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CINEMA E AUDIOVISUAL
CINE SAYONARA:
O RESGATE DA HISTÓRIA DO CINEMA DA CIDADE DE MEDIANEIRA - PR
Foz do Iguaçu
2019
INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ARTE,
CULTURA E HISTÓRIA (ILAACH)
CINEMA E AUDIOVISUAL
CINE SAYONARA:
O RESGATE DA HISTÓRIA DO CINEMA DA CIDADE DE MEDIANEIRA - PR
Foz do Iguaçu
2019
SANTOS, Giani dos. Cine Sayonara: O Resgate da História do Cinema de
Medianeira - Pr. 2019. 19p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Cinema e Audiovisual) – Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz
do Iguaçu, 2019.
RESUMO
Este artigo tem por objetivo investigar a existência de sala de cinema ou sala de
exibição cinematográfica, no espaço urbano na cidade de Medianeira – Paraná, e
seus aspectos como surgimento e funcionamento, bem como a sua relação com a
comunidade. Compreender os interesses e motivações do público em relação a
frequentação, seja no consumo do produto audiovisual, ou em sua experiência
social, na década de 1970 de maneira específica, abrangendo de forma breve outros
períodos quando necessário, sob o prisma do resgate e da preservação da memória
individual e coletiva de âmbito histórico e cultural, por meio de entrevistas
colaborativas e levantamento de documentos ou registros.
RESUMO
Este artículo tiene como objetivo investigar la existencia de una sala de cine o sala
de exhibición de cine en el espacio urbano de la ciudad de Medianeira - Paraná, y
sus aspectos como emergencia y operación, así como su relación con la comunidad.
Comprender los intereses y motivaciones del público con respecto a la asistencia,
sea en el consumo del producto audiovisual o en su experiencia social, en la década
de 1970 de una manera específica, cubriendo brevemente otros períodos cuando
sea necesario, desde la perspectiva del rescate y la preservación de la memoria
individual y colectiva de alcance histórico y cultural, a través de entrevistas
colaborativas y encuestas de documentos o registros.
1 INTRODUÇÃO
Para esta pesquisa, se tinha a prévia informação de que nos anos 1970 havia
algum tipo de estabelecimento de cinema. O passo seguinte, foi tentar encontrar
documentos que comprovassem esta existência e que pudessem precisar as datas.
A primeira investigação foi encontrar referências históricas sobre o município. Foi
encontrada uma única obra: “O Resgate da Memória de Medianeira”, da Associação
de Professores do município. Entretanto, não há nenhuma menção ao
1
Tradução de José Antônio Damásio Abib, 2010.
7
A foto não continha datação da época, como também não era apontada nos
comentários, entretanto, apontava a localização. Apesar de naquele período, a rua
ser ainda de chão batido, não é difícil identificar a Avenida Brasília. Embora o
edifício tenha sido modificado, para quem conhece a cidade, não é difícil reconhecer
que se trata da loja de materiais Martelli, como apontado nos comentários da foto
em Facebook. A partir deste momento, o Cine Sayonara estava novamente situado
no espaço e no tempo, e sua história começa a emergir do esquecimento.
3
Disponível em :< https://www.facebook.com/groups/301185916700003/>. Acesso em set. 2019.
10
Para adentrar nas camadas mais profundas, a pesquisa evoluiu para uma
segunda fase, e contou com os depoimentos de alguns participantes dessa história,
encontrados através de indicações, interação por redes sociais, e se deram por meio
de entrevistas individuais de forma colaborativa e flexível, para que os entrevistados
pudessem se sentir confortáveis em narrar suas memórias. Essa abordagem permite
remontar em parte, como era a estrutura e o funcionamento do Cine Sayonara. Da
mesma forma, possibilita a compreensão de uma linha do tempo, do início ao
encerramento das atividades.
Antes de ser Cine Sayonara, o cinema de Medianeira já existia e funcionava
há alguns anos. A estrutura do cinema era de propriedade do senhor Mario Pavei,
que construiu a edificação no início da década de 1960, já com essa finalidade.
Pavei, no entanto, nunca teve a intenção de administrar o cinema. Tudo indica que
ele construiu a estrutura e a alugou para Antonio Della Pasqua. O acordo
possivelmente tenha sido firmado antes mesmo da construção, conforme relata
Jorge, genro de Mario: “eu acho que ele construiu, e já alguém, arrendou, ou alugou,
fez pra alguém tocar o cinema, não foi ele” (informação verbal) 4. Não havia precisão
de datas quanto a construção da estrutura, mas a matrícula do lote, fornecida por
uma das atuais proprietárias do imóvel, comprova a averbação de uma construção
de alvenaria de 578 m2 em 1963.
Se os equipamentos e alguma parte estrutural, seriam de propriedade de
Antonio Della Pasqua, e ainda, sobre esse período de funcionamento, desde a
inauguração até o fim da década de 1960, não há muitas informações completas ou
concretas. Contudo, os depoimentos permitem ter uma noção de como era a
atividade.
[...] alguém deve ter feito uma planta, alguma coisa assim, pra fazer. Que o
primeiro arrendatário que eu te falei antes, foi o seu Antonio Della Pasqua,
pelo o que eu me lembro. O que era o operador das máquinas, a primeira
vez, era o seu Bertolino, não me lembro o sobrenome. [...] Era pra 600, 800
lugares... Tinha filmes assim, que pra você entrar era difícil. Lotava. Tipo,
uma vez, teve o filme do Gianni Morandi, teve aquele da Gigliola Cinquentti,
lá, que ele... olha, tinha várias sessões, vários dias assim, que passaram, e
pra você arrumar lugar não era fácil. Tinha fila pra comprar ingresso. Coisa
incrível. Lógico, Medianeira a 40, 50 anos atrás, não tinha nada de diversão.
Saía ali, e ia pro cinema. (informação verbal) 5
4
Informação verbal concedida por Jorge Luiz Zanella, no dia 04 de outubro de 2019, em entrevista.
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ZANELLA (2019).
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HAHN (2019).
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família, cada qual com sua função. Edílio, irmão de Ítalo, garante que aquele período
foi extremamente lucrativo para o Cine Sayonara e os demais negócios
relacionados, como a bomboniere instalada junto ao cinema e os bares e
lanchonetes localizados aos arredores, onde as pessoas aguardavam entre uma e
outra sessão (informação verbal)7.
Já as distribuidoras ficavam com a soma de 60% da bilheteria dos
lançamentos, em contrapartida aos 40% do cinema, e realizava o controle através
de fiscal que acompanhava as sessões, que contabilizava as pessoas. Se o
lançamento não atingisse cem ingressos vendidos, saía de cartaz, os demais filmes
poderiam ser alugados por um valor fixo, e dispensavam fiscalização. Entretanto,
todos os filmes que seriam exibidos, antes passavam por um outro controle, o da
censura. Como era período de Regime Militar, todo o material de divulgação do filme
deveria ser levado até a Polícia Federal em Foz do Iguaçu para ser aprovado, caso
contrário, a exibição ficava inviável, já que os cartazes eram uma das mais eficazes
fontes de divulgação (informação verbal)8.
O Cine Sayonara, além do sucesso de público, carregava outras
peculiaridades, como o próprio nome. Presume-se que seja devido a música
homônima, de Os Incríveis - que pertence ao álbum Os Incríveis no Japão (1968) -,
que tocava nas propagandas de autofalante da torre do cinema, e antes da exibição
dos filmes. Nos finais de semana era habitual a divulgação dos títulos em cartaz, a
torre era alta, assim como o volume, que contemplava toda a cidade, dessa maneira,
a presença dessa trilha sonora musical criou uma identidade e um vínculo fortes
entre o Cine Sayonara e a população (informação verbal) 9.
O Cine Sayonara permaneceu sob essa denominação até o início da década
de 1980, quando Ítalo mercanciou o cinema, para Ismael Zornitta, que então alterou
seu nome para Cine Tropicana. A transação ocorreu devido à queda de
frequentação, já por influência do maior acesso e desenvolvimento da televisão. Isso
fez com que o senhor Ítalo, mesmo com planos de construir um novo cinema na
cidade, com um prédio próprio e mais moderno, e com equipamentos mais
qualificados, desistisse da ideia, e se preparasse para investir em cinema em Alta
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Informação verbal concedida por Edílio Mezzaroba, no dia 20 de setembro de 2019, em entrevista.
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HAHN (2019).
9
Informação verbal concedida por Jorge Luiz Zanella e Mafalda Pavei Lamin, no dia 04 de outubro
de 2019, em entrevista.
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Floresta, no Mato Grosso, assim como outros investimentos que já mantinha por lá
(informação verbal)10.
O Cine Tropicana iniciou as atividades ainda no mesmo local, e com os
mesmos equipamentos. No entanto, no ano de 1984, com o falecimento de Mario
Pavei no ano anterior, os herdeiros decidem vender o imóvel, forçando a
transferência do cinema para outro endereço (informação verbal) 11.
Com construção própria, a família Zornitta continua as atividades do
empreendimento até o ano de 1989, ano do lançamento do filme Batman de Tim
Burton. Com o cinema já em decadência, sua última tentativa de angariar público foi
a aposta nesse lançamento. Devido à escassez de espectadores, e a
impossibilidade de sustentar o negócio, o cinema fecha suas portas.
[...] Medianeira que era interessante, que tinha a missa às sete da noite de
domingo, acabava a missa às 8h, aquela Avenida ficava coalhada de gente
pra ir pro cinema. Então no domingo à noite, em média, quando não chovia,
que a chuva era um inimigo natural do movimento do cinema, né? Quando
não chovia era em média 800, 900 pessoas na sessão do cinema.
Lotava....nós fazíamos 3 sessões por domingo, das 2h, às 4h e às 8h. Das
8h que a gente fala, começava às 8h30, quinze para às 9h (20h30, 20h45).
Teve épocas que a gente fazia às 2h, às 4h, dependendo do filme, e às 6h
também, e às 8h também (informação verbal)12.
O Cine Sayonara foi, para muitas pessoas, o primeiro contato com o cinema e
com produtos audiovisuais, bem como o aparato de exibição. “Minha maior
curiosidade além do filme, era como que ele passava, [...] aquele facho de luz lá na
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MEZZAROBA (2019).
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Informação verbal concedida por Amélia Zornitta Jacobsen, no dia 23 de outubro de 2019, em
entrevista.
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HAHN (2019).
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frente pra reproduzir, aí, eu escutava aquele barulho da... acho que era a fita
rodando, [...] e aquilo me chamava a atenção, e eu tinha muita curiosidade”
(informação verbal)13 .
O público que frequentava o cinema era variado, tanto em idade, gênero e
classe social. Era considerado uma diversão familiar, com exceção de algumas
sessões, geralmente noturnas, e ou com classificação indicativa acima de 14 e 16
anos, nestes casos, o controle na entrada era realizado com rigidez. “Era misto o
público. Vinha também das cidades vizinhas, né? Vinha de Missal, Matelândia, São
Miguel, que não tinha” (informação verbal) 14.
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Informação verbal concedida por Alcedir Biesdorf, no dia 06 de setembro de 2019, em entrevista.
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Informação verbal concedida por Mirtes Maria Valério, no dia 12 de setembro de 2019, em
entrevista.
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Informação verbal concedida por Clóvis José Fagundes de Abreu, no dia 06 de setembro de 2019,
em entrevista.
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ZANELLA (2019).
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Muitos dos filmes exibidos tiveram grande êxito mundial, em público e/ou
premiações, como Doutor Jivago (1965), Queda do Império Romano (1964), entre
outros filmes muito apreciados pelos frequentadores. Os rolos de películas eram
armazenados em latas, variando entre 4 a 6 latas, dependendo da duração, e cada
rolo era projetado de forma intercalada, através de dois projetores. Enquanto um
exibia um rolo, o seguinte já era preparado na sequência, assim que terminado, era
rebobinado e conservado novamente na embalagem (informação verbal) 18.
A interação da plateia com os filmes ocorria de forma peculiar no Cine
Sayonara. Durante as sessões o público vibrava com as cenas, fazia torcida, batiam
palmas e os pés no assoalho de madeira em uníssono. “Principalmente quando era
bang bang, quando o mocinho ganhava ou alguma coisa, o pessoal começava bater
pé, virava uma gritaria dentro do cinema... tinham torcida, torciam dentro do cinema”
(informação verbal)19. Para conter algum alvoroço, haviam os lanterninhas, que
eram chamados de cuidadores, que intervinham para controlar a balbúrdia quando a
fita arrebentava ou em situações de outra natureza. “Ele não deixava as pessoas
"exagerarem" (entre aspas), quer dizer, tava lá o lanterninha pra separar o
casalzinho mais afoito” (informação verbal)20.
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HAHN (2019).
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ZANELLA (2019).
19
Informação verbal concedida por Luiz Pasini, no dia 07 de setembro de 2019, em entrevista.
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Informação verbal concedida por João Hermes, no dia 12 de setembro de 2019, em entrevista.
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Não era o fim da sessão que encerrava o programa, alguns até poderiam ir
embora, mas não sem antes participar como atores de outra exibição, “o pessoal
falava: vamos pro cinema pra assistir a "Santa Saída"... todo mundo em volta
esperando sair o povo, as meninas... as moças. [...] A moçada ficava na frente, do
outro lado da rua, [...], ficava esperando sair todo mundo” (informação verbal) 23.
Quem quisesse estender o passeio poderia ir a alguma das lanchonetes, ou ainda
sair para dançar, como era o costume.
Através dos relatos, foram levantadas algumas hipóteses sobre os fatores que
ocasionaram a diminuição da frequência e do público. A introdução da televisão no
cotidiano e o desenvolvimento dos canais possibilitaram a aproximação a outro meio
de comunicação, permitindo o acesso mais abrangente ao conteúdo audiovisual, e
sem precisar sair de casa. Outro fator importante, foi a ausência de modernização
daquele cinema, em todo o seu período de funcionamento, ele não obteve melhoria
substancial, os assentos eram de madeira, sem estofamento, os projetores se
mantiveram, mas o que mais fez diferença, foi o aparato sonoro. Isto é, o cinema
não acompanhou os melhoramentos da qualidade do som nas películas, um
exemplo significativo, foi na ocasião da exibição do filme Terremoto (1974), que
inovava no diferencial sonoro, enquanto a aparelhagem não era capaz de transmitir
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VALÉRIO (2019).
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ABREU (2019).
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ZANELLA (2019).
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essa qualidade oferecida pelo filme, o que fez com que algumas pessoas,
procurassem cinemas de cidades maiores para aproveitar melhor a experiência.
Esses casos eram muito específicos, mas apontam uma falta de estruturação nesse
aspecto, mas ainda não foi um fator determinante. Contudo, o que de fato
sentenciou o fim do cinema na cidade de Medianeira, segundo Amélia, filha do
último proprietário, foi a chegada da fita VHS através das locadoras. Naquele
momento, além dos conteúdos disponíveis na televisão, era possível assistir filmes
na privacidade e no conforto de casa, com um leque de opções de horários de
visualização, e de títulos ou gêneros específicos. Igualmente passou a ser possível,
pausar um filme ou revê-lo, afora a possibilidade de diluir o valor do aluguel entre
mais pessoas. Todas essas facilidades, convergiram para a predileção por esse tipo
de consumo, e fadaram o cinema ao fim de suas atividades.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
FLICK, Uwe. Introdução à Pesquisa Qualitativa. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
SOUSA, Márcia Cristina da Silva. Ser Ou Não Ser: A Memória Dos Cinemas De
Rua Como Patrimônio Cultural Do Rio De Janeiro . In: ENCONTRO REGIONAL DA
ANPUH-RIO MEMÓRIA E PATRIMÔNIO, 14, 2010, Rio de Janeiro. Artigo. Rio de
Janeiro: Unirio, 2010. p.5.
ENTREVISTAS
ABREU, Clóvis José Fagundes de. Entrevista III. [out. 2019]. Entrevistadora: Giani
dos Santos. Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (75 min.).
19
BIESDORF, Alcedir. Entrevista II. [set. 2019]. Entrevistadora: Giani dos Santos.
Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (53 min.).
JACOBSEN, Amélia Zornitta. Entrevista IX. [out. 2019]. Entrevistadora: Giani dos
Santos. Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (33 min.).
LAMIN, Mafalda Pavei; ZANELLA, Jorge Luiz. Entrevista VIII. [out. 2019].
Entrevistadora: Giani dos Santos. Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (87 min.).
MEZZAROBA, Edílio. Entrevista VII. [set. 2019]. Entrevistadora Giani dos Santos,
Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (64 min.).
PASINI, Luiz. Entrevista IV. [set. 2019]. Entrevistadora: Giani dos Santos.
Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (39 min.).
VALÉRIO, Mirtes Maria. Entrevista VI. [set. 2019]. Entrevistadora: Giani dos Santos.
Medianeira, 2019. 1 arquivo .mp3 (41 min.).