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Luiz Marques Campelo1, Elizabeth Moreira dos Santos2, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira3
2 Fundação
PALAVRAS-CHAVE Formulação de políticas. Saúde Pública. Avaliação em Saúde.
Oswaldo Cruz
(Fiocruz), Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio ABSTRACT This article presents the Strategic Analysis (AE) of the formulation process of SUS
Arouca (Ensp), Laboratório
de Avaliação de Situações National Policy on Monitoring and Evaluation (PNM&A-SUS). The study employed a quali-
Endêmicas Regionais tative document analysis and literature review, accounting for the three dimensions of AE:
(Laser) – Rio de Janeiro
(RJ), Brasil. Ministério da relevance of the problem (needed institutional policy); proposed objectives and mobilized part-
Saúde, Secretaria Executiva nerships. The analysis showed a discontinuous formulation process with relevant controversies
(SE), Departamento
de Monitoramento e regarding evaluation purposes, assumptions, responsibilities and expected competencies among
Avaliação do SUS (Demas) stakeholders. The interrupted formulation process needs to be recommenced, as for the lessons
– Brasília (DF), Brasil.
Universidade Federal do learned and the realistic context assessment.
Rio de Janeiro (UFRJ),
Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva (Iesc) – Rio KEYWORDS Policy making. Public health. Health evaluation.
de Janeiro (RJ), Brasil.
betuca51@gmail.com
3 Universidade Federal
do Pará (UFPA), Instituto
de Filosofia e Ciências
Humanas, Faculdade de
Psicologia e Programa
de Pós-Graduação em
Psicologia – Belém (PA),
Brasil.
pttarso@gmail.com
SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. ESPECIAL, P. 34-49, MAR 2017 DOI: 10.1590/0103-11042017S04
Análise estratégica do processo de formulação da PM&A-SUS: lições aprendidas e desafios 35
formulação de políticas públicas, com maior agenda, formulação das alternativas, tomada
destaque àquelas restritivas de gastos. de decisão, implementação e avaliação. A
No contexto da América Latina, a formu- formulação de uma política, foco das refle-
lação das políticas públicas deu-se conco- xões deste artigo, é a fase em que os governos
mitantemente ao desenvolvimento de ações traduzem em atividades os seus propósitos e
de monitoramento e avaliação com vistas ao plataformas político-ideológicas na busca de
fortalecimento da accountability e da trans- efeitos capazes de gerar a mudança, ou seja,
parência para a responsabilização dos gastos transportam seus marcos referenciais, sua
nas administrações públicas, tendo sido tais intencionalidade, para a prática.
ações impulsionadas mais por organismos Formular uma política não é uma ação
internacionais que por esforços estatais isolada, simples e inicial do ‘ciclo das polí-
(VIACAVA ET AL., 2004; SOUZA, 2006; NEIROTTI, 2012). ticas públicas’, devendo ser compreendida
A análise de políticas públicas é um exer- como um processo que envolve a identifica-
cício complexo pela característica multidi- ção do cenário do problema que a política em
mensional desse objeto de estudo. Não há, na construção pretende enfrentar. Configura-se
literatura, definição única, estática e unani- na fase em que os atores participantes devem
memente aceita de política pública. Também reconhecer e definir o problema, correlacio-
são múltiplas as metodologias e modelos uti- nando-o à agenda política. Na formulação,
lizados para descrevê-las. Neste artigo, adota- as primeiras decisões são tomadas e, con-
-se a concepção de política pública como um sequentemente, seus efeitos refletirão nas
sistema de ações selecionadas por um governo etapas seguintes (SIDNEY, 2007).
no intuito de se obterem efeitos sobre um ou Sobre o processo de formulação, Cochran
mais problemas em uma sociedade dinâmica. e Malone (1999) apud Sidney (2007) interrogam
Embora não consensual quanto às fases es- que, nesse estágio, diversos questionamentos
truturais, a literatura pertinente utilizar-se da são levantados com o objetivo de se identi-
ideia de ciclo contínuo para descrever as fases ficar o problema, demostrando a complexi-
das políticas, isto é, a identificação de momen- dade da formulação. Dentre eles, perguntam
tos específicos do processo de construção e qual o problema? Qual o plano ou estratégias
implementação de uma política, ressaltando- para eliminar o problema? Qual são os ob-
-se a contribuição de tal esquematização para jetivos e as prioridades? Quais opções são
o conhecimento e apropriação da própria po- possíveis para se obterem os resultados pre-
lítica (MATTOS; BAPTISTA, 2015). tendidos? Quais os custos e benefícios destas
A literatura refere-se ao ‘ciclo das políti- opções? Quais externalidades, positivas ou
cas públicas’ como compreendendo diversas negativas, interferem ou estão associadas
etapas ou momentos. Paese e Aguiar (2012) em com as alternativas possíveis?
revisão temática sobre o ‘ciclos das políticas Na perspectiva de se considerar a políti-
púbicas’ considera que caracterização destas ca como um ciclo, o primeiro passo é o re-
fases não é uniforme e muito menos unânime. conhecimento do problema abordado como
Em sua revisão, estes autores trazem à tona relevante no contexto em que esta se desen-
os achados de Howlett e Ramesh, no final volverá fortemente influenciado por alguns
dos anos 1990, que considera as fases de fatores como: os anseios e demandas da so-
montagem da agenda, formulação da políti- ciedade, as necessidades insatisfeitas, julga-
ca, tomada de decisão, implementação, mo- mento de mérito e valor do problema entre
nitoramento e avaliação. Incorporam ainda outros (VIANA; BAPTISTA, 2014).
os estudos de Secchi, na primeira década A construção de uma PM&A-SUS apre-
do século XXI, que descreve as etapas como senta uma multidimensionalidade de fatores
de identificação de problemas, formação de que devem ser objeto de apreciação por
parte dos formuladores, tais como o norma- Não é a vontade de um técnico do setor pú-
tivo jurídico-regulatório vigente, a articula- blico, de um pesquisador acadêmico ou go-
ção, aceitabilidade e viabilidade política, os vernante eleito, com conhecimento empírico
custos e os benefícios dentre outros. consistente da realidade ou visão ousada, que
A formulação propriamente dita configu- garante imediatamente a incorporação de
ra-se na mobilização da ação política e social uma problemática social na agenda formal de
dos grupos de interesse dotados de fortes re- governo [...]. (JANNUZZI, 2016, P. 33).
cursos e poder durante um governo, e cujos
trabalhos resultarão na elaboração de um No Brasil, especificamente no setor saúde,
conjunto de alternativas para o enfrentamen- a formulação, implementação e avaliação das
to do problema em questão (VIANA; BAPTISTA, políticas públicas têm apresentado, desde a
2014). Os custos e possíveis implicações ins- redemocratização do País, em especial pós
titucionais também devem ser objetos de 2003, forte tendência à governança demo-
apreciação no momento da construção do crática por meio do fortalecimento à partici-
documento normativo (JANNUZZI, 2016). pação da sociedade, transparência, qualidade
A literatura tem descrito a formulação e eficiência na ação pública (PAESE; AGUIAR, 2012).
como um processo de bastidor, a denomi- Por exemplo, a Política Nacional de
nada back-room function, por entender que, Medicamento (PNM), analisada por Machado
apesar de desenvolver-se em meio à estru- (2013), é um exemplo dessa nova concepção
tura político-burocrata e administrativa de de Policy Making no País. A PNM contou, em
um governo, ela envolve um conjunto menor sua formulação, com setores do próprio MS,
de atores sob o ponto de vista quantitativo, gestores das três esferas de gestão dos SUS, re-
mas não do ponto de vista do envolvimen- presentantes dos mais variados segmentos do
to institucional. Ou seja, o quantitativo de setor público e privado diretamente envolvidos
representantes por instituição é menor, com o objeto da política e com a sociedade, e,
porém o conjunto de instituições partícipes indiretamente, por meio do Conselho Nacional
do processo de definição da agenda perma- de Saúde. Partindo-se da problemática da di-
nece representado e, em alguns casos, pode ficuldade de acesso aos medicamentos, suas
ser ampliado. Isso pode ocorrer pelo caráter causas e consequências foram objeto de debate
técnico-especializado exigido aos membros em diversas arenas decisórias. Machado afirma
do colegiado de formuladores, que torna a que foi ‘imprescindível a participação popular’,
formulação uma fase crítica do ‘ciclo das po- independe da metodologia escolhida pelos
líticas públicas’ (SIDNEY, 2007). formuladores é fundamental a abertura e in-
Também é valido o pensamento de Vianna corporação, em maior ou menor grau, das con-
(2014) e Jannuzzi (2016) que revela limitações siderações daqueles que usufruirão ou serão
institucionais sofridas pelos grupos de in- objetos das normativas elencadas na política
teresse na formulação da política, pois as que há de vir. Paese e Aguiar (2012) reafirmam
escolhas, em um governo, estão imersas em essa característica da governança democrática
uma cultura sócio-política e econômica com no setor saúde brasileiro.
aspectos visíveis e outros ocultos. A formulação de uma política de moni-
toramento e avaliação para o SUS não seria
Em contrapartida, as regras institucionais li- diferente. É fato que as ações de monito-
mitam o raio de ação de quem toma decisões, ramento e avaliação em saúde ocorrem há
e a decisão ocorre em instâncias hierárquicas décadas no País com uma miscelânea de con-
governamentais, dentro de um Estado hierar- ceitos, metodologias, instrumentos e aborda-
quizado e que possui formas específicas de gens (BRASIL, 2015).
funcionamento [...]. (VIANA; BAPTISTA, 2014, P. 67). Realizar ações de monitoramento e
Figura 1. Experiências avaliativas e iniciativas de institucionalização das ações e práticas de monitoramento e avaliação no
setor público da saúde
1989
1991
Criação do Departamento de Controle,
1992 Avaliação e Auditoria (DECA)
1993
1994 Ripsa
1995
1996
1997 PNASH
Indicadores de Atenção Básica
1998 PNASS Criação dos Departamentos:
Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) e
1999 de Controle e Avaliação de Sistemas (Decas)
World Health Report 2000 (WHR)
2000 Overall Health System Performance
2005
Criação do Departamento Monitoramento
2006 e Avaliação da Gestão do SUS
(Demags)
2007
2008
2009
e-Car
2010 IDSUS
Criação do Departamento de
2011 Monitoramento e Avaliação do SUS
(Demas)
2012
2013
Referências
MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T.W.F. (Org.). Caminhos Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2015.
para análise das políticas de saúde. Porto Alegre: Rede
Unida, 2015. SOUZA, C. Políticas Públicas: uma revisão da
literatura. Sociologias, Porto Alegre, v. 8, n. 16, p. 20-45,
NEIROTTI, N. Evaluation in Latin America: paradigms jul./dez., 2006.
and practices. Evaluation voices from Latin America.
New directions for evaluation, San Francisco, n. 134, p. SPINK, P. Análise de documentos de domínio público.
7-16, 2012. In: SPINK. M. J. (Org.). Práticas discursivas e produção
de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e
PAESE, C. R.; AGUIAR, A. A. G. Revisitando os metodológicas. São Paulo: Cortez, 2004. p. 123-151.
conceitos de formulação, implementação e avaliação
de políticas e programas sociais no brasil. Revista TEIXEIRA, E. C. O papel das políticas públicas no
NUPEM, Campo Mourão, v. 4, n. 6, p. 65-87, jan./jul. desenvolvimento local e na transformação da realidade.
2012. Salvador: AATR; 2002.