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TERRAS E IMIGRAÇÃO EM SÃO PAULO:


POLÍTICA FUNDIÁRIA E
TRABALHO RURAL
Kátia Cristina Petri

“Em 1898 cheguei em S.Paulo como imigrante (...) sendo eu e minha mulher dirigidos nesta Colônia de
Piaguhy onde nos foi concedido um lote de terra de nove hectares, terras ingratas e seccas, paguei a muito custo
e a poder de suor, padecendo e às vezes passando fome ”.
(carta de um imigrante sueco ao Cônsul da Suécia e Noruega, 08/03/1905).
“Tencionando a Diretoria do Serviço de Propaganda e Exportação Economica do Brasil no Extrangeiro redigir
um opusculo, salientando as condições favoraveis de que gozam os colonos estabelecidos no Brasil (...) solicito
(...) que sejam remmettidos cartas de colonos, dirigidas a parentes seus na Europa e nas quaes elles façam allusão
á sua satisfação por haverem emigrado para aqui (...) ao melhoramento que obtiveram nas suas condições
econômicas”.1

I. Primeiras Iniciativas região em que deveriam ser estabelecidos,


acabaram sendo enviados para a região de
om o objetivo de promover pouco a Itapecerica, Embu, Santo Amaro, numa zona

C
pouco a substituição do braço escravo na
lavoura e de povoar algumas áreas da Colônia,
recorreu-se, em meados do século XIX, à
colonização estrangeira. O objetivo dessa
de difícil acesso, solos pobres e longe do
mercado consumidor. Depois de enfrentar
muitas dificuldades, os imigrantes
abandonaram a maioria dos lotes.
política era, sobretudo, demográfico; A política imperial de terras não
reconhecia-se a necessidade de povoar o país garantia incentivos concretos para fomentar a
e para isso se recorria à colonização. imigração européia. Aos fazendeiros o que
O ponto de partida foi o decreto de 25 interessava era conceder aos colonos terras, de
de novembro de 1808, de autoria de D. João sertão, longe das estradas e de exploração
VI, visando atrair europeus, esse decreto impraticável. Essas, evidentemente, não
permitia aos estrangeiros o acesso à ofereciam condições de sobrevivência aos
propriedade da terra. Em 1818 era fundado, colonos. Por outro lado, a concessão a esses
por imigrantes suíços, o primeiro núcleo em colonos de terras melhor localizadas, já
Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, ocupadas por posseiros ou pertencentes a
logo em seguida teríamos novos núcleos no sesmeiros, implicaria em despesas,
Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina e sobrecarregando a Administração, que seria
Rio Grande do Sul. obrigada a construir casas, caminhos e a
Essa tentativa da Administração sustentar os colonos até que eles pudessem
imperial nem sempre chegava a ser bem produzir o suficiente para prover-se.
sucedida. Em 1827, o Ministério do Império Portanto, a fórmula usada desde os
encaminhou alguns imigrantes para São tempos de D. João VI, cuja finalidade fora
Paulo. Depois de muita discussão sobre a especificamente servir a uma política

1
Secretaria da Agricultura Comércio e Obras Públicas, 13/02/1909.
2
demográfica, apresentou-se inconsistente, não improdutivos ou velhos e já em declínio de
sendo a solução ideal para atender às produção.
necessidades da lavoura, e sim às do O descontentamento por parte dos
povoamento. No primeiro, atendia-se às colonos era o sistema de contas feito para
necessidades das elites agrárias em detrimento deduzir sua parcela de lucro sobre a produção
dos interesses imperiais; no segundo, os de café obtida. Rezavam os contratos que,
núcleos coloniais para povoamento vendido o café, caberia ao colono a metade
apresentaram-se ineficientes e não promoveram do seu lucro líquido porém, na maior parte
um aumento demográfico substancial, pois das vezes, os colonos sentiam-se roubados.
muitas vezes esses núcleos localizavam-se em Com o intuito de reduzir esse tipo de queixa
regiões fronteiriças e de difícil acesso. Ideou-se, acabou-se por estabelecer ao colono o
então, o sistema de parcerias visando a fixação pagamento de um preço fixo por alqueire
dos colonos nas fazendas. cultivado ou outras fórmulas, em geral,
Os colonos eram contratados na baseadas num sistema de salários. Esse último
Europa e trazidos para as fazendas de café. sistema parece ter se revelado mais adequado,
Tinham sua viagem paga, assim como o naquela época, do que o sistema de parceria.
transporte até as fazendas. Essas despesas,
entretanto, entravam como um adiantamento II. “O Café dá para tudo”
feito ao colono pelo proprietário, da mesma
maneira que lhe era adiantado o necessário à
sua manutenção, até que ele pudesse se
sustentar. A cada família deveria ser atribuída
uma porção de cafeeiros, na proporção da sua
capacidade de cultivar, colher e beneficiar. Aos
colonos também era facultado o plantio , dos
mantimentos necessários ao seu sustento, em Anuário Estatístico do Café. Depto. Nacional do Café,
certos locais pré-determinados pelo 1938, p.12.
fazendeiro. Vendido o café, o fazendeiro
comprometia-se a entregar ao colono a metade O slogan originário da era da escravidão,
do lucro líquido. Sobre as despesas feitas pelo e ainda repetido entre os fazendeiros paulistas
fazendeiro em adiantamento aos colonos, na década de 1920, era o “café dá para tudo”.2
eram cobrados 6% de juros, a contar da data A mais importante região para a história
do adiantamento, aplicando-se na sua do café e da imigração localiza-se em torno
amortização, pelo menos, metade dos seus de Ribeirão Preto, onde se concentrava o
lucros anuais. O colono, além de se obrigar a melhor solo para o plantio de café em todo o
cultivar e manter o café, não podia abandonar mundo.
a fazenda sem ter previamente comunicado A abundância de terra e a continuada
por escrito sua intenção de retirar-se, somente disponibilidade de solo virgem foram um
após a quitação de tosos os seus compromissos. elemento fundamental na história agrária de
Essa medida também encontrou entraves. São Paulo, mas não podemos considerar todo
Os proprietários queixavam-se dos o Estado como um grande plantio cafeeiro,
colonos; diziam que eram preguiçosos e que pois algumas áreas já estavam em declínio no
sua produtividade era baixa, acusava-nos de início da imigração, e em outras áreas jamais
se recusarem a receber cafezais novos e ainda se plantara café.

2
HOLLOWAY, 1984.
3
Aliando solo fértil e tecnologia, a contornar para o Oeste. A imigração que será
produção cafeeira paulista foi responsável pela subvencionada pelo Estado é a região
maior parte das exportações do Brasil durante correspondente à Alta Mojiana que tornou-
o final do século XIX e a primeira metade do se conhecida como Oeste Novo.
século XX. Os navios a vapor e as estradas de Sendo assim, o Oeste Antigo
ferro, avanços europeus do século XIX, foram corresponde às regiões de Campinas, Limeira,
elementos facilitadores para a expansão do café Rio Claro, Araras, Descalvado, Casa Branca.
em São Paulo. E o Oeste Novo as regiões de Ribeirão Preto,
Segundo Thomas H. Holloway, a Pinhal, São João da Boa Vista, Casa Branca,
navegação era a linha vital que tornava possível São Simão, Cajuru, Batatais e Franca. Com
para São Paulo a sua participação na economia os dois Oestes somados ao Vale, constituia-se
mundial. Os navios levavam café para os três áreas socioeconômicas nitidamente
mercados internacionais e traziam distintas. 4 O período de 1880 a 1930 foi a
trabalhadores da Europa Meridional. O época em que o oeste de São Paulo
complemento terrestre da navegação predominou entre as áreas produtoras de café
transatlântica era a estrada de ferro, ligando o do mundo.
interior à Costa. Durante a primeira fase de
dominação do café, entre as décadas de 1830
e 1870, a produção esteve centrada no Vale
do Rio Paraíba do Sul, ao norte e oeste do
Rio de Janeiro, estendendo-se rumo ao
sudoeste, para dentro da Província de São Paulo.
São Paulo cresce em importância nas
décadas de 1840 e 1850, inicialmente o
transporte do café para o porto de Santos *média do período, ** média 1904-05, ** média 1908-09.
era feito por animais (burros) e, a partir de Anuário Estatístico do Café, Departamento Nacional do
1880, começou a ser realizado através da Café, 1938, p. 12.
estrada de ferro.3
Quanto ao enfoque sobre a cafeicultura A Província de São Paulo era rica em
e a presença imigrante em São Paulo, devemos áreas férteis e, muitas vezes, não tinha
nos concentrar na região do Oeste Paulista. influência do poder local, tanto dos fazendeiros
Para Paula Beiguelman, a designação de café como do governo imperial, facilitando a
“Oeste” tem como referência o Vale do sua ocupação por aqueles que delas precisassem.
Paraíba. A lavoura cafeeira que se expande a Como o Estado não tinha controle sobre as
partir de Campinas se localiza na verdade na propriedades que se desenvolveram no Oeste
Região Leste, orientando-se a seguir no Paulista, principalmente na segunda metade do
sentido Norte. Ou seja, o Oeste histórico século XIX, os títulos de posse eram
corresponde, grosso modo, ao Leste e comercialmente válidos para aqueles que
Nordeste Geográfico. Da mesma forma, o ocupavam de fato a terra.
Vale do Paraíba, localizado no sudeste, era A imigração intensifica-se após 1850,
chamado de Norte também em função do quando passa para a responsabilidade dos
direcionamento do café, em marcha governos provinciais e, ao mesmo tempo, se
progressiva no sentido Sul, a partir da abre para a iniciativa privada. As atividades
Província do Rio de Janeiro, para depois imigratórias de São Paulo começaram muitos

3
Ibidem. p. 21.
4
BEIGUELMAN, 1982. p. 10 e 11.
4
anos antes do fim da escravidão, portanto, as razão de 15% ao anno, capitalisado
leis imperiais que limitaram o cativeiro em semestralmente.5
1850, 1871 e 1885 não refletiram nas
atividades do Oeste Paulista, tendo-se em vista Uma outra medida adotada pela
que os fazendeiros tinham imigrantes para Assembléia Provincial, em 1881, foi a
substituir os escravos. organização de uma comissão para planejar
Em agosto de 1871, antes da assinatura uma hospedaria que recebesse imigrantes.
da Lei do Ventre Livre, o presidente da Naquele mesmo ano, o governo da
Província, Antônio da Costa Pinto e Silva, Província adquiriu um prédio no bairro do
reuniu vários financistas e fazendeiros para Bom Retiro, na Capital, com capacidade para
formar a Associação Auxiliadora da apenas quinhentas pessoas e localização
Colonização e Imigração, com o propósito inconveniente. Em 21 de março de 1885, a
de “facilitar para nossos fazendeiros a Assembléia Provincial autorizou a construção
aquisição de trabalhadores livres”. A lei de uma nova hospedaria, e uma comissão
provincial de 30 de março de 1871 especial escolheu um ponto de junção das
pretendia ajudar os fazendeiros, entre seus estradas de ferro vindas do Rio de Janeiro e
artigos podemos destacar:
Santos que penetravam na cidade de São
N. 42 – Dita de 30 de março Paulo, rotas pelas quais entravam na Província
Antonio da Costa Pinto e Silva, Presidente todos os imigrantes. Em 1888, a nova
da Provincia de São Paulo, etc., etc.
Art. 1º. O Governo da Província fica hospedaria de imigrantes tinha capacidade
autorisado a emittir apolices até a quantia para quatro mil pessoas e tornou-se o foco do
de 600:000$000 ao juro de 6% e ao programa de imigração de São Paulo.
minimo de noventa.
§ 1º. O producto das apolices, ou estas, Entre as centenas de milhares de
serão exclusivamente empregadas em imigrantes trazidos depois de 1886, alguns
auxiliar aos lavradores da Província que protestaram abertamente contra as condições
quizerem mandar vir colonos para os seus de superlotação e falta de higiene reinante nos
estabelecimentos agrícolas (...).
§ 2º. O auxílio da Província é concedido navios, no porto de Santos ou na hospedaria
para pagamento das passagens e mais de São Paulo. Outros acusaram a prática de
despezas que cada colono fizer até o fraude e maus-tratos nas fazendas.
estabelecimento rural do lavrador que o
houver solicitado. Em meados da década de 1880, a
§ 6º. O auxílio será de preferência prestado publicidade negativa que prejudicaria o Brasil
aos lavradores que se obrigarem a durante anos já se tornara um sério obstáculo
introduzir colonos do Norte da Europa.
§ 7º. Computar-se-hão no numero dos ao maior desenvolvimento da imigração
colonos os menores de cincoenta annos e européia. Para resolver essa questão e
maiores de dez. promover o Brasil no exterior foi criada, em
§ 12º O lavrador auxiliado, que, no prazo
de um anno, da data do recebimento do 1886, a Sociedade Promotora de Imigração,
auxilio, salvo casos de força maior que tinha como finalidade promover a vinda
verificados, não mostrar por documentos de braços para a lavoura de café. Os diretores
authenticos e attestações dos Consules do da Promotora iniciaram imediatamente suas
Imperio, d’onde vierem os colonos, Ter atividades promocionais. Uma das primeiras
satisfeito as condições desta Lei, realizações foi a publicação de uma brochura,
introduzindo para a sua lavoura o numero pormenorizando as atrações de São Paulo. O
de colonos correspondente ao auxilio, será texto, sempre que possível, fazia comparações
executivamente obrigado a entrar com a
favoráveis com a Argentina, Estados Unidos
importancia recebida, e mais o premio á

5
Colecção de Leis e Posturas Municipaes promulgadas pela Assembléa Legislativa Provincial de São Paulo, Typographia
Americana, 1871.
5
e países europeus. Não havia menção a Nos seus primeiros anos, a Secretaria
problemas raciais ou à existência, ainda, da seguiu a prática da Sociedade Promotora,
escravidão, mas se assinalava cuidadosamente assinando contratos exclusivos com
que em São Paulo “a maneira de vestir, companhias particulares de navegação. Todos
mobiliar as casas, alimentar-se e, em geral, aqueles que entravam sob contrato deveriam
todos os costumes são europeus (...) transporte fazer parte de unidades familiares,
do Rio de Janeiro ou Santos para a cidade de cuidadosamente definidas como se segue:
São Paulo, comida para até oito dias e a) casais com menos de quarenta e cinco
alojamento na hospedaria, incluindo anos de idade e sem filhos; b) casais com
tratamento médico gratuito e transporte filhos ou pupilos, com ao menos um
ferroviário igualmente gratuito para a homem em idade ativa por família; c) viúvos
destinação final no interior da Província”.6 A ou viúvas com filhos ou pupilos, com pelo
Sociedade funcionou até 1896, tendo menos um homem em idade ativa por
recrutado 120.000 imigrantes, em sua maioria família; d) os membros dependentes da
imigrantes italianos. família que podiam ser incluídos na
Durante a última fase do Império e passagem subsidiada eram os pais, avós,
começo da República, os interesses do café irmãos solteiros, cunhados e sobrinhos
tinham influentes porta-vozes no governo do órfãos do chefe da família; mulheres
Brasil, e o governo nacional ajudava casadas, que iam se reunir aos maridos já
ocasionalmente os paulistas. O governo de São no Brasil, podiam ser escolhidas, mas
Paulo era ele mesmo o instrumento dos primos e parentes mais distantes, não.
fazendeiros de café. A política imigratória deve O Estado não financiaria: a) famílias ou
ser entendida nesse contexto. imigrantes solteiros que não satisfizessem
Em 1891, a Constituição federalista da aquelas condições; b) os que declarassem a
nova República colocou toda a terra pública intenção de estabelecer-se em outro Estado
e os regulamentos de propriedade sob a que não São Paulo; c) aqueles que já tivessem
jurisdição dos Estados. recebido passagem paga para o Brasil e
posteriormente retornado à sua terra natal.
Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e A companhia comprometeu-se a
terras devolutas situadas nos seus repatriar, às suas próprias custas, quem não
respectivos territórios, cabendo á União
satisfizesse às exigências dentro de trinta dias
somente a porção de território que for
indispensável para a defesa das fronteiras,
após a chegada do indivíduo ao Brasil. Já o
fortificações, construcções militares e Estado comprometia-se a pagar as passagens
estradas de ferro federaes.7 seguindo os seguintes critérios: a) passagem
inteira para as pessoas elegíveis de doze anos
Nesse mesmo ano, São Paulo criou a de idade ou mais; b) meia passagem para
Repartição de Terras, Colonização e crianças de sete a onze anos; c) um quarto de
Imigração, vinculada à Secretaria de passagem para as de três a seis anos; d)
Agricultura, cuja função, entre outras, era de transporte gratuito para crianças abaixo dos
validar os títulos de terras, fiscalizar e alienar três anos de idade.
terras públicas. No ano seguinte, a Secretaria Os subsídios para transporte propiciaram
de Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao Estado um considerável controle sobre as
de São Paulo ficou encarregada do serviço de ocupações que os imigrantes deviam exercer
imigração estadual. depois da sua chegada a São Paulo.

6
HOLLOWAY, op. cit., p. 65 e 66
7
Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
6
De 1889 ao início do século seguinte, estabelecimento de pequenas propriedades
chegaram quase 750.000 estrangeiros a São (herança imperial), e a outra fornecendo
Paulo, dos quais 80% eram subsidiados pelo braços para a grande lavoura do café.
governo. De 1886 a 1934, entraram quase Neste contexto, a colonização em São
2.250.000 imigrantes, comparados a uma Paulo diferenciava-se das outras regiões do
população-base de 1.250.000 habitantes em São Brasil. Primeiro, ela privilegia os trabalhadores
Paulo, em 1886. Cerca de 58% dos imigrantes rurais e não incentivava a propriedade da terra
naquele período foram subsidiados pelo Estado. para os imigrantes; segundo, não se
A imigração para São Paulo representou, sozinha, construíram colônias etnicamente
56% dos 4.100.000 imigrantes que entraram homogêneas como ocorreu, por exemplo, no
no Brasil de 1886 a 1934. Sul do país; terceiro, pequenas propriedades
Há muito que a imigração para São surgiram na periferia dos grandes
Paulo tinha sido identificada com os italianos. latifúndios de café muito depois de iniciado
Além de constituírem o maior grupo o processo migratório e por último, os
pertencente a uma única nacionalidade, os subsídios estaduais para atrair imigrantes
italianos representaram 46% de todos os resultaram no maior contingente de
imigrantes no período de 1887 a 1930. imigrantes para o Estado paulista.9
Durante a transição para o trabalho livre e o
subseqüente surto cafeeiro, os italianos na III. Os Núcleos Coloniais
verdade predominaram, representando 73%
de todas as chegadas de 1887 a 1900. Durante “Braços para a lavoura” – esse foi o
o período de 1887 a 1900, a Espanha forneceu slogan que orientou a política de imigração
11% dos imigrantes de São Paulo, Portugal de São Paulo, a partir do declínio da
10% e outros países 6%. De 1901 a 1930, a escravatura até o final da década de 1920.
distribuição de nacionalidades foi mais Mesmo nos melhores tempos, o
diversificada. A proporção de italianos caiu trabalho de um colono de café era muito
para 26%, a de espanhóis subiu para 22%, a penoso. Os fazendeiros mantinham um
de portugueses para 23%, e a das outras controle estrito sobre a rotina diária dos
nacionalidades alcançou 28%. Desta última trabalhadores. O cuidado médico só existia
categoria, o mais importante grupo de uma quando era extremamente necessário e,
única nacionalidade foi de japoneses, que mesmo assim, era muito caro. Poucas escolas
começaram chegando em pequeno número, eram mantidas para os colonos. Em muitos
em 1908, e se transformaram numa corrente casos sofriam violência física, salários
contínua depois de 1917. No período de 1911 reduzidos por multas e tinham que pagar
a 1930, mais de 96.000 japoneses foram para preços exorbitantes por gêneros essenciais nos
São Paulo. O Japão, dessa forma, seguiu a armazéns das fazendas.
Itália, Espanha e Portugal como a mais A elite paulista tentou ou não tentou
importante fonte de força de trabalho para as monopolizar a terra e limitar o
fazendas de café.8 desenvolvimento da pequena propriedade?
De qualquer maneira, durante a Num primeiro momento, seria de se esperar
Primeira República, continuam a existir as que os fazendeiros que se preocupavam com
duas correntes de imigração para o Brasil: uma a mobilidade geográfica da força de trabalho
promovendo o povoamento de áreas encarassem as oportunidades de pequenos
escassamente povoadas por meio de sítios como uma competição indesejada para

8
HOLLOWAY, op.cit.,p. 68
9
SEYFERTH , 1990.
7
atrair e reter colonos. Também devemos fraco, não apropriado para o café,
considerar que as instituições governamentais, pertencentes a fazendeiros endividados. A
que eram responsáveis pela vinda e Secretaria de Agricultura inspecionava a área
distribuição dos imigrantes, e sua mão-de- e delimitava os lotes, que variavam entre dez
obra, não tinham interesse em torná-los e quarenta hectares – metragem considerada
lavradores independentes, pois isso suficiente para sustentar as famílias de
representaria uma ameaça ao principal imigrantes. O Estado, então, nomeava um
objetivo dos subsídios que era a mão-de-obra administrador que era responsável por auxiliar
para a lavoura cafeeira. No entanto, [depois os recém-chegados, registrar os pagamentos
da Abolição da escravatura] a pequena dos lotes feitos pelos colonos, e também
propriedade começou a ser vista como uma orientar os trabalhos comuns, como a
solução para o problema de força de trabalho manutenção de estradas e a fiscalização do
do café nos períodos de entressafra, onde não cumprimento de numerosas regras. Os
era necessário arregimentar todos os imigrantes poderiam pagar esses lotes de
lavradores. Dessa época em diante, as acordo com vários planos, sendo o prazo de
pequenas propriedades e os colonos cinco a dez anos o mais utilizado.
independentes passaram a representar uma Na passagem para o século XIX, a
boa opção e não uma competição indesejável. solução de viveiros já se tornara parte da
Essa alternativa para o sistema de política oficial de imigração e trabalho em São
colonato foi conhecida em São Paulo como o Paulo. Cândido Rodrigues, Secretário de
“plano do viveiro”, que seguia a mesma lógica Agricultura, informou que, em 1899, a
adotada com os pés de café, na qual o viveiro Comissão de Obras Públicas do senado de São
fornecia mudas para substituir os cafeeiros que Paulo recomendou o estabelecimento de mais
a doença ou a velhice tornavam improdutivos núcleos coloniais, “de modo a constituí-los em
ou pés para serem plantados nos novos viveiros de trabalhadores para a grande
cafezais. O viveiro representava a uma fonte lavoura”, que serviriam para fixar o imigrante
local de mão-de-obra, a que os fazendeiros de ao solo, à disposição da lavoura do café e ainda
café podiam recorrer quando necessário. O aliviaria o fazendeiro da obrigação de construir
propósito dos fazendeiros e das autoridades à sua custa casas para os colonos, e de formar ou
governamentais era o suprimento de mão-de- cercar pastos para as criações desses colonos.
obra estável e com baixos custos e, ao mesmo Também em 1901, o governador do Estado,
tempo, o atendimento das necessidades dos Rodrigues Alves, disse que era “preciso fixar o
imigrantes europeus, que poderiam fixar-se imigrante ao solo, mas é preciso fazê-lo de modo
como lavradores independentes. que ele fique ao alcance da grande lavoura,
Para incentivar as pequenas quando precisar do seu braço, e de maneira que
propriedades em terras particulares, o Estado os núcleos a serem fundados, pela sua situação,
atuou diretamente em projetos que sejam viveiros de trabalhadores”. Essa parceria
substituíssem, ou até mesmo possibilitou a formação de vários núcleos.
complementassem, o sistema de colonato para Em 1904, Bernardo Avelino Gavião
o de viveiros de trabalhadores. O principal Peixoto, importante político dos fins do
projeto foi o programa de núcleos coloniais, Império, herdara uma sesmaria colonial,
estabelecendo-se colônias de pequenos sítios, conhecida como fazenda Cambuí, que se
sob a tutela direta do governo. estendia a oeste de Araraquara, numa área de
Com os núcleos das décadas de 1880 quase trinta mil alqueires. Gavião Peixoto fez
e 1890, estabeleceu-se um padrão que o o acordo de doar três mil alqueires para o
Estado seguiu no século XX. O governo Estado, e o governo comprometeu-se a
adquiria terras marginais, muitas vezes de solo comprar dele um adicional de três mil
8
alqueires. A terra, toda constituída por áreas Os núcleos oficiais nunca
ociosas e marginais da propriedade, foi representaram mais do que uma pequena
dividida em três núcleos distintos, parte do complexo agrícola de São Paulo,
inaugurados em 1907, cada um com cerca de começando a receber críticas dos fazendeiros.
190 lotes rurais de vinte e cinco hectares. Em 1911, em Amparo, foi realizado um
Em 1905, mais um núcleo foi encontro com fazendeiros preocupados com
estabelecido. Um especulador havia comprado a competição que os núcleos coloniais
um trato de terra, perto de Rio Claro, numa representavam. Afirmavam que em vez de
venda hipotecária. Formou a Companhia tornarem-se viveiros para mão-de-obra sazonal
Pequena Propriedade e subdividiu os 4.250 desses núcleos acabavam por competir com a
hectares em lotes rurais, porém teve lavoura cafeeira.
dificuldades para financiar a empreitada. O Do ponto de vista dos fazendeiros os
Estado pagou cem contos de réis pela problemas eram: primeiro, sua localização
participação de 50% na sociedade e assumiu raramente era ideal, muitas vezes os núcleos
o controle administrativo. Metade dos lotes, localizavam-se distantes das fazendas de café;
em divisão alternada, passou a ser propriedade segundo, o alto custo para operacionar os
do Estado, e a Companhia Pequena núcleos, como a construção de moradias,
Propriedade reteve o restante. Daí nasceu o estradas de acesso e condições para fixar os
núcleo Jorge Tibiriçá, em homenagem ao imigrantes recém-chegados. Além dessas
então governador do Estado. queixas, o maior problema apontado pelos
Também em 1905, o Estado abriu o fazendeiros era a não obrigação contratual de
núcleo Nova Odessa, no município de os imigrantes de alugarem seu trabalho para a
Campinas, inicialmente com o objetivo de colheita do café, ou seja, não existiam garantias
acomodar 380 judeus russos que tinham quanto ao fato de os lavradores dos núcleos
emigrado para o Brasil, mas em 1909 o núcleo não estarem ocupados com suas próprias
abriu-se para outras nacionalidades. lavouras domésticas durante a colheita do café
Em 1913, o ímpeto dado aos núcleos ou quanto ‘a possibilidade de os fazendeiros
coloniais esmoecera, e Paulo de Morais Barros, oferecerem salários bastante altos a fim de
Secretário de Agricultura, estava desiludido atrair trabalhadores sazonais ou até os colonos
com os resultados. O sistema, segundo Barros, começarem a ditar as condições sob as quais
baseava-se na suposição de que os recém- iriam colher o café.
chegados queriam tornar-se lavradores No período de 1897 a 1911, os
independentes e de que precisavam de colonos também apresentavam suas
proteção especial e ajuda do Estado. No dificuldades em estabelecer-se nos núcleos
entanto, em vez de beneficiar os novos coloniais patrocinados pelo Estado. As
imigrantes, “a experiência tem demonstrado colônias do Oeste Paulista ficavam em terras
que o povoamento dos núcleos se dá quase marginais e a maioria localizava-se em solos
que exclusivamente pelos colonos que já têm nos quais o café não se dava bem ou nos
pecúlio e experiência adquiridos no trabalho quais o ciclo do café estava entrando em
da grande lavoura”. Barros recomendou que declínio.
não fossem estabelecidos mais núcleos, mas Mesmo com as reclamações
que, em seu lugar, fossem utilizadas medidas apresentadas pelos fazendeiros e colonos, o
legais e administrativas para tornar as terras Estado manteve vivo o seu programa de
públicas nas áreas de fronteira em expansão; núcleos, primeiro objetivando a propaganda
referindo-se ao território recém-aberto ao no exterior e segundo visando fornecer uma
longo da estrada de ferro Noroeste, acessíveis alternativa ao trabalho do colono. O Estado
aos ex-colonos. sabia que São Paulo tinha mais terra boa para
9
o cultivo de café disponível do que realmente O colapso da economia internacional atingiu
utilizava, e o solo fértil para o plantio do café São Paulo duramente logo após o término do
era apenas uma pequena parte da área total programa subsidiado. O resultado foi o
do Oeste Paulista. abandono dos cafezais mais velhos e uma
Em fins da década de 1920 a proporção conseqüente retração na necessidade de mão-
do imposto de exportação de café estava de-obra, o que gerou uma diminuição no
caindo na receita do Estado e as fontes não- fluxo de imigrantes e o ingresso da economia
subsidiadas de trabalhadores estava crescendo. regional entrou num período de retração.

BIBLIOGRAFIA

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FONTES

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COLECÇÃO de Leis e Posturas Municipaes promulgadas pela Assembléa Legislativa Provincial
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