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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Escola de Música

RIOT GRRRL’S S NOT DEAD – Uma investigação acerca da


diferença de gênero
gê o na cena rock de Belo Horizonte.

Deborah Mussulini de Souza


S

Belo Horizonte
Dezembro de 2011

1
DEBORAH MUSSULINI DE SOUZA

RIOT GRRRL’S NOT DEAD – Uma investigação acerca da


diferença de gênero na cena rock de Belo Horizonte.

Trabalho apresentado ao curso de


Música da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial
para a obtenção do título de
Licenciatura em Música

Orientadora: Profª Dra. Walênia Silva

Belo Horizonte
Dezembro de 2011

2
Deborah Mussulini de Souza

RIOT GRRRL’S NOT DEAD – Uma investigação acerca da diferença de


gênero na cena rock de Belo Horizonte.

Trabalho apresentado ao Curso de


Música da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial
para a obtenção do título de
Licenciatura em Música.

____________________________________

Walênia Silva (Orientadora) - UFMG

____________________________________

Heloísa Feichas – UFMG

Belo Horizonte
Dezembro de 2011
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RESUMO

Este trabalho possui como principal objetivo uma investigação, de um evento


musical de cunho feminista, com bandas de rock – RIOT GRRRL’S NOT
DEAD – considerando o evento como um todo, tendo um foco mais específico:
a relação entre as bandas e a diferença de gênero nesta estética musical.Para
que fosse alcançado tal objetivo, a metodologia constou de depoimentos das
produtoras do evento e um documentário sobre foi produzido, em articulação
com a literatura sobre o assunto e os dados presentes na mesma.

Palavras chave: rock, feminismo, diferença de gênero

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Fig.1 Flyer de divulgação do I Riot Grrrl’s Not Dead 2011.

Figura 2 - Flyer de divulgação do III Riot Grrrl’s Not Dead 2011.

Figura 3 - Logotipo do Coletivo #Nada Frágil.

Figura 4 - Banca montada pelo Coletivo #Nada Frágil. Foto: Pri Campelo.

Figura 5 - Um dos símbolos do movimento feminista.

Figura 6 - Trecho de entrevista com Elisa Gargiulo, 2011.

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SUMÁRIO

1. CAPITULO 1:CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................................ 7


1.1 Banda de hard rock feminina Hard Dolls e o preconceito ................................. 8
1.2 Metodologia .................................................................................................... 11

2. CAPÍTULO 2: ORIGEM E MOTIVAÇÃO DO FESTIVAL RIOT GRRRLS ........ 14


2.1 III RIOT GRRRLS NOT DEAD ........................................................................ 16
2.2 A canção identitária de cada banda ................................................................ 21
2.3 Banca do Coletivo #Nada Frágil ...................................................................... 22
2.4 Repercussão do evento................................................................................... 23

3. CONCLUSÃO ................................................................................................... 25

4. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 27

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CAPITULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO

Se gosto musical fosse algo que se passasse de pai pra filho eu jamais teria

chegado a escutar e gostar de rock. Na verdade conheci o rock aos 5 anos de

idade com o grupo Led Zeppelin, música Stairway to Heaven, porque esta fazia

parte do vinil, que pertencia a minha mãe, com a trilha sonora da novela Top

Model. Recordo-me também da aversão que minha mãe tinha dessa música,

principalmente de sua segunda parte mais acelerada.

Redescobri o rock com o grupo Legião Urbana quando tinha 8 para 9 anos,

mas não me lembro como foi. Naquela época computador era para poucos e a

internet ainda não era difundida popularmente no Brasil, então é provável que

eu tenha escutado em alguma estação de rádio.

Enquanto criança misturava o gosto musical entre rock dos anos 80, MPB que

meus pais escutavam e músicas de caráter infantil. Já na adolescência

experimentei muito, tentei gostar de certos grupos só porque estavam tocando

na rádio ou fazendo muito sucesso, mas o rock sempre era a fuga e o gosto já

firmado. E foi nesse período da vida que agreguei suas outras vertentes, que

são várias, passando a apreciar o Metal e suas extensões. Hoje se manteve

muito do que aprendi na infância e principalmente adolescência, sendo que

sobressai o Heavy Metal, e o Rock 70’s e 80’s internacional, como o estilo que

mais me influenciou e influencia ainda hoje.

Nesta caminhada aprendi a tocar violão com 11 anos e conforme fui crescendo

foi ficando forte a vontade de ter uma banda. Tive um grupo musical ainda

nesta idade formado só por crianças, ‘O Quatrilho’, onde compúnhamos

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músicas e nos apresentávamos somente para a família tamanha a vontade de

ter um grupo.

Mais tarde, ainda na adolescência, ao ver o quanto as mulheres eram minoria

no meio do rock n’ roll enquanto musicistas, veio uma vontade imensa de ter

um grupo formado só por meninas, pra mostrar que a gente também podia

fazer e tocar neste estilo musical, mas parecia um tanto improvável. Somente

com 20 anos,em 2007, fui integrar minha primeira banda de rock formada só

por mulheres. Fui convidada a ser vocalista, juntamente com minha irmã Thais,

que seria a tecladista. Este convite partiu de uma amiga nossa que

conhecemos no ensino médio, Carol, que havia aprendido a tocar baixo e já

integrava a banda de Hard Rock de meninas, todas com a mesma vontade:

legitimar a presença da mulher no rock.

1.1 Banda de Hard Rock feminina Hard Dolls e o preconceito

A banda foi fundada por Gabriela e Deborah, ambas estudavam juntas com a

Carol no ensino médio, mas não cheguei a conhecê-las nesta época escolar.

Até então a formação da banda era: Carol no baixo, Gabriela na bateria,

Deborah na guitarra base e Leticia na guitarra solo; com a entrada minha e da

Thais, minha irmã, a banda estava completa e já tinha nome: Pandora’s Box.

Após dois ensaios decidimos mudar o nome do grupo porque já existiam outros

grupos com esse nome pelo Brasil, foi quando eu dei a idéia de ser Hard Dolls,

uma brincadeira com o nome do estilo proposto pela banda, Hard Rock, e Dolls

como referência estereotipada a meninas.

Ensaiávamos inicialmente na casa da Gabriela em um quartinho improvisado,

tipo uma garagem, onde passávamos as tardes de domingo tocando, tendo

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hora apenas pra começar. Aquele momento de ensaio, na verdade, era

também um momento de confraternização onde víamos DVDs de outras

bandas formada por mulheres que nos inspiravam. Ali fazíamos planos para o

futuro, discutíamos sobre como o figurino influenciava na identidade da banda,

pensávamos no repertório a ser tirado e em conquistarmos qualidade musical

digna de qualquer outro grupo de Hard Rock belorizontino. Refletíamos em

como era fácil conseguir shows quando o produtor de um evento via que era

uma banda só com meninas, mas na verdade esperavam tão pouco de nós em

termos de competência musical que quando terminávamos nossa

apresentação vinham sempre até nós admirados, falando do quanto ficaram

impressionados com a qualidade da banda... não porque fossemos excelentes

musicistas e sim porque éramos niveladas por baixo.

Nesta mesma época, em meados de 2008, passei por um constrangimento

machista em uma loja de instrumentos referencial em Belo Horizonte. Fui com

meu namorado, Ricardo, comprar uma guitarra, estava com grande desejo de

me aprofundar nos estudos de tal instrumento. Ao chegar na loja, no setor de

guitarras, o vendedor vai direto abordar o Ricardo e não a mim, o que fica

parecendo que somente homens compram este instrumento.Então ele disse

que não era para ele, estava apenas de acompanhante, e era eu que

compraria naquele dia. Até então tudo bem, eu escolhi quais queria tocar para

testar e o vendedor ficou ao lado acompanhando e explicando as

especificações de cada guitarra para Ricardo e não para mim. Então, quando

gostei de uma, o vendedor para incentivar a comprar diz: “a leva mesmo, ela é

muito boa, a Pitty usa esta sabia?” Claro que ele citou uma mulher, da qual não

gosto aliás, porque mulheres não gostam de rock, a não ser a feita por

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mulheres, rock de “mulherzinha”, digamos assim. E Ricardo se adiantou de

mim, soltou um riso e disse: “A meu caro, então ela não vai levar essa não,

porque ela odeia Pitty, ela gosta é de rock n’ roll como eu havia te dito. Que

preconceito hein... só porque ela é mulher...”. O vendedor ficou extremamente

sem graça e tentou se desculpas, mas a gafe já havia sido dada.

Em conversas informais com algumas meninas, colegas minhas, que

freqüentam a cena rock de Belo Horizonte vi que não sou a única a sofrer tal

tipo preconceito. Talvez fatos como este se repitam várias vezes e tornem um

incentivo à formação bandas feministas como forma de protesto. Pelo menos

foi como encarei o pré conceito que se tem das mulheres do rock: fui ao

protesto com uma banda de hard rock.

A partir desta banda, Hard Dolls, fui ter acesso ao movimento do rock

independente em Belo Horizonte e todos os eventos que eram produzidos no

intuito de divulgar e interar os fãs do estilo musical. Vi então que não éramos

as únicas que tinham um sonho da banda formada só por meninas, havia

muitas outras e com estilos diferentes, até mais engajadas política e

ideologicamente que nós da Hard Dolls. Porém éramos a única banda, até

então, de Hard Rock formada só por meninas em Belo Horizonte. Uma dessas

bandas engajadas que mais se destacava no meio pela presença e letras de

cunho feminista, com ritmo acelerado do Hardcore, era e ainda é a Bertha Lutz.

E são elas que produzem o evento Riot Grrrls e criaram o Coletivo ‘#Nada

Frágil’.

10
1.2 Metodologia

Nesta monografia trato da estética punk rock e hard core. Acredito que a

disparidade de reconhecimento e espaço entre homens e mulheres esteja

presente em outras vertentes artísticas de estilos variados. O problema não

está na categoria da arte e sim no modelo da nossa sociedade, ainda

patriarcal. O objetivo é mostrar através do movimento Riot Grrrls Not Dead que

a motivação de projetos e eventos artísticos de cunho feminista é a diferença

de gênero ainda existente na cena musical e social, neste caso, belorizontina.

Os dados foram coletados através dos registros feitos na internet pelas

produtoras, bandas e público do evento e através de entrevistas, a partir de

setembro de 2011 até novembro de 2011. Artigos, livros e dissertações vieram

para embasar o que é dito por estes atores sociais atuantes e participantes da

cena.

Primeiramente procurei através da rede social facebook uma das produtoras do

evento. Por lá entrei em contato com a produtora Bah, da banda Bertha Lutz,

através de mensagens desta plataforma, onde primeiro perguntei se seria

viável falar sobre o evento em minha monografia. Bah e todas as outras

integrantes do Bertha Lutz toparam, inclusive as bandas participantes do

evento também aceitaram a idéia, se disponibilizaram e apoiaram bastante.

Após a aceitação busquei informações do Riot Grrrls original, feito nos Estados

Unidos no início da década de 90. Encontrei vários artigos e livros que tratam

do tema. O livro A little Too Ironic: The appropriation and packaging of riot grrrl

politics by maintream female musicans de Kristen Schilt, uma socióloga,

cantora de punk rock e produtora de zines. Neste livro ela trata da

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manifestação punk feminista das Riot Grrrls nos Estados Unidos desde o inicio

até os dias de hoje.

Li o artigo ‘RIOT GRRRL! Uma vagina, três acordes e inúmeras práticas

coletivas: um estudo sobre o universo das RIOT GRRRLS a partir da cidade de

Florianópolis (1999-2004)’ de Natasha Aleksandra Bramorski. Este artigo

apresenta o universo das Riot Grrrls na capital de Santa Catarina em seu

contexto histórico, no período de 1999-2004. Bramorski analisa as

manifestações, criação/reapropriação de espaços específicos da cidade, assim

como sua conexão com Estados Unidos, âmbito internacional, e São Paulo,

âmbito nacional.

O artigo “Manifeste-se faça um zine” uma etnografia sobre “zines de papel”

feministas produzidos por minas de rock de Michelle Alcântara Camargo. Este

é uma etnografia sobre as publicações de papel feitas por mulheres envolvidas

no movimento Riot Grrrls brasileiro, conhecidas como fanzines ou zines.

Camargo faz uma reflexão sobre os modos de expressão de jovens mulheres

e suas práticas feministas e como elas encontram uma linguagem particular

nos zines.

O artigo A Revolução (ainda) não será virtualizada: Os fanzines feministas na

Era da Comunicação Digital de Bruna Provazi Barreiros, também trata dos

fanzines feministas produzidos pelas Riot Grrrls, porém se atendo a transição e

adaptação que a tecnologia está gerando aos tradicionais zines feitos em

papel. Barreiros questiona a eficácia da transição do fanzine impresso, veículo

de comunicação alternativa de pequena circulação, para o zine eletrônico, nova

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forma de configuração dos fanzines na Internet, no movimento feminista e suas

conseqüências.

No livro O que é fanzine de Henrique Magalhães, o autor discorre sobre os

primórdios do fanzine (junção de fanatic mais magazine), pois este não veio do

movimento Riot Grrrls, mas sim bem antes. Eram fãs que criavam publicações

sobre assuntos diversos, e o primeiro foi sobre ficção cientifica.

Pesquisei pela internet as bandas que participaram do III Riot Grrrl’s Not Dead

e possuíam home page para embasar informações que seriam passadas por

mim nesta monografia investigativa. São os sites: http://pamillaribeiro.tnb.art.br/

da banda Cáustica, http://basura.tnb.art.br/ da banda Basura e página do

facebook da Bertha Lutz:

http://www.facebook.com/profile.php?id=100002638581420.

Coloquei trechos da entrevista com Elisa Gargiulo, que embasavam falas

minhas na monografia. Foram retiradas da versão online do fazine produzido

pelo Coletivo #Nada Frágil: http://www.youblisher.com/p/171789-NADAfragil-1,

na pág. 8.

Trechos de músicas da banda Bertha Lutz foram usados para ilustrar e

contextualizar o que estava sendo tratado em determinados momento da

monografia. As letras foram retiradas do site http://letras.terra.com.br/bertha-

lutz/

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CAPITULO 2 – ORIGEM E MOTIVAÇÃO DO FESTIVAL RIOT GRRRLS

O Riot Grrrls, segundo SCHILT(2003) é um trocadilho com a expressão Riot

Grrrls onde o termo “Grrrls” surge a partir da junção das palavras “girl” de

garota e “growl”, de desenvolver-se. Este é o nome dado ao movimento

feminista originariamente, advindo do desejo de denunciar a opressão da

mulher na sociedade patriarcal, tentando desmistificar estereótipos arraigados

na cultura da sociedade ocidental.

No início da década de 1990, os Estados


Unidos conheceram o movimento Riot Grrrl.
Em oposição ao machismo da cena punk, que
pregava a liberdade do indivíduo, mas que,
anacronicamente, reservava ás mulheres o
papel de namoradas e meras coadjuvantes do
movimento, surgiram as garotas rebeladas:
mulheres que saíram dos bastidores da cena
para tocar instrumentos pesados, montar
bandas e escrever fanzines. O primeiro fanzine
feminista de que se tem notícia é o Riot Grrrl,
produzido por Molly Neuman, da banda punk
Bratmobile, e que intitulou o movimento.
BARREIROS(2008)

Foi através da agressividade do punk rock e também do hard core, estilo de

predominância masculina, que se firmou o movimento, produzindo festivais de

música, fanzines² (mais chamados de zines) em papel e composto por

materiais de cunho feministas, que era a pauta do movimento, juntando

música, poema e discurso na mesma estética. Foi inspirado neste movimento

que aconteceu em Belo Horizonte no ano de 2009 o I Riot Grrrls Not Dead,

adaptado a realidade brasileira e dos nossos dias, abrindo espaço para outras

vertentes do rock contemporâneo, tal como hard rock.

________________________
² Segundo Magalhães (1993), o termo fanzine, é uma forma contraída das palavras inglesas fanatic e magazine. Foi
cunhado por Russ Chauvenet em 1941, tendo suas primeiras aparições na década de 1930, nos Estados Unidos,
inicialmente como um tipo de publicação de histórias de ficção científica, feita por fãs do gêneros.

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Aqui em Belo Horizonte foi também o feminismo ponto de partida para a

empreitada. A produção do Riot Grrrls Not Dead foi feita pelas garotas que

compõem a banda de hard core feminista Bertha Lutz, que surgiu em 2008

motivada pelo cenário de bandas igualmente feministas do underground de BH.

São elas Bah no vocal, Rafa no baixo, Gabi na guitarra e Paulinha na

bateria.Todas tinham o mesmo desejo de que a Bertha Lutz não fosse apenas

um grupo de rock mas sim uma forma de protesto feminista. De 2008 até 2010

a Bertha Lutz se apresentou diversas vezes, conseguindo um espaço

interessante na cena¹ de Belo Horizonte. Porém os eventos em que elas

tocavam eram produzidos por amigos ou por pessoas que estavam

desvinculadas da ação política feminista, e naturalmente não a empregavam

em suas produções, o que frustrava as pretensões da banda Bertha Lutz, que

ensejava um ativismo musical através de suas composições e performance.

Para acabar com essa frustração uma saída encontrada foi organizar os

próprios eventos. O primeiro foi feito em março de 2011, em homenagem ao

mês da mulher, foi o primeiro Riot Grrrls’s Not Dead, onde foram convidadas

bandas formadas por mulheres, porém politizadas. Segundo Bárbara (Bah),

vocalista da Bertha Lutz e uma das fundadoras do Coletivo #Nada Frágil, foi

bem sucedida essa primeira experiência com o festival por dois aspectos

importantes: um bom número de público pagante, 110 pessoas; e o principal,

trazer a tona questões como o papel da mulher na sociedade e dentro da

música.

__________________________________

¹ Cena é uma categoria êmica e se refere ao universo que envolve práticas, como a produção e difusão
de músicas, bandas e outras manifestações culturais por meio de shows, trocas de fanzines e
sociabilidades.CAMARGO(2007)

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Com o lucro do evento as meninas do Bertha repetiram a dose mais duas

vezes em 2011.

Fig.1 Flyer de divulgação do I Riot Grrrl’s Not Dead 2011

2.1 III RIOT GRRRL’S NOT DEAD

Fig.2 Flyer de divulgação do III Riot Grrrl’s Not Dead 2011

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A edição três do Riot Grrrls is Not Dead feita no dia 28 de agosto de 2011, foco

desta investigação, foi especial para as meninas do Bertha Lutz e

simpatizantes, porque seria feita a apresentação oficial ao público do Coletivo

Cultural Feminista #Nada Frágil, que já vinha sendo articulado por estas há

algum tempo. Seria feito, também, o lançamento e distribuição do zine

produzido pelo coletivo. O zine tem como assuntos: homossexualidade, o

slutwalk ou Marcha das Vadias (um protesto internacional em favor da

liberdade de expressão feminina), entrevista com a banda Dominatrix,

instruções para se produzir um stencil e muito mais.

Participei desta 3° edição da Riot Grrrl is Not Dea d, onde fui convidada a me

apresentar com a banda de hard rock da qual faço parte desde 2007: Hard

Dolls. Até então não conhecia o festival, mas já fiquei bastante interessada ao

receber um email de uma das produtoras, a baixista Rafa (Bertha Lutz),

pedindo que enviássemos textos, poemas, fotos ou pensamentos com o tema

feminismo para compor o 1° zine do evento. Foi quan do tomei conhecimento

também do surgimento do Coletivo #Nada Frágil, que tem o intuito de divulgar

e fomentar a arte feminina em seus gêneros e variações, sem se fixar a uma

estética artística, além de promover ações de intervenção urbana e palestras

de conscientização sobre o universo feminino, sempre sob o olhar político-

social.

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Fig.3 Logotipo do Coletivo #Nada Frágil

O III Riot Grrrls is Not Dead aconteceu em toda uma tarde na tradicional Casa

Cultural Matriz, localizada no centro de Belo Horizonte, dentro do Terminal

Turístico JK. O local escolhido possui um histórico de apoio a eventos

politizados, já que a Matriz, como é comumente chamada, é famosa por

privilegiar o cenário artístico independente sem se prender ao comercialismo,

valorizando antes a proposta artística apresentada. O público presente estava

em um número significativo, já que o evento não foi divulgado nos grandes

meios de comunicação midiática. Foram 80 pagantes, segundo a produtora

Bah. Eram na sua maioria jovem, entre 16 (idade mínima para participar do

evento) e 25 anos. Interessante frisar que não havia um número maior de

mulheres do que homem, isso eu constatei apenas visualmente, pois não foi

registrada a quantidade de presentes por gênero.

O figurino do público geral fazia referência ao rock e suas vertentes, tatuagens

e cabelos coloridos eram acessórios muito presentes, formando uma grande

variedade visual. Héteros conviviam tranquilamente com homossexuais,

acredito que a maioria compreendia o que estava acontecendo ali naquele

espaço, algo que ia além de apresentações musicais diversas, havia uma

ideologia, de mulheres instrumentistas querendo se firmar em um meio musical

dominado por homens, talvez essa seja a principal motivação das bandas que

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participaram ali, sendo que as produtoras do evento e algumas outras meninas

tinham em mente algo maior, mais politizado do que apenas se firmar no meio

rock. A áurea de ideologia feminista era reforçada com os clipes e

documentários exibidos nas televisões da casa e da banca que o coletivo

#Nada Frágil montou, onde se encontravam os zines e materiais feministas.

As apresentações foram combinadas em uma reunião antes do evento, e

democraticamente a ordem foi estabelecida seguindo o estilo encabeçado por

cada banda e levando em consideração também a necessidade de alguma

instrumentista ter que sair mais cedo do festival ou chegar mais tarde, por

exemplo. A idéia central das apresentações é que todas prestigiem as bandas

do festival, como uma forma de incentivo participativa. Quanto a escolha das

bandas que iriam participar do festival, a prioridade eram as formadas

integralmente por mulheres:

A prioridade é chamar bandas com conteúdo político,


mas como é raro ter uma banda de rock feminista a
gente chama bandas com meninas na formação ou que
sejam a maioria....nossa vontade mesmo era de ter só
hard core feminista...mas a gente abre as opções de
estilo pra ter variedade de bandas, pontos de vista e
sons. Já que falta banda com som político (cresce) a
importância do discurso feminista do próprio festival pra
fazer esta ponte. (Entrevista Bah, novembro 2011)

Essa dificuldade citada por Bah em encontrar bandas formadas integralmente

por mulheres é explicada por Elisa Gargiulo da banda Dominatrix em entrevista

cedida ao Coletivo #Nada Frágil:

...Existe uma força contrária muito forte que impede uma


banda feminina política de continuar. Na forma de
namorados ciumentos e/ou machistas, pais e mães
machistas, cena local que não apóiam meninas que
tocam, etc. Pra uma banda feminina política vingar por
bastante tempo requer um esforço muito absurdo das

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meninas individualmente se elas não forem
COMPLETAMENTE apaixonadas por música, por tocar e
por passar mensagem. O próprio Dominatrix sofreu muito
com isso.(Entrevista Elisa Gargiulo 2011)

Elisa é uma das musicistas mais antigas da cena musical feminista no Brasil

ainda na ativa e tem grande influência nas bandas do mesmo estilo que

surgiram no Brasil após década de 90 (década que surgiu a Dominatrix).

Inclusive a Bertha Lutz é um destes grupos que surgiram por admiração e

concordância a esta banda.

As bandas que participaram do evento eram formadas integralmente por

mulheres, com exceção de Basura (Rock) - o trio possui um guitarrista homem-

são elas: Hard Dolls (Hard Rock), Bertha Lutz (Punk Rock), Cáustica (Rock),

Tia Marei (Rock Clássico) e Cat’s me ouch! (Rock Alternativo).

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2.2 A Canção identitária de cada banda

Foi interessante ver as diferenças entre cada banda, não apenas no viés

estético musical mas também na questão poética, da canção propriamente dita.

Tia Marei, Cat’s me ouch e Hard Dolls são bandas cover, mesclando músicas

com letras em inglês e português, sem cunho feminista nas canções

apresentadas por cada uma. Neste caso apenas reproduzem, na maior parte

do set list, canções do universo masculino, compostas por estes. Porém estas

canções são executadas e arranjadas por mulheres, que reservaram o ativismo

na atitude, pois são meninas que também querem seu espaço no rock e lutam

para fazer um trabalho de qualidade, para superar o preconceito da baixa

expectativa quando de trata de uma banda feminina.

As bandas Bertha Lutz, Basura e Cáustica privilegiam músicas autorais, sendo

maioria em seus set list. Cáustica é composta por: Pâmilla Vilas Boas - vocal e

guitarra, Polyana Santos - baixo, Brenda Mars – Bateria. As canções do trio

tratam de sentimentos, visões e do cotidiano sob o olhar feminino. No site da

banda Cáustica encontramos a seguinte descrição sobre o lançamento do seu

mais novo trabalho, o EP ‘Musas e Medusas’:

Musas e Medusas é o nome do novo trabalho da Banda


Cáustica, trio feminino que aposta no lugar fronteiriço
entre o Rock e outras vertentes musicais. O EP surgiu da
pesquisa sonora e poética que procura trazer à tona
angústias e experiências do universo feminino com a
sutileza e agressividade típicas das mulheres Cáusticas.
(http://pamillaribeiro.tnb.art.br/)

21
Basura pretende conquistar espaço na música independente e em seu circuito
cultural. Os integrantes definem a própria produção como:

...bebendo da fonte do rock and roll, de bandas clássicas


à contemporâneas, do metal ao indie rock, a banda vem
desenvolvendo uma sonoridade crua, em músicas que
mesclam influências diversas, com letras em português e
inglês. (http://basura.tnb.art.br/)

Basura é: Marcela – vocal e baixo, Priscila – bateria, Axel – guitarra.

Já a Bertha Lutz possui uma poética ativista, de protesto feminista.

Hey girls, let's fight together and resist forever


United girls will go far…
I think in give up 3 or 4 times
Cuz is too much weight when you are alone
But I still believe and my dreams never gone
Freedom and equality
Feminism can save you NOW
Power and autonomy
Feminism can help you NOW
(Letra da música: ‘Feminism?Yes, please’ da Bertha
Lutz)

2.3 Banca do Coletivo #Nada Frágil

Fig.4 Banca montada pelo Coletivo #Nada Frágil. Foto: Pri Campelo

Havia uma banca montada pelo Coletivo #Nada Frágil no hall da Matriz Casa

Cultural, em ambiente diferente das apresentações musicais. Como ficava ao

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lado direito da entrada, servia como recepção do público participante do

evento. Na banca era divulgada a política do Coletivo através de seu material

informativo do movimento feminista. Era possível encontrar acessórios,

camisetas e adesivos do coletivo, CDs e coletâneas de bandas formadas por

mulheres, além da distribuição do zine deste evento.

Fig.5 Um dos símbolos do movimento feminista

2.4 Repercussão do evento

Depois deste ultimo evento, em especial, foi que a gente


viu o retorno que a gente investiu, foi o mais positivo. Foi
o evento mais político de todos...rolou o zine e o público
deu uma resposta ótima. Todos acharam muito foda
principalmente a idéia do festival de renovar e retomar a
cena Riot de BH. Antigas freqüentadoras da cena que
estavam sumidas apareceram, deram as caras e pra
banda (Bertha Lutz) foi uma resposta muito foda, a
energia da galera e talz... mas principalmente o retorno
que a gente viu foi que conseguimos fazer, de fato, um
festival mais politizado com um feminismo mais explicito,
integrando outras coisas ao invés de música...e
principalmente a resistência Riot. (Entrevista Bah,
novembro 2011)

Para as produtoras do evento o resultado foi muito positivo, tanto de


expectativas supridas quanto ao retorno do público presente. Declarações
foram feitas boca a boca por participantes do evento e no perfil do facebook da
banda Bertha Lutz comprovando a satisfação do público:

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“Às meninas do Bertha Lutz nossos cumprimentos pelo
@III Riot Girrrl's Not Dead, evento onde a Basura tocou
no último domingo ao lado de muita gente/banda boa!
Parabéns pela mobilização e organização, galera, foi
foda” 1 de Setembro às 13:22

Parabéns Bertha Lutz e Coletivo Nada Frágil pela


iniciativa e realização dessa primeira edição (do fanzine)!
Keep on rockin’ Girrrls! 4 de Setembro às 21:51

Gostei demais do seus zine, parabéns. A diferença, esta


aí, em quem faz ñ em quem fala...mta atitude....meninas.
5 de Setembro às 23:53

Estiveram presentes algumas meninas que participavam da antiga cena


underground feminista de Belo Horizonte. Este foi um fato de grande
importância para as garotas da Bertha Lutz e do Coletivo #Nada Frágil, pois
mostra que o movimento musical politizado pode está voltando a cena de Belo
Horizonte, após um hiato desde o fim do “Festival de Bandas Femininas” que
era produzido pela Casa Cultural Matriz em 2002 até meados de 2005.

Em entrevista com Bah, filmada para a produção do Documentário


‘Resistência’ (2011), ela afirma que o coletivo vai continuar produzindo eventos
de cunho feminista, porém não mais no formato Riot Grrrl’s not dead. A idéia
agora é abrir para outros estilos musicais e vertentes artísticas produzidas por
mulheres. Pretende-se assim não deixar morrer a cena politizada feminista em
Belo Horizonte, já que, segundo Bah, existe uma sensação de “perda de força”
da cena.

24
CONCLUSÃO

As expectativas são boas em relação ao futuro desta cena feminista.


Percebemos isso através da entrevista feita pelo Coletivo #Nada Frágil com a
guitarrista e vocalista Elisa Gargiulo, da banda de hard core feminista
Dominatrix, banda esta de maior repercussão e reconhecimento no Brasil do
estilo. Leia um trecho da entrevista retirado do Zine do Coletivo #Nada Frágil:

Fig.6 Trecho de entrevista com Elisa Gargiulo, 2011

Após esta investigação e análise do material coletado e estudado conclui-se

que a grande motivação do evento Riot Grrrls Not Dead é o machismo presente

em nossa sociedade, que ainda se encontra nos moldes patriarcais. Nesta

sociedade o homem consegue ter mais espaço no circuito cultural rock do que

as mulheres. Estas ainda passam por constrangimentos e desmerecimentos,

como as que narrei no capitulo 1 desta monografia. Através de eventos e

projetos como este que pesquisei, o coletivo #Nada Frágil, tentam conscientizar

outras mulheres, além de construir um espaço de diálogo e performance de

sua arte, ao invés de esperar uma mudança ideológica externa. A “força

contrária muito forte” a empreitadas deste tipo que Elisa Gargiulo cita sempre

vai existir, e não só por parte dos homens, mas também de muitas mulheres

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que já absorveram essas diferenças de gênero e nem notam mais o machismo

existente nelas próprias. Continuar e não desistir, aí está o diferencial, alguns

reclamam ou preferem se alienar, outros fazem. E para se manter firme no

ideal lembrar que a mudança é sua e não do outro:

“Por que você ainda toca se a cena Riot Grrrl já não é a


mesma?” Eu nunca toquei por quem estava ou não a
minha volta. Eu sou uma guitarrista que ama tocar
guitarra, eu vou continuar tocando até encher o saco. E
vou continuar a fazer letras políticas porque, para além
do sentido ético, eu me ARREPIO apenas cantando
letras políticas. E algumas de amor sim, hehehe...
(Entrevista Elisa Gargiulo, 2011)

Good Friend Advise

Hey girls give up now one friend says to me


Feminism is so antiqued, the world is full of equality, my
life is perfect and I'm so free!
What world are you living?
My life's not perfect; I'm not free like I need (3x)
Lets fight to do it!
Free my body; free my fight;
Free my love; free my life
Maybe you're blind
And judge my fight like a waste of time
But all we conquer you want to enjoy
But all we believe you want to destroy
(Música ‘Good Friend Advise’, da Bertha Lutz)

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REFERÊNCIAS:

• SCHILT, Kristen. A little Too Ironic: The appropriation and packaging of


riot grrrl politics by maintream female musicans: Popular Music and
Society, vol.26, n.1, 2003.

• CAMARGO, Michelle Alcântara. “Manifeste-se faça um zine” uma


etnografia sobre “zines de papel” feministas produzidos por minas de
rock. Cadernos pagu (36), janeiro-junho de 2011:155-186.

• BARREIROS, Bruna Provazi. A Revolução (ainda) não será virtualizada:


Os fanzines feministas na Era da Comunicação Digital, 2008. p.03.

• MAGALHÃES, Henrique. O que é fanzine. São Paulo, Brasiliense, 1993.

• BRAMORSKI, Natasha Aleksandra. RIOT GRRRL! Uma vagina, três


acordes e inúmeras práticas coletivas: um estudo sobre o universo das
RIOT GRRRLS a partir da cidade de Florianópolis (1999-2004).

Páginas da internet

• Página do facebook da banda Bertha Lutz:


http://www.facebook.com/profile.php?id=100002638581420
acessado em 14 de setembro de 2011

• Entrevista com Bah feita por mensagens instantâneas no facebook no


dia 17 de novembro de 2011

• http://pamillaribeiro.tnb.art.br/
acessado em 18 de novembro de 2011

• http://basura.tnb.art.br/
acessado em 21 de novembro de 2011

• Versão online do fazine produzido pelo Coletivo #Nada Frágil:


http://www.youblisher.com/p/171789-NADAfragil-1, Entrevista Elisa
Gargiulo 2011 pág. 8.
acessado em 21 de novembro de 2011

• http://letras.terra.com.br/bertha-lutz/
acessado em 24 de novembro de 2011

• Documentário “Resistência” – produzido por Deborah Mussulini e Lucia


Vulcano
Duração: 14’44’’ Produzido para matéria Música e Cinema
documentário da Escola de Música da UFMG
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• http://www.gdnet.ucla.edu/asis/profile/soci3.htm
acessado em 27 de novembro de 2011

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