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Gestão de Perdas de Água Potável no Agreste Pernambucano

Kássio Kramer Moraes Pinto¹; Carla Fernanda Fortunato¹


¹Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, Brasil
Mestrado em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos – ProfÁgua

Autor Correspondente: email: kassiokramer@compesa.com.br; cah.engenharia@gmail.com

RESUMO
Entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU, o objetivo 6 é
relacionado a Água Potável e Saneamento, que visa assegurar a disponibilidade e gestão
sustentável da água e saneamento para todas e todos. O estado de Pernambuco, inserido no
nordeste setentrional, possui cerca de 88% de seu território localizado no semiárido brasileiro,
região que desde 2012 sofre os efeitos da crise hídrica, dificultando o atendimento da ODS 6.
Diante da seca dos principais reservatórios do Agreste pernambucano, foi necessária uma série
de obras estruturadoras da empresa de saneamento do estado de Pernambuco para garantir a
disponibilidade de água potável pelo menos aos órgãos essenciais e para que parte da população
continuasse a rotina. Entretanto a distribuição de água para a população foi prejudicada em
decorrência de furtos e ligações clandestinas diretamente nas tubulações de transporte.
Algumas dessas ligações visavam apenas a garantia de água para consumo residencial ou para
dessedentação animal, outras foram utilizadas com objetivo econômico, ou seja, obter lucro
com a água, líquido em escassez na região. As perdas apresentadas no trecho de 18 km da
adutora de Tabocas entre Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe foram quantificadas entre janeiro
e junho de 2017 e os impactos para a população puderam ser estimadas. Concluiu-se que em
no período de escassez hídrica a gestão se torna mais complexa e sem ações mais incisivas, parte
considerável da população é impactada.

Palavras-chave: gestão hídrica, furto de água, ODS.

Management of Potable Water Loss in Agreste Pernambucano

ABSTRACT
Among the UN's proposed Sustainable Development Objectives, objective 6 is related to Potable
Water and Sanitation, which aims to ensure the availability and sustainable management of
water and sanitation for all. The state of Pernambuco, located in the north-east, has about 88%
of its territory located in the Brazilian semi-arid region, which since 2012 has suffered the effects
of the water crisis, making it difficult to meet ODS 6. In the face of the drought of the main
reservoirs of Agreste Pernambuco , it took a series of structuring works of the sanitation
company of the state of Pernambuco to guarantee the availability of drinking water at least to
the essential organs and for part of the population to continue the routine. However, the
distribution of water to the population was hampered as a result of thefts and clandestine
connections directly in the transport pipelines. Some of these links were only aimed at
guaranteeing water for residential consumption or for animal consumption, others were used
for economic purposes, that is, to make a profit from water, which is scarce in the region. The
losses presented in the 18 km section of the Tabocas pipeline between Caruaru and Santa Cruz
do Capibaribe were quantified between January and June 2017 and the impacts for the
population could be estimated. It was concluded that in the period of water scarcity
management becomes more complex and without more incisive actions, a considerable part of
the population is impacted.

Keywords: water management, water theft, ODS.

1. INTRODUÇÃO

O estado de Pernambuco, inserido no nordeste setentrional, possui cerca de 88% de seu


território localizado no semiárido brasileiro, região que desde 2012 sofre os efeitos da crise
hídrica, devido a mais severa e longa seca observada desde o início do século XX.

Estudos da Agência Nacional de Água (ANA, 2017), relatam que durante os anos de 2012 a 2016
os volumes totais de chuva nos períodos úmidos foram muito abaixo da média, com redução
dos índices pluviométricos de 800 mm ano para aproximadamente 350 mm ano.
Consequentemente, os volumes dos reservatórios foram deplecionados drasticamente para
atendimento às demandas de diversos usos, dentre eles o abastecimento humano, resultando
em níveis extremamente baixos.

Diante da seca dos principais reservatórios do Agreste pernambucano, foi necessária uma série
de obras estruturadoras da empresa de saneamento do estado de Pernambuco para garantir a
disponibilidade de água potável pelo menos aos órgãos essenciais e para que parte da população
continuasse a rotina.

Dentre as obras realizadas pela empresa, destaca-se o transporte de água da zona da mata de
Pernambuco para o Agreste do estado. A infraestrutura consistiu em 90 km tubulações para
condução de água, realizada no período de fevereiro a julho de 2018, sendo disponibilizada uma
vazão de 100 L/s. Entretanto, diante da crise hídrica que atingia toda a região, ocorreu o
surgimento de atividades ilícitas que prejudicaram tal operação.

As atividades consistiram em furtos e ligações clandestinas diretamente nas tubulações de


transporte, objetivando o desvio da água. Algumas dessas ligações visavam apenas a garantia
de água para consumo residencial ou para dessedentação animal, outras foram utilizadas com
objetivo econômico, ou seja, obter lucro com a água, líquido em escassez na região.

A problemática evidenciada, exemplifica um caso típico das chamadas “Perdas de Água” que
ocorrem seja por vazamentos, furtos e ligações clandestinas, falta de medição ou medições
incorretas no consumo de água. Dados do Instituto Trata Brasil, estimam que no ano de 2010
tais perdas tenham alcançado a média nacional 37,5% (TRATABRASIL, 2015).

As perdas de água estão diretamente relacionadas com o avanço do saneamento básico e com
o agravamento da escassez hídrica, uma vez que a água potável produzida e não faturada levam
a uma receita operacional que poderia ser aplicada para a expansão do atendimento em água
potável, como também da ampliação das redes de esgoto e seu tratamento.

Assim, a presente pesquisa justifica-se pela necessidade do conhecimento das informações


sobre as “perdas de água”, ocorridas sobretudo na região do Agreste do estado de Pernambuco,
focalizando nos desvios em decorrência de atos ilícitos que acabaram prejudicando ainda mais
o abastecimento público na região. Conhecer a magnitude dessas ações e suas implicações para
o sistema de abastecimento é de suma importância, pois pode auxiliar na tomada de decisões e
implementação de ações futuras de gestão dos recursos hídricos.

Quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a problemática elencada


relaciona-se diretamente com o Objetivo 6: Água Potável e Saneamento, que visa assegurar a
disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos; dentre seus
propósitos ressalta-se o de aumentar substancialmente a eficiência do uso da água nos diversos
setores, assegurar retiradas sustentáveis para enfrentamento da crise hídrica e reduzir
consideravelmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água (ONU, 2015).

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Tipologia do Estudo e Coleta de Dados


O presente estudo foi realizado no trecho da adutora de Tabocas localizada entre o sítio Bilhar
em Brejo da Madre de Deus e o centro urbano de Santa Cruz do Capibaribe. Essa adutora tem
extensão de 18 km e é composta por duas tubulações paralelas de 300 mm de diâmetro. A figura
1 apresenta o caminhamento da adutora.

Figuro 1 – Adutora de Tabocas.

No início do trecho apresentado acima está localizada a estação elevatória de Tabocas e no final
do trecho as estações de tratamento de água de Poço Fundo 1 e Machado em Santa Cruz do
Capibaribe. As duas unidades são dotadas de medidores pitométricos de vazão e os funcionários
da empresa de saneamento tem no escopo de trabalho o registro desses dados.
Os dados registrados são utilizados para o controle da operação e quantificação de perdas, que
é o objetivo do presente artigo. De conhecimento dos valores de entrada e saída do sistema
adutor, é possível identificar a perda existente no trecho.
2.2 Processamento de Dados
As análises dos dados foram conduzidas utilizando o software excel 365 no qual foram inseridas
as informações obtidas do banco de dados da Companhia Pernambucana de Saneamento
(Compesa) e Agência Reguladora de Pernambuco (ARPE). Os dados foram estratificados no
período entre janeiro e junho de 2017 e trabalhos foram realizados para conversão dos mesmos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados do medidor de volume da estação elevatória de água bruta, localizada no início do
trecho em estudo, foram obtidos para o período entre janeiro e junho de 2017. Nesse período,
a estação bombeou água para Santa Cruz do Capibaribe por 71 dias não contínuos. A figura 2
apresenta os volumes bombeados a cada mês e a vazão média de funcionamento.

Volume e Vazão - EE Tabocas


120000
120,0
100000
100,0
Volume (m³)

Vazão (L/s)
80000 80,0
60000 60,0
40000 40,0
20000 20,0
0 0,0
Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho

Volume (m³) Vazão Média (L/s)

Figura 2 – Volume bombeado e vazão média na EE Tabocas.

A variação existente mensalmente, tanto para vazão como para volume, é em decorrência de
particularidades da operação executada pela companhia de saneamento. Entre as causas da
variação pode ser apontada a variação do número de dias operacionais em cada mês.

Os dados do medidor de volume das estações de tratamento de água de Santa Cruz do


Capibaribe, localizadas no fim do trecho em estudo, foram obtidos para o mesmo período. Assim
como a estação elevatória, a operação ocorreu por 71 dias não contínuos e a figura 3 apresenta
o volume produzido e a vazão média de trabalho.

Volume e Vazão - Sistema Santa Cruz do Capibaribe


120000 130,0
100000 110,0
Volume (m³)

90,0
Vazão (L/s)

80000
70,0
60000
50,0
40000 30,0
20000 10,0
0 -10,0
Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho

Volume (m³) Vazão Média (L/s)

Figura 3 – Volume bombeado e vazão média no Sistema Santa Cruz do Capibaribe.


Avaliando apenas os pontos de volume máximo entre os gráficos apresentados na figura 2 e na
figura 3, é possível observar que no mês de janeiro o volume do sistema Santa Cruz do
Capibaribe foi aproximadamente 20% menor. Por se tratar de uma rede adutora, não existem
ligações residenciais, comerciais ou industriais legais, logo, excluindo-se pequenos vazamentos
que podem existir, os volumes deveriam ser iguais.

Para uma melhor avaliação, os dois gráficos foram unidos e, através de um eixo secundário, foi
apresentado a perda média mensal. A figura 4 apresenta a informação.

Estudo de Volumes (m³)


120000 100%

Percentual de Perda
100000 80%
Volume (m³)

80000
60%
60000
40%
40000
20000 20%
19% 28% 24% 31% 26% 17%
0 0%
Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho

Volume EE Tabocas Volume Sistema Santa Cruz do Capibaribe Perda Percentual

Figura 4 – Comparação entre os volumes da EE Tabocas e Sistema Santa Cruz do Capibaribe.

É possível inferir através do gráfico da figura 4 que mensalmente perdas ocorreram no trecho
do estudo sendo em média de 24%. Ratifica-se que na região do estudo não deveriam haver
perdas, ou seja, uma investigação das causas foi realizada pela gerência local.

A gerência local verificou que um mercado ilegal de comercialização de água desviada da


adutora através de caminhões pipas havia sido estabelecido na região. Ligações clandestinas
haviam sido realizadas na adutora e estavam alimentando açudes que, por sua vez, alimentavam
os caminhões. Utilizando o software Google Earth é possível identificar os açudes em uma área
árida, as margens da adutora, como apresenta a imagem 5.

Figura 5 – Açude em região árida as margens da adutora.

Diversos açudes foram identificados em terras as margens da adutora de transporte de água.


Além disso, mesmo com a seca severa na região e com a retirada constante do volume por
caminhões pipa, os açudes permaneciam cheios. Dando continuidade as investigações, foram
obtidas fotos de veículos abastecendo e tubulações de pequeno porte interligadas a adutora da
Compesa. As figuras 6 e 7 evidenciam esses dois fatos.

Figura 6 – Veículos sendo abastecidos em região árida.

Figura 7 – Tubos interligados de forma clandestina na adutora.

A investigação, diante de todas as evidências apresentadas acima, foi bem-sucedida. Estava


comprovado que diante da maior crise hídrica dos últimos 100 anos no agreste pernambucano,
a atividade econômica ilegal estava estabelecida. Água para abastecimento humano estava
sendo furtada para comercialização em um mercado paralelo.

Com essa confirmação, foi necessário um maior controle e maior fiscalização na região da
adutora. Diariamente equipes de encanadores eram enviadas para a região para realização de
atividades de corte e fiscalização. Entretanto verificou-se que era um trabalho em ciclo, as
ligações clandestinas eram cortadas e alguns dias após eram refeitas, tornando a ação
ineficiente.

Diante da reincidência da ação criminosa, a polícia civil do estado de Pernambuco foi envolvida
e uma ordem de busca e apreensão foi emitida pelo pode judiciário para quatro locais. Em todos
esses locais foram confirmados o furto qualificado de água através de um teste colorimétrico.
Um reagente era colocado na água e se a coloração ficasse rósea, o furto estaria confirmado. A
figura 8 apresenta a realização do teste durante a ação policial.
Figura 8 – Teste de confirmação do furto de água.

Apenas após a realização da ação policial, ocorrida em novembro de 2017, as perdas causadas
por furto na adutora Tabocas diminuíram. O volume bombeado pela estação elevatória de
tabocas, quase que em sua totalidade era recebida em Santa Cruz do Capibaribe. Com maior
disponibilidade de água um maior percentual da população da cidade pode ser atendido.

4. CONCLUSÃO

A gestão de recursos hídricos é extremamente necessária, principalmente em períodos de crise.


A indisponibilidade hídrica faz com que ocorra um aumento no índice de delitos relacionados a
água e essas ações prejudicam parte da população. O objetivo principal do crime é o retorno
financeiro, em detrimento do interesse coletivo da população.

Para solução dos problemas, além da maior fiscalização e atuação da empresa responsável, é
necessária uma ação mais efetiva da polícia e setor judiciário. Por mais que aparente ser um
crime de menor grau ofensivo, o seu resultado atinge milhares de pessoas que muitas vezes
dependem do abastecimento convencional (de menor custo) para ter acesso a água.

5. REFERÊNCIAS

Agência Nacional de Águas – ANA. Conjuntura de Recursos Hídricos no Brasil.


Relatório Pleno. Brasília, 2017.

Instituto Trata Brasil. Perdas de Água: Desafios ao Avanço do Saneamento Básico e à


Escassez Hídrica. São Paulo, 2015. Disponível em:
<http://tratabrasil.org.br/datafiles/estudos/perdas-de-agua/Relatorio-Perdas-2013.pdf>
Acesso em: 27.06.18

Organização das Nações Unidas – ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.


Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods6/> Acesso em: 27.06.1

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