,
palpação, percussão e ausculta, dentro de regras e técnicas especiais para ser realizado.
Para que ganhe força diagnóstica, todos os sinais observados devem ser
individualizados para cada paciente, isto é, devem ser conhecidos em todas as suas
características particulares para que sejam discutidos e criticados dentro da lógica
clínica, a fim de fornecer elementos significativos para a elaboração das hipóteses
diagnósticas.
O gastroenterologista deve proceder ao exame completo do paciente e não se
restringir ao exame do abdome. Os pacientes não podem ser estudados nem
compreendidos corretamente se o todo orgânico não for considerado. O médico não
pode se esquecer de que o ser humano é um conjunto harmônico, e não um grupamento
de órgãos isolados entre si. Por essas razões, desde quando a especialidade foi se
consolidando, insiste- se que é preciso que o gastroenterologista tenha boa base de
conhecimentos gerais de medicina.
Ressalta-se que o exame do períneo e o toque retal se constituem em
procedimentos importantes para o diagnóstico de várias afecções que atingem o tubo
digestivo, particularmente as de sua parte terminal. Muitas vezes, achados físicos em
terreno extra-abdominal constituem poderoso auxiliar no diagnóstico de doenças
digestivas. Nas tabelas abaixo são apresentados, respectivamente, alguns exemplos de
achados do exame físico extra-abdominal que podem indicar a causa de dor abdominal e
de achados físicos extra-abdominais ou sistêmicos relacionados a algumas doenças
digestivas.
B Raciocínio diagnóstico: A elaboração do diagnóstico é feita por meio de um
processo mental que é chamado de raciocínio diagnóstico, em que são considerados e
analisados os dados obtidos na anamnese e no exame físico, tendo por base o
conhecimento que o médico (gastroenterologista, neste contexto) tem das doenças que
podem apresentar manifestações digestivas; além disso, os conhecimentos de anatomia,
anatomia patológica, fisiologia e fisiopatologia são de grande utilidade. Salientando a
importância dos conhecimentos anatômicos básicos, Fritz Koeberle, primeiro professor
de patologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, dizia que, muitas vezes, basta
ao médico pensar, tão somente, como um encanador (deve conhecer a anatomia dos
“encanamentos” do corpo humano) para chegar a um diagnóstico. A fim de ilustrar o
fato de que o raciocínio diagnóstico deve ser baseado em dados concretos obtidos no
próprio paciente que se está examinando, e não em suposições e imaginações,
evidencia-se neste capítulo a pintura A Visita Médica, que une medicina e arte, feita
pelo holandês Frans van Mieris (1635-1681), na qual o médico palpa o pulso de uma
paciente, enquanto, com a outra mão, aponta para a própria cabeça. Pode-se interpretar
que nessa tela o artista quis expressar que o médico deve desenvolver o processo mental
do raciocínio clínico a partir de dados encontrados objetiva e especificamente naquela
paciente (o grande clínico Thomas Sydenhan, contemporâneo do artista e considerado
o Hipócrates inglês, ensinava que a doença era uma entidade dinâmica e, por isso, suas
expressões podiam variar de uma pessoa para outra) e que ele deve ser elaborado
mesmo durante o exame do doente.
O desenvolvimento do raciocínio clínico só é feito por meio de estudos
persistentes, realização de boas observações clínicas, exercícios de diagnóstico
diferencial e pela experiência pessoal prática que o médico vai adquirindo ao longo do
tempo. É importante que esse desenvolvimento seja iniciado ainda nos bancos
acadêmicos pelo exemplo dos bons mestres e pela dedicação dos alunos. Deve ser
lembrado, entretanto, que a prática médica não se conquista simplesmente com o
número e a banalidade das experiências vividas, mas por relembrar, meditar e estudar os
casos observados. Sem essa prática, a tendência é para o relaxamento no exercício
profissional e, cada vez mais, a perda da capacidade de realizar diagnósticos clínicos,
deixando os clientes à mercê das máquinas e dos relatórios de exames.
Em uma primeira etapa de sua formação, quando ainda não conhece bem as
doenças, o estudante (ou o médico) faz toda a coleta dos achados clínicos para depois
analisá-los com vistas ao diagnóstico. Com o avançar de seus conhecimentos, pelo
estudo e pela experiência, o processo de diagnóstico corre passo a passo com a obtenção
dos dados clínicos.
As hipóteses diagnósticas vão surgindo desde o início da consulta e se fortalecem
ou enfraquecem na mente, na medida em que se conhece melhor o quadro clínico do
paciente.
Adverte-se que é sempre necessário o cuidado para que não se elabore uma
hipótese diagnóstica sem solidez, de modo a se entusiasmar excessivamente com ela e
forçar as ideias em sua direção, desembocando em diagnósticos errôneos.