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As Ocupações sob o olhar dos conceitos geográficos e das ciências sociais

Ocupar e/é resistir; resistir ao que e a quem? Qual é a importância das ocupações frente ao
contexto que vivemos? 
Como muito bem colocou K. Marx e F. Engels em Manifesto do Partido Comunista (1848) "a
história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de
classes", o que se mantem vigente até hoje. A sociedade a qual vivemos é dividida,
resumidamente, entre burgueses, classes intermediárias e proletários. Logo, como já foi dito
acima, vivemos sob um conflito de interesses. 
Desde o avanço do neoliberalismo e do globalitarismo da década de 1990/2000, as classes não
hegemônicas, visto que são marginalizadas, através da luta política e da "desorganização
organizada", tem conquistado o direito à cidade, utilizando e, de certa forma, se apropriando
do método de ocupação, muito utilizado nas fábricas durante as greves de trabalhadores (vide
trabalhadores da Mabe Brasil e da Zanon - Argentina). 
Sob os olhares dos conceitos geográficos, podemos aqui citar o conceito "relugarização" e,
como a linguagem pode ser uma ferramenta que reproduz alienações, neste texto,
superaremos o conceito de "revitalização", tão usado pelo Estado em momentos oportunos
para privatizar o que é público e, teoricamente, de acesso a todos; revitalizar é dar vida a um
lugar e, sem dúvida, é o objetivo central das ocupações - dar vida aos prédios abandonados.
Segundo Marcelo Lopes de Souza, o conceito de "lugar" está associado a um "espaço
percebido e vivido, dotado de significado". Sendo assim, "relugarizar" significa também re-
significar um espaço físico-material. Ou seja, as ocupações as quais tratamos aqui, cumprem
essa função - ocupar prédios abandonados para dar uma função social aquele espaço, como é
o caso da ocupação Utopia e Luta e a Caracol, localizadas em Porto Alegre, que, por sinal,
exercem um dos direitos garantidos no Artigo 6° da Constituição Federal de 1988, o direito à
moradia:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Todavia, existem ocupações com um viés mais artístico, como a Ocupação Pandorga e a
antiga Kuna Libertária. A partir desses exemplos, discutiremos o "direito à cidade", como
bem esclarece David Harvey:

"O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita...às cidades
tradicionais. A liberdade da cidade é, portanto, muito mais que direito de acesso ao que já
existe: é o direito de mudar a cidade com o desejo de nossos corações”.

Não obstante há conflitos entre a classe subalterna, que idealiza uma cidade que seja vivida
por todos, e a classe hegemônica que, dia após dia, materializa cada vez mais uma cidade
restrita, fragmentada, com o objetivo de manter os seus privilégios através do lucro. A
especulação imobiliária é um mal para as cidades, não só para Porto Alegre e não somente no
âmbito das ocupações, como também para as periferias. Embora os nossos “corações”
previamente-idealizem a cidade a qual gostaríamos de viver e “objetivem” isso através das
ocupações, como diria K. Marx, em O Capital, “entre direito iguais quem decide é a força”.
A quem serve o Estado nessas ocasiões? Ao interesse da população, inferiorizada, ou aos
capitalistas? Além disso, usam da repressão, do uso da força policial em caso de reintegração
de posse.
Além desse conflito com as grandes empreiteiras, que junto com as empresas do transporte
público regem as regras do jogo em Porto Alegre, outro objetivo das ocupações autogeridas
para boicotar o consumo de produtos envenenados com uma série de agrotóxicos (e mais-
valia), a alternativa, como bem faz a Ocupação Lagartixa Preta, de Santo André (SP) é
organizar uma horta autossustentável com sistema hidráulico que armazena a água da chuva
para ser utilizada na plantação (e também dentro da casa). Contrapor o agronegócio e a
cultura hegemonizada da monocultura que, como no caso das empreiteiras, regem as regras do
jogo em âmbito Federal.

Por isso ocupar é resistir ao grande capital e ao neoliberalismo, ao pensamento conservador,


“isto é, aquele que que quer conservar a ordem social...que chama os movimentos sociais de
desordeiros, procurando assimilar a contestação da ordem que querem manter à desordem”,
que criminaliza essas ações que são contrárias ao seu interesse e que “pressupõe novas
posições, novas relações” (Geografia e Movimentos Sociais, Porto Gonçalves). Portanto,
relugarizar e revitalizar tem sido uma tarefa recorrente desde o Fórum Social Mundial de
2004 para os coletivos e movimentos que lutam por outra cidade. Embora tudo tenda a ficar
nas mãos dos que veem a cidade apenas como uma fonte de lucro, nós, como cidadãos não
podemos temer e, em consequência disso, estagnarmos. Parafraseando a mineira boliviana
Domitila Barrios, a qual Eduardo Galeano se refere na série “Vozes Contra a Globalização”:

“—  Quero dizer só uma coisinha. Nosso inimigo principal não é o imperialismo, nem a
burguesia, nem a burocracia. Nosso inimigo principal é o medo, e nós carregamos ele dentro. 

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