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A construção do filme “O Mundo é Um Moinho” passa por uma

investigação inicial sobre o que vem a ser filme-ensaio e quais suas bases no
cinema de montagem. Segundo o pesquisador Arlindo Machado, ensaio na
tradição filosófica seria um fluxo do pensamento que foge à objetividade ou
“compromisso com a busca pela verdade”, esse fluxo se materializa por meio
da palavra escrita, dentro da modalidade discursiva em que a atenção do
ensaísta não incide somente na comunicação do pensamento, mas também na
sua forma de expressão, na sua construção estilística. As impressões
subjetivas se tornam visíveis no texto, que recusa a impessoalidade, a
neutralidade do pensamento. Desse modo, o ensaio, aqui, é visto como uma
escrita que se faz em processo, contemplando a liberdade de criação e
exposição do escritor, e não se limitando a uma simples enunciação ou
erudição de teorias concretas, racionais ou empíricas, já existentes no mundo.

No cinema, podemos observar a introdução do estilo ensaístico quando


ocorre o questionamento da ideia de documentário como sendo “o gênero que
capta a realidade como ela é”, pois é contundente a reflexão de que tudo “o
que é captado pela câmera não é o mundo, mas uma determinada construção
do mundo, justamente aquela que a câmera e outros aparatos tecnológicos
estão programados para operar” (MACHADO, 2003, p.67). O documentário se
valida dessa constatação para assumir, de forma ensaística, que o cinema é
um recorte, uma escolha, um ponto de vista particular e representativo da
realidade, sendo impossível a captura de uma realidade autêntica e imparcial.
Nesse aspecto, já não se espera que o documentário – assim como se espera
do telejornal – compactue com a realidade dos acontecimentos que são
mostrados.

Com a assimilação do processo ensaístico, o gênero documental passa,


portanto, por uma expansão e indefinição de suas próprias fronteiras. Agora é
permitida a livre criação e exposição de ideias através de imagens e sons, que
não dependem mais de convenções externas que assegurem sua
autenticidade: o que importa já não é mais a verdade ou veracidade da
enunciação, mas sim, o modo como a verossimilhança é costurada pela
narrativa. Verossimilhança: o fio de empatia que ligará o filme-ensaio, o
espectador e suas próprias experiências de mundo.
O documentário começa ganhar interesse quando ele se mostra
capaz de construir uma visão ampla, densa e complexa de um objeto
de reflexão, quando ele se transforma em ensaio, em reflexão sobre o
mundo, em experiência e sistema de pensamento, assumindo
portanto aquilo que todo audiovisual é na sua essência: um discurso
sensível sobre o mundo. (MACHADO, 2003, p.68)

De alguma forma, “O Mundo é Um Moinho” tenta brincar com as


fronteiras do documentário, assumindo uma narrativa que não compactua com
a realidade fatual, mas se compromete apenas em expurgar as memórias e
pensamentos da narradora. Não nos interessa saber se o que nos é contado é
verdade. O objetivo é, antes de tudo, construir uma narrativa honesta e
verossímil, que nos leve a refletir sobre os temas: memória, patrimônio, corpo,
arte e política, estabelecendo, assim, “um discurso sensível sobre (meu)
mundo.”

LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real. Sobre o documentário


contemporâneo brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2008.

MACHADO, Arlindo. Filme ensaio. In: Revista Concinnitas, Revista do Instituto


de Artes da Universidade do Rio de Janeiro, Ano 4, n. 5, Dezembro de 2003.

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