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MARIA ELIAS SOARES


Universidade Federal do Ceará

A PRODUÇÃO DE
TEXTOS NA ESCOLA

Introdução 1986) ou poderíamos sugerir que a aquisição da com-


petência textual decorre de um processo que utiliza
Discutir o desenvolvimento da língua oral e as habilidades de que a criança já dispõe na língua fa-
escrita é uma necessidade para quem deseja estudar lada para lidar com as características específicas do
a organização da competência textual, seja na pers- texto escrito e com seu custo de produção?
pectiva da produção, seja na da compreensão, pois Uma das propostas para abordar a questão,
ler e escrever textos são tarefas que ocupam grande pelo menos em se tratando de gêneros prototípicos
parte do tempo destinado às atividades escolares. tratados na escola, consiste em abandonar a
Assim, considerando que a escola é o espaço ideal dicotomia língua oral x língua escrita como moda-
para a aplicação das pesquisas sobre o ensino da lín- lidade e imaginar um continuum de formas lingüís-
gua e fonte para novas hipóteses decorrentes dessa ticas, que teria, num extremo, a língua falada espon-
aplicação, pesquisadores e educadores não podem tânea e, no outro, a prosa escrita expositiva. Cada
deixar escapar a possibilidade de conduzir uma dis- ponto ao longo desse continuum representaria uma
cussão mais sistemática e produtiva dos fatos que forma lingüística designada a cumprir uma função
orientam a produção oral e escrita de crianças, veri- comunicativa particular, dependendo da meta dos
ficando se os processos envolvidos em uma modali- falantes, do conteúdo da mensagem e da estrutura
dade podem interferir na outra. lingüística disponível. (Danielewics, 1984)
Este trabalho pretende abordar o modo como A noção de continuum é ampliada por Biber
a produção de texto é desenvolvida na escola como (1988), que a insere também na caracterização das
prática pedagógica, com a preocupação de analisar dimensões funcional e lingüística, cujos traços se
em que medida há nessa prática espaço para a consi- imbricam na definição das diversas formas textuais
deração dos gêneros, na perspectiva do desenvolvi- faladas e escritas. Biber propõe uma análise
mento da capacidade de produzir textos, desde a multidimensional, tomando as dimensões como es-
interação verbal espontânea à gestão de modos di- calas contínuas. Esta análise identifica o conjunto
versificados de referência a um contexto lingüisti- de traços lingüísticos que coocorrem numa escala
camente criado. É nosso propósito focalizar a expe- de parâmetros empiricamente detectáveis e inter-
riência de alunos do ensino fundamental na produção pretados funcionalmente.
de diferentes tipos de texto, na sala de aula e fora
Nessa perspectiva de compreensão da es-
dela, entendendo que a escrita cobra existência so-
crita, cabe indagar em que medida as formas, pro-
cial, não como estrutura abstrata, mas como formas
cessos e usos da língua escrita são diferentes das
particulares e vinculadas, de maneira regular, a pro-
formas, processos e usos da língua oral e que con-
cessos sociais e interações que lhe dão sentido.
textos favorecem sua aquisição. Precisamos deter-
Escolaridade e aquisição da escrita minar também como e em que momento a criança
toma consciência das semelhanças e diferenças en-
A aquisição e organização do conhecimento tre fala e escrita, quando, por exemplo, vai cons-
lingüístico, pelo menos para grande parte da popula- truir seu texto e precisa usar recursos que
ção que vive em sociedades letradas, ocorre em dois explicitem esse objeto.
momentos distintos: quando a criança aprende a fa- Dentre as muitas explicações sobre a apropri-
lar e quando começa a perceber que, para escrever, ação do sistema de escrita, poderíamos destacar duas
muitas vezes ela deverá usar expressões e estruturas posições que tentam descrever o processo de de-
diferentes daquelas que regularmente utiliza na lin- senvolvimento na relação fala/escrita: a primeira Revista
guagem oral, nas situações quotidianas. procura analisar até que ponto as hipóteses sobre do GELNE
A tradicional divisão entre língua oral e língua aquisição da linguagem poderiam ser relevantes para Ano 1
escrita gera uma série de questões teoricamente rele- o estudo da escrita, para concluir que os processos No. 1
vantes para o estudo da aquisição da competência tex- exigidos na leitura e na escrita são ambos parci- 1999
tual. Seria possível falar de isomorfia dos processos almente isomórficos com a forma e os processos
de aquisição textual na fala e na escrita? (cf. Kato, envolvidos na fala (Kato, 1986:100-101). Kato
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postula, a partir dessa conclusão, uma teoria da apren- sistema representativo, a criança aprende que este
dizagem que não seja qualitativamente muito dife- sistema deve atender a certas necessidades decor-
renciada de uma teoria de aquisição. rentes do uso específico a que a escrita se propõe.
A segunda proposta considera a aquisição da Obviamente, essa aprendizagem não termina no mo-
escrita como um processo, durante o qual a criança mento em que a criança é iniciada formalmente na
usa seu conhecimento e habilidades da língua falada, leitura e na escrita, pois há outras etapas, escolares
para entender a natureza da língua escrita, pratican- ou não, que ela tem de vencer para dominar profici-
do-a através da utilização das novas estruturas apren- entemente a língua.
didas (Danielewics, 1984). Esta posição condiz com
a de Teberosky (1982), para quem todos os falantes
têm uma representação do que se escreve e do que O ensino da produção de textos
não se escreve e com a de Pontecorvo e Orsolini
(1996). Para estas autoras, escrever é primariamen- As pesquisas sobre a aquisição da escrita, de-
te uma atividade de construção do texto baseada em senvolvidas sob a égide da Psicolingüística e da Lin-
estruturas convencionalizadas e nos gêneros güística Textual, vêm modificando fundamentalmente
discursivos, utilizando recursos oferecidos pelo sis- a concepção sobre o ensino da expressão escrita,
tema de escrita. Assim, a escolha de uma modalida- permitindo advertir que nem todas as dificuldades
de lingüística implica não só a seleção de um meio de compreensão e produção de um texto podem ser
de expressão, mas de regras específicas decorren- atribuídas ao desconhecimento do significado das
tes do sistema de representação, da gramática da lín- palavras que o constituem. Ao contrário, devem ser
gua, dos recursos expressivos, do registro e dos gê- levados em conta os mecanismos de coesão textu-
neros do discurso. al, as estratégias para o estabelecimento da coesão
Esta perspectiva aponta para a proposta de local e global, a força ilocucionária dos atos de fala
Rockwell (1987), que distingue, dentro do processo que são produzidos, os dados do contexto, e, sobre-
social de apropriação da leitura e da escrita, pelo tudo, o conhecimento das características consti-
menos três dimensões diferentes, conforme estas tutivas dos gêneros e tipos de textos.
duas habilidades sejam referidas: a) ao sistema em Em geral, os gêneros são relacionados com o
si; b) aos usos escolares da língua escrita; e c) ao componente pragmático da linguagem, com as fun-
acesso a outros conhecimentos mediante a língua ções, e com os propósitos comunicativos. Segundo
escrita. A autora chama a atenção para o fato de que Bakhtin (1997:279), cada esfera de utilização da
a escrita cobra existência social, não como estrutu- língua elabora seus tipos relativamente estáveis
ra abstrata, mas como formas particulares e vincula- de enunciados, sendo isso que denominamos gê-
das, de maneira regular, a processos sociais e neros do discurso. Tais enunciados estão submeti-
interações que lhe dão sentido. dos às mesmas transformações que as práticas
Tal direcionamento sugere uma consideração discursivas (determinados historicamente), sem con-
sobre o papel da escolaridade na aquisição da escri- tar que seu desenvolvimento está associado à cul-
ta. Na escola, a criança não adquire exatamente a lín- tura do escrito. Para este autor,
gua, mas, sim, outras habilidades por meio do ins- cada esfera conhece seus gêneros, apropri-
trumental lingüístico de que já dispõe. São habilidades ados sua especificidade, aos quais
que lhe permitem lidar, por exemplo, com um voca- correspondem determinados estilos. Uma
bulário cada vez mais apropriado e abstrato, estrutu- dada função (científica, técnica, ideológica,
ras sintáticas mais complexas, tópicos e estruturas oficial, cotidiana) e dadas condições, espe-
textuais diferentes daqueles usados na conversação cíficas para cada uma das esferas da comu-
ordinária. Desse modo, a criança aprende a fazer uso nicação verbal, geram um dado gênero, ou
da língua de uma forma, em muitos aspectos, dife- seja, um dado tipo de enunciado, relativa-
rente da familiar, o que vai exigir uma objetificação mente estável do ponto de vista temático,
da língua decorrente de sua utilização fora do con- composicional e estilístico.(p.283–284).
texto enunciativo.
Conforme ressalta Bakhtin, o estilo está indis-
Como afirma Vygotsky (1978), durante o pro-
sociavelmente ligado a unidades composicionais. Por
cesso escolar, a criança raciocina reproduzindo ope-
exemplo, os tipos de orações utilizadas em uma notí-
rações lógicas, novas para ela, com base nas expli-
cia de jornal: orações enunciativas breves, que seguem
cações recebidas. A partir daí, os conceitos são
em geral a ordem canônica, diferem em muito da es-
transformados, acarretando mudança na sua estrutu-
trutura oracional de um texto literário – conto, ro-
ra, já que, de generalização em generalização, os
mance ou poesia, em que há uma liberdade maior e
conceitos iniciais construídos pela criança ao longo
Revista um grau de imprevisibilidade considerável.
de sua vida, no contexto de seu ambiente social, são
do GELNE deslocados para um novo processo, para nova rela- Antes e ainda hoje, segundo apontam Kaufman
Ano 1 ção cognitiva com o mundo. e Rodriguez (1995: 7),
No. 1
No processo de aprendizagem promovido nem todos os docentes tinham conhecimen-
1999
pela escola, além de aprender a ler, a criança lê para to adequado das características peculiares

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aprender, ou seja, além de aprender a escrita como dos diferentes tipos de texto. Por este mo-
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tivo, seu trabalho limitava-se a permitir e a tes propósitos comunicativos e expressivos. O que
propiciar um contato geral dos alunos com se observa, entretanto, é que nem sempre a prática do
tais textos, porque faltavam ao professor fer- professor reflete uma consciência dessa orientação.
ramentas mais específicas para enriquecer Em vários anos de experiência, ministrando
este contacto, que otimizaria o aprendizado. cursos de formação de professores, observamos que
Na escola, os procedimentos para trabalhar estes constantemente criticam o desempenho dos
com textos ainda privilegiam uma abordagem alunos em suas práticas de escrita. Não é difícil cons-
desvinculada das situações de comunicação viven- tatar também dificuldades apresentadas pelos pró-
ciadas pela criança, sem, ao que parece, considerar prios professores, não só quanto ao conhecimento
aspectos relativos ao processo de desenvolvimento da literatura que deve fundamentar sua prática de
da competência textual. ensino, mas também quanto ao modo como condu-
zem o processo de produção textual em sala de aula.
Como advertem as autoras citadas acima, ape-
Em razão da multiplicidade de atitudes e pro-
sar do avanço das pesquisas e da mudança con-
cedimentos relatados, julgamos oportuno traçar um
ceitual, o ensino da escrita em algumas escolas ainda
perfil das atividades que o professor desenvolve com
se dá pela correção puramente gramatical e gráfica
seus alunos na escola, relativas à produção de tex-
do produto final, sem que o aluno e até muitas
tos, no que diz respeito à concepção desse proces-
vezes o professor conheçam o processo de elabo-
so e ao tratamento dado aos gêneros e tipos de tex-
ração das atividades de produção. O ensino da pro-
to. Para tanto, estamos iniciando uma pesquisa com
dução escrita reduz-se, assim, à classificação e quan-
professores, em que se avalia a abordagem dos gê-
tificação de erros, o que resulta em trabalho estéril
neros discursivos tratados na escola em relação à
e improdutivo.
sua aplicação na vida dos alunos. Esta avaliação par-
Pode-se dizer que a orientação para o ensino te do princípio de que a sociedade espera que a es-
da produção textual passa por mudanças que refle- cola capacite sua clientela para produzir textos fun-
tem as pesquisas lingüísticas sobre o assunto. Nos cionalmente relevantes, o que exige dos professores
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Por- um trabalho que inclua não apenas textos literários,
tuguesa (1998), que direcionam conteúdos e mas também textos informativos e e aqueles vincu-
metodologias a serem adotados no ensino funda- lados às demandas sociais e propósitos comunica-
mental (30 e 40 Ciclos), afirma-se que: tivos dos alunos, que visem prepará-los para aten-
Os textos organizam-se sempre dentro de der às necessidades que terão vida afora no exercício
certas restrições de natureza temática, com- da cidadania. Ou seja, um trabalho que leve o aluno
posicional e estilística, que os caracterizam ao domínio do gênero, exatamente como este fun-
como pertencente a este ou aquele gênero. ciona nas práticas de linguagem de referência.
Desse modo, a noção de gênero, constitutiva Nessa perspectiva, realizamos um estudo pre-
do texto, precisa ser tomada como objeto de liminar, com a ajuda de professores, alunos do Cur-
ensino. (p. 23). so de Especialização em Ensino da Língua Portu-
guesa, da Universidade Regional do Cariri (URCA),
Para isso, a escola deverá organizar um con- em 4 escolas de 1o e 2o graus, envolvendo 75 alu-
junto de atividades que contemplem: nos, no período de janeiro a outubro de 1997, com
(...) nas atividades de ensino, a diversidade o objetivo de investigar a concepção do processo
de textos e gêneros, e não apenas em fun- de produção textual praticado na escola.
ção de sua relevância social, mas também
pelo fato de que textos pertencentes a dife- O processo de produção textual na
rentes gêneros são organizados de diferen- prática escolar
tes formas. A compreensão oral e escrita,
bem como a produção oral e escrita de tex- Os dados que serão analisados brevemente a
tos pertencentes a diversos gêneros, supõem seguir foram obtidos nas escolas onde os professo-
o desenvolvimento de diversas capacidades res, alunos do Curso de Especialização, trabalhavam,
que devem ser enfocadas nas situações de muitos deles envolvendo suas próprias turmas. Para
ensino. É preciso abandonar a crença na se ter idéia de como é conduzido o ensino da produ-
existência de um gênero prototípico que ção de textos, decidimos investigar os planos de aula
permitiria ensinar todos os gêneros em cir- dos docentes e os livros didáticos usados por estes,
culação social. (p.23-24). para depois aplicar um questionário a ser respondi-
do pelos alunos das escolas pesquisadas.
Pelo menos nos documentos que difundem Os questionários foram produzidos pelos pes- Revista
uma política de ensino da língua, já se percebe um quisadores, todos professores de Língua Portugue- do GELNE
direcionamento no sentido de mostrar a importância sa do ensino fundamental e médio, alunos do Curso Ano 1
dos fenômenos enunciativos e textuais, enfatizando, de Especialização, já referido. Estes fizeram duas No. 1
sobretudo, a noção de gênero, com a preocupação listas de textos diferentes, que poderiam ser pro- 1999
de preparar o aluno para atender, por meio do uso da duzidos em atividades escolares e outros que o alu-
linguagem, múltiplas demandas sociais e diferen- no provavelmente produziriam fora da escola, isto
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é, em suas práticas sociais, em situações corriquei- de outro modo, não se aprende globalmente
ras de sua vida quotidiana (na família,entre amigos, a escrever; aprende-se a narrar, a explicar,
no trabalho, na igreja...). Tais listas foram apresenta- a expor, a argumentar, a descrever, a redigir
das pelos próprios professores aos alunos das esco- atas, a escrever diversos tipos de cartas etc.
las selecionadas para que estes indicassem os textos
O distanciamento da prática dos professores
que eles produziam nas diversas situações de prática
em relação a essa concepção de ensino da produção
da língua escrita. O que se resume e analisa aqui são
de textos fica mais evidente quando se analisam os
os relatos dos professores, suas impressões a res-
questionários elaborados por esses docentes. Cada
peito dos planos de aula e dos livros didáticos, os
pesquisador concebeu uma lista diferente, tanto
questionários por eles elaborados e os resultados
quando pensou nos textos produzidos na escola como
obtidos na aplicação destes.
fora desta. A lista com maior número de itens (44),
Segundo afirmam os professores, os planos de
considerava os textos produzidos na escola e apre-
aula são baseados na proposta do livro didático e
sentava as seguintes opções: adivinhações, aponta-
estruturam-se em etapas cuja aplicação é acompa-
mentos, apostilas, ata, aviso, bilhete, bula, cantorias,
nhada pela coordenação pedagógica da escola. Estes
carta, cheque, cartaz, contos, cordel, crônicas,
planos propõem exercícios estruturais que prepa-
curriculum vitae, desafios–repente, descrição,diário,
ram o aluno para as diversas etapas de elabora-
disparate, dissertação, entrevista, esquema, exercí-
ção de variados tipos de texto, sempre levando em
cio, histórias em quadrinhos, monografia, música,
consideração a audiência e o propósito comuni-
narração, novela, oração, peças teatrais, pesquisa,
cativo. Há ainda atividades que abordam a geração
piadas, poesias, procuração, provérbios, questioná-
de idéias; ensinam a planejar o texto de acordo com
rios, receitas, relatório, requerimento, resumo, ro-
seu objetivo e audiência; treinam o uso dos elemen-
teiro, síntese, telegrama e tese.
tos de coesão; trabalham o vocabulário, pontuação,
Os questionários que buscavam investigar os
regência e concordância. Planeja-se também, como
textos produzidos fora da sala de aula, ou seja, nas
rotina nas aulas de produção de texto, a prática da
práticas sociais de referência, sugeriam que os alu-
auto-correção e da correção por sugestão dos cole-
nos escolhessem dentre: poema, lista de compras,
gas antes de dar ao texto a sua forma final.
carta, bilhete, mensagem, recibo, diário, artigo para
A análise dos livros didáticos (foram exami-
jornal ou revista, ata, ofício, memorando, promis-
nados três livros diferentes, já que em uma das es-
sória, circular, curriculum vitae, telegrama, crônica,
colas - pública - eram usados jornais ou textos
cartão, convite, texto de propaganda, receitas. Um
mimeografados nas aulas de língua portuguesa) de-
outro questionário apontou os seguintes textos:
monstrou que os professores estão satisfeitos com
música, carta, diário, poesia , bilhete, peça teatral,
a orientação dada pelos livros adotados. Segundo
pensamento, história em quadrinhos, charada, con-
estes professores, os livros demonstram uma preo-
tos, telegrama, propaganda; e mais um outo pedia que
cupação com a lingüística textual, pois trabalham o
os alunos selecionassem dentre: bilhetes, cartas,
aperfeiçoamento do texto por meio de exercícios
receitas culinárias, mensagens, lembretes, diários,
de coesão e coerência.
avisos, lista de filmes, escalação de times e outros.
Conforme os mestres, as propostas dos livros
Ao se fazer a análise dos questionários elabo-
didáticos são adequadas às atividades realizadas em
rados pelos professores constata-se que o conceito
sala de aula. Além de apresentarem vários tipos de
de gênero discursivo é mesmo dificil de precisar.
textos: literários, informativos e “práticos”, os li-
Além da confusão entre gêneros e tipos (ou seqüên-
vros adotados nas escolas consideradas propõem
cias) de textos, como narração, descrição e disser-
exercícios de reestruturação, reconstrução e
tação, foram incluídas como um gênero distinto:
refacção do texto, encarando este como o resultado
a) atividades que não envolvem autoria ou cri-
de um processo, na perspectiva de que o sujeito pro-
ação, como cópia, exercício, esquema, síntese, apon-
dutor precisa se preocupar com as idéias, a organi-
tamentos, pesquisa, roteiro;
zação, os elementos característicos do tipo de tex-
b) atividades de escrita que se inserem em ou-
to, a escolha de informações específicas, a adequação
tros textos, tais como regras, definições, gráficos,
da linguagem ao destinatário e com a correção orto-
tabelas, comparações, mensagem;
gráfica e gramatical.
c) portadores de texto, como cartões, diários,
A análise dos planos de aula e dos livros didá-
apostilhas;
ticos demonstra que as propostas ainda estão distan-
d) gêneros cuja prática não se realiza na esco-
tes da forma como vem sendo pensado o ensino e
la fundamental e média, como monografia e tese.
que é muito bem traduzida nas palavras de Pasquier e
A apreciação dos questionários não deixa de
Revista Dolz (1996: 32): ser reveladora da concepção que os professores têm
do GELNE devemos enfocar o ensino da produção de das práticas sociais de escrita, considerando o que
Ano 1 textos não como um procedimento único e dizem Schnewly e Dolz (1996:10):
No. 1 global, válido para qualquer texto, mas Para compreender bem a relação entre os
1999
como um conjunto de aprendizagens espe- objetos de linguagem trabalhadas na es-

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cíficas de variados gêneros textuais. Dito cola e os que funcionam como referência é
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preciso, então, a nosso ver, partir do fato çam a mudança e a promoção dos alunos a um me-
de que o gênero trabalhado na escola é sem- lhor domínio dos gêneros e das situações de comu-
pre uma variação do gênero de referência, nicação que lhes correspondem. Ou seja, trata-se,
construída numa dinâmica de ensino/apren- fundamentalmente, de se fornecer aos alunos os
dizagem, para funcionar numa instituição instrumentos necessários para progredir.
cujo objetivo primeiro é, precisamente este.
Referências Bibliográficas
Como justificar um modelo didático em que o
aluno produz apenas: descrição, narração, questio-
BIBER, D. (1988) Variation across speech and
nário, poesia, bilhete, resumo, cartazes, fichas de
writing. Cambridge: Cambridge University Press.
leitura, apontamentos, respostas de exercícios, ano-
tações em agenda, avisos? Ou, ainda, redações, men- BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto.
sagens para confecção de cartazes, biografias, pes- Parâmetros Curriculares Nacionais - 30 e 40
quisas, cópias, resumos, questionários, interpretação Ciclos. Língua Portuguesa. Brasília: 1998.
de textos, leituras (sic!), como nos revelam as res- BAKHTIN, M. (1997). Estética da criação verbal.
postas dos alunos de uma turma de 6ª série? São Paulo: Martins Fontes.
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cuja prática se resume à produção de letras de músi- text and context. In: A. Pelegrini e T. Yawkey (eds.)
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música nas aulas de inglês? No primeiro caso, o alu- in social contexts. Norwood, N.J.: Ablex.
no copia, supõe-se que também no segundo. Prova- KATO, M. A. (1986) No mundo da escrita. Uma
velmente, o mesmo acontece com outros textos cita- perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática.
dos: biografias, pesquisas, resumos, questionários,
interpretação de textos; quando muito o estudante faz KAUFMAN, A. M. e RODRÍGUEZ, M. E. (1995)
uma editoração de outros textos. Na verdade, na esco- Escola, leitura produção de textos. Porto
la, o aluno produz redações, cuja finalidade, destina- Alegre: Artes Médicas.
tário e conteúdo definem–se estritamente na relação PASQUIER, A. e DOLZ, J. (1996) Um decálogo
professor/aluno em da sala de aula. para enseñar a escribir. Cultura y Educacion,
2: 31– 41.
Comentários finais SCHNEWLY, B. e DOLZ, J. (1996) Os gêneros es-
colares: das práticas de linguagem aos obje-
Observando os textos que, na visão dos pro- tivos de ensino. Mimeo.
fessores, circulam e são experienciados pelos alu- ROCKWELL, E. (1987). Os usos escolares da lín-
nos dentro e fora da escola, constata–se que nem gua escrita. In: E. Ferreiro e M. Gomez Palá-
sempre se consideram os parâmetros situacionais que cio (coord.). Os processos de leitura e escrita.
condicionam a escolha de um gênero. Na escola, o Porto Alegre: Artes Médicas.
aluno se restringe, de fato, à realização de atividades TANNEN, D. (1982) The oral/literatte continuum
de transcrição, reprodução e decalque, tarefas em que in discourse. In: TANNEN, D (ed.) Spoken and
não se exercita a autoria e a criação de textos. written language: exploring orality and
O desafio que se coloca para todos os pesquisa- literacy. Norwood, N.J.: Ablex.
dores preocupados com as questões que o ensino da
produção escrita apresenta é como influenciar uma TEBEROSKY, A. (1982) Construcction de escri-
política lingüística para a educação brasileira e como turas a través de la interacction grupal. In: E. Fer-
tratar da formação continuada do professor dos cur- reiro e M. Gomez Palacio (eds.) Nuevas pers-
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médio, de modo que as estratégias de ensino possam tura. Mexico: Siglo XXI Editores, p.155-178.
supor, como ensinam Schnewly e Dolz (1996:8), a VIGOTSKY, L.S. (1978) Pensamento e Lingua-
busca de intervenções no meio escolar que favore- gem. Lisboa: Antídoto.

Revista
do GELNE
Ano 1
No. 1
1999

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