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não foi resultado apenas de uma operação de Darcy Ribeiro. Eis o que dizia esse
hermenêutica de sociólogos e historiado- genial indo-americano: “Um proletariado
res inidôneos, mas sim um estratagema sem outro ideal a não ser a redução das
que deixou sem história a força de traba- horas de trabalho e o aumento de centavos
lho a partir do capital multinacional no salário não será nunca capaz de uma
instalado em São Paulo. Permita-me citar grande ação histórica.” O imperativo de
o seguinte trecho: “A máquina universitá- nacionalizar a economia para fazer justiça
ria e midiática do prestígio político não social foi deixado de lado pelo partido
consagrou Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, político que alcançaria o poder sob o
mas sim FHC e Lula. Estes, ungidos pelos comando das multinacionais. Em vez de
Bancos internacionais, colocaram como justiça social, a sacristia do PT oferecerá
bandeira progressista a questão da demo- esmola e caridade. Por isso colocou um
cracia, identificando o regime de 1964 tucano no Banco Central.
com autoritarismo, ocultando no entanto Há antecedentes em minha biblio-
sua essência: a entrega das riquezas do grafia, pois essa categoria leninista do
país às multinacionais. A ditadura não foi imperialismo, como emanação necessária
derrubada por pressão das forças popula- e insuprimível do capitalismo, tem nítida
res e deixou, com a abertura democrática, presença em O príncipe da moeda (1997),
intacto o domínio das multinacionais, obra acerca do neoliberalismo dos gover-
assim como houve conivência com o nos de FHC, o que sugere uma unidade
caráter ilícito da dívida externa, de modo dos assuntos tratados. Vejamos o que
que no cenário político montado pela aconteceu do ponto de vista cronológico
direita era preciso destruir a tendência de O xará de Apipucos até O príncipe da
política que colocava como alvo principal moeda. Entre essas duas reflexões sobre
a denúncia da espoliação internacional. Gilberto Freyre e Fernando Henrique
A essa frente anti-Brizola participaram Cardoso, publiquei Collor: a cocaína dos
todos os partidos políticos: PT, PSDB, pobres (1989) e Brizulla: o samba da demo-
PFL e PMDB. Em todos esses partidos cracia (1989), dois livros que foram poli-
o traço uníssono foi a reivindicação de ticamente militantes e comprometidos
uma democracia em geral, ou seja, uma com o trabalhismo de Getúlio Vargas, João
democracia sem caráter de classe, já que Goulart e Leonel Brizola.
a democracia era detentora em si mesma Em 1986 ingressei como professor
de um valor absoluto e universal. A única de sociologia na Universidade Federal de
voz destoante chamava a atenção para o Juiz de Fora, por onde se dá minha inser-
conteúdo econômico dessa democracia ção didática, o que não ensejou nenhuma
das perdas internacionais, assim como ruptura com minha colaboração em vários
Darcy Ribeiro apontava a cabeça tradeu- jornais e revistas do país. Permaneceu
nista do ABC em São Paulo, retomando o a inicial conexão entre universidade e
que dizia o marxista peruano, José Carlos ensaio. Vários ensaios e artigos foram
Mariátegui, cujas afinidades estão menos publicados no caderno “Mais!” de A Folha
próximas de Florestan Fernandes do que de São Paulo.
de Karl Marx. Foi isso que tentei deixar livro A ideologia curupira, originalmente
claro no prefácio que escrevi ao seu livro tese de doutorado defendida na USP em
A mais-valia ideológica (2013) na edição 1977. Convém repisar que o orientador
brasileira da editora Insular, que publicou de minha tese foi Gabriel Cohn, exímio
pela primeira vez este notável escritor no pesquisador e tradutor de Max Weber,
Brasil. Na revista REBELA (Universidade conhecedor da escola de Frankfurt, prin-
de Santa Catarina), publiquei em 2013 cipalmente de Theodor Adorno, sociólogo
artigo sobre o poeta venezuelano intitu- que surge nas páginas de De olho na fresta
lado O insensato Ludovico Silva – entre a e O príncipe da moeda. Esse livro reves-
poesia e o marxismo. te-se de particular significado para mim,
Nas Ciências Humanas e no jorna- porque é uma baliza na minha reflexão
lismo, para não mencionar os parlamen- como sociólogo, justamente por não ser
tares, o que se verifica é o uso equivocado comum e corriqueiro nas Ciências Sociais
e anfibológico da palavra ideologia, como tratar o tema da natureza. O capítulo dedi-
sendo o acervo das ideias de um determi- cado ao físico José Walter Bautista Vidal,
nado autor ou determinada doutrina polí- o criador do Proálcool, terá a partir daí
tica. Por exemplo: a ideologia de Lênin, a influência fundamental em minha visão
ideologia de Leonel Brizola, a ideologia de de mundo. É que me abriu com o conhe-
Joãozinho Trinta. Enfatizei o uso errado da cimento da obra desse eminente físico (do
palavra ideologia nesse artigo, mas a ênfase qual me tornei amigo e parceiro) uma área
foi no autor Ludovico Silva como polígrafo. de investigação nova. Refiro-me ao tema
Desde quando estava escrevendo da energia abordada pela Termodinâmica,
sobre Gilberto Freyre no Recife, surgiu em disciplina que mostra que a energia não é
mim o desejo de realizar uma investiga- criada pelo homem, tendo conformação
ção abrangente que focalizasse a teoria diferente de acordo com as particularida-
marxista de Darcy Ribeiro, e como esta des geográficas.
explicava a dinâmica histórica do subde- Bautista Vidal ensinou-me a ver o
senvolvimento a partir do processo civili- sol do ponto de vista sociológico, o sol
zatório. Conversando com Gilberto Freyre como doador de energia e fonte de toda a
em Apipucos, tomei conhecimento do riqueza, abordagem que se chocava com
prefácio à Casa grande e senzala, edição a existência de uma sociabilidade miserá-
venezuelana, escrito por Darcy Ribeiro, vel como a brasileira. Foi com base nesse
no qual eram feitos alguns reparos ao contraste que escrevemos a quatro mãos
método empático utilizado pelo sociólogo o livro O poder dos trópicos (1998), o qual
pernambucano. Uma dessas restrições tinha por pretensão servir de roteiro para
dizia respeito ao foco dado à escravidão a implantação de uma política energé-
pelo escravo doméstico, negligenciando a tica (fundada na biomassa vegetal, álcool
existência do escravo do eito. Pude verificar e óleos) para fundamentar a civilização
então que, no comentário crítico de Darcy brasileira solidária, igualitária e demo-
Ribeiro, sobressaia a questão das classes crática. O poder dos trópicos anunciava
sociais, que foi o tema desenvolvido por que o petróleo estava chegando ao fim
Florestan Fernandes, o prefaciador de meu e que nossa vocação energética não era
conceito que foi desenvolvido por mim economista Delfim Neto repisou a tese
em Quebra-Cabeça do Cinema Novo (a ser de Roberto Campos, inspirado no modelo
publicado pela editora Azogue). O capi- Time Life da TV Globo, daí a junção econo-
talismo videofinanceiro é a simbiose da mia política do automóvel com eletrodo-
televisão, do banco e das empresas finan- méstico, a saga das Casas Bahia que foi
ceiras na acumulação de capital. O capital iniciada em 1957 durante os governos de
monopolista está na raiz da comunica- JK e Jânio Quadros, com as primícias da
ção de massa. O conceito de capitalismo burguesia associada, a qual iria desabro-
videofinanceiro foi haurido em Ruy Mauro char plenamente na década de 70 mono-
Marini (a superexploração da força de polista vídeofinanceira. O conceito de
trabalho) e a partir da mais-valia ideoló- capitalismo videofinanceiro, preliminar-
gica de Ludovico Silva. É visível a interação mente esboçado em Collor, A Cocaína dos
entre os dois fenômenos, como mostrei Pobres, não quer dizer que o capitalismo
em Depois de Leonel Brizola, a mais-valia seja diferente agora, pois o capitalismo
ideológica aumenta quanto mais a massa continua sendo capitalismo. Há conexão
trabalhadora se marginaliza socialmente, entre os super-monopólios na colônia
quanto mais ocorre a expansão da tele- e o desenvolvimento da comunicação
visão, cuja propriedade se concentra nos de massa. A multinacional paga salário
clãs-parentais do ar, ou seja, os latifundiá- abaixo do valor da força de trabalho, por
rios das ondas eletrônicas. isso obtém lucros quando os produtos são
O capital monopolista está na base exportados dos países periféricos para o
da reflexão de Glauber Rocha sobre o está- mercado europeu e norte-americano.
gio eletrônico da comunicação de massa. A telenovela da monopolização socie-
É mister assinalar que o vídeomonopólio tária justifica com mais-valia ideológica a
capitalista passa a ser produtor de ideias subalternidade do país aos centros capi-
que circulam como teoria nos meios talistas, assim como induz a pensar e a
acadêmicos. Foi isso o objeto analítico desejar que o subdesenvolvimento possa
de meu livro Glauber Pátria Rocha Livre. ser erradicado mediante a instalação de
As ideias realmente não caem do céu. De empresas multinacionais e com o capital
Roberto Campos a Fernando Henrique estrangeiro como motor da prosperidade
Cardoso a mediação é dada pelo vídeofi- do país. Para finalizar, reparo que há um
nanceiro, seja na ditadura ou na abertura. fio condutor no meu percurso acadêmico
No livro Quebra-Cabeça ressemantizo que e na minha escrita ensaística, a saber, a
o triunfo da telenovela correu paralelo ao reflexão sobre a particularidade da socie-
fracasso do cinema novo glauberiano. A dade capitalista dependente e a presença
novela é a expressão audiovisual do libe- ubíqua do imperialismo na economia, na
ralismo desenvolvimentista na econo- política e na cultura.
mia. Tanto faz ditadura ou democracia.
Segundo Gunder Frank, o liberalismo
multinacional não é capaz de tirar o país
da miséria e do subdesenvolvimento. O