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AVISO AO USUÁRIO

A digitalização e submissão deste trabalho monográfico ao DUCERE: Repositório Institucional da


Universidade Federal de Uberlândia foi realizada no âmbito do Projeto Historiografia e pesquisa
discente: as monografias dos graduandos em História da UFU, referente ao EDITAL Nº 001/2016
PROGRAD/DIREN/UFU (https://monografiashistoriaufu.wordpress.com).

O projeto visa à digitalização, catalogação e disponibilização online das monografias dos


discentes do Curso de História da UFU que fazem parte do acervo do Centro de Documentação
e Pesquisa em História do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia
(CDHIS/INHIS/UFU).

O conteúdo das obras é de responsabilidade exclusiva dos seus autores, a quem pertencem os
direitos autorais. Reserva-se ao autor (ou detentor dos direitos), a prerrogativa de solicitar, a
qualquer tempo, a retirada de seu trabalho monográfico do DUCERE: Repositório Institucional da
Universidade Federal de Uberlândia. Para tanto, o autor deverá entrar em contato com o
responsável pelo repositório através do e-mail recursoscontinuos@dirbi.ufu.br.
SÔNIA MARA FERREIRA DOS SANTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
CENTRO CIÊNCIAS HUMANAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

,
SINDICALISTAS REVOLUCIONAR/OS E
ANARCO-COMUNISTAS: aproximações
e tensões constitutivas do movimento
anarquista em São Paulo (1890 - 1920)

Monografia apresentada ao Departamento de


História, como requisito parcial para
obtenção dos títulos de Bacharel e
Licenciatura Plena em História, sob a
orientação da Prof1• Dr.'1 Jacy Alves de
Seixas.

Dezembro de 1999.
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CAMPUS St.NTfl, MÔNIC~ - Bloco 1 Q (An t igo Mlneirao ' ,.1,, ·· · U I·_ {!
t,,V UN IVERSITARIA SjN.º
38400-902 • UBERLÂNOIA - M.G. - BRASIL
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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Antônio de Almeida

Prof1• Dr.ª Christina S R Lopreato

Prof1. Dr.ª Jacy Alves de Seixas


Orientadora
AGRADECIMENTOS

Não resta dúvidas de que a colaboração e o estímulo dos amigos foram


essenciais para que este trabalho, embora modesto, fosse concretizado. Dentre eles
gostaria de agradecer à você Bela, por tudo aquilo que tem me oferecido nestes
últimos anos: carinho, atenção e generosidade. A vida ao seu lado tem sabor de fruta
madura.
A você Jacy, agradeço a oportunidade, a paciência e o incentivo.
Confesso que nestes últimos dois anos cresci muito intelectualmente. E isso, penso
eu, deve-se ao fato de você jamais ter-se negado a dividir comigo e com os demais
que estavam sob a sua orientação, o conhecimento e a experiência que você adquiriu
através dos anos. A crença, a paixão e a dedicação demonstradas por você ao longo
do nosso convívio, realimenta ainda mais o meu interesse pela história.
Aos amigos Maucia e Ricardo, sempre tão dispostos a darem o melhor
de si, agradeço o carinho, a amizade e o interesse em discutir os meus escritos.
As amigas Jussara, Luciana, Nádia e Simone que souberam dividir
muito mais do que as simples despesas de final de mês, agradeço por tudo.
A vocês e a tantos outros amigos que me incentivaram, o meu muito
obrigada.
Dedico este trabalho a você mainha. Fonte de beleza,
luta, respeito, carinho e admiração.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ...... .. ... ... ..... .. ... ..... .. .. ... ... ....... .. .... ...... ... ... ....... .... .... .... ........ ... 07
I - ANARQUISMO E HISTORIOGRAFIA .... .. ..... ... .... ... ........ ... ... .. .. .... .. .... 09
II - SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO .......... .... ........... .... ..... ... .. ...... ... . 18
III - ANARCO-COMUNISMO .. .... ... ... .... .... .... .. .......... ...... .... ... ....... .. .. ... ........ 34
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS ... ..... .... ... ..... ......... ..... ..... ....... ..... ... .. ... ... .... 49
V - BIBLIOGRAFIA. ... ..... ..... ... .... ... .. .. .. .... .... .. ...... .. .... .. .... ... ... .... .. .... ... .. .... ... 54
7

INTRODUÇÃO

Ao longo desses dois anos participei da equipe de pesquisadores


que visa compor o banco de dados e de imagens do "Dicionário Histórico
Biográfico do Movimento Operário Brasileiro - Anarquismo(s). Em função dessa
experiência, gostaria de deixar aqui registrado alguns fatos que julgo terem sido
muito importantes para a minha formação. Pois, foi (e continua sendo) a partir
desta minha experiência enquanto bolsista de Iniciação Científica que pude dar os
primeiros passos em direção a uma produção propriamente historiográfica. E,
mais precisamente, porque foi a partir desta experiência que obtive uma
oportunidade bastante significativa, no sentido de poder refletir sobre a própria
tarefa do historiador, em virtude mesmo da contundente relação que passamos a
estabelecer com o nosso objeto de estudo. Posto que estamos sendo desafiados a
todo o instante, numa contínua reflexão acerca dos caminhos e significados do
nosso trabalho enquanto investigadores.
Quando me engajei no projeto de pesquisa do ''Dicionário
Anarquista", em agosto de 1997, não tinha em mente o quanto poderia ser
gratificante e ao mesmo tempo instigante trabalhar com um tema tão amplo e
contagiante como o anarquismo. Meu conhecimento sobre o tema era bastante
diminuto em relação àquele que a bibliografia e, principalmente, a
1
documentação , começavam a me mostrar. Refiro-me principalmente à
documentação, porque foi a partir de sua riqueza e diversificação que acabei por
melhor conhecer e compreender a cultura política produzida por aquela multidão
de homens e mulheres que compuseram o movimento operário e anarquista da
Primeira República no Brasil. Um universo repleto de significações descortinou-

1
Trata-se de jornais, revistas, panfletos, brochuras. .. produzidos pela imprensa operária e
anarquista nos anos de 1890 à década de 1920 pertencentes ao arquivo pessoal da Professora
se através da documentação.
Nela havia indícios cada vez mais fortes de uma efetiva presença e
atuação de diversos sujeitos, com as mais variadas matizes culturais,
nacionalidades e extratos sociais. Todavia, quando procurei achar na
historiografia esse mesmo universo, ele desaparecia, ou, na melhor das hipóteses,
aparecia camuflado em dados estatísticos, para desaparecer logo em seguida, sob
a fala dos próprios autores.
Confesso que tais contradições só fizeram aguçar ainda mais a
minha curiosidade. A sede por novas informações era tão grande, que por um
bom tempo dediquei-me exclusivamente à leitura das obras pertinentes ao tema.
Para mim não havia atividade melhor. E nesse momento, percebo o quanto ela
está sendo importante, pois, será através destas leituras que procurarei esboçar
neste trabalho uma tentativa de desmistificação e reproblematização de algumas
idéias que foram construídas em torno do anarquismo no Brasil.
Nesse sentido, busco tecer na primeira parte deste trabalho uma
discussão bibliográfica acerca dos caminhos percorridos por boa parte da nossa
historiografia, quando de suas análises do movimento operário brasileiro da
Primeira República.
Na segunda e terceira parte deste estudo procuro compreender e
analisar por meio das idéias de sindicalistas revolucionários e anarco-comunistas,
respectivamente, o modo como essas duas tendências encaminharam junto aos
oprimidos paulistas a proposta libertária de transformação radical da sociedade.
Por fim, nas considerações finais, procuro relativizar as
interpretações empreendidas pela historiografia operária brasileira, diante das
propostas de atuação e conscientização do oprimidos frente ao capital, elaboradas
pelos militantes libertários no movimento operário paulista.

Dr.ª Jacy Alves de Seixas.


9

ANARQUISMO E HISTORIOGRAFIA

Em sua maioria, a historiografia que trata do movimento anarquista


da Primeira República no Brasil procurou caracterizá-lo como um movimento
"fraco" e "ineficiente". Como exemplo, tomemos o caráter homogeneizador, e
portanto, "derrotista", que tantas vezes lhe foi atribuído. Ou seja, parte da
historiografia procurou analisá-lo sempre num contexto amplo, global. Onde a
intenção primeira dos historiadores não era a de empreender uma reflexão acerca
da doutrina anarquista em si, mas sim, de fazer do mesmo apenas uma ponte para
que outros pensamentos políticos fossem analisados.
Dessa forma, os historiadores procuraram analisar a atuação dos
anarquistas no Brasil, tendo-se em vista horizontes que muitas vezes não
pertenciam a estes últimos. Nesse sentido, cobrar do anarquismo e dos
anarquistas aquilo que eles não se propuseram a realizar - como por exemplo, a
constituição de um partido político que articulasse as prioridades "nacionais"
com os setores da pequena burguesia .. . -, tem a ver, acredito eu, com o próprio
caráter de "cientificismo" (ou de ideologismo) que os autores desejam passar
através de seus trabalhos.
Isto é, querem os historiadores que a conduta social e política dos
atores deste movimento reflitam exatamente aquilo que eles determinaram como
sendo o mais correto, o mais "lógico". Porém, como na maioria das vezes isso não
era traduzido pelos sujeitos analisados, os autores simplesmente desqualificaram
quase todas as suas ações; classificando-os dessa forma, de "inconscientes",
"desorganizados" e "imaturos".
O descrédito no poder de transformação dos agentes sociais que
compuseram o chamado "primeiro movimento operário " era tão grande que
sequer foram levados em consideração as razões que haviam levado o operariado
10

a decidir-se por esta ou por aquela ideologia política.


No entanto, é certo que o movimento operário da Primeira
República no Brasil, como qualquer outra estrutura de poder, sofreu a influência
direta e/ou indireta de muitas forças: o sindicalismo revolucionário, o anarco-
comunismo, o sindicalismo reformista e o sindicalismo amarelo. Cada uma delas,
portanto, lutando para conquistar o seu próprio espaço. Nesse sentido, o embate
era algo inevitável, pois nenhuma delas, lutou no vazio, como senhora absoluta da
situação. O que para mim, evidencia que este não foi, portanto, um movimento
político homogêneo, muito pelo contrário.
A constatação de uma crescente e intensa mobilização - mesmo que
esta fosse intermitente - por parte dos trabalhadores, demonstra que este foi um
momento de forte ebulição de idéias, de orientações e de ações bastante
diversificadas. Onde cada uma das forças, procura, de uma forma ou de outra,
estar sintonizada com a sua própria realidade, com as suas próprias convicções e
com as suas próprias formas de atuação. Assim, não acredito haver motivos para
a desqualificação apriorística de qualquer uma delas.
Entretanto, para aqueles que partiram da premissa que os
movimentos operário e anarquista da Primeira República, foram em s1 ,
movimentos fracos e ineficientes, não restava outro papel, senão o de apontar os
fatores que os teriam levado àquela situação de fragilidade e vulnerabilidade.
Assim, para historiadores como Sheldon Maram2 , por exemplo, as principais
limitações do "primeiro movimento operário", se devem às origens imigrantes
de composição da classe trabalhadora. Para esse autor, os conflitos étnicos e
raciais existentes no interior da classe, ao se sobreporem os interesses mais gerais
do operariado, acabaram levando-os a uma má desorganização, o que
consequentemente, contribuiu para o insucesso das ações coletivas.

2
MARAM, Sheldon L. Anarquistas, Imigrantes e movimento operário no Brasil (1890 -
1920), Paz e TetTa, Rio de Janeiro, 1979.
11

O papel desempenhado pelo Estado também não foi desconsiderado


por Maram, pois a política de repressão e exclusão implementadas pelo mesmo,
permitiu que muitos dos trabalhadores imigrantes ficassem alheios aos problemas
do país. Com medo de perderem o emprego, de serem presos e deportados, muitos
deles se negaram a participar do movimento operário. Portanto, todos esses
fatores, com raízes na base imigrante do proletariado, retardavam, segundo
Maram, o desenvolvimento do movimento operário brasileiro, levando-o a
seduzir-se pela ideologia anarquista e, naturalmente, contribuíram para a sua
destruição.
Um outro trabalho que caracterizou o movimento operário brasileiro
da Primeira República como débil, fraco e desorganizado, foi o de Boris Fausto3 .
Para ele, estas características negativas eram devidas, entre outros fatores, à
posição secundária ocupada pela indústria no restante da economia e à própria
política excludente e repressiva do Estado. Responsabilizou ainda os anarquistas,
que, segundo ele, foram incapazes de participarem do jogo político quando se
negaram a constituir um partido político.
A recusa, portanto, dos anarquistas em contribuírem para a
constituição de um pólo convergente dos interesses operários, só foz reforçar,
segundo Boris Fausto, o isolamento da classe trabalhadora; o que de certa forma,
ia ao encontro dos próprios interesses das classes dominantes. No entanto, os
anarquistas foram os primeiros a recriminarem este tipo de conduta: "tomamos
parte ativa no movimento operário, o isolamento levar-nos-ia à esterilidade, ou
reduziria o anarquismo a um simples movimento político da extrema liberal, a
um torneio filosófico de diletantes em passeios pelos campos floridos da
. ,,4
teona .
Na sua tentativa de reavaliação do período republicano e de
aprofundamento do conhecimento do pensamento anarquista, o trabalho de Silvia

3
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social (1890 - 1920), Difel, São Paulo, 1976.
4
A Terra Livre, nº 1, dez./1905 Apud MAGNANI, Sílvia. O Movimento Anarquista em São
12

Magnani 5 não diferiu muito da análise de Boris Fausto. Os fatores que


contribuíram para a presença anarquista no Brasil e para a «debilidade" do
movimento operário, praticamente foram os mesmos. Para ela, a difusão do
anarquismo no país, e principalmente em São Paulo, não deve ser atribuída
somente à origem estrangeira do proletariado, mas sim, creditada às condições
sociais, políticas e econômicas da Primeira República. Pois, a organização do
Estado Republicano, ao impedir a participação política do operariado via canais
institucionais, contribuiu sobremaneira, para o desenvolvimento do anarquismo
no interior do "Jovem" movimento operário. Ou seja, o anarquismo e o sentido de
sua prática social e política, segundo Silvia Magnani, advieram do Estado.
Todavia, os anarquistas entendiam que qualquer relação com o
Estado, além de ser um equívoco por parte deles, seria também infrutífera. Pois, o
Estado não fazia mais que defender as classes economicamente mais fortes , uma
vez que era dominado e organizado por elas. Assim, qualquer tipo de
entendimento entre os dois, estaria fora de cogitação. A esse respeito escreve
Mal atesta:

" O Governo é um produto do espírito de domínio e


violência. É o instrumento utilizado por alguns homens
para impor aos outros as suas 'competências ' reais ou
fictícias. É o criador dos privilégios, sua criatura e seu
defensor natural.
É falso dizer que o Governo desempenha
doei/mente, na atualidade, o papel de defensor do
capitalismo, e que, uma vez abolido o capital, seria o
representante e o fiel gerente do interesse de todos.
Primeiramente, o capitalismo atual não utiliza o

Paulo (1906 - 1917), Brasiliense, São Paulo, 1982, p. 89.


5
MAGNANI, Sílvia. op. cit..
13

Governo como um simples instrumento, mas sim o


Governo é dominado e organizado por ele. Para que os
trabalhadores possam apoderar-se das riquezas sociais
e organizar, no interesse de todos, a produção e o
consumo, é preciso expulsar o Governo de todas as suas
posições, reduzi-lo à impotência, ignorando-o, e aboli-
lo definitivamente.
Em conclusão, não se pode abolir o privilégio e
estabelecer solidariamente, definitivamente, a liberdade
6
e a igualdade sociais, sem acabar com o Governo. "

Apesar da importância que os trabalhos dos historiadores acima


citados - dentre outros - possuem, para a compreensão do movimento operário nas
primeiras décadas deste século, em sua maioria, eles se preocuparam
demasiadamente em apontar os erros que, segundo estes trabalhos, os agentes
sociais haviam cometido. Era como se existisse um caminho "mais correto" a
seguir para a emancipação da classe trabalhadora. Por sua vez, como o operariado
não havia conseguido constituir-se enquanto classe, ou melhor, não havia
conseguido constituir-se enquanto sujeito do direito, enquanto cidadão, foram
então representados como imaturos, inconscientes, fracos, desorganizados,
apáticos e incompetentes.
Entretanto, essa imagem negativa da classe operária, não esteve
presente somente no meio acadêmico. Ela fazia parte também do imaginário dos
próprios trabalhadores: "no Brasil, não há um proletariado que tenha dignidade
de si mesmo, não senão uma turba apática e vil que se embriaga em sua própria

6
MALATEST A, EITico. "A solução libertá.tia para a questão social", ln: Antologia do
Socialismo Libertário, Rio de Janeiro, Edições Mundo Livre, 1979, p. 50.
14

- ,,7 .
degradaçao
Nesse contexto, essa forma de representação, segundo Jacy Seixas,
tem a ver com o próprio momento de desconstrução/reconstrução da identidade
operária no Brasil, que por ser tributário de experiências coletivas diversas,
arrastou consigo não apenas um conjunto de representações intelectuais ou
ideológicas, mas também, um "sistema afetivo" que lhe é inerente. "Por isso,
talvez, a(s) identidades(s) coletivas convirjam facilmente para a dimensão do
imaginário, busquem espontaneamente uma imagem que possa condensar toda
8
sua expressividade (ao mesmo tempo racional e afetiva) " .

Ainda, segundo esta autora, se do ponto de vista histórico as


representações e imagens pertinentes ao operariado foram em sua maioria quase
sempre negativas, era porque elas traduziam a expectativa de uma conduta social
e política que se pretendia universalizar, mas que se manifestava somente em
momentos e circunstâncias muito especiais. E, é justamente nesses breves
instantes, que é possível perceber que as imagens e representações, se por um
lado foram negativas, por outro, foram também positivas.
Neste contexto, a "insconstância" das ações operárias é algo que
não podemos desprezar. Pois, se por um lado ela representa a "ignorância" ou a
"apatia" dos trabalhadores em não dar continuidade nas suas ações, por outro
lado, ela representa também o desejo de que aquela situação seja de alguma forma
revertida. Um exemplo bastante revelador disso, foi o depoimento dos socialistas
do Avanti! em abril de 1907: "O Avanti! (...) deplora a apatia, índice seguro da
inconsciência, do egoísmo, ou da injustificada desconfiança, que reina soberana
entre os trabalhadores de São Paulo e faz votos ardentíssimos para (...) que
sintam vergonha da sua indolência e acorram todos ao apelo de seus

7
La Battaglia, 13/abril/1912 Apud SEIXAS, Jacy Alves de. - "O Esquecimento do Anarquismo
no Brasil: a problemática da (re)construção da identidade operária, ln.: Revista História &
Perspectivas, nº 11, jul/dez., 1994, p. 216.
8
SEIXAS, Jacy Alves de., op. cit. p. 214.
15

companheiros "9 . O apelo certamente foi ouvido, tanto é verdade que poucas
semanas depois do mesmo ter sido feito, foi deflagrada naquela cidade, a greve
geral pela jornada de 8 horas de trabalho.
Portanto, tomar "consciência" da apatia, ou ainda, reconhecer-se
nela, demonstra que um movimento em sentido contrário pode ser perfeitamente
realizado. E, no "primeiro movimento operário brasileiro ", era essa "tomada de
consciência" (em diferentes momentos) que permitia aos trabalhadores agirem de
acordo com os seus meios, para assim por fim à apatia. Assim, o "duplo" ou o
inverso da apatia finalmente realizava-se por meio da ação, e mais precisamente,
da ação direta, dos participantes do movimento. É a apatia extrapolando os
limites da representação e atingindo assim, a verdadeira dimensão ativa e afetiva
do imaginário político. Ou ainda, o engajamento espontâneo da imagem da apatia
conduzindo (in)diretamente à estratégia de ação direta; que paulatinamente foi se
definindo como orientação de luta operária no Brasil. 10
Assim, para que possamos compreender o significado e a
importância da estratégia de ação direta para o encaminhamento da luta operária
no início deste século no Brasil, faz-se necessário que resgatemos, dentre as
forças políticas que estiveram presentes no movimento operário, precisamente
aquelas que formularam os seus princípios e orientações de atuação política tendo
por base a ação direta:

"Um método de ação politica baseado na livre


iniciativa, na autonomia do indivíduo e na
solidariedade. A ação direta contrapõe-se ao
parlamentarismo e a qualquer outra forma de
representação polftica. Ela expressa a crença de que o
proletariado só se libertará quando confiar na

9
O Avanti! , 4/abril/1907, Apud HALL, Michel e PINHEIRO, Paulo S. - " Alargando a História
da Classe Operária: Organização, Lutas e Controles", Coleção Remate de Males, nº 6, p. 112.
16

influência da sua própria ação, direta e autônoma,


prescindindo de intermediários no conflito capital
trabalho. Isso significa que a classe trabalhadora nada
deve esperar das forças externas a ela mesma. É ela que
deve criar suas próprias condições de luta e os seus
meios de ação. As estratégias de ação direta são o
boicote, a sabotagem e a greve " 11 •

Destarte, objetivo neste trabalho, destacar, dentre as diferentes


forças que compuseram o movimento operário da Primeira República em São
Paulo, justamente aquelas que por representarem o núcleo da estratégia de ação
direta, tiveram na ênfase teórico-política da auto-emancipação do homem, o seu
princípio mais espetacular: o sindicalismo revolucionário e o anarco-comunismo.
Assim, procurarei compreender e analisar por meio de suas idéias, o modo como
essas duas forças encaminharam junto aos oprimidos, a proposta libertária de
transformação radical da sociedade. E ainda, como toi possível para sindicalistas
revolucionários e anarco-comunistas estabelecerem uma mediação entre a teoria e
a prática, quando de suas tentativas de mobilização e conscientização dos
desfavorecidos pelo capital.
No entanto, no decorrer deste próprio trabalho, será possível
perceber, que mesmo que sindicalistas revolucionários e anarco-comunistas
partissem das mesmas fontes teóricas - Phoudhon, Bakunin, Malatesta ... -, e,
possuíssem na estratégia de ação direta o elo administrador e mobilizador de suas
reivindicações, os mesmos divergiram quanto aos meios e táticas a serem
empregados para a concretização de seus princípios, que, diga-se de passagem,
também eram os mesmos : expropriação revolucionária dos meios burgueses de

'º IDEM, p.p. 217 - 218 .


11 LOPREATO, C. S. R. - A Semana Trágica: a greve geral anarquista de 1917, Museu da
17

produção, abolição da propriedade privada, do Estado e demais poderes


coercitivos em substituição à livre organização dos indivíduos. t 2
As divergências, no entanto, mantiveram-se ao nível das discussões
teóricas e das práticas. Naquilo que dizia respeito à(s) forma(s) de organização e
atuação dos oprimidos pelo capital. Assim, quanto aos fins a serem alcançados
não ocorreram disputas entre eles, havendo até mesmo, em diversas ocasiões, a
união destas duas tendências em colaborarem entre si, para o efetivo sucesso das
agitações operárias. O que, a meu ver, denota de forma bastante clara, o próprio
grau de solidariedade que as envolviam. Nesse sentido, ao tomar como ponto de
referência o sindicalismo revolucionário e o anarco-comunismo na análise do
movimento operário e anarquista da Primeira República em São Paulo,
poderemos melhor compreender os motivos que ao mesmo tempo que
aproximaram estas forças, também as distanciaram. Poderemos compreender,
ainda, o perfil tomado pelo ''primeiro movimento operário " no Brasil.

Imigração, São Paulo, 1997, p. 7.


12
SFERRA, Giuseppina. Anarquismo e Anarcossindicalismo, São Paulo, Ática, 1987, p. 20 .
18

SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO

"O problema é o seguinte: eu sou anarquista, quero


semear minhas idéias. Qual o terreno onde elas
germinarão melhor? Tenho já a fábrica, os cafés...
quero algo melhor: um lugar onde eu encontro
proletários que se dão conta da exploração a que
estamos submetidos e usam a cabeça para encontrar o
remédio. Esse lugar existe? Sim em nome de deus! E ele
é único: é o grupo corporativo "13

A opinião acima explicita bem o lugar de luta e de resistência da


classe trabalhadora para os sindicalistas revolucionários. Um lugar por si só
privilegiado, onde o operário poderia não só se reunir para articular e manifestar
os seus interesses, mas também vivenciar, ele mesmo, a própria contestação de
classe. O sindicato era, nesse sentido, a instituição potencialmente revolucionária
da classe trabalhadora. Todavia, as discussões em torno do sindicato enquanto
espaço de luta e de resistência do operariado nunca foram tranqüilas entre os
anarquistas.
Segundo Daniel Guérin 14 nos pnme1ros congressos da
'
Internacional, o tema do sindicalismo operário não participava ainda dos debates.
Foi somente com a realização do "Congresso da Associação Internacional da

13
POUGET, Emile. Apud TOLEDO, Edilene T. O Amigo do Povo: grupos de afinidades e a
propaganda anarquista em São Paulo nos primeiros anos deste século, Tese de Mestrado,
UNICAMP, Campinas, 1993, p. 99
14
GUÉRIN, Daniel. O Anarquismo da doutrina a ação, Editora Germinal, Rio de Janeiro,
p. 63.
19

Basiléia ", em setembro de 1869, que o sindicalismo, sob influência dos


anarquistas, passou a ser discutido num primeiro plano. A orientação dada pelos
congressistas foi para que todos os trabalhadores se agrupassem em sociedades de
resistência, a fim de que garantissem o presente e o futuro . "Pois são elas que
formam os elementos naturais da edificação social do futuro; são elas que
poderão facilmente transformar-se em associações de produtores; são elas que
hão de poder utilizar a ferramenta social e organizar a produção ". 15 Nestas
palavras de Varlin, segundo Neno Vasco, estão os princípios essenciais de
organização e de táticas operárias, do que veio a se chamar depois "sindicalismo
. , . ,, 16
revol ucwnano .
Na França, onde as sociedades operárias tomaram um grande
impulso a partir de 1870, o desgaste causado pela guerra franco-prussiana e o fim
da Comuna de Paris, se por um lado favoreceu uma reação por parte da burguesia
e um certo abatimento no proletariado, por outro lado, acabou levando essas
sociedades a um definhamento e a um reformismo dificeis de serem controlados.
Diante desse quadro desolador, os anarquistas, por sua vez, terminaram por se
isolar do movimento operário e se auto consumirem ·'num criticismo estéril e
impotente, de se dividir em pequenas capelas, com infiltrações de individualismo
burguês ou de misticismo, divagações metafisicas e torneios intelectuais de
d 1·tetantes e sno bes " .17

Porém, no desejo de se reaproximarem dos trabalhadores e de


evitarem que os sindicatos operários fossem de vez dominados pelos socialistas,
foi que parte dos anarquistas "apressaram " a sua entrada nos sindicatos. No
entanto, cabe dizer, que essa tomada de posição não significou em nenhum

15
Palavras proferidas por Eugénio Varlin no artigo publicado em março de 1870, em La
Marseillaise. Varlin foi o fundador da sociedade de resistência da corporação dos operários
encanadores, secretário da primeira União dos Sindicatos parisienses (Câmara Federal das
Sociedades Operárias de Paris) e membro da Comuna de Paris. Foi assassinado pelos
versalheses em 28 de maio de 1871. ln. : VASCO, Neno. Concepção Anarquista do
Sindicalismo, secção editorial de A Batalh!!, Lisboa, 1920, p. p. 30-31
16
VASCO, Neno. op. cit. , p.31
17
JDEM, p. 33
20

momento para esses anarquistas uma mudança de doutrina. Ela era muito mais de

tática do que de pensamento.


Neste contexto, podemos dizer que na última década do século XIX,
uma nova onda revolucionária veio a contagiar os anarquistas. Eram as idéias do
jovem francês Fernand Pelloutier que ao assumir o cargo de Secretário Geral da
18
Federação das Bolsas de Trabalho na França , acabou imprimindo um novo
ritmo ao movimento sindical francês . Pois, ao transformá-lo numa poderosa força
de orientação anarquista, o modelo de sindicato proposto por Pelloutier, foi capaz
de influenciar o pensamento e a ação da classe operária não só em seu país, mas
também em outros países, como a Espanha e o Brasil.
A concepção que alguns anarquistas (leia-se anarco-comunistas)
tinham dos sindicatos, isto é, que os mesmos possuíam apenas uma função
econômica, era para Pelloutier errada. Os sindicatos possuíam na realidade uma
função, que por se aproximar da vontade dos próprios trabalhadores, era muito
mais complexa, e nesse sentido, verdadeiramente revolucionária:

"Nós queremos que toda a função social se reduza à


satisfação das nossas necessidades; o sindicato também
o quer, é êsse o seufim, e cada vez êle se emancipa mais
da crença na necessidade dos governos. Nós queremos
o livre acôrdo dos homens; o sindicato (de dia para dia
melhor o compreende) só pode existir expulsando do seu

18
A Federação das Bolsas de Trabalho foi criada em fevereiro de 1892, de acordo com as
resoluções do Congresso de Saint Etienne. Constituiam-se num instnunento de crítica à
integração do sindicalismo ao Estado, ou mesmo às municipalidades, tomando-se assim os
bastiões daqueles que preconizavam a independência sindical. O trabalho das Bolsas de
Trabalho foi bastante considerável, pois contou com a criação de bibliotecas, museus do
trabalho, escritórios de ensino, imprensa corporativa e de instituições que viabilizavam a
educação dos trabalhadores. Podemos entender que este trabalho era a aplicação da fónnula
preconizada na l Internacional de que a emancipação dos trabalhadores seria obra dos próprios
trabalhadores. Assim, pela suas múltiplas atividades, as Bolsas de Trabalho "aspiravam,
conscientemente ou não, a criar um 'Estado' dentro do Estado, pretendendo monopolizar todo
o serviço relativo á melhoria da sorte da classe trabalhadora". ln.: Revista História do
21

seio qualquer espécie de autoridade e de coacção. Nós


queremos que a emancipação do povo seja obra do
mesmo povo; a organização sindical também o quer.
Cada vez mais ali se sente a necessidade, ali se
experimenta o desejo de administrar directamente os
interêsses próprios; ali germina o gôsto da
independência e a vontade da revolta; ali se pensa nas
oficinas livres onde a autoridade tenha cedido o lugar
ao sentimento pessoal do dever; ali se emitem, sôbre a
tarefa dos trabalhadores numa sociedade harmónica,
indicações de maravilhosa largu.eza de vistas,
fornecidas pelos próprios trabalhadores 1119.

As palavras de Pelloutier eram portanto claras, quena que os


anarquistas invadissem os sindicatos, e que fizessem dele uma "escola prática do
anarquismo". Ou seja, que os anarquistas transformassem os sindicatos em
lugares de livre discussão, de educação, de resistência, de luta de classes, de
autonomia, de ação direta, e sem compromissos partidários.
A célebre frase : "o sindicalismo se basta a si mesmo ", proferida
pelos sindicalistas revolucionários no "Congresso de Amiens" (França), em
I 906, pennitiu, segundo as próprias palavras de Neno Vasco, a formação do "nó
20
vital do sindicalismo revolucionário ". A proposta feita para que os sindicatos
fossem o grupo essencial, o órgão específico da luta de classes e o núcleo
reorganizador da sociedade futura, favoreceu a polêmica entre aqueles
anarquistas que viam no sindicalismo o meio e o fim da sociedade (sindicalistas
revolucionários) e aqueles anarquistas que, por não concordarem com essa

Anarquismo no Brasil, vol. II, Fac Súnile, São Paulo, p.p. 1-2
19
ID IBIDEM, p.p. 36-37.
22

opinião, propunham que o anarquismo se mantivesse firme na sua proposta de


atuação ampla e abrangente na sociedade (os anarco-comunistas).
No ano seguinte, mais precisamente, no "Congresso Internacional
Anarquista de Arnsterdã ", esta divisão ficou ainda mais nítida. Malatesta
(anarco-comunista) e Pierre Monatte (sindicalista revolucionário) promoveram
um acirrado debate em tomo da questão. Para o primeiro, o sindicalismo não
passava de um movimento legalista e conservador, sem outro objetivo acessível,
21
além da melhoria das condições de trabalho. Argumentava que era sim,
partidário convicto do movimento operário ou sindical, mas não poderia ser
jamais sindicalista "se por sindicalismo se entender esta doutrina que vê apenas
no fato do sindicato operário urna virtude especial, devendo automaticamente
conduzir ao enfrentarnento do jugo capitalista e à constituição de urna
sociedade nova".22 Portanto, para Malatesta, os anarquistas deveriam sim,
ingressar nos sindicatos, mas apenas para difundir o anarquismo entre os
trabalhadores. O sindicato era apenas um meio de luta, e nunca o seufim .
Para Monatte, o sindicalismo era o principal responsável por aquela
onda revolucionária que agitou a Europa, e principalmente a França, nos
primeiros anos deste século~já que, anteriormente ao agrupamento de sindicatos
e de uniões trabalhistas, o espírito revolucionário simplesmente agonizava
naquele país. Ássim, o sindicalismo ao pennanecer fiel ao lema da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT), de que a emancipação da classe operária
deveria ser obra dos próprios operários, ele se configuraria como o único meio
possível de se atingir a revolução, e nesse sentido, ele bastava a si mesmo:

"O sindicalismo não perde tempo prometendo o paraíso


terrestre. Ele exige que os próprios operários lutem

20
IBIDEM, p. 30
21
GUÉR[N, Daniel. op. cit., p. 85
22
SEIXAS, Jacy Alves de. - Mémoire et oubli: anarchisme et syndicalisme révolutionnaire
au Brésil: mythe et histoire, Ed. de la Maison des sciences de l'homme, Paris, 1992, p. 124.
23

para conquistá-lo, assegurando-lhes que seus atos


Jamais serão em vão. É uma escola de força de vontade,
entusiasmo e pensamento coletivo. Abre novas
perspectivas e esperanças para um anarquismo que
esteve durante tanto tempo fechado em si mesmo. Que
todos os anarquistas ingressem no sindicalismo - isso
fará com que seu trabalho se torne ainda mais
produtivo e mais decisivos os golpes que aplicarem
. socza
contra o regzme . l . ,,23

Apesar do impasse criado entre anarco-comunistas e sindicalistas


revolucionários, o lugar de luta e de resistência da classe trabalhadora, já estava
definido para estes últimos. Um lugar que por preencher três requisitos básicos
foi considerado por excelência legítimo do operariado: primeiro, por congregar os
indivíduos em conformidade com a sua posição no interior das relações
capitalistas de produção, isto é, como simples vendedores de força de trabalhos;
segundo, por dedicar-se unicamente à luta econômica, no campo imediato das
relações de produção - a fabrica (seja combatendo por melhorias parciais, seja
combatendo para o fim do capitalismo); e terceiro, por servir-se do método da
ação direta.24
O sindicato era, nesse sentido, o espaço único e potencialmente
revolucionário da classe trabalhadora. A ele cabia realizar a dupla tarefa de
preparação da classe trabalhadora em direção à greve geral 25 expropriadora da

23
WOODCOCK, George (org). Apud BERGANTON, Glaucia. Gigi Damiani: um anarquista
no Brasil, Monografia, UNICAMP, Campinas, 1996, p.p. 29-30
24
MAGNANI, Sílvia L. op. cit., p.p. 96-97
25
A greve geral, enquanto estratégia exemplar de ação direta, provavelmente teve as suas origens
na segunda metade do século XIX, durante o tempo em que realizava o 3 º Congresso da
Internacional, realizado em Bruxelas, em setembro de 1868. Neste congresso discutia-se a greve
geral como um método de luta contra os governantes que financiavam a guen-a. Logo no ano
24

classe burguesa, bem como lutar por melhores condições de vida e de trabalho
para O operariado. Assim, ao mesmo tempo que o sindicato se preocupava com a
revolução, ele também se preocupava com as melhorias imediatas, as chamadas
lutas cotidianas, por aumento de salário, diminuição das horas de trabalho, etc. O
sindicalismo revolucionário portanto - e aqui reside a sua novidade -, introduz a
noção e prática políticas do reformismo caminhando lado-a-lado com a

revolução.
Mas qual o elo de ligação, ou melhor, qual a função que iria fazer
com que o sindicato realizasse de forma satisfatória essas duas tarefas, que nem
sempre são compatíveis uma às outras? A resposta é simples, tratava-se da ação
direta. Era ela, a ação direta, na medida em que constituía e instituía essa dupla
tarefa, que, segundos os sindicalistas revolucionários, acabava permitindo ao
sindicato realizar a passagem do reformismo à revolução. Além do que, a ação
direta ao permitir que os trabalhadores (re)criassem, à sua maneira, toda e
qualquer forma de resistência no seu dia-a-dia, acabava por transformá-los nos
próprios agentes da revolução (noção de "ginástica revolucionária")2 6 .
Podemos dizer que esta concepção, genuinamente anarquista, veio
sendo delineada desde o século XIX, quando por meio das obras de Proudhon -
apesar de todas as controvérsias - encontramos as primeiras expressões da
doutrina anarquista. Proudhon ao efetivar sua crítica a todas as formas de poder
representadas pelos governos monárquicos, aristocráticos e até mesmo
democráticos, acabou por reconhecer a necessidade de sua negação. Pois,
segundo Proudhon, a maneira pela qual foi sendo construída historicamente a
atividade política, e, principalmente, o modo como essa atividade foi sendo
admitida ao longo do tempo pelo conjunto das sociedades, terminou por
transformá-la em algo instintivo, logo presumível. ''A idéia de governo é

seguinte, a idéia da greve geral já aparecia como um meio revolucionário nas discussões da
secção belga da Associação Internacional do Trabalho (AIT). O seu primeiro propagandista,
parece ter sido o francês Joseph Tortelier. ln.: LOPREATO, C. S. R. O Espírito da Revolta: a
greve geral anarquista de 19J7, Tese de Doutorado, UNICAMP, 1997, p. 9.
25

tributária dos costumes tecidos na esfera da família como embrião do estado.


Assim, fincando-se na esfera privada, a idéia de Estado pôde aparecer como
natural à sociedade assim como a subordinação entre o pai e suas crianças 1127.
Portanto, a hierarquia social tal como foi concebida pelos primeiros
homens, era para esse pensador, nada mais do que a própria "autoridade em
ação" canalizada pelo governo. Neste contexto, uma outra concepção de ordem
social que viesse a negar todas as fonnas de poder, de autoridade e por
conseguinte, de governo, necessitava ser posta em prática. Destarte, a anarquia,
como pretendeu Proudhon, veio no sentido de construir e efetivar essa negação.
Por outro lado, a ação direta, enquanto parte indissociável do pensamento político
anarquista, ao potencializar no indivíduo a necessidade premente de agir por seus
próprios meios, dispensando desse modo, a ajuda de intermediários ou de
representantes, acabou por introduzi-lo no campo da liberdade; onde sua vontade
reina absoluta.
Edgar Leuenroth, um dos mais expressivos representantes do
sindicalismo revolucionário no Brasil, ao fazer um pronunciamento a respeito da
apresentação de seu nome como candidato a deputado nas eleições parlamentares
de 1918, explicitou claramente o significado que tinha para os anarquistas a
questão da não representatividade das vontades individuais:

" como libertário, não aceito a ação parlamentar, que


implica na delegação de podêres, o que constitui séria
divergência doutrinária com o anarquismo. É em
obediência a êste sábio critério que os libertários,
arrostando dificuldades sem conta, lutam
incessantemente no sentido de conseguir que cada
elemento do povo, libertando-se da mentalidade

26
Cf SEIXAS Jacy Alves., op. cit.
27 Cf Proudhon, ln. SEIXAS, Jacy Alves. Indivíduo, Liberdade e Solidariedade: reflexões
26

messiânica imperante, tornando senhor de si mesmo,


constitua uma unidade ativa na vida social, agindo em
causa própria no patrocinio dos interêsses que, sendo
28
seus, estão em harmonia com os da coletividade".

Seguindo a mesma vertente da ação direta no pensamento político


anarquista, a "ginástica revolucionária" trouxe consigo a idéia de que só se
aprende a ser revolucionário aquele que se exercita. Um exercício que deveria ser
feito todos os dias, não importando a sua envergadura. Portanto, "é na luta que se
aprende a lutar". Nestas breves palavras proferidas por Neno Vasco - português
que chegou ao Brasil por volta de 1900 -, a noção do que vinha a ser "ginástica
revolucionária" para os sindicalistas revolucionários como ele, encaixa-se
perfeitamente. O que realmente importava, era que o trabalhador, por meio de
suas ações, aprendesse a ser autônomo; a agir por si mesmo, sem recorrer a
intermediários ou a "salvadores" (a burguesia, o Estado .. .).
Ao passo que os trabalhadores fossem construindo e exercitando a
sua autonomia, os mesmos estariam mais propensos a se transformarem num
contra-poder operário. Em outras palavras, o que os sindicalistas revolucionários
estavam querendo dizer, era que se os trabalhadores, por meio de suas próprias
ações, conseguissem um aumento salarial aqui, uma redução de jornada de
trabalho ali, ou qualquer outra vitória, por menor que ela pudesse representar,
isso no final das contas, acabaria por prepará-los para a vitória maior.
Ou seja, a partir do caráter transitório destas ''pequenas"
conquistas, é que se chegaria à transfonnação de fato, qual seja, a revolução.
Portanto, a revolução não se daria por um passe de mágica, como se o sindicato
(ou qualquer outra instituição operária) pudesse de uma hora para a outra tirar um

sobre a formação do pensamento anarquista (Proudhon e Kropotkin), xerox, p. 8


28
LEUENROTH, Edgar. Anarquismo: roteiro da libertação social, Rio de Janeiro, Editora
27

coelho da cartola. A revolução que poria fim aos demandos do Estado e dos
patrões, teria que ser realizada necessariamente pelos próprios trabalhadores, e
isso supunha um aprendizado de energia e autonomia que se enraizava no
cotidiano mesmo das lutas operárias.
No Brasil, os militantes anarquistas que acreditavam residir no
sindicalismo a essência da organização e da ação operária, se auto denominaram
anarquistas sindicalistas. Porém, é interessante observar que com relação ao tema
do exclusivismo sindical, os sindicalistas revolucionários aqui no Brasil, apesar
de tê-lo aceito, concebiam-no com certas reservas. O sindicato, nesse sentido,
formaria apenas um elo de ligação que contribuiria na passagem daquela
sociedade para uma outra, isto é, a passagem da sociedade capitalista para a
sociedade comunista livre.
O sindicato da forma como era constituído na sociedade capitalista,
deveria sofrer profundas transformações com o advento da sociedade comunista
livre. Possivelmente, ele se constituiria em meio a uma multiplicidade de
pequenos grupos: "o grupo profissional para a produção essencial, para os
serviços públicos (alimentação, vestuário, alojamento, transporte,
comunicações, saúde, instrução, iluminação, etc.) ; o grupo de afinidades para a
satisfação das necessidades intelectuais, estéticas e morais; a livre Comuna, ou
União local, para os interêsses locais, estatística, determinação do consumo,
distribuição. E as multíplices federações livres, locais, regionais, mundiais, de
sindicatos, de grupos por afinidade e de comunas" .29 Portanto, o sindicato não
reinaria num espaço vazio, onde ele seria o senhor absoluto de tudo. Com ele
estariam também as diferentes correntes de pensamentos, que, precisamente por
não comungarem das mesmas opiniões, precisavam ser ouvidas e respeitas, caso
contrário, o sindicato seria uma outra forma de servidão.
A atuação destes militantes no movimento operário brasileiro, e

Mundo Livre, 1963, p.p. 54-55 .


29
VASCO, Neno, op. cit. , p.p. 89 - 90.
28

sobretudo no movimento operário paulista, é verificada desde os primeiros anos


deste século, quando na luta pela formação de sindicatos de resistência, eles
iniciaram uma verdadeira batalha contra as antigas organizações operárias de
cunho cooperativista e mutualista. Para os sindicalistas revolucionários, as
organizações que privilegiavam apenas esses quesitos (o mutualismo e
cooperativismo) como o centro de suas atividades, em nada contribuíam para a
emancipação de seus associados. Era necessário portanto, ir além das
reivindicações meramente assistenciais e economicistas para que se pusesse fim à
exploração capitalistas a que estavam todos submetidos.
De acordo com as idéias dos sindicalistas revolucionários, as
organizações mutualistas e cooperativistas significavam um entrave à resistência
operária. Ao passo que promoviam tão somente melhorias econômicas na vida
dos trabalhadores, elas acabavam por facilitar ainda mais a exploração capitalista.
Os operários, por outro lado, ao serem submetidos à "lei do menor esforço",
estariam mais propensos à resignação e à passividade; o que de certa forma,
contribuiria para a perpetuação do regime capitalista burguês:

"Enquanto o operariado se limita ao mutualismo,


tirando dos seus magros recursos precárias economias
para as ocasiões de doença, desgraça, invalidez ou
desocupação, ainda que lhe junte o cooperativismo, na
esperança de aumentar o seu poder de compra e cortar
nos ganhos do parasitismo intermediário, as melhorias
de situação, que sob o jugo capitalista são sempre
transitórias e inseguras para êle, tornam-se então
inteiramente ilusórias. (. ..)
( ..) a associação mutualista ou cooperativa tende
naturalmente para a adaptação do salariado ao regime
burguês, favorecendo mesmo a submissão às condições
29

impostas pelo patronato.


(. ..) promovem a criação duma burocracia
. , · ,,30
permanentemente paras1tana.

Embora, reconhecesse a existência de sérias controvérsias em torno


da questão, e não abrindo mão de críticas severas como as acima, o autor
reconhecia que estas organizações possuíam lá os seus méritos. Pois, ao
desenvolverem no operariado o espírito da solidariedade, da associação e do
gerenciamento, essas organizações acabavam permitindo ao sindicalismo
consolidar as suas conquistas, bem como preparavam os produtores para a
organização da distribuição, numa fütura sociedade comunista livre. Vale
ressaltar no entanto, que, para que as organizações mutualistas e cooperativistas
realizassem esse duplo movimento, elas teriam que forçosamente, manterem-se
31
afastadas dos burocratas e patronos, sempre de "plantão".
Os sindicalistas revolucionários criticavam ainda os sindicatos
corporativistas. Para eles, esses sindicatos estavam dispostos a lutar apenas pela
criação e manutenção de privilégios. Procurando estar sempre de acordo com os
interesses dos patrões; porque deles obtinham todas as vantagem que solicitavam.
Esses sindicatos por não compartilharem os privilégios recebidos dos patrões com
as demais categorias de trabalhadores, formavam uma espécie de ·'aristocracia
do trabalho "32 . Um exemplo desse tipo de organização, eram as trade-unions
inglesas e norte americanas, além das uniões operárias na Alemanha.
Outro tipo de organização que recebia duras críticas dos
sindicalistas revolucionários, era o "sindicato de idéias", isto é, aquele sindicato
que servia de "garoto propaganda" dos partidos políticos ou de grupos
ideológicos. Não resta dúvidas, que o alvo a ser atingido, eram os sindicatos

30
IDEM, p. 78.
31
IBIDEM, p.p. 78-79.
30

socialistas, que privilegiavam o sindicalismo apenas como um movimento


preliminar das grandes transfonnações sociais, além de associá-lo, é claro, a um
partido político.
Portanto, a imagem outrora construída pelos sindicalistas
revolucionários do sindicato, foi aquela de algo bastante simples, maleável, sem
burocracia ou formalidades, leve, aberto e principalmente, "neutro". Embora a
neutralidade sindical seja ainda confundida, muitas vezes com apoliticismo, não é
de se espantar que esses militantes a valorizassem tanto. Pois, não eram eles que
declararam ser a resistência e a ação direta a função única dos sindicatos? Então
nada mais plausível, que o sindicato estivesse aberto a entrada de todos os
trabalhadores, não importando a que grupo ideológico eles viessem a pertencer. O
sindicato era sobretudo, lugar de resistência, de propaganda, de educação, de
ação, de autonomia. A ele não cabia o sectarismo e o autoritarismo, caso
contrário, deixaria de ser um grupo revolucionário para ser tão somente um grupo
, . 33
po 11t1co.
O pluralismo de idéias é então aqui evocado, mais para unir forças e
assim traduzir as ações em fatos, do que para nivelar as diforentes tendências e
assim arrebanhar um número maior de associados : Hum sindicato todo de
anarquistas num dado momento, se é 'avis rara ', ainda se concebe, porque os
anarquistas estariam ali como trabalhadores; mas um 'sindicato anarquista ·
34
seria uma contradição, ao menos na aparência ".
Diante do exposto, a constituição de um sindicato era muito fãcil.
Para tanto, necessitava o grupo que tomou a iniciativa de formá-lo, reunir-se e
encarregar um indivíduo ou uma comissão, para elaborar um projeto de estatutos;
que depois de pronto, teria que necessariamente, ser discutido em assembléia
geral por todos aqueles trabalhadores que quisessem se agremiar. Em geral, o
estatuto deveria conter os seguintes pontos:

32
ID IBfDEM, p. 63 .
33 Jornal A Terra Livre, nº 43 , 04/agosto/1907.
31

" J O - FINS DO SINDICATO:


a) immediatos, o melhoramento das condições
presentes; a propaganda associativa, a educação.
b) a emancipação integral do trabalhador.
2º - A não participação do sindicato na luta dum
partido político.
3º -A não admissão de patrões e pelo menos a exclusão
da administração dos que têm compromissos com os
patrões, sendo seus empregados de confiança, como os
contramestres; exclusão rigorosa, igualmente, de
políticos profissionais. Só poderão fazer parte do
sindicato os salariados emquanto exercerem o seu
oficio, salvo caso desocupação forçada.
4º - Porta fechada aos funcionários pagos. Quando o
sócio perde horas de trabalho em sen,fço do sindicato,
deve receber como indenização unicamente o que
ganharia em média exercendo o seu oficio; mas isso
apenas quando e em quanto o serviço do sindicato é
incompatível com o exercício da profissão.
5º - Uma administração reduzida a sua mais simples
expressão: um secretário (ou mais, se o exigir o sen,iço)
e um tesoureiro; quando muito alguns conselheiros e
revisores de conta. Estas funções são puramente
administrativas, e não diretivas; trata-se dum serviço,
dum trabalho a executar segundo um encargo dado e
aceito e escrupulosamente cumprido. Estes funcionários
não mandam mas trabalham; não impõem idéias ou
vontades próprias, mas executam resoluções tomadas.

34
IDEM.
32

Devem ser substituídos com freqüência, não só


porque estas funções são um encargo e não uma honra
ou um privilégio, mas também porque contribuem para
a educação dos operários.
A estes pontos podem juntar-se outros que variam
segundo as circunstâncias: instituições de biblioteca, de
35
escolas profissionais, de obras de propaganda, etc. "

Ao lado dos sindicatos, os jornais significaram um dos meios mais


eficazes de esclarecimento e de divulgação, tanto da doutrina anarquista, quanto
das táticas a serem implementadas pelos trabalhadores, na luta contra a
exploração capitalistas. Nesse sentido, o jornal funcionava como uma via
educativa onde eram divulgados e sugeridos diversas revistas, boletins, livros e
folhetos que deveriam ser lidos pelos operários. Nestes anúncios constavam
minuciosamente os locais onde esses materiais poderiam ser encontrados:
bibliotecas, centros de estudos ou postos de vendas. Conjuntamente, eram
divulgados o endereço, horários de funcionamento, preços e taxas (caso esses
36
materiais fossem adquiridos pelo reembolso postal).
As notícias veiculadas nos jornais eram bastante diversas: debatiam
a opressão e exploração sob os trabalhadores no campo e na cidade, a
emancipação da mulher, a imigração, o trabalho infantil, a truculência do Estado
e a organização do movimento operário em diversas partes do Brasil e do mundo.
Traziam também artigos que discutiam os aspectos teórico do anarquismo; assim,
autores como Malatesta, Kropotkin, Pouget, Neno Vasco, Edgar Leuenroth, entre
vários outros autores, estavam sempre presentes. Havia espaço ainda para a
divulgação de denúncias, reclamações, solicitações, comícios, festas, festivais,

35 VASCO, Neno. "Fundação do Sindicato", A Terra Livre, nº 3, 07/ fev./1906 .


36 SFERRA, Giuseppina. op. cit, p. 21 .
33

encontros, etc ..

Como se pode notar, pela diversidade de temas apresentados nos


jornais, os anarquistas estavam convictos de que o melhor caminho para a
transformação daquela sociedade seria o de despertar primeiramente a
consciência do trabalhador pela educação e propaganda de suas idéias. Neste
caso, nada mais plausível do que investir naquele veículo de tão longe alcance.
Assim, foi que as diferentes correntes de pensamento anarquista, com O objetivo
de divulgarem as suas idéias e as suas estratégias, articularam-se em tomo dos
jornais, para fazerem deles os seus principais pontos de apoio.
A tendência sindicalista revolucionária em São Paulo, formou-se
primeiramente, em torno do jornal O Amigo do Povo, que foi o primeiro jornal
anarquista desta cidade a ser editado em língua portuguesa, e a ter uma
publicação regular. Durante os seus três anos de existência (1902, 1903 e 1904 ),
37
0 grupo editor do jornal O Amigo do Povo, conseguiu editar 63 números. A
freqüência variou entre uma semana e quinze dias e o número de páginas entre
três e quatro. Não tinha um preço fixo, quem quisesse adquiri-lo, pagava segundo
sua vontade ou possibilidade, podendo ainda, adquiri-lo gratuitamente. Era
vendido também por assinaturas : cada série de dez números custava J $000. Em
1903, o jornal passou a ser vendido também pelas rua de São Paulo. 38
Um outro jornal muito importante para a divulgação do pensamento
sindicalista revolucionário, foi A Terra Livre, que entre os anos de 1905 a 191 o
'
editou 75 números. Publicado em São Paulo e no Rio de Janeiro 39, A Terra Livre
teve como principais diretores Neno Vasco, Manuel Moscoso e Edgar Leuenroth.

37
Faziam parto do grupo editor deste jornal os militantes sindicalistas revolucionários: Neno
Vasco, Beitjamim Mota, Alessandro Cerchiai, Giulio Sorelli, Angelo Bando1ú, Juan Bautista
Perez, entre outros.
38
TOLEDO, Edilene T. Op. cit., p.p. 50-51.
39
A Terra Livre foi publicada no Rio de Janeiro de maio de 1907 (nº 34) a julho de 1908
(n º64), devido ao acordo realizado entre o seu grupo editor e o do jornal carioca Novo Rumo. o
diretor do jornal nesta cidade era José Romero. In. RODRIGUES, Edgar. Socialismo e
Sindicalismo no Brasil (1675 - 1913), Rio de Janeiro, Laemmert, p. 106.
34

Porém, em novembro de 1910, após o regresso de Neno Vasco a Portugal, suas


atividades foram encerradas.
Dentre os inúmeros jornais "sindicalistas revolucionários" podemos
destacar ainda: A Voz do Trabalhador (1908 - 1915), com edições quinzenais
oscilando entre 3000 e 4000 exemplares, este jornal, que durante os anos de 191 o
a 1912, teve como principais editores Manoel Moscoso e Carlos Dias e como
administrador José Romero; A Lucta Proletária (1906 - 1908), órgão da
Federação Operária de São Paulo, com edições semanais e Julio Sorelli e Manoel
Moscoso como principais editores.
35

O ANARCO-COMUNISMO

"Devemos aproveitar todos os meios, todas as


possibilidades, todas as ocasiões que nos oferece 0

meio atual, para agir sobre os homens, desenvolver sua


consciência e suas aspirações. Devemos utilizar todos
os progressos realizados na consciência dos homens,
para levá-los a reclamar e impor as maiores
transformações sociais atualmente possíveis, ou as que
servirão melhor para abrir caminho aos progressos
º
ulteriores '·'4

Embora até mesmo os militantes sindicalistas revolucionários, aqui


no Brasil, aceitassem com certas reservas o caráter exclusivistas dos sindicatos,
será por meio da fala e das atitudes dos militantes anarco-comunistas, que esta
problemática será melhor equacionada, pois os mesmos ao exercerem um
41
contraponto crítico ao sindicalismo , acabaram por não compartilharem da idéia
de que ao sindicato compétia única e exclusivamente, organizar a classe
trabalhadora para por fim aos ditames da classe burguesa e do próprio Estado.
No Brasil, a corrente anarco-comunista desenvolveu-se basicamente
em São Paulo. o grupo - que tinha como militantes mais expressivos Oreste
Ristori, Gigi Damiani, Florentino de Carvalho, Alessandro Cerchiai, entre outros

40
41
MALATESTA, Enico. op. cit., p. 46. (grifos meus)
Expressão utilizada por Jacy Alves de Seixas em Mémoire et oubli: anarchisme et
syndicalisme révolutionnaire au Brésil: mythe et histoire, Ed. de La Maison des Sciences de
L 'homme, Paris, 1992.
36

42
- surgiu em torno do jornal Is Risveglio , quando em novembro de 1889, este
passou a ser editado por Gigi Damiani. Todavia, o grupo só veio a se firmar em
julho de 1904, com o aparecimento do jornal La Battaglia'13, o que acabou
colaborando para que também fossem conhecido como o "grupo da Battaglia,,44.
Para os anarco-comunistas, o sindicato - enquanto instituição
exclusiva - jamais poderia cumprir a função de destruir o capitalismo, pois ao
privilegiar os seus interesses corporativos, ou no limite, lutar por reformas
estritamente econômicas, terminaria por sustentar o próprio capitalismo:

''A ttendendo de preferência os interesses dos operários


agremiados, o syndicalismo reconhece e defende a série
de categorias creadas pela divisão e especialização

42
O jornal li Risveglio foi fundado em São Paulo em 09 de janeiro de 1888 e teve como
ptincipais redatores Alfredo Mari, Augusto Danatti, Gigi Damiani e Benjamin Mota. Por razões
financeiras sua prublicação foi interrompida em l 5 de maio de 1899, depois de 46 números
publicados.
43
O semanário La Battaglia foi fundado em São Paulo, no mês de julho de 1904 por Oreste
Ristori. Em 1907, 0 jomaJ tinha em média uma tiragem de 3500 exemplares, e j á em 1908 esse
número alcançou a cifra de 5000 exemplares. Seg~ndo ~otícia v~iculada no próprio jornal (,~ º
201 de 31/01/1909), sua dist:Iibuição era bastante d1fund1da no pais, chegando a ser dislTibuído
também na capital da Argentina e do Uruguai : em São José d~ Rio Preto (SP) era di sh'ibuído por
Alberto Nardini, em Juiz de Fora (MG) por Andrea Taucc1, em Uberaba (MG) por Orlando
Persotti, em Ponta Grossa (PR) por Pietro Colli, em Porto Alegre (RS) por Mat.teo Ci:meta e no
Rio de Janeiro por Sílvio Pezzaglia. Era ainda di stribuído nas cidades de Belém (PA) e Manaus
(AM). - In: ROMANI, Carlo - Oreste Ristori: uma aventura anarquista, di sse,tação de
mestrado, UNICAMP, 1998, p. 149.
o notável trabalho reaJizado por Alessandro Cerchiai (re~at.or), Angelo Bandoni e Gigi
Damian.i (colaboradores), ena·e outros, fez com que as pagmas do la Ballag/ia se
transfoimassem num lugar privilegiado de debate entre as diversas !endências liberlá.rias, além é
claro, do imenso trabalho de divulgação do pensamento anarqmsta e das sé,ies de abusos
praticados pelos capitalistas contra os menos favorecidos. . .
44
No relatório enviado em 30 de junho de 1909 ao senhor Lu1g1 Brm10 (mi11istro da Itália em
Petrópolis _ Rio de Janeiro), pelo então Comissário de Segurança Pública, Cesare Alliata
Bronner, funcionátio do serviço especiaJ de vigilância junto ao consulado italiano em São Paulo
o grupo La Battaglia foi assim des~ri!ºi "Gr~po da 'Battaglia', dirigido pelo conhecid~
anarquista Oreste Ristori diretor propnetano do JomaJ do mesmo nome e por seu companheiro
intimo A. Cerchiai. C~mpõe-no numerosos ti~ógrafos ~ met~úrgico~ e algumas de suas
mulheres. Formam O núcleo mais intelectuaJ, reaJ1zam-se ali frequentes discursos de Ristoii, de
Cerchiai de Damiani de Sorelli, de Boni, e outros, para fins de propaganda para angariar fundos
para O j~mal e para ;ubscrições de solidariedade. o,~ filiado~ ~ispõ~ de meios discretos, sendo
quase todos operários, que ganliam de 7 a 10$000 (reis) por dia. Por isso pouco perigosos". _ ln:
37

capitalista do trabalho.
Não considera que os operários assalariados
representam classes privilegiadas e, ainda, por
gradações estabelecem desigualdades irritantes.
Os syndicalistas melhor remunerados não se lembram
de que enquanto elles trabalham e gozam relativa
fartura, a multidão dos mal-pagos soffre toda sorte de
privações " 45

Isto posto, fica nítido o porque dos anarco-comunistas terem batido


de frente com aqueles que acreditavam que o sindicalismo bastava a si mesmo.
Ou seja, que seria suficiente os trabalhadores reunirem-se em sindicatos e lá
forjarem as condições necessárias à revolução. Um projeto revolucionário deveria
fundamentalmente ir mais além. Ele não deveria estar preso a esta ou aquela
organização política, a este ou aquele grupo.
Um projeto revolucionário que ambicionasse a expropriação, e
consequentemente, 0 fim da classe burguesa e do Estado, deveria estar calcado
em bases mais firmes. Nesse sentido, o mesmo não deveria residir apenas naquela
classe considerada por excelência revolucionária, isto é, o proletariado industrial.
Pois todos, à medida que passam a estabelecer os seus próprios meios de
resistência e atuação, tenninam por se transformarem em potenciais
revolucionários. A esse respeito, escreve Malatesta:

"O nosso ideal não é daqueles cuja plena realização


depende do indivíduo considerado isoladamente. Trata-
se de mudar a maneira de viver em sociedade; de

JOLEDO, Edilene T., op. cit., p. 45. (grifos meu~).


CAR vALHO, Florentino. Da escravidão à Liberdade: a derrocada burguesa e O advento
38

estabelecer entre os homens as relações de amor e de


solidariedade;de alcançar a plenitude do
desenvolvimento material, moral e intelectual. E isto,
não para um indivíduo isolado, não para os membros de
uma certa classe ou de um certo partido, mas para todos
os seres humanos. Esta transformação não é uma
medidada que se possa decretar e impor pela força, mas
deve surgir da consciência esclarecida de cada um,
para entrar na ordem dos fatos pelo livre consentimento
de todos "46.

Assim, é possível perceber que na recusa do exclusivismo sindical


os anarco-comunistas estavam recusando, também, toda e qualquer forma de
47
exclusivismos. Neste contexto, Ugo Fedelli afirma que é exatamente essa a
razão, que permitiu que os anarquistas não se dirigissem apenas à classe operária,
pois do contrário, os mesmos estariam não só limitando o seu campo de atuação,
como também restringindo a luta, no que dizia respeito apenas, ao interesse pelos
conflitos sociais.

Portanto, procuraram sempre atingir com suas críticas, todas as


espécies de sujeições, sejam elas econômicas, religiosas, políticas ou morais. Na
luta contra o fim do capitalismo e do Estado, não bastava o enfrentamento de uma
classe contra a outra. No máximo, o que poderia acontecer, seria o triunfo de uma
sobre a outra, 0 que de maneira alguma, segundo os anarco comunistas, resolveria
0
Problema da liberdade e da igualdade entre os homens.
É sim tarefa dos anarquistas conduzirem os trabalhadores a
'
da·
46 igualdade social, Renascença, Porto Alegre, 1927, P· 98.
47 ~ATESTA, Erríco. op. cit., p. 43 .
_EDELLI, Ugo. "Luta de classe ou Juta humana?" ln: LEUENROTH, Edgar. op. cit. p.p. 51 -
54
39

pensarem e a agirem não somente enquanto trabalhadores, mas principalmente,


enquanto homens. Pois o que estava em disputa na luta anarquista para a
conquista de um mundo novo, era a própria força das idéias. Os homens, nesse
sentido, são unidos ou se dividem, talvez mais pela comunhão das idéias que
professam, do que pelos interesses mútuos. "E é talvez nêsse fenômeno que
Poderemos achar as razões da tragédia do sindicalismo, porque, mesmo entre os
operários que exercem o mesmo mister, trabalhadores da mesma fábrica e
explorados pelo mesmo patrão, mesmo entre êsses as idéias determinam conduta
diferente. ,,48

Mas, 1sso no entanto, não significou que os anarco-comunistas


manifestassem um desprezo pelo movimento operário sindical. Eles consideravam
sim, legítimo o movimento operário de resistência, entretanto, desprezavam a
natureza reformista que caracterizavam a maioria dos sindicatos. Portanto, como
afirma Sílvia Magnani, os anarco-comunistas em nenhum momento
desconsideraram a importância da organização daqueles que "nada tinham, nada
Possuíam além da sua força de trabalho ", pelo contrário. O anarco-comunista,
nesse contexto:

"É individualista na ação que pode exercitar mais


proficuamente sozinho (..}, torna-se organizador,
mesmo sem fundar sociedades com programas,
regulamentos etc., quando para realizar algo superior
às suas forças recorre à solidariedade dos outros( ..). A
· ... · (... ) não é a organização em si, mas o
mcoerencia
, ·to aut orz·ta'rio, que a anima. Ora a organização
espzrz
que o anarq Ul·sta aceita e na qual desenvolve sua
atividade é libertária por excelência, não estabelece
, .
renuncias fiorçasas e discinlina,
r nenhum poder da

4s 1DEM.
40

maioria sufoca as iniciativas individuais, qualquer um


pode agir livremente, aceitar ou não um dado
principio, um dado método de luta, uma dada idéia "49.

Liberdade portanto, de idéias e de ações, caminho aberto tanto para


0
conteúdo, quanto para as diferentes formas de reivindicação e de organização.
Pois, na construção de uma nova sociedade, o homem dependia apenas da sua
própria vontade. Uma sociedade organizada de baixo para cima, onde 0

autoritarismo, fundamentado na dominação de classe, não teria vez. A proposta


era portanto, a formação de uma sociedade sem governo, sem poder e autoridade
constituídos. Em outras palavras, seria o mesmo que dizer, que na organização
Política dessa nova sociedade proposta pelos anarco-comunistas, a igualdade, a
liberdade e O bem estar deveriam ser compartilhados por todos, mediante a
organização voluntária ou O livre acordo entre os indivíduos.
Para tanto, 0 regime burguês deveria ser destruído em sua
totalidade. Não restando dele nenhum resquício que pudesse por em perigo a
construção da nova sociedade. o capitalismo, nesse sentido, deveria ser minado
Pela base, ou seja, acabar com a moral, a ética e a cultura que o alicerçava. Mas,

para isso, fazia-se necessário:

"J O _ A abolição da propriedade capitalista ou estatista,

da terra, das matérias primas e dos instrumentos de


trabalho, para que ninguém tenha meios de viver
explorando o trabalho dos outros, e que todos,

assegurados os meios ue ,J produzir e de viver, sóam


:1

t 1·n ,Jependentes e possam associar-se


veruaue1ramen
,,J ,J •
e ui
. om os outros no interesse comum e de
l1vremente uns c · '
41

coriformidade com as simpatias pessoais.


2º - Abolição do Governo e de qualquer poder que faça
leis para lançá-las aos outros,· portanto, abolição das
monarquias, das repúblicas, dos parlamentos, dos
exércitos, das polícias, das magistraturas e de toda e
qualquer instituição dotada dos meios de constranger e
punir.
3º - Organização da vida social por iniciativa das
associações livres e das livres federações de produtores
e consumidores, criadas e modificadas coriforme a
vontade de seus componentes, guiados pela ciência e
pela experiência, e libertas de toda a obrigação que não
se originar da necessidade natural (à qual todos de bom
grado se submeterão quando lhe reconheçam o caráter
inelutável).
4º - A todos garantidos os meios de vida, de
desenvolvimento, de bem estar, particularmente às
crianças e a todos os que são incapazes de prover à sua

subsistência.
5° - Combate, pelo esclarecimento, pela difusão dos
conhecimentos científicos, a todas as religiões e a todas
as mentiras, mesmo que se ocultem sob o manto da
ciência. Instrução completa para todos, até aos graus

mais elevados.
6º - Combate às rivalidades e preconceitos patrióticos.
Abolição das fronteiras, confraternização de todos os

povos.
lº _ Integração da família, de tal modo que ela resulte
49 L . . .
a BattagJia, nº l3 l , 23/juI.ll 907 Apud MAGNANI, S1lv1a L. op. c1t., p. 86.
42

da prática do amor, fora de toda pressão legal, de


toda a opressão econômica ou fisica, de todo
preconceito religioso ". 50

Para os anarco-comunistas, a sociedade do jeito como estava


organizad
a, ou seja, entre exploradores e explorados, servia apenas para o deleite
da classe b
urguesa, que por sua vez, contava com todo o apoio do Estado. Este
na tentativa d b . . ld d . . . . '
e enco nr as desigua a es soc1a1s imperantes, assumia por meio da
coerção, a responsabilidade de garantir não só a perpetuação da dominação
burguesa, como também, muito das tentativas de resolução do conflito entre 0
capital e o trabalho.

E A coerção poderia ser tanto legal quanto moral, ou seja . , era 0


stado quem cnava
· · o exerci
e mantinha a po J'icia, ' ·to, e a le1s· (coerçao
- legal) no
sentido d c. . ·1, . .
e iazer prevalecer por meio da força, os pnv1 eg1os e mteresses da classe
burgue .
sa. Assim, como era também o Estado, quem meu/cava na mente dos
0
Prirnid os toda uma sorte de quesitos morais,· com a mtenç
· ão de torná-los mais
disposto '
s a mansidão e à obediência; bem como, mais· propensos a considerarem
·
as desgraças da própria vida como sendo o resultado d Jreto
' de um mau governo; e
que p · · b1 ·
or Isso mesmo, poderiam ser resolvidos com o esta e ec1mento de um outro
govern 0 b
, om e justo.
51

Era a propagação feita pelo Estado de valores exteriores à classe


trabalhadora. E, cujo objetivo seria O de enraizar no pensamento desta última a
crença de que aquela onda de miséria na qual se encontravam logo passaria, caso
entregassem a sua sorte nas mãos dos políticos; a fim de que estes os
_representassem de forma ordeira e pacífica, junto aos patrões e a todas as

instituições governamentais. Desse modo, queriam que os trabalhadores

soM
s1 L ALATESTA, Enico. op. cit. p.p. 39 - 40. . . .
a Battaglia, nº 291 ,05/fev.!191 l Apud MAGNANI, S1lv1a L. op.c1t., p.p. 70-71
43

Permanecessem em seus devidos lugares, ou seja, que não se embrenhassem por


ca ·
mmhos que não lhes diziam respeito, mas sim à classe burguesa.
Nesse sentido, os anarco-comunistas se autoproclamaram contrários
ª todas as formas de opressão (Estado, Leis, Igrejas, Partido Político, Exército ... ),
que de uma maneira ou de outra, contribuíam para o cerceamento das liberdades
e vontades do indivíduo. A crítica era dirigida, neste caso, a todas as formas de
representatividade política. Pois, segundo eles, não se devia "coef,ar a própria
,
liberdade e a propria , . uo
vida ao arbztno À
primeiro
. .
patlifie, que, com as mais
estranhas promessas, pede (ao eleitor) o voto para governá-los(..). Votar não é
. a, Vlua,
apenas renunciar à própria vontade, mas tam b,em ao d.1re1to "À
pois que,
quando os senhores eleitos fazem as leis, pensam em reforçar o seu poder, para
- uos
exercitar com maior segurança a exploraçao ,J
propnos
, •
semelhantes ".52
Ao delegar sua liberdade pessoal a terceiros, o indivíduo acaba por
Perder uma ótima chance (talvez a única) de reivindicar e lutar por seus direitos.
Ao Passo que O indivíduo se deixa representar, ele termina por legitimar toda a
exploração que O capitalista e O Estado exerce sobre ele. Emancipar-se através de
um · · , .
sistema representativo, é segundo os anarco-comumstas, uma grande farsa,
Pois, "em regime burguês não se conquista nada, nem de uma só vez, nem pouco
ªPouco ". 53

A força que cada indivíduo carrega dentro de si, no sentido de fazer


respeitar não só a sua vontade, como também, a de outrem, certamente não seria
suficiente para a transformação de todo o corpo social, todavia, ela poderia
Contribuir sobremane1ra
. para que cada ser humano se desenvolvesse segundo as
suas própri·a . _ Q e em nome de uma paz e de uma harmonia social os
s conv1cçoes. u '
homens na- t · .b rdade cerceada pelos próprios homens. Fazer valer
o 1vessem a sua 1I e
uma vontad _ d eri·a ser privilégio deste ou daquele indivíduo, mas
e pessoa1, nao ev
de todo d ·t que uma sociedade só será livre, se antes, a
s aqueIes que acre 1 am

=---
La B -
s2 - ------ d MAGNANI SiJviaL. op. cit., p. 75 .
s3 L attaglia, nº 325, 08/out.11911 Apu GNANi' SilviaL. op. cit., p. 72 .
a Battaglia, nº 79, 18/maio/1906 Apud MA '
lllesma fo . , .
r const1tu1da por mdivíduos também livres.

Face ao exposto, como é que se daria então para os anarco-


comunista fi
s o 1m da sociedade burguesa, ou melhor, como é que deveria ser
encaminh d . , . .
a o o processo revoluc1onano? Quais eram as suas táticas, suas
estratégias suas - ? A . . , t h. .
, açoes. qw , ma1s uma vez e voz corren e na 1stonografia que
trata d0 .
movimento operário no Brasil, declarar que os anarquistas, e mais
Precisam t ,
d en e os anarco-comunistas, não possuíam, ou ate mesmo, não declararam
· o modo como devena
e uma forma expJ'1c1ta, · ser destrm'da a soc1e
· dade burguesa.
Convém ct · - ,
izer, no entanto, que eles realmente nao possmam nenhuma receita,
nenhum fc' , . , . .
a ormula magica que pudesse, num so mstante, abollf com tudo aquilo
que fora d ·t·· . . - - fi
e 1 1cado durante anos para opnm1-los. Nao se poe 1m ao Estado, às
leis , , .
' a Policia, à religião .. . da noite para o dia; tão pouco se acaba com aquilo que
não temos consciência de sua existência para nos oprimir.

Os anarco-comunistas possuíam não só os seus meios e métodos de


luta, Como também um projeto de reorganização social. No entanto, os mesmos
Poderiam ser modificados ou alterados no transcorrer da própria luta. Nada estava
Posto como fixo,
· · agen tes da revo Iuç,ão decr·dlfem
imutável. Cabia aos própnos ·
0

que melhor lhes conviessem. Não se trata portanto, de impor precedentes, assim,
eles "d . . .
e1xam ao individuo _ seja como produtor, se1a como consumidor _
liberei. ,.J b , · ,.J · ',.,1.
aue completa (..). Jamais sonharam esta e,ecer o que o mu1v1uuo deve
fazer d 54
' eve dizer, deve pensar".
Qualquer meio que estivesse ao alcance dos indivíduos poderia ser
Utilizact p · · · d - d·
o para se chegar à revolução anárquica. ois, sena por me10 a açao treta
e es .e-. · · •
Pontânea de cada indivíduo em particular, que se 1or1ana as condições
~ecessárias para o fim do capitalismo. Pregavam ainda, "que o individuo se
tnteresse diretamente pela luta, pela própria independ"encra - que a bdique
· e nao

. o propno
e11z "1àos al'he1as , . urre.
,1 · . ·to (. )
01 ··· · Nós queremos que os grupos e os
Cidadãos, (··.)fiora uo
,J
am
... b1·to ua
,J te·o:a/1dade transformem o ambiente (..) com o
e:, · · '
Uso amp
lodao
rgan
iza
çãoe
spo
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rad
oau
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rism
o".55

Paratanto
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/ab
r./1911A
pudMAO ' v · · '
'+V

Guerra, portanto, à casa Matarazzo ". 56

b Apesar de ser considerada como um meio de ação direta, e ser


astante t1"J .
u 1zada, os anarco-comunistas não consideravam que as greves fossem
Por s·1 , '
so, as responsáveis pelo fim do capitalismo. E isto tinha uma razão de ser
Para eles . .
' pois o fato das reivindicações dos grev1stas não ultrapassarem quase
nunca o cam . . d . - e.
po econômico, isto é, que a re1vm 1caçoes 1ossem apenas por
aumento d , . .
e salano, por redução da 1omada de trabalho ou por qualquer outra
11lelhoria e " · l· · ·
conom1ca; faziam das greves apenas um pa rnt1vo, que servia apenas
Para am . . .
en1zar, mas jamais para por fim ao conflito capital x trabalho. Além do
que, a tendencia
" · seria a de que os patrões, para nao- se verem no preJmzo,
· , se
Utiliza ._
ssem das "conquistas " obtidas pelos trabalhadores por ocasiao de uma
greve
' Para aumentarem ainda mais o preço de suas mercadorias, e assim,
auznent
arem as suas próprias margens de lucro.
A greve, segundo os anarco-comunistas, só teria eficácia caso ela
fosse acompanhada de uma expropriação da classe burguesa, pois· do con tran
' ·o,
ela d . r A . . .
Po eria até mesmo, servir para O reforço do capita ismo. ss1111, lo, que 1
1

quando da realização, em São Paulo, da greve pela jornada de 8 horas de


1
1
1
1
1

trabalho, em maio de 1907, os anarco-comunistas lançaram um documento


1
1
1
1

decJar: · ( os· 1

ando ser contrários às greves pelos seguintes mo ,v ·


1
1
1
1
1

"J o · · na-0 obstante poderem, através


- As greves parcrars,
ue
,1
uma açao -
energr
, ·ca, trazer melhoramentos a
. . ,1 d o,perários (. .), são quase
categorias espeCtallzauas e
braçais e os ditos sem oficio,
sempre danosas para os
. m substituídos por crumiros.
que podem facr!mente sere
ndições atuais de trabalho e
2° - No Brasil, dadas asco

56
''Gu . 14/jul.11907 Apud ROM ANI, Carlo op. cit.,
erra a Matarazzo" In. La Battagl1a, n 129'
0
p
·P. lSS-15 6
'"ti

ª agiotagem exorbitante dos capitalistas (...) é ainda


possível impor aos patrões uma redistribuição mais
adequada da mão-de-obra, mais para conseguir este
melhoramento é necessário um forte movimento
revolucionário direto das massas, que seja tal a colocar
em risco a segurança financeira dos patrões e também a
sua pele". 57

Todavia, os anarco-comunistas consideravam também, que as


greves
Parciais poderiam ter Já o seu valor, pois, à medida que as greves
Permitiam . .
aos trabalhadores expressarem todo o seu mconform1smo diante da
e:xpJora -
Çao dos patrões ela acabava por despertar nesses mesmos trabalhadores 0
de . ' '
se10 e a consc1encia
·" da necessidade de umao · dade uns para com os
·- e so11·dane
outros N . , . . . . .ã t·
· esse sentido, e que os anarco-comumstas 1ama1s li'. o se urtar em dar 0
seu a .
Poio nas greves realizadas em São Paulo nos anos de 1907 e 1917; chegando
até me . , . ..
smo a se envolverem diretamente na articulação, organização e difusão
desta
s greves.

Além do boicote e das greves, as denúncias contra as condições de


trabaJh 0 . . . .
nos pnncipais jornais e revistas, servJram para que os anarco-comunistas
l11anifestassem todo seu inconformismo, diante · d
as con trad 1çoes
·-
apresentadas
O
Pelo · d · ' ·
sistema capitalista; onde um pequeno número e propnetarws, era quem
comandava e explorava até o limite das forças, uma grande maioria de pessoas.
~m isso,
· 1
pretendiam chamar a atenção das pessoas, para que e as, ao se verem
repre · t
sentadas diante daquele tipo de denúncia, reagissem, e ornassem uma
atitud ·1h -
e, no sentido de se livrarem de tamanha hum, açao.
, · se ,referiam
Quan do as denuncias · à exploração do trabalho infantil
(que foram muitas), eles queriam sensibilizar os pais para que eles não
s7 L
a Battaglia, nº 121 , 07/maio/1907 Apud MAGNANI, Sílvia L. op. cit., p. 117.
'tõ

lllandasse
m os seus filh
Contrib , os menores para o mercado de trabalho .
U1ssem para o re . ' e assim,
dese . baixamento tando do valor da força de trabalho
nv0Jv1mento fl . ' quanto no
Certa 1s1co de seus filhos. Assim, denúncias como a b .
rnente cum . a a1xo,
leitores: pna o seu papel - d b·1·
' se nao o e mo I izar' ao menos de eh ocar os

"Na Vil/a Prudente existe um fabricante de


sabão, certo Annibale Pepe, que não emprega ninguém
além de meninos, e os explora indiganamente.
Nesta fábrica os moleques trabalhadores são
expostos à morte. O local é úmido, insalubre: a jornada
de trabalho é de 12 ou 13 horas.
A morte que espera estes pobres meninos é uma
morte lenta, um lento deifazer do seu organismo: a
umidade, a fadiga exagerada e contínua durante um
horário superior àquele a que são submetidos
geralmente os homens, esgota as crianças, lhes atrasa o
desenvolvimento fisico, o seu sangue perde cada força
de resistência, e cedo ou tarde depois a 'a queda · e as
'recaídas ' se tornam homens impe,feitos, doentes, que
caem como folhas secas ao primeiro soprar do 11ento.
Mas - dirão vocês - e os pais desses meninos não
se preocupam com nada? Eles são pobres diabos
carregados de família, cheios de miséria, e a miséria
quebra as fibras mais fortes, rende os homens

velhacos ". 58

58

cit
''o trabalho das . ,, I L B ttaglia nº 72, 18/mar.11906 Apud ROMANI, Carlo, op .
., P. 157 cnanças , n. a a ,
49

ações Diante disso, e' possive


, 1 observar que foram através desses tipos de
, que os anarco- . .
ll1assa comunistas buscaram uma mawr aproximação entre eles e à
. de despossuíd A , . .
1nsuflan os. te porque, com esse tipo de agitação, eles acabavam
bases do as massas a agJrem · por conta própria, e assim, colocarem em xeque as
que sustent . . . . .
dese. avam o sistema capitalista. Como foi dito anteriormente, era 0
Jo de ter a .
e a «· que1a situação de alguma forma revertida. Ou ainda, que a "apatia"
atin .Inconsciência
· " extrapolassem os seus limites de representação negativa e
gisse o se u "d uplo": a ação.

,, . Porém, despertar as massas daquele estado de "apatia" e


Incon .
d. . sc1êncía ", e fazê-la a acostumar-se a reivindicar diretamente os seus
Ire1tos
' nem sempre significou tarefa das mais simples. A própria militância
reconhecia
. " . da causa, entretanto, e1a muitas
a urgenc1a . ha d1.fi1cu ldade em
. vezes tm
1Idar com
qu
ª . .
heterogeneidade a falta de coesão, as nval1dades e o desapego às
,
estões s · . . s9
oc1a1s que reinavam no meio operáno.
No intuito de reverter esse quadro é que os militantes anarco-
cornu .
nistas se lançaram num amplo e profundo trabalho de educação e
cons .
d cient1·zação das massas. Para tanto, os canais eram mu' l t1p · dos. Iam
· 1os e vana

e esde a divulgação de livros, revistas, panfletos, jornais, reuniões, palestras e


. nferê ncias;
· até as festas peças teatrais, criação, organizaçao
· - e d.1vu lgação de
0

b1bJ. '
lotecas, centros de estudos sociais e escolas. Não havia portanto, um lugar ou
urn rn . . t' .
eio específico de divulgação da Anarquia, ela podena ser . e1ta em qualquer
ªll1biente mas d d e. ·tada a vontade de cada indivíduo. Portanto
' , es e que 1osse resp.e1 '
quaJq Uer ação que levasse indivíduo a aprender por si. mesmo a ser consciente
· e
O
aut"00 omo al , , . . ·
capital era considerada pelos anarco-
' em e claro de res1stlf ao ,
colllunistas, como sendo legitima e recebendo deles todo o apoio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Como tentar reger êsses temperamentos


diversíssimos pelo mesmo compasso? Como
querer julgar nosso vizinho por nós mesmos?
Como querer sonhar um padrão, um metro, um
código para essa espontânea manifestação de
revolta e êsse fremente treinamento, rumo à
emancipação? ,,6o

Diante da constatação da forte presença de sindicalistas


revoJ .
. ucionários e anarco-comunistas no movimento operário paulista durante a
Pru11 ·
, eira República, foi que procurei realizar neste trabalho não apenas uma
analise
' mas principalmente um resgate das propostas libertárias de
conscient.1 ~ . .
zaçao e atuação dos oprimidos frente ao capital. Assim, mesmo que
estas du " . . . . .
as tendencias mwtas vezes assumissem posições contránas quanto a
ll}~~fi . . .
orma de encaminhamento da Juta ant1-cap1tahsta, é certo que ambas
Procurara d . , .
m de um jeito ou de outro estar antena as com o prmc1p10 anarquista
que Visa .
va a emancipação do homem pelo própno homem.
Ou seia antes mesmo do homem lutar pela liberdade de outros
h '.J '
ºll}ens, deve ele primeiramente, conqwstá-la e
· , para s1.· a be a cada m· d1v1duo
· ' em
ParticuJ .
ar tomar as rédeas de sua própria vida, não se deixando tutelar por quem
quer que seja. Confiar, portanto, na própna · capac1·dade de açao- - d1reta
· e

S9
60 lopREAT
OI'frc O, Cristina S. R., op. cit., p. 14. . • . . .
Gertn.in ICA, José - Ação Direta: meio século de pregação libertaria, Rio de Janeiro, Editora
al, 1970, p. 101 .
autônoma - ,
lst ' e segundo os libertários, a chave de toda e qualquer transfonnação.
0
Porque "o .
lei "' anarquismo combate a todo transe o despotismo de qualquer
Çao, o feiti .
onsmo de tôda casta, tudo quanto lembre mandonismo che1a
can~ ' :J '·' '
ºª' subse
rviencia, dominação fisica, mental ou moral. Assim, repele o regime
· A •

carcerá .·
rro do capitalismo, condena a fábrica de doutores, padres, militares.
homens ~ ,
asados num molde único, manequins talhados num só modêlo
man· '
tpanços CUJó enchimento é a mesma palha sêca. Só o indivíduo conhece os
Se,,
"'s cam· h
m os. Impor, ao que pende para o norte, a marcha para leste, é
roubar-lhe o d t . d d " 61
es mo, a vida, a personali a e .
Ainda sob este aspecto7 escreve Luigi Damiani : "o anarquismo
Pode ter
tendencra individualista, comunista ou coletivista; cristão primitiva;
A •

referir-se
ao marxismo da primeira ordem,· ser ativista, revolucionário,
educacion. . . fi . ,A . . l"
tsta, pode aceitar ou repeltr o ator v10,enc1a, espec,a 1zar-se no
11'la/tusia · l d
msmo ou no vegetarianismo; mas , no seu comp eto, ten e a uma umca
' ·
flnalidad . . . ,J • . ,}" , ,J • ,,, • ,.J -
. e. a independência moral e jls1ca uo mu1v1uuo, l'é!.JOIÇaua e nao
dimtn .À , .
uil.,f,a pela prática da solidariedade entre todos os seres humanos, proxunos
ou.À ·
l.,f,fstante ,,62_

Neste contexto estas duas tendências, ou ainda qualquer outra


tendê · ' b d ·
nc1a anárquica, em nenhwn momento representou, so o ponto e vista de
Seus militantes
· t · PeIo contrano,
vi·mento operário bras1·1e1ro. ' ·
, um en rave ao mo
entendiam que a pluralidade tanto das idéias, quanto das ações políticas e sociais
daqueles que t . t deveria ser necessariamente, mantida e
a uaram no mov1men o,
Preservada C , . . . 63 a multiplicidade, a independência e as
· orno afirma Jose 0 1t1c1ca ,
divergência Ih sinal que O militante anarquista poderia
d s eram, na verdade, o me or
ar, no sent .d . Imente no poder transfonnador de suas
1 o, de que ele acreditava rea
ações.
. que os problemas fossem comuns à
Demonstrava amda que mesm0
61 ID
EM, p . 96 .
oru Edgar' op . c1t. p. 21 .
62
DA li. ..IA .
' \J.Vl NI, LUI·gi.· "O Anarqmsmo
· ,, In · LEUENR n.,
··
52

maioria dos oprimidos (baixos salários; jornada de trabalho extenuante·


'
alimentação, saúde, instrução, lazer e higiene deficientes ...), eles não tinham que
necessariamente resolvê-los da mesma maneira. Destarte, "um compraz-se no
combate ao clericalismo; outro prefere a edição de panfletos, folhetos, revistas;
outro deseja dedicar-se ao anti-militarismo; êste revela-se naturista
apaixonado; aquêle sente-se organizador de sindicatos e grupos; êsse outro
consagra-se à educação racionalista, etc.; etc. E em cada um dêsses
departamentos da atividade acrática, nem todos sentem a luta do mesmo modo:
um é de natureza moderado, persuasivo, discutidor; o outro é violento,
arrebatado, mais ação que palavras, mais fatos que discursos "64.
Responder, portanto, aos questionamentos feitos por José Oiticica 65
na epígrafe deste capítulo, talvez não seja tarefa das mais difíceis, uma vez que
ela nos remete a pensar que nenhum homem é igual ao outro. E em se tratando de
um movimento político como foi o da Primeira República, esta posição fica aind a
mais nítida. Pois, diante da diversidade de orientações, pensamentos e ações
presentes, acredito ser impossível caracterizá-lo enquanto um movimento
homogêneo, descaracterizado de personalidade. Não levar, portanto, em
consideração a pluralidade e a individualidade que nele havia, e desse modo,
classificar militantes e organizações operárias enquanto categorias genéricas,
seria no mínimo uma tarefa insensata.
'
Assim, é que parte da historiografia operária - por não compreend er
muito bem o posicionamento dos anarquistas em privilegiar a ação direta e
autônoma dos trabalhadores, e ainda, a sua recusa em participar da política

63
OITICICA, José., op. cit., p. p. 96 - 98.
64
IDEM, p. 101.
65
Militante anarquista de tendência anarco-comunista. Nas palavras de Cândido Jucá (filho) - no
quinzenário Para Todos, Rio de Janeiro, julho de 1957 - José Oiticica foi um poeta bizan-o,
teatrólogo brilhante, e contista exímio. Fez jornalismo e fez polêmicas destroçadoras. Eram-lhe
familiares as Humanidades, conhecia História, Filosofia e Filologia, Matemática e Medicina. Em
línguas, não somente cultivou com escrúpulo o Português, como ainda ensinou, além dessa, o
Francês, o Latim e o Grego. Foi ainda tradutor. In. RODRIGUES, Edgar. Os Libertários, , Rio
de Janeiro, Editora VJR - Editores Associados, 1993, p.p. 33-64.
lnstit .
uc1onalizada .
capac. - acaba mterpretando tais atitudes como uma falta de
Idade or . .
ana . garnzac10naI dos militantes anarquistas. Nesse sentido, caracteriza 0
rqu1smo
do rn . como uma teoria utópica, débil; daí o seu fracasso e superação dentro
OVtlllento operário.

irnp . No entanto, desconsidera que aquela fora uma opção e não uma
os1ção E .
&en
te a _
ª
· ra maneira como os anarquistas acreditavam que a Juta operária
lllo . opressao capitalista deveria ser encaminhada. Assim, se se atribui ao
V1n-.
...ento op , .
ele erano e anarquista do período um caráter derrotista justamente por
ter priviJe . .
tid giado a autonomia do trabalhador, ou amda, pelo fato dele não ter
o Ull) , .
se , unico locu.:s de 1uta - qual seJa, . d.1cato ou o parti.do operano
. o sm , . - porquê
ra entã
Vit . o, que as doutrinas que possuíam esse único espaço de Juta não foram
onosas
quando de suas tentativas de construção de uma "nova" sociedade?
te Longe de combater apenas a exploração econômica, sindicalistas
VoJu c1on
. ' ·
h anos e anarco-comunistas lutaram contra a dominação do homem pelo
º11Jetn
ig · E nessa luta pretendiam construir uma sociedade onde a liberdade, a
Uaictacte . . .
Â.t ' a autonomia e O respeito mútuo senam os seus pilares principais.
ravés de sua . . . .h . ·r,
Par. s atividades surgiram novas perspectivas, camm os e s1gm ·1cados
a a luta
pr· . contra a opressão. E isso muitas vezes é de diflcil compreensão,
inc1pa1lll .
aJ , ente, para nós que fomos tão acostumados a viver sob a tutela de
guelll (Es . . ,. .
h tado, partido sindi·cato escola tam1ha ...). Desprender-se daquilo que
<tOS d , ,, ' ' '
lv!al ª se gurança", não é tão simples quanto parece. Todavia,· como bem disse ·
atesta · t 66
· Udo dependerá daquilo que sejamos realmente capaz de querer .
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