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POPULI: A PRIMEIRA REPÚBLICA

"A República nasceu sob o signo da ordem pública. Herdeiros de concepções político-
filosóficas de cunho evolucionista que naturalizavam o social, intelectuais e militares
que fundaram a República defendiam a tese do progresso ordeiro. A República foi,
acima de tudo, resultado de uma cisão da classe dominante que se configurou ao longo
do Segundo Reinado. As tensões que movimentaram o país em direção à República
tiveram origem, segundo Viotti da Costa, na quebra de unidade da classe dominante
brasileira em função de mudanças econômicas que ocorreram a partir de 1850 e
resultaram no exercício cindido do poder econômico e do poder político" (PATTOS,
1999).
O golpe de 1889 — ou a “Proclamação da República”, como passou à história — foi um
golpe de Estado político-militar, ocorrido em 15 de novembro de 1889, executado e
organizado militarmente. No entanto, foi fruto da ação de apenas alguns militares. A
Marinha e os indivíduos, como os soldados ou sargentos, que encontravam-se na base
da hierarquia militar ("praças") quase não participaram.
O historiador Celso Castro, em seu livro "A Proclamação da República", atenta para o
fato de que pensar a Primeira República é, em primeiro lugar, recuperar o grau de risco
político envolvido no empreendimento: "Não havia certeza quanto aos resultados do
golpe de Estado, principalmente porque não havia unidade entre os militares. De fato,
apenas uma pequena fração do Exército, e com características muito específicas,
esteve envolvida na conspiração republicana". A Proclamação da República foi um
momento-chave no surgimento dos militares como protagonistas no cenário político
brasileiro.

PROBLEMA DO CONHECIMENTO HISTÓRICO E A NECESSIDADE DA


RETOMADA HISTÓRICA

Há momentos onde a história - sendo, primariamente, entendida aqui como os pontos


que circunscrevem situações a partir de estruturas que resultam em situações de
grande recordação e importância - torna-se um inevitável emaranhado de fatos que se
superpõem, justapõem e causam uma necessidade de narrativas que as acomodem
em uma forma precisa, quase linear. No livro, "Metahistory: The Historical Imagination
in Nineteenth-Century Europe (1973)"; Hayden White concebe o pensamento histórico
como um "viés especificamente ocidental capaz de fundamentar retroativamente a
presumida superioridade da moderna sociedade industrial". A consciência histórica e as
narrativas que as comportam nos quadros cronológicos perpassados ao longo de suas
décadas posteriores são frutos de momentos difíceis onde o historiador defronta-se
com um caos de acontecimentos já constituídos, dos quais há de escolher "os
elementos da história que vai contar". O processo de narrar, contar e difundir a história
é feito mediante uma dinâmica de exclusão e inclusão, realçando alguns fatos e
subordinando outros. Isto é, o historiador "põe em enredo" sua história.
E, sobretudo, há momentos em que a reflexão histórica põe-se em crise: "uma
profunda divergência a respeito da atitude adequada para abordar o estudo da
história"; essa crise toma as raízes de como enxergamos os fatos e atinge a nossa
percepção do mundo.
Ao questionar a representação histórica, Hayden White (The Content of The Form,
1987), nos alerta para a subordinação das narrativas históricas, seus detalhes, estilos e
a forma como elas afetam a nossa relação com os eventos ali representados. A função
da retomada histórica a partir da narrativa e da interpretação de seus fatos é
justamente nos pôr como personagens intrínsecas do mundo que nos cerca.

A REPÚBLICA REVOLTADA

A Revolta da Vacina

Segundo Nicolau Sevcenko "o fator imediatamente deflagrador da Revolta da Vacina


foi a publicação, no dia 9 de novembro de 1904, do plano de regulamentação da
aplicação da vacina obrigatória contra a varíola. O projeto de lei que instituía a
obrigatoriedade da vacinação tinha sido apresentado cerca de quatro meses antes ao
Congresso, pelo senador alagoano Manuel José Duarte". A medida, de interesse do
governo, desencadeou um debate exaltado que envolveu a imprensa e a população da
capital federal transpondo o âmbito do Legislativo.
A medida surgiu da necessidade de criar estruturas governamentais de contenção,
proteção e saúde pública. O Brasil já vinha sofrendo com a grande formação de focos
endêmicos e de surtos; no mesmo ano de 1904 foi atestado um "amplo surto
epidêmico: até o mês de junho haviam sido contabilizados oficialmente mais de 1 800
casos de internações no Hospital de Isolamento São Sebastião, no Distrito Federal, e o
total anual de óbitos devidos à varíola seria de 4 201".
Com argumentos de suma importância para a "saúde pública, que é a saúde do povo,
com as garantias que as leis e a Constituição liberalizam a quantos habitam a nossa
pátria" (palavras do ministro da Justiça e do Interior, José Joaquim Seabra) e sendo
chamada de "humana lei", o governo assume a responsabilidade de implantar a
medida em caráter obrigatório no país.
Encontrando oposição "não contra a vacina, cuja utilidade reconheciam, mas contra as
condições da sua aplicação e acima de tudo contra o caráter compulsório da lei" a lei
foi tida como arbitrária, iníqua e monstruosa e, segundo Lauro Sodré, senador pelo
Distrito Federal, ex-militar, positivista e líder maçom, que viria a se tornar uma das
figuras centrais desse episódio revolucionário, era administrada pela "violação do mais
secreto de todos os direitos, o da liberdade de consciência".
Em 5 de novembro de 1904, foi criada a Liga contra a Vacina Obrigatória, como reação
à medida aprovada em 31 de outubro; em Julho a oposição promoveu um enorme
movimento contra vacinação na Câmara utilizando a morte de uma mulher no mesmo
mês, pouco após ter recebido a vacina antivariólica, sendo atribuída [pelo médico-
legista] como causa do falecimento um estado de infecção generalizada (septicemia),
decorrente da vacinação. Retomando Nicolau Sevcenko: "a lei da vacina obrigatória foi
votada em 31 de outubro e passou-se à sua regulamentação. E foi justamente a
regulamentação que desencadeou a revolta. Uma vez aprovada a lei pelo Congresso e
pela Câmara dos Deputados, a definição das normas, métodos e recursos para a sua
aplicação ficava a cargo do Departamento de Saúde Pública". Logo após a publicação
da regulamentação, no dia seguinte, 10 de novembro, houveram agitações
generalizadas distribuindo-se ao longo rua do Ouvidor, a praça Tiradentes e o largo de
São Francisco de Paula, onde oradores populares vociferavam contra a lei e o
regulamento da vacina, instigando o povo à rebeldia; a violência policial se distingue
não só pela sua intensidade e amplitude, mas sobretudo pelo seu caráter difuso. Não
importava definir culpas, investigar suspeitas ou conduzir os acusados aos tribunais. O
objetivo parecia ser mais amplo: eliminar da cidade todo o excedente humano
potencialmente turbulento, fator permanente de desassossego para as autoridades.
Logo após o motim urbano da Revolta da Vacina deu-se início as diretrizes de
redesenho urbano e ampliação dos planos sociais chamada pela imprensa de
"Regeneração". A ideia dominante da Regeneração era "[deslocar do Centro da cidade
a massa marginal e empobrecida que constituía toda a multidão de humildes, dos mais
variados matizes étnicos, sendo a maioria a massa trabalhadora, os desempregados,
os subempregados e os aflitos de toda espécie] eliminar os becos e vielas perigosos,
abrir amplas avenidas e asfaltar as ruas".
A Revolta da Vacina foi um produto particularmente pungente de um movimento muito
mais extenso e que reverberou em inúmeros outros momentos desse nosso dramático
prelúdio republicano

A Guerra de Canudos

A Guerra de Canudos, revolução de Canudos ou insurreição de Canudos foi um


movimento político-religioso brasileiro que durou de 1893 a 1897, ocorrida na cidade de
Canudos no interior do Estado da Bahia. Decorrente da grave crise econômica e social
que encontrava a região, aonde havia latifúndios improdutivos, seguida de secas
cíclicas, desemprego crescente, e um pessoal bastante religioso.
Na Guerra de Canudos os revoltosos não contestavam o regime republicano recém
adotado. Entretanto, o governo os acusava disso, ganhando assim apoio da população
do sudeste para combatê-los. A liderança do movimento era exercida por Antônio
Conselheiro, baseava-se na motivação religiosa.
A situação na região, na época, era muito precária. Havia fome, seca constante, a
miséria e a violência afetava a região. A situação, somada com a alta religiosidade
local, acabou por gerar disturbios sociais, os quais o Governo local, na época sem
condições de combatê-lo, acabou por gerar um conflito maior; em novembro de 1896,
no sertão da Bahia, explodiu um conflito civil. Com duração de quase um ano, até 05
de outubro de 1897, e, devido ao ímpeto, o governo da Bahia pediu o apoio da
República para conter este movimento.
A Guerra de Canudos propriamente dita durou um ano e, segundo a história, mobilizou
ao todo mais de dez mil soldados oriundos de 17 Estados brasileiros, distribuídos em
quatro expedições militares.
Calcula-se que morreram ao todo mais de 25 mil pessoas, culminando com a
destruição total da cidade palco da guerra.
A situação de miséria e descaso político fez nascer no sertão nordestino, no final do
século XIX, um movimento messiânico de grande importância. Liderados pelo beato
Antônio Conselheiro, o grupo de miseráveis fundou às margens do rio Vaza Barris, um
arraial. Este, longe do poder dos políticos, representou uma ameaça a ordem
estabelecida pela recém inaugurada República. Logo, os canudenses foram atacados
com toda força pelas tropas do governo.

REFERÊNCIAS

CARONE, Edgar. A República Velha, evolução política. São Paulo: DIFEL, 1971
CASTRO, C. A Proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000
JUNQUEIRA, E. Guerra de Canudos.
PATTO. M. Estado, Ciência e Política na Primeira República: a desqualificação dos
pobres. 1999
SEVCENKO, N. A Revolta da Vacina. São Paulo: Cosac Naify, 2013
WHITE, Hayden. Content Of The Form: Narrative Discourse and Historical
Representation. US: John Hopkins University Press, 1987
WHITE, Hayden. Metahistory: The Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe.
US; John Hopkins University Press, 1973

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