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TCC Ivan Faria - Partituras e Canções para Piratas PDF
TCC Ivan Faria - Partituras e Canções para Piratas PDF
Rio de Janeiro – RJ
2018
IVAN DOS SANTOS FARIA
Rio de Janeiro – RJ
2018
IVAN DOS SANTOS FARIA
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profa. Dra. Marina Henriques Coutinho – UNIRIO
Orientadora
_________________________________________________
Profa. Dra. Liliane Ferreira Mundim – UNIRIO
__________________________________________________
Me. Marcelo Azevedo Asth
__________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Aurélio Bulhões Martins - USP
Nota: ______________________
À meus pais, Roberto e Cristina, por terem sido sempre chão e teto e abrigo.
À minha orientadora Marina, por tudo: por sempre acreditar e sempre segurar na
mão, por ser tão companheira e por fazer desses caminhos da academia tão mais
caminhos do afeto.
À Ana Paula por me ajudar a construir saúde no sentido mais amplo, no sentido
mais feliz.
À Susanna, por ter entrado na minha vida como uma manhã de carnaval e ter feito
tanta festa. Por ter ensinado e partilhado tanta coisa: dos afetos, dos estudos, da vida e
do lar.
À Thaynara que chegou de mansinho e se apossou do meu coração. Por ser todo
dia testemunho de uma mulher forte, corajosa e aventureira. Por me ajudar a seguir
À Ana Paula, Juliane e Taye que foram família e casa quando me aventurei.
À Daniel, por ter sido o primeiro. E por isso ter mudado tudo. Por ter me olhado
nos olhos, segurado minha mão e não ter me deixado ir embora. Pelas trocas de afeto e
Ao amigo Gustavo Henrique pelo olhar sensível e carinhoso, sempre. Por ser
À Tainá, por ser a guru da tecnologia, sempre disposta com seu sorriso infinito.
À Rodrigo, por ter chegado de repente com toda sua alegria e afeto.
Aos amigos e colegas da Unirio que fizeram essa travessia mais bonita, em
especial: Ana Achcar, Angela Materno, Angela Reis, Joana Ribeiro, Leonardo Munk,
À Profa. Ana Bernstein pela competência e por ter me olhado como artista quando
eu menos esperava.
À Profa. Tânia Alice, por ter sido a primeira a falar de performance e ter plantado
essa semente.
conhecimento.
Solon e Tânia Dutra, por serem exemplo de competência e humanidade. Por terem me
Aos jovens que passaram pelas minhas aulas na Oficina Livre de Teatro e que
Gratidão!
Viver é afinar o instrumento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
This work aims to discuss the role of school through the Society of the
Spectacle (DEBORD, 1997). In his work, the author suggests the concept of School of
Spectacle as a school that contributes to the dynamics of this society (fragmentation,
alienation, relation through images). The point of the research is to examine how to
build up alternatives to this dynamics in theater classes. Therefore, working with
performativity, or performative theater, in the school environment emerges as a possible
answer to this matter. Not only in the sense of making performances happen, but also of
being performativity a process, a methodology and, moreover, recognizing the lesson
itself as a performative action and thus characterizing the teacher as a hybrid teacher-
performer (CIOTTI, 2014). This work also traces back to performative actions carried
out in the school environment by the author.
Figura 10: detalhe dos adesivos colados em um dos passantes que se juntou às alunas-
Figura 11: alunos-performers no corredor da escola durante a ação "Renascer?" ... 117
Figura 14: alunos-performers caminhando vendados na performance "Os cegos" .... 121
Figura 15 : imagem final da performance "Os cegos", no altar da basílica ............... 121
Figura 16 e 17: performance urbana CEGOS em São Paulo.......................................122
Figura 20: confecção do cartaz para a Performance "O rastro da liberdade" ........... 125
Figura 21: o grupo se prepara para a performance "O rastro da liberdade"............. 125
Figura 22: ação com os guarda-chuvas na performance "O rastro da liberdade" ..... 128
Figura 23: alunos-performers ao fim da performance "O rastro da liberdade" ......... 128
Figura 25: registro da performance "As quatro estações" no pátio da escola............ 129
Figura 28: crianças da escola aderem ao cortejo da ação "As quatro estações" ....... 132
Figura 30: duas alunas (em primeiro plano) aderem ao cortejo de alunos-performer na
APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 16
Estou cansado dos alunos cansados e massacrados por provas e notas baixas e
notas altas. Seus corpos tão jovens e tão encurvados, cansados. Corpos que aprenderam
que não são bons ou bonitos o suficiente. Estou cansado disso. Cansado de ser um dos
poucos a dizer-lhes que seus corpos e sonhos são lindos. Estou cansado de que eles não
Estou cansado de ter que me impor diante dos colegas e coordenadoras e diretores
e diretoras e ser a única pessoa na sala de reunião a perguntar: qual o sentido disso na
subordinação e produção que lhes são impostos e fazem mal a eles próprios. Estou
jalecos (jalecos!) que me fazem sentir sempre numa fábrica e nunca num lugar de
Estou cansado de pensar que talvez eu tenha escolhido uma profissão fracassada e
que o meu esforço – qualquer esforço, todo o esforço! - terá sido em vão, mesmo que de
Mesmo que eu saiba, estou cansado... E tem dias, a maior parte deles, em que
chego em casa e deito no sofá sem forças sequer para tomar banho. E me deixo ficar
horas, duas ou três, até sentir minhas energias minimamente recuperadas, como se toda
E tem dias em que digo coisas feias aos alunos. E tem dias em que eu sei que não
fiz o meu melhor. E tem dias em que poupo minhas forças para poder dar conta de todas
13
as outras turmas e questões que terei de dar conta até o fim do dia. E tem dias em que eu
vi um aluno ou aluna ser massacrado pelo julgamento do grupo e não fiz nada. Eu não
pude fazer nada. Eu não consegui fazer nada. E tem dias em que eu me sinto muito mal
por não ser o melhor que eu posso ser. E tem dias em que uma criança sorri. E tem dias
E eu vi.
Uma criança sorriu e continua sorrindo e pede para sentar ao meu lado na roda. E
continua sorrindo.
E uma outra criança diz que gosta da minha aula porque é o único lugar em que
ela é ouvida. E um pai te agradece por estar ajudando o filho a superar a timidez e a se
integrar na escola. E uma outa criança - poderia ser a mesma – diz que está ali porque o
Eu não respondi todas as vezes, eu sei, fui fraco. Mas eu respondi algumas! Eu
respondi mesmo! E ela até não entendeu, mas eu falei e aquelas palavras ecoaram no
espaço e eu ouvi minha voz ecoar no espaço e pude descobrir que eu ainda tinha voz e
E a minha voz me dizia que eu queria contar para aqueles meninos e meninas que
eles também têm voz e podem fazer tudo o que quiserem com ela.
A criança continua sorrindo do meu lado. Mas eu continuo cansado. Mas ela
continua sorrindo... (Talvez seja eu mesmo sorrindo para mim de um outro lugar do
14
Essa é a loucura desse lugar professor, a loucura de ser essa coisa que chamaram
de professor: não tem lógica nenhuma... E é por isso que só faz sentido se pensada pela
lógica da paixão.
15
INTRODUÇÃO
O texto que inicia esse trabalho não é sobre desistência. Ao contrário, é sobre
resistência. É sobre a razão, ainda que não racional, de não ir embora. Se ele tem um
aspecto de cansaço, de certo modo oposto ao que vai ocorrer em seguida, é porque me
interessa mais estabelecer as coisas pelo lado de fora. Por aquilo que elas não são. Pelo
1995).
Aos 18 anos conclui meu ensino médio numa escola particular na cidade de
de Design Gráfico. Escolhi esse curso porque na época uma orientadora educacional da
escola me disse que a carreira de design se adequava mais aos meus projetos de vida e
que naquele momento eu cogitava (teatro, música). Além disso, seria uma opção para
não abrir mão de um trabalho associado ao fazer artístico, ao ato criativo. Engano.
O curso de design gráfico tinha pouca ênfase na arte e um grande foco na questão
industrial: como otimizar processos, reduzir custos, produzir em larga escala. Vale
guardar essa informação porque ela vai fazer muito sentido mais à frente.
cênicas. Eu tinha começado a fazer teatro ainda no Ensino Médio na escola onde
escola. O único ano em que parei de fazer teatro para me dedicar mais à carreira de
16
Quando terminei a graduação - tendo passado por alguns estágios que me
mostraram que a rotina da profissão não me agradava – decidi que iria prestar o
do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Aquele era o ano de 2010 e quando contei isso
para a minha então professora e diretora de teatro, que mediava o grupo de teatro da
EU - Vou.
EU - Vou.
EU - Vou.
UNIRIO com dedicação exclusiva e precisaria abrir mão de seu cargo na escola onde
uma loucura, que a escola nunca iria me contratar e que eu não tinha competência para
por ano, todas com práticas de montagem diferentes, tudo sob o comando dela, única
que uma nova graduação, agora na licenciatura em teatro, não era um projeto tão
absurdo. Dessas justificativas que precisamos quando ainda dependemos dos outros, da
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família. Também das justificativas que precisamos para nos convencer de nossos
próprios projetos.
licenciatura faziam com que eu tivesse o perfil para o trabalho. Além disso, ela se
feito: uma vez convencida a direção da escola, eu assumi as turmas e minha antiga
professora me orientou sobre todo o encaminhamento do trabalho. Ela foi como mãe.
Lembro do dia em que sentamos juntos e que ela me apresentou sua caixa de jogos
teatrais. Era uma caixa física, cinza, com uma divisão na parte de dentro de separava os
indicações de cores, tinham o nome do jogo. E só. Ela abriu a caixa, foi tirando uma a
uma as cartas e me explicando os jogos: esse aqui é um que você coloca o grupo em
roda.... Eu fui anotando. Esse foi o meu primeiro arquivo de jogos e atividades para as
aulas de teatro.
Mas o cuidado não parou por ai. As aulas na escola terminavam 19h. Às 19:30 o
telefone tocava, era ela. Queria saber como tinham sido as atividades: “Como foi hoje?
Faltou muita gente? Aquele garoto tem ido? Fica atento na fulana que ela tem
sem tamanho. Eu me senti amparado e seguro para assumir aquele desafio. Se algum dia
eu precisar passar por uma situação parecida de passar o meu cargo para alguém, é
assim que vou fazer. “Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo”
18
Essa mulher tão forte e carinhosa, sempre com os pés no chão e o olhar no
UNIRIO e hoje é quem orienta este trabalho de conclusão de curso. Não poderia ser
diferente o modo de fechar esse ciclo. Se hoje estou aqui, estudando, trabalhando e
produzindo a partir da paixão (dessa lógica da paixão) e do desejo que tenho pela arte e
pelo teatro é porque lá atrás aquela artista sensível olhou para um jovem cheio de
sonhos e soube que era possível. Este trabalho nasce disso: dessa capacidade de
acreditar no próximo.
***
serem colocadas em prática iam criando o meu repertório para ser mediador na
linguagem teatral.1
Nesse ponto preciso dizer que a UNIRIO não só me possibilitou todo um aparato
2010, me mostrou uma instituição branca e elitista. Na época, não notei nada de
estranho porque era o mesmo ambiente que eu tinha vivenciado na minha escola
1
A questão sobre “arquivo e repertório” se baseia, aqui, nos escritos de Denise Pereira Rachel (2013, p.
47) e será mencionada novamente mais a frente, mais especificamente no capítulo 3, mas não é a tônica
deste trabalho. Por se tratar de um tema muito potente, guardo para um momento de pesquisa futura.
19
(particular) durante toda minha vida. Mas quando entrei na UNIRIO e ao longo do
Goiânia. Estes eram meus amigos e amigas, companheiros de cena, trabalho, estudo e
festa. Com tantos atravessamentos a noção de centro se desloca. Eu fui me dando conta
dos meus privilégios, dos quais não tinha consciência: homem, branco, de classe média.
pessoais até a dimensão política da minha profissão e do meu ser humano em sociedade.
Por isso, por tudo isso, eu sou grato a esta instituição e a todos, todas e todxs que
com políticas de acessibilidade poderia prover esses encontros. Sei que a luta por uma
universidade para todxs ainda não conquistou tudo aquilo que quer e precisa. Mas
nos deparamos no Centro de Letras e Artes da Unirio com pichações racistas foi porque
Trago esse relato porque tudo isso foi fundamental para a minha construção
2010 até o presente momento, 2018, na Oficina Livre de Teatro – no mesmo lugar onde
iniciei minha prática docente. Este profeto funciona como um programa extraclasse e
que ocorre no contra turno. Os alunos envolvidos não pagam a mais por essas aulas,
sendo o projeto disponibilizado pela escola com seus custos já inclusos na mensalidade
20
regular. O professor responsável tem vínculo empregatício com a instituição, com
remuneração fixa por hora/aula. Este vínculo faz com que a atividade, apesar de
extraclasse, tenha uma relação bastante íntima com a escola: seja no acompanhamento
dos alunos e alunas junto aos professores e orientação educacional, seja na participação
do calendário acadêmico.
estado do Rio de Janeiro. Esta escola se caracteriza por ser uma instituição particular de
regulares, cada uma com sua respectiva montagenm de fim de ano. O projeto é
oferecido para todas as séries da escola (do sexto ano do Ensino Fundamental II até o
terceiro ano do Ensino Médio) permitindo também que ex-alunos da escola que ao se
atividade.
tipo de seleção. As turmas são ofertadas de modo a agrupar os alunos por faixa etária ao
mesmo tempo que busca quebrar a seriação tradicional da escola. Além disso, leva-se
número de inscritos. Sendo assim, a oferta das oito turmas que atualmente compõe a
21
- 1 turma para o 2º e 3º anos do Ensino Médio,
pessoas. Tudo isso gerenciado por um único professor ou professora por vez.
***
entender e lidar com questões bem práticas do universo docente: planejamento das
aulas; como manter a tenção e interesse dos alunos; quais jogos se adequem melhor a
aberta para as necessidades dos grupos e ao mesmo tempo conseguir incluir aquilo que
eu julgava importante para as experiências; produzir as peças de fim de ano sem fazer
disso o objetivo da Oficina Livre de Teatro, mas sem abrir mão dessa vivência que pode
Aos poucos, fui ganhando uma visão mais apurada do trabalho do teatro dentro da
com o caráter conservador da instituição e com o fato de que minhas ocupações como
professor de teatro começaram a dificultar minhas atividades como ator. Foi nesse
Experimentei algumas pequenas ações com os alunos. Elas deram certo e eu fui
seguindo. Fui percebendo que a performance fazia com que eu me comunicasse com os
22
alunos em um lugar menos professoral. Fui notando também que as minhas
insatisfações com a escola enquanto instituição eram muito parecidas com as deles: falta
Aos poucos, a performatividade foi se tornando esse lugar dentro do meu trabalho
“produtos cênicos” que me eram exigidos nas datas festivas; à carência da minha
própria produção artística. Além disso, era o momento em que eu podia juntamente com
os alunos expor para toda a comunidade escolar aquilo que nos deixava insatisfeitos. E
louco, mas numa perspectiva em que sabemos que os loucos tem muito a nos dizer,
performance. Não tinha conhecimento ou vivência prévia suficiente sobre o assunto que
embasasse minhas ações, mas com a pesquisa fui descobrindo que o modo como eu
método juntamente com os alunos ao longo da minha própria descoberta sobre o tema
Assim, a escolha do tema performance para este trabalho se deu como uma
possibilidade de falar não só de uma experiência concreta, mas como uma oportunidade
de criar diálogo e me debruçar sobre certo material teórico das áreas da filosofia,
23
rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995), Sociedade do Espetáculo (DEBORD, 1997) e
Devo admitir que tentei fugir de escrever sobre a escola, em especial aquela onde
trabalho, num momento em que tinha muitas insatisfações com ela. Mas a orientadora
foi insistente em afirmar que trabalhar com um objeto concreto traria consistência ao
trabalho e farta fonte de pesquisa. E, de fato, se hoje este trabalho se mostra extenso é
Também preciso admitir que dito assim a escolha do tema parece ter sido
evidente, mas não foi. Com tantos desejos, referências e um vasto horizonte aberto pela
graduação o recorte para esta escrita foi um grande desafio. Neste sentido, o encontro
com a obra de Deleuze e Guattari foi fundamental para o entendimento e a execução dos
Sobre isto:
24
Não faz mais sentido a dicotomia na elaboração de um pensamento que se
apontam Deleuze e Guattari. São mais coerentes com os desejos e angústias atuais os
rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (DELEUZE; GUATTARI,
também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas”
Sendo assim, o modelo rizomático faz-se como epistemologia neste trabalho. Seja
no delineamento do tema que se deu de maneira pouco ortodoxa e flertando com várias
25
experiências como professor de teatro. Tudo com muitas idas e vindas e incertezas. Mas
fez com que eu conseguisse encarrar melhor esses afetos e inseguranças da pesquisa e
proveitosa: “Se o mapa se opõe ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma
pesquisa, não só a experiência real da minha prática docente, mas também a experiência
absolutamente rizomática. Busco manter este caráter aparente no modo como o trabalho
GUATTARI, 1995, p. 30), nesse sentido, o trabalho se torna o rastro desse caminhar do
pensamento, dessa ação. E é por isso que gostaria de partilhar alguns dos mapas que fui
Estes mapas de ideias e conceitos não são evoluções melhoradas uns dos outros.
Eles são autônomos (embora dialoguem), mas não dependem ou derivam entre si.
Exibir aqui essas idas e vindas do processo, esse tatear, se faz para evidenciar a
26
risco‟, „o malogro‟ tornam-se constitutivos da performatividade e devem ser
27
Figura 2: mapa conceitual com maior territorialização.
28
Escrever em primeira pessoa, partilhar minhas inseguranças e minha prática
pessoal, evidenciar a escolha de um tema sobre o qual eu tinha pouco contato; estes
foram outros riscos que fui assumindo ao longo do caminho na busca por uma coerência
entre a forma e o conteúdo da pesquisa, entre o processo e o trabalho final – visto que
***
pensar o objeto de estudo – minha prática docente. Mas aos poucos ela foi se tornando
trabalho com a função de ser método de pesquisa, mas aos poucos foi se tornando
central de estudo foi ganhando vultos de método à medida que eu fui assumindo a
dizem: “as multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de
29
Esse característica da multiplicidade e da reterritorialização pelas linhas de fuga
acaba por intervir também nos objetivos do trabalho. Proponho pensar a escola, ou antes
repensá-la, através do fora, por suas linhas de fuga, pelo olhar da rua e do que está fora
dessa muralha/borda que a constitui enquanto Escola. Sob essa perspectiva, a Escola se
Esta pesquisa não é sobre o que seria uma pedagogia da performance para o teatro
na escola, seus princípios, métodos e estruturas. Esta seria uma proposição ontológica,
não uma pergunta de “o que é?”, mas de “como funciona”, visto que nada é – nem a
escola, nem a pedagogia, nem o professor/a professora, nem o ser. E, no caso específico
Sendo assim, este trabalho se faz como uma investigação sobre como se articula o
vivência desses embates já é por si a educação pela experiência (LARROSA, 2014) com
***
este escrito que você tem em mãos agora é uma espécie de cartografia da pesquisa. Se
de algum modo a concretude do material impresso, da tinta sobre o papel branco, se faz
território e contribui para a partilha do pensamento, que fique claro que este é só um
30
decalque de um rizoma em processo, sempre em processo. Sendo assim, este mapa-
O capítulo um, uma das portas de entrada, fala sobre a relação entre a instituição
indivíduos envolvidos.
desterritorialização da escola: olhar para aquilo que está fora dela e pensar como esse
está engajada em produzir é a rua, habitada por suas figuras vagabundas. Estas figuras
são marcadas pelo saber da experiência (LARROSA, 2014) e não pela lógica da
produção – por isso são chamadas de vagabundas por aqueles que tentam incutir nelas
crítica.
que tange seus aspectos de poder, espaço, linguagem, forma – proponho o uso da
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mimese enquanto real, o que contribui para a tentativa de romper a alienação da
Sociedade do Espetáculo.
Ao fim deste grande bloco de ideias levanto o questionamento: quem seria capaz
escutarmos a voz de Artaud (2006), uma voz fora dos muros da civilidade e da razão
vigente, temos que o teatro (a arte) surge da peste. O artista seria então esse ser
pestilendo, em brasa, incendiado e incendiando tudo ao seu redor. Seria ele, o artista,
membrana.
O capítulo dois, uma outra janela de entrada, fala sobre a relação entre a
potencias e desafios desse encontro. Um dos aspectos que é posto em questão a partir
desse encontro é o da aula espetacular (RACHEL, 2013) que é aquela que se dá num
espaço espetacularizado, no sentido desenvolvido por Guy Debord e, por isso, sem
realidade de cada um; que é unidirecional (do professor para o aluno). Para furar essa
performer (CIOTTI, 2014) onde essas duas instâncias - professor e performer – passam
instáveis, que busquem dar conta das questões da escola, da sala de aula e da pedagogia.
Na última parte desse segundo capítulo descrevo um pouco como fui construindo
procedimentos.
32
O terceiro capítulo busca dar conta de mapear, através de relatos, alguns dos
experimentos que desenvolvi com meus grupos de estudantes no que tange a questão da
desenvolvidos nos capítulos anteriores além de gerar arquivo para que outros
***
Escrevo um pouco como quem deixa um mapa de um tesouro perdido. Não que eu
tenha encontrado esse pote de ouro ao fim do arco-íris, porque ao fim – mas este não era
maneira de viajar e também de se mover, partir do meio, pelo meio, entrar e sair,
33
CAPÍTULO 1: UMA ESCOLA DO ESPETÁCULO
pedagógicos, sociais. Mas um traço me interessa de maneira especial para este trabalho:
que está sob influência da mídia impressa e áudio visual - rádio, televisão, propaganda –
mas aquela em que todos os aspectos da vida se tornam mídias, se tornam imagens, e
são vivenciadas como tal. “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas
Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 1997, p.
13).
E ainda:
Além disso, o autor evidencia que a relação dos indivíduos com o mundo através
massa, não só numa relação linear em que um causa o outro, mas numa lógica circular
que vai se retroalimentando. “No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é
34
nada, o desenrolar é tudo. O espetáculo não deseja chegar a nada que não seja ele
mesmo” (DEBORD, 1997, p. 17). Deste modo, a construção de imagens não só fomenta
Para entender esse movimento cíclico vale olharmos para relação que se
entre o trabalhador e o que ele produz, perdem-se todo ponto de vista unitário sobre a
1997, p. 22). O produtor não se identifica mais com aquilo que produz. Isso porque ele
etapas de uma produção, mas não se identifica com o resultado final desta.
operário já não se identifica mais com aquilo que produz, ele não se identifica com o
próprio mundo porque não consegue intervir nele. Toda essa lógica gera um processo de
alienação.
Quando, neste raciocínio, o mundo se torna alheio ao homem, a relação entre eles
passa a se estabelecer através de imagens, de projeções da vida, mas que não são a vida
(DEBORD, 1997, p. 18). Passamos a assumir as projeções como o próprio mundo, mas
fica a sensação de que falta algo. Alguns buscam suprir essa falta consumindo mais
35
Vale lembrar que Guy Debord publicou o seu livro “A sociedade do espetáculo”,
Debord. Ao contrário, trazem uma outra dimensão ao debate que ele propunha, na
medida em que os dispositivos citados dinamizam mais ainda as relações entre imagem
e indivíduo.
das imagens, autônomo do não vivo) passa a ser ela própria uma Escola do Espetáculo.
maneira precária) e na cisão entre a escola e o mundo, fazendo com que a instituição
não dialogue com a cidade, com a vida cotidiana, com os desejos e curiosidades dos
36
negligenciado, enfileirado em carteiras, padronizado em uniformes para, uma vez posto
sócio político.
Além disso, todas essas separações e cisões são vivenciadas como naturais. Não
vida como uma totalidade, tal qual na lógica da Sociedade do Espetáculo. Como já dito
exemplo, podemos pensar que não é incomum que jovens e crianças vivam em função
Desse modo, perdendo a unidade entre a escola e o mundo, mente e corpo, entre
através das imagens. E é esta relação que faz com que a vida se afaste da vida e que não
seja possível uma educação pela experiência (LARROSA, 2014), como abordarei mais
37
Uma das situações que mais me assustou quando comecei a dar aulas de teatro, e
ainda assusta, é que ao serem questionados sobre suas vontades, no que diz respeito ao
Tenho por hábito sondar os grupos a respeito de seus interesses no que diz
respeito à culminância da Oficina no fim do ano letivo, para que possamos construir
um lugar comum do que eles estão habituados a ver em teatro, cinema, televisão e
internet – no caso de terem essas referências. Outras vezes as respostas dizem respeito
ao que eles imaginam que pode causar boa impressão numa plateia de pais e amigos –
uma certa busca por aprovação. Quando, depois de dialogarmos, eles entendem que a
pergunta diz respeito aos seus desejos pessoais, faz-se um silêncio na sala.
***
disciplinares, é neste processo que o corpo físico e simbólico - com seus desejos,
promovido pela instituição escolar. Este corpo será deixado do lado de fora, assim como
a cidade e a vida, para valorizar o intelecto e a força de trabalho. O corpo será separado
daquilo que ele produz, procedimento alienante e de interesse econômico, como nos
aponta Foucault.
importância dos corpos nesse espaço: “os sistemas punitivos devem ser recolocados em
38
uma certa „economia política‟ do corpo [...], é sempre do corpo que se trata – do corpo e
O autor ainda nos fala que essa “economia política do corpo” diz respeito a um
produção. Mas não é qualquer força que se converte em produção. Para que essa força
se torne útil é preciso que o corpo que a gera seja, ao mesmo tempo, produtivo e
submisso. E é na tentativa de garantir essas duas condições que passam a ser aplicadas
postura física) às quais o seu conjunto Foucault vai chamar de “tecnologia política do
corpo”, cujo objetivo é docilizar os corpos: “é dócil um corpo que pode ser submetido,
que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2016,
p. 134).
estabelecendo uma relação com a ideia de utilidade: “esses métodos que permitem o
controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas
forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar
a ser2. Os jovens submetidos a este sistema não produzem como os operários de uma
2
É preciso refletir sobre a educação que não entende a criança e o jovem pelo que ele é mas pelo que ele
vai se tornar, negando a sua realidade e o momento presente. A criança que está na escola para se tornar
médico, professor... Mas o que aquela criança é? Ao negar o que o educando trás e vive no momento
presente, nega-se também as possíveis experiências reais e significativas porque trabalha na perspectiva
do vir a ser, da virtualidade.
39
los às disciplinas que lhes serão impostas posteriormente para, aí então, terem sua força
diferenças entre escolas que atendem alunos de baixa e alta renda. Quanto mais humilde
e periférico for o público de uma instituição escolar, mais esta instituição irá se parecer
com uma fábrica, ou mesmo uma prisão: grandes salas com um grande número de
e atividades. Neste panorama salvam-se algumas exceções, claro: como escolas modelo,
mais humanizada, contato mais direto com os educadores. Estes jovens, e não aqueles,
possam se tornar líderes - chefes - daquelas outras crianças. Os jovens das escolas de
baixa renda já estão inseridos num processo de docilização para que futuramente
É isto que estamos ensinando aos nossos jovens: para além dos conteúdos, o que
ensina uma maneira de se relacionar com o mundo, mas que não é igualitária,
emancipadora ou criativa. Ao contrário, nos diz que cada um tem o seu lugar nessa
grande estrutura industrial e que se sairmos desse lugar seremos punidos por atrapalhar
a ordem: a produção.
40
É fato que ofertamos livros, saberes, expomos os indivíduos a situações que
podem, sim, desenvolver seus intelectos. Contamos histórias de terras, lugares e tempos
forma que viabiliza tudo isso é doutrinadora e disciplinatória e, ao fim das contas, está a
principal. Se o conhecimento pode ser libertador, o seu formato, atualmente, lhe presta
um desserviço.
Todo esse raciocínio se constrói a partir das questões levantadas por Foucault num
carcerárias, mas muito do pensamento que ele desenvolve nos serve para analisar as
estruturas escolares. Na verdade, essa associação já é proposta pelo autor quando ele
engloba as prisões juntamente com os colégios, quarteis e hospitais sob o mesmo grupo
Sobre os processos de disciplina que docilizam os corpos para torná-los úteis, sob
o ponto de vista da produção, Foucault fala que essa nova anatomia política se dá por
da sociedade: “em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas
41
posicionamentos possíveis? Como intervir nessa produção de linguagem que vai mediar
***
de docilizar os corpos e torná-los uteis à produção. Por sua vez, um dos procedimentos
O corpo fragmentado produto dessa dissociação guarda uma certa relação com os
3
Michel Foucault abre seu trabalho sobre a genealogia dos sistemas punitivos e carcerários descrevendo a
condenação de Damiens, ocorrida em 2 de março de 1757 em Paris. O suplício relatado inclui, dentre
outros, esquartejamento. (FOUCAULT, 2016, p. 9-11.)
42
E ainda: “O aparato da justiça punitiva tem que se ater, agora, a esta nova
realidade, realidade incorpórea” (FOUCAULT, 2016, p. 21). Esta mudança permite que
o corpo que antes era fisicamente mutilado e só podia servir de exemplo, num segundo
incorpórea que produz, sim, informação, tecnologia e toda sorte de novas formas de
força de trabalho numa dita sociedade do conhecimento; mas que, essencialmente, está
Ainda para analisar a relação entre docilidade e utilidade nos corpos, vale
pensarmos no oposto deste corpo: aquele que não é útil. Ou, de maneira mais precisa,
aquele que não é útil em sua força de trabalho porque não é um corpo dócil, porque não
Mas que corpos são esses? Grosso modo, aqueles que, em nossa sociedade, não
1749 mostra que os ditos malfeitores não eram “artesãos ou lavradores (os operários só
43
Essa ideia de que o não trabalho institui o malfeitor, o vagabundo, funda uma
gosto pelo trabalho, recolocá-lo-á por força num sistema de interesses em que o trabalho
será mais vantajoso que a preguiça” (FOUCAULT, 2016, p. 120). Ou seja, aos corpos
que não querem se deixar docilizar, que não querem converter sua energia em força de
Gera certo espanto pensar que mais de dois séculos depois a maioria das
descrita acima. Aos corpos e indivíduos que resistem ao enquadramento é aplicada uma
abafadas.
vagabundas.
Foucault na última citação feita. No Brasil, esta palavra está fortemente associada ao
discurso construído pelo homem branco europeu colonizador a respeito dos índios e
principalmente, trabalhavam tão mal que não foi eficiente usá-los como escravos e, por
isso, foram trazidos os negros que apesar de fortes podiam se manifestar violentos,
44
A história de luta e resistência dos povos e etnias escravizados não cabe neste
trabalho, mas surge de maneira pontual para dialogar com a noção de “vagabundo” que
está aqui sendo construída e que se mostra importante para pensarmos as relações de
escolares.
Num processo de desconstruir o senso comum citado acima, não é difícil perceber
que a imagem de que os escravizados trabalhavam mal se deve, em grande parte, ao fato
condições que sabemos) e por isso a produção não se efetivava como desejado pelo
preciso manifestar repúdio, vale lembrar – e, agora, o que nos interessa de maneira mais
pontual para esta pesquisa – que as noções de produção, trabalho e tempo dos povos
Quando lhes são impostas estas noções à força, o que se dá é uma falta de sentido. Uma
percepção de estrangeirismo para além do “vir de outro lugar ou país”, mas uma noção
de alheio àquela construção de sociedade no que diz respeito aos seus valores e práticas
mais básicas.
45
Como contraponto podemos olhar para os imigrantes italianos e japoneses que
chegaram ao Brasil no final do séc. XIX e início do séc. XX. A estes grupos eram
moderna (a dívida por alimentação e transporte junto ao patrão que nunca é quitada, por
exemplo), mas eles não eram escravos como os povos africanos e tribos indígenas. Não
ocorria, como com estes, a objetificação e animalização em último grau que levava à
(dentro de uma lógica capitalista industrial) porque não eram operários. Eles precisavam
ter sua força de trabalho e seus corpos disciplinados porque eram livres.4
Marginalizados de maneira literal, por estarem nas bordas físicas da cidade – quando
moram nas periferias e nas calçadas - e de maneira simbólica por serem desqualificados,
postos de lado.
como será feito a seguir – nos ajuda a perceber as questões da disciplina e da produção
na escola articulada com um contexto econômico e social. Desse modo, podemos notar
como a ideia de preguiçoso, vagabundo, “aquele que não se esforça”, “aquele que não
4
Refiro-me aos grupos indígenas em especial neste trecho porque os povos africanos trazidos ao Brasil
no tráfico de escravos já haviam perdido sua liberdade ao serem sequestrados de sua terra. Apesar disso,
ao chegarem ao Brasil, passaram pelos mesmos métodos de disciplinarização do corpo para terem sua
força de trabalho aproveitadas.
46
faz nada”, são construções e se referem aos indivíduos aos quais a força não foi
no Brasil em relação aos povos escravizados se assemelham à construção que se faz dos
parecido é usado por muitos professores e escolas: desqualificar o indivíduo ao qual não
que não é em si depreciativa, traz como ideia central para definir “vagabundo” a noção
de ocioso, aquele que não faz nada. Quando recorremos ao gênero feminino da palavra
mais ainda a quem se refere: “1. [Brasil, Informal, Depreciativo] Mulher que se
esfera moral.
gênero masculino não trazer de modo evidente a questão moral, a própria palavra
47
geradora se encarrega de criar as ligações entre ambas as definições. O quanto da noção
de imoral e devassidão não reside na figura que “não faz nada”? E mais, o quanto que a
presentes no segundo verbete - fica deslegitimada enquanto profissão, uma vez que
fundamentais para os debates de uma educação e sociedade igualitárias, mas que não
são a tônica deste trabalho; aqui, interessa mais pensar como a sobreposição dos
conceitos de vagabundo e vagabunda vai criar a ideia de uma “figura vagabunda”. Esta
figura podemos entender como sendo aquela que não faz nada, ou, melhor, não faz nada
industrial.
Mas quem são esses grupos aos quais a sociedade aglutina a característica de
verbete que contem a ideia de “vida errante”, podemos incluir os ciganos - que num
contexto como o que Foucault descreve de uma Europa do séc. XVIII e XIX faz
sentido, mas que num contexto de Brasil atual, do séc. XXI, se torna uma presença um
tanto quanto abstrata. De qualquer maneira, o que estes três grupos têm em comum,
além de “não fazer nada”, leia-se: não produzir para o sistema, é a ocupação do espaço
da rua. Os mendigos pedem dinheiro nas calçadas; as prostitutas ficam nas janelas e
para vender seus artesanatos, ganhar dinheiro com sua música, dança, malabarismos e
práticas de ocultismo, como o jogo de tarô. Fechamos assim a noção do que seria essa
48
“figura vagabunda”: aquele ou aquela que ocupa a rua e, além disso, não produz nada
de rua. Mas é preciso entender esse núcleo em sua complexidade como formado por
diferentes grupos com vivências, realidades e motivos distintos para estar na rua. São
psiquiátrico, indivíduos que fugiram de casa por sofrerem maus tratos e abusos,
indivíduos – especialmente idosos – que perderam a memória e não sabem voltar para
necessariamente moram na rua mas usam o espaço público para suas práticas
serviços.
Talvez seja difícil entender este grupo de ambulantes como “vagabundos” uma
vez que claramente são trabalhadores. Mas é preciso lembrar de que maneira esses
49
apreendidas, são tratados como delinquentes pela força policial, sem falar das vezes em
embora seja importante atentar para que muitas de suas atitudes são maneiras de resistir
Apesar disso, o que nos interessa aqui é entender o processo de marginalização desses
escravista brasileiro, que os escravos de casa ou “negros libertos” ocupavam as ruas das
baiana – além de pequenos serviços, como amolador de facas. Há, nesses casos, uma
informalidade nesse tipo de negócio e uma ideia construída pela classe dominante de ser
lojistas. Mais uma vez, o espaço, as práticas e vivências da rua sendo marginalizadas e
furtos quando na verdade aquela era a única fonte de renda daqueles indivíduos. Essa
assim sua remoção, uma vez que não interessava à classe dominante ter a rua ocupada
pelos negros e pobres – uma prática higienista, que transposta aos vendedores
5
Neste grupo, me refiro principalmente aos vendedores ambulantes. Não estou me remetendo àqueles
que estabelecem seus negócios em trailers, como os food trucks; carrocinhas, como os pipoqueiros, pois
tem na materialidade dessas estruturas uma vantagem em relação aos ambulantes: ela ajuda a colocar
estes comerciantes num espectro de formalidade, seja pela condição de adquirir o equipamento ou
estrutura, seja pela licença que essa estrutura eventualmente implica.
50
É importante pensarmos que desqualificar esses trabalhadores com a
O último grande grupo a ser evocado para compor o painel das “figuras
terem sua prática profissional desvalorizada, tendo em vista, especialmente, que não
compositores, visto que o livro e a partitura não são exatamente o produto de seu
trabalho, mas o texto e a música em si; ao passo que o quadro ou escultura são, de fato,
o produto do trabalho do artista destas linguagens. Vale pensar, por exemplo, como as
artes plásticas nas escolas brasileiras tiveram maior presença no ensino das Artes. Como
a materialidade ajuda a produzir sentido e função. Além disso, as artes são comumente
econômica. Dentro desta lógica é fácil perceber o artista como alguém que não trabalha,
que não produz nada de utilitário à sociedade. Soma-se a este panorama uma
práticas artísticas com o comércio de pequenos objetos e relíquias vindas de não se sabe
onde, além de práticas oraculares, como taro, vidência e leitura de mãos e, por isso,
associados ao charlatanismo.
51
simultaneamente, eles causavam. Uma hesitação que não é pontual a respeito desta ou
daquela leitura de mão ser verdadeira, mas um certo medo referente a essas pessoas que
perturbar e questionar a ordem já posta, como é possível ver no trecho inicial de “Cem
São eles que com sua simples presença fazem questionar os padrões estabelecidos
lado para o outro atravessando suas experiências e correndo riscos. Estes artistas, com o
seu espírito aventureiro e transgressor, são as figuras vagabundas que nos interessam
52
1.3 – Como resistir: o saber da experiência, a montagem e a
performatividade
das figuras que não produzem nem contribuem formalmente para a economia e por isso
se tornam, aos olhos do sistema social e econômico, indesejados. Mas qual a função de
que a estrutura escolar enquanto instituição disciplinar está excluindo. Ou ainda, que
aspectos da vida, da cidade e dos indivíduos, estão sendo adaptados pela escola para
aquilo que funda esta figura: a rua e a ideia de vadiagem, o “não fazer nada de útil”. A
memória ainda escuta a professora dizer: “Esse menino não faz nada! Não faz nada de
útil! Não presta para nada!”. Ao excluir a rua enquanto lugar emblemático do espaço
possibilidade do indivíduo ser confrontado com algo alheio ao seu universo e, dessa
indivíduo com os eventos, mas também com outros indivíduos, também na perspectiva
artísticas, busco refletir sobre o que fica de fora. Um aspecto que comumente é deixado
53
oposição ao “acerto” e associado às práticas de provas e notas, o “erro” pode ganhar
outros contornos se for trabalhado como elemento surpresa, inesperado, podendo ser
e, por isso, não confere notas aos alunos nem efetiva avaliações nos moldes tradicionais.
Isso me permite fugir de modelos perante os quais o desempenho dos jovens será
julgado como “certo” ou “errado”. Além disso, sempre que surge a oportunidade,
reforço que não existe erro, que tudo pode ser incorporado ao processo, se assim o
Infelizmente, sabemos que não é esse o pensamento que compõe a regra geral no
ambiente escolar. A ideia de acabar com o “não fazer nada de útil” se dá através do
“fazer algo útil”. Com isso, o que se constrói é um procedimento utilitarista dentro da
troca para conseguir um bom emprego, vender um projeto, passar num concurso, para
enquanto moeda de troca – demonstrar conhecimento adquirido vira nota para passar de
utilitarismo: o aluno estuda para receber a nota, cumpre o horário para não ser suspenso,
faz a leitura para ganhar ponto extra. Em todos estes procedimentos existe uma
utilidade, eles são efetivados porque vai ocorrer uma troca e não porque fazem sentido
em si, não porque essas práticas produzem sentido dentro de um processo de produção
de conhecimento.
54
instrumental. O conhecimento é basicamente mercadoria e,
estritamente dinheiro; tão neutro e intercambiável, tão sujeito à
rentabilidade e à circulação acelerada como o dinheiro. [...] Nestas
condições, é claro que a mediação entre o conhecimento e a vida não é
outra coisa que a apropriação utilitária (LARROSA, 2014, p. 31).
e de como ele é importante para a o processo educativo. Partindo dessa ideia central, ele
vai abordar o que seria o sujeito dessa experiência (aquele que deve estar disposto a
e quais aspectos são nocivos a experiência – dentre eles o excesso de trabalho, que
Em sua obra, Jorge Larrosa Bondía (2014) nos fala que estamos habituados a
binômio teoria/prática (numa perspectiva política, crítica e reflexiva). Mas ele propõe
a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca.
Não o que se passa, não o que acontece ou o que toca. A cada dia se
passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos
acontece (LARROSA, 2014, p.18).
Outro aspecto que pode inviabilizar a experiência é a opinião. Emitir opinião, conceito
55
experiência). 3) Em terceiro lugar, o autor nos fala que “a experiência é cada vez mais
rara por falta de tempo. [...] a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de
Por último, ele nos fala que o excesso de trabalho também funciona contra a
apresenta a ideia de sujeito da experiência. Isto é, aquele que “se define não por sua
atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por
sua abertura” (LARROSA, 2014, p.25)6. Ou seja, é um sujeito que, como as “figuras
vagabundas” que evocamos, não “faz nada de útil”, em sentido estrito, porque se
cigano que contempla o céu e vai construindo o seu saber de física e astronomia é
carteira das aulas de física. O primeiro é um sujeito que não está aprisionado dentro das
regras, grade horária e observação constante da instituição e, por isso, pode vivenciar os
conhecimento e a vida humana” (LARROSA, 2014, p.30). Essa relação com a vida
6
Não confundir a passividade evocada por Larrosa, atrelada a ideia de disponibilidade, com a
subordinação do corpo docilizado.
56
humana é o que mais falta aos nossos jovens escolarizados. Eles apreendem fórmulas,
histórias de tempos distantes, mas não entendem ou vivenciam seus corpos, seus afetos,
seus bairros, suas tradições e origens: estão no mundo sem estar nele, porque assim é
vendedores ambulantes, meninos e meninas de rua – eles têm uma vasta compreensão
do mundo e de seu lugar nele, por mais que lhes falte instrução sistematizada sobre as
meninas de rua que sabem usar seus corpos para intimidar, acuar, ou cativar os
relaciona.
econômicas que eles exercem. Por mais que sejam aprendizados dolorosos porque
Viviane Mosé numa análise sobre o panorama da educação atual no Brasil nos
diz:
57
uso da rede de computadores, precisamos de uma educação centrada
na aprendizagem, quer dizer, na pesquisa (MOSÉ, 2013, p. 65).
porque está afastada dele. Porque não contempla o caráter múltiplo e orgânico da vida.
crítico e fazendo com que esses jovens sejam mais facilmente manipulados pelo sistema
efetivam, descobertas ocorrem. Mas esses momentos se dão em especial nas brechas do
biblioteca, nas conversas do pátio. As experiências significativas não são previstas pela
É nesse sentido que devemos buscar uma educação pela experiência que nos ajude
pela Sociedade do Espetáculo com suas imagens particionadas, seja pelas instituições
***
aproxima das máquinas criadas para otimizar processos. Ela é instaurada visando um
produto final que na maioria das vezes não assume seu caráter descontinuado. Tomemos
58
por exemplo a escola tradicional, dividida em várias disciplinas que correm de maneira
desde o final do séc. XIX, é que os movimentos modernistas vão se apropriar da ideia
de fragmentação, das partes separadas, lançando um olhar crítico sobre ela. Seja através
Uma espécie de distanciamento tornado possível num efeito de espelho que permite um
olhar e uma reflexão crítica sobre si mesmo e seu tempo: a montagem. Este
desses dois conceitos. Para melhor distingui-los podemos pensar que o processo de
cria um contraste, que tende a provocar uma atitude crítica e analítica. Onde há
59
fragmentadas que estabeleceram uma falsa unidade própria e criam uma alienação. É
destacaram de cada aspecto da vida fundem-se num fluxo comum, no qual a unidade
dessa mesma vida já não pode ser reestabelecida” (DEBORD, 1997, p. 21).
modo, o efeito crítico não se estabelece pela fala ou pela fábula, mas pela forma. Alterar
sentido que esse efeito nos interessa para resistir à Escola do Espetáculo.
Ao longo do meu trabalho na Oficina Livre de Teatro, sempre que optei por partir
“Essa cena agora é sua, você pode fazer o que quiser com ela”, eu disse várias
vezes aos jovens. Eles tendem a duvidar dessa sentença, questionar sua validade. Num
segundo momento, acham que não são capazes. Só depois de muita insistência é que
Desenvolver junto aos jovens o sentido de que eles podem construir suas próprias
uma jornada que envolve a autoconfiança e que gera um jovem a frente de suas
decisões. Um jovem com senso crítico e atitude. Exatamente o tipo de estudante pelo
60
qual a escola tradicional não tem interesse porque passa a questionar fortemente o
sistema imposto.
permeia as práticas e relações vivenciadas ali dentro é uma maneira de intervir e alterar
***
procedimento, como efetivá-la na escola tendo como área de atuação as aulas de teatro?
investigar. Retirada da obra de Josette Féral, este é o termo que ela desenvolve ao
Férral (2008) descreve o Teatro Performativo como sendo aquele que abre mão da
figura do ator em prol do performer, além de ser um evento teatral centrado na imagem
e na ação e não mais no texto. No centro deste Teatro Performativo está a descrição de
61
A opção de trabalhar com a performatividade, atravessada pelo conceito de teatro
através da disciplina, como apontadas por Foucault, na medida em que busca valorizar
espaço da rua e não utilidade, a performatividade tem grande relação com a ocupação
escola – evidenciando suas contradições e propondo uma leitura crítica deste espaço-
instituição;
do espetáculo.7
7
“Lehmann considera a pletora de linguagens formais heterogêneas do pós-dramático como uma forma
de resistência à „sociedade do espetáculo‟. É para se contrapor à forma-mercadoria que esse teatro adota
uma estratégia de recusa e de afirmação da própria materialidade, oscilando entre presença e
representação, performance e mimese, real sensorial e ficção, processo criativo e produto representado”
(FERNANDES, 2007).
62
1.4 - A Arte, essa peste: ainda sobre resistir
podemos evocar para reflexão neste trabalho sobre performance e arte no espaço
escolar: a peste.
do séc. XVII quando esta era acometida pela peste: a quarentena, a divisão da cidade em
zonas supervisionadas por um intendente, o controle das chaves das casas para que
ninguém saísse, a chamada dos nomes para saber dos vivos e dos mortos, a purificação
das casas feitas sistematicamente e uma por vez. Em suma, um grande sistema de
controle pela ordem e pela disciplina. “A ordem responde à peste; ela tem como função
desfazer todas as confusões [...]. Contra peste, que é mistura, a disciplina faz valer o seu
Nesta descrição não é difícil perceber a semelhança com fábricas e, mais, com
o poder central. Substituindo, no trecho final, “os vivos, os doentes e os mortos” por
63
Mais ainda, Foucault faz uma distinção entre a clausura e a disciplina, enquanto
procedimentos de ordem. Embora elas pareçam estar muito associadas, o autor aponta
disciplina deriva do combate à peste, a clausura vem de uma lógica de exclusão que
Por mais que esses procedimentos tenham se juntado ao longo dos tempos nas
exclusão dos leprosos trabalha na perspectiva de tirá-los da cidade, a ideia das colônias
e dos asilos. Tirá-los da vista de todos é suficiente para que eles não atrapalhem o curso
não trazem consigo o mesmo sonho político. Um é o de uma comunidade pura; o outro,
Essa associação que o autor propõe entre doença em grande escala, controle e o
poder que deriva disso cria uma outra perspectiva para pensarmos os procedimentos
64
escolas? De quais “males” pretendem livrar nossos jovens, crianças e famílias ao inseri-
los na instituição escolar? Qual a peste que se pretende reverter? A peste da “burrice”,
vida dos indivíduos para que se tornem corpos em um sistema de produção organizado e
eficiente.
Perceba:
acontece, onde não é possível circular (corpos, ideias, afetos). É um lugar onde não
pode ocorrer a experiência (LARROSA, 2014), algo como uma cidade fantasma.
paralelo muito específico com a arte e, mais ainda, com o teatro. É a peste e suas
Antonin Artaud (2006) já propunha essa associação em seu livro “O teatro e seu
duplo”, no capítulo “O teatro e a peste”. Neste trecho, o autor parte da descrição de uma
Nas casas abertas, a ralé imunizada, ao que parece, por seu cúpido
frenesi, penetra e rouba riquezas que ela sente que lhe serão inúteis. E
é então que se instala o teatro. O teatro, isto é, a gratuidade imediata
que leva a atos inúteis e sem proveito para o momento presente
(ARTAUD, 2006, p. 19).
E ainda:
65
O estado do pestífero que morre sem destruição da matéria, tendo em
si todos os estigmas de um mal absoluto e quase abstrato, é idêntico ao
estado do ator integralmente penetrado e transtornado por seus
sentimentos, sem nenhum proveito para a realidade (ARTAUD, 2006,
p. 20).
Essa ideia de que o teatro se instaura a partir da peste, de seus efeitos e da cidade
pestilenta com seus vapores e humores, nos leva ao raciocínio mais direto de que os
É nesse sentido que cabe ao artista espalhar a peste - a arte - e contaminar a cidade
trabalho, percebo claramente esse aspecto de contágio. Uma das belezas desse projeto é
que como ele é composto por várias turmas e por alunos em diferentes estágios de
engajamento com a arte, o teatro e o espaço cênico, é muito comum ver os alunos que
estão envolvidos a mais tempo no projeto contaminarem, por assim dizer, os demais.
espalhando como uma febre. Uma colônia que vai se apoiando e crescendo para então
***
medieval: murada, apartada do mundo – como nos fala Foucault –, sendo vigiada sob o
pretexto da segurança e proteção. A minha entrada nessa cidadela, assim como dos
outros colegas artistas e daqueles que vem do mundo e vivem o mundo de uma maneira
mais crítica, é feita mediante autorização prévia. Sempre lembro das carroças de
66
comerciantes e das trupes de artistas se deslocando de uma cidade à outra na idade
isolamento de tal modo que preveem uma abertura controlada exatamente para se
apresenta aos guardas. Sofre uma vistoria. Os guardas se olham, conversam, avaliam.
Por fim, abrem os portões e liberam a entrada, mas não sem antes lançar um olhar que
deixa claro que aquela presença foi autorizada, concedida, e que o entrante é
Todo esse panorama me faz lembrar um dos títulos de Augusto Boal: “O teatro
como arte marcial”, e fico pensando quais as armas que temos a favor de uma educação
pela experiência e pela liberdade. Ao longo do tempo que fui entrando e saindo dos
Confesso que não me deixa feliz pensar na Escola como esse espaço de guerrilha.
Mas quais as alternativas que temos quando o diálogo, quando surge, vem nesse lugar
Avante, Cambada!
67
CAPÍTULO 2: A PERFORMATIVIDADE NA ESCOLA
O esperado seria iniciar essa escrita pelo início, com uma definição do que é a
rizomático. Por isso, para começar, evoco uma conclusão, ou melhor, uma inconclusão:
Inconclusão provisória
A PERFORMANCE ESTÁ.
e mais ainda...
68
2.1 – Uma ANTIdefinição performática
E ainda:
Agora que já passamos pelo início, podemos abrir os trabalhos pelo meio.
entender que ela deixe rastros. Estes vestígios sobrepostos podem nos dar uma ideia das
na imagem e na ação e não mais sobre o texto” (FÉRAL, 2008, p. 198). No mesmo
artigo a autora nos aponta que para Schechner a performance implica ao menos três
operações:
8
Quarks: subpartículas atômicas, formadas das menores partes de um átomo.
69
3. mostrar o que faz („showing doing‟, ligado à natureza dos
comportamentos humanos). Este consiste em dar-se em
espetáculo, em mostrar (ou se mostrar) (FÉRRAL, 2008, p. 200).
Já Eleonora Fabião cita uma lista do que ela chama de tendências dramatúrgicas
caso do teatro) não dá mais conta de dialogar com a realidade diante das angústias da
em que este só contempla; por outro lado o efeito épico em Brecht, bem como a arte
como evento (iniciado nos happenings), geram uma ruptura nesse paradigma (o
(FABIÃO, 2008, p: 243). Com isso, a arte contemporânea propõe religar pensamento e
ação, mente e corpo, religar a vida, como nos fala Artaud: “estar do lado da ação é estar
70
do lado da vida liberta, é religar o duplo da vida que é pensamento e ação” (apud
Essa busca por uma não representação leva a um teatro que “assume
imediata com o receptor, de sua presença ativa. Por essa razão, chama-se aqui de teatro
no teatro mimético mas também na Sociedade do Espetáculo – se faz por uma atitude
que Carminda Mendes André (2007), chama de atitude inventiva. Esta se caracteriza por
criatividade que busca solucionar problemas a partir de ideias originais, inéditas e tem
caracterizá-la como inventiva porque: 1) ela parte de uma necessidade em que o drama
É esta atitude que se busca para a educação de modo que se possa caminhar em
vida. Ou, nas palavras de Carminda: “Sugerimos que a atitude da invenção seja usada
71
como ferramenta para a produção do conhecimento da arte do teatro nas condições de
crise em que se encontra no contexto escolar” (ANDRÉ, 2007, p. 23). A invenção para
Espetáculo, podemos incluir a aula espetacular (RACHEL, 2013) que é aquela que se
dá num espaço espetacularizado, no sentido desenvolvido por Guy Debord e, por isso,
sem possibilidade de diálogo; que privilegia o conhecimento abstrato sem ligação com a
realidade de cada um; que é unidirecional (do professor para o aluno) e por isso se
exatamente para religar esses duplos (mente e corpo, vida e conhecimento, professor e
aluno). Teatralidade entendida lá onde ela “está mais ligada ao drama, à estrutura
narrativa, à ficção e à ilusão cênica que a distância do real” (FÉRAL, 2008, p. 207).
ancorado na ilusão do uno, de que todos operam e aprendem igual, de que os corpos e
desejos diferenciadores não existem ou não importam, a ilusão de que a escola funciona
72
Assumir a performatividade na educação é assumir o aqui e o agora, assim como
princípios da própria instituição. Esse atritar é que gera a potência do processo visto que
gera desafios, porque a escola, enquanto instituição disciplinar e detentora do poder, não
tem interesse nas mudanças de estrutura. Estes são, ao mesmo tempo, os desafios e as
melhor ainda, do deslize de sentidos, como nos diz Josette Féral (2008). Assumindo que
deixa rastros ao invés de fabricar produtos e, mais, que cada um desses rastros
Ao contrário, são muitos sentidos. E, assim como a performance que não é mas está em
73
Não é mais o espaço do certo ou errado. Ao contrário, é o lugar do e. Uma
Uma experiência que é muito libertadora porque parece inflar novamente o ser de
que não pára de nascer e não cessa de morrer, simultânea e integradamente. Ser e não
ser, eis a questão; ser e não ser arte; ser e não ser cotidiano; ser e não ser ritual”
institucional. Como a escola lida com a múltipla possibilidade? Como algo pode ser ao
mesmo tempo certo e errado? Como é possível corrigir, pontuar e conferir grau ao
múltiplo? Uma questão muito pontual, esta, mas que põe em cheque toda a estrutura da
instituição escolar. Isto porque “a escrita cênica [no nosso caso, a pedagogia
Mais um risco a ser citado: “é o processo, ainda mais que o produto, que o teatro
partilha dos projetos artísticos em aberto, quanto mais para os professores e professoras
74
***
Somo a esta incerteza uma imagem: quando penso em deslize de sentidos o que
Não pensemos aqui nas tragédias que assolaram o estado do Rio de Janeiro como
em 2011. Não. Evoco o deslizamento como uma alegoria, onde “aquilo que conta
refere-se a algo que está fora da imagem. A concepção [...] do discurso que diz uma
coisa para significar outra” (ANDRÉ, 2007, p. 47). A proposta é de uma imagem que
interrompa este trabalho, o fluxo da escrita – assim como a performatividade que vai
nos preocupemos com a vida e integridade das pessoas que estavam no local, tão pouco
75
Figura 4: deslizamento de terra em Taiwan. 2010. Disponível em:
<https://blogs.agu.org/landslideblog/2010/04/26/the-mechanism-of-the-highway-3-landslide-in-taiwan/>. Acesso
em 01 maio 2018.
76
Havia em Taiwan, na China, uma pequena cidade chamada Taiwin. Esta era muito
Para chegar na grande cidade era preciso pegar uma longa estrada, viajar três dias
Certa vez, saiu de Taiwan uma grande caravana para a capital. Era véspera do
aniversário da pequena cidade e muitos moradores iam para preparar a festa: comprar os
acampamento da caravana, ouviu-se um grande estrondo. Saíram para ver o que tinha
acontecido e descobriram que uma grande porção de terra de uma encosta próxima
sendo contornada, mas o que iriam fazer? A caravana seguiria? E os feridos ficariam
aldeia que compunham a caravana decidiram por voltar para buscar socorro.
77
Montaram um novo acampamento na beira da estrada. Acenderam uma fogueira e
começaram a cozinhar. Cantar, ensaiar, cuidar de alguns dos feridos que decidiram
ficar.
No lugar onde eles montaram este acampamento surgiu em pouco tempo uma
nova cidade. Esta, ao contrário da primeira Taiwan, não dependia da capital. E até hoje,
na China, quando alguém passa por algum grande dilema ou sofrimento, busca essa
***
definindo as frações de vida sobre as quais irá se debruçar, mas os pedaços recortados
não formam necessariamente um todo orgânico” (apud ANDRÉ, 2007, p. 75). E ainda:
panorama parecido: a aula seria a ocasião, o evento, para estruturar uma obra, uma
Mas quais os modos de fazer deslizar os sentidos no espaço escolar? Uma lista
dos procedimentos do teatro performativo pode nos dar algumas pistas: “esse teatro
78
2008, p. 204). Estas seriam ferramentas capazes de pôr em jogo muitas questões do
narrativas próprias, só para citar algumas. Nada disso resolve problemas, antes, inventa
ações, faz girar as experiências dos envolvidos. Mas não resolve problemas.
sentido é definido de uma vez por todas, mas de instalar a ambuiguidade das
significações, o deslocamento dos códigos, o deslizamento de sentido. Ele joga ali com
os signos” (FÉRRAL, 2008, p. 205). Talvez, o ideal seria que pudéssemos assumir que
esse professor pela performatividade não resolve problemas, como já dito antes, ele
inventa ações, provisórias. Verdadeiramente cria outros problemas, outras questões, por
assim dizer. “Performers são, antes de tudo, complicadores culturais” (FABIÃO, 2008,
complicador?
***
[...] termo empregado para expressar a desvalorização do objeto artístico como obra
acabada” (ANDRÉ, 2007, p. 118). Esse termo, como nos aponta a autora, é responsável
por tirar o objeto artístico e a noção de acabamento do pedestal da arte. Não mais a
representação de uma realidade é o foco do projeto artístico, ele “não apresenta portanto
uma totalidade a ser contemplada; ao contrário, essa arte presenta aos receptores a
Como lidar, então, com essa dessubstancialização da arte no ensino das escolas
tradicionais que funcionam numa lógica mercadológica - para qual o produto precisa
79
existir para ser comercializada - ? Como sustentar projetos e bancar permanência nas
escolas sem uma conclusão pré-estabelecida, sem um objetivo que conste no papel?
partilha: ensaios abertos, exposição dos rastros da jornada, happenings, montar álbuns
se assumem inacabados num universo escolar em que lhes é cobrado o certo, o que
lo, vender o processo, porque aí ele também se torna produto. A ideia que se deve
manter é a da partilha, até mesmo de uma celebração. Como nos aponta Renato Cohen
***
pensarmos como o teatro e as ardes de modo geral se tornaram uma espécie de adereço
80
do sistema educacional. Adereço fundamental, posto que “mercadoria vedete”, mas
sempre mercadoria. Validado por sua aparência e superficialidade e não por seu valor
intrínseco. Seja no aspecto de menor valia no contexto escolar (“vai reprovar o aluno
produzir (a peça organizada, o coral afinado), as artes parecem ocupar esse lugar de
agregar valor – ainda pela associação do belo na arte. Como uma joia, um brinco,
ajudam a enfeitar o todo da educação, mas sem ser levada em conta como uma área do
conhecimento.
Muitas vezes é ensinado aos alunos que ir à aula de teatro é bom para relaxar e
desanuviar da rotina de estudos. Não que o prazer deva ser negado, mas com essa ideia
se estabelece um aspecto turístico, por assim dizer, da pedagogia teatral e das artes. Um
1997, p. 112). Um turismo em que o indivíduo não sai de si, não se permite descobrir o
novo, ser atravessado, se reinventar. Um turismo feito para tirar fotos e postar em redes
sociais.
teatro, faz com que essas atividades sejam mais do mesmo no ambiente escolar –
mesmo espaço, regras, tempo, avaliação. Considero importante singularizar esse espaço
da aula de artes para que seja possível cruzar as barreiras, transpor e fazer a travessia.
81
A ideia de travessia, inclusive, guarda relação etimológica com a palavra
experiência, proposta por Larrosa para pensar uma educação que produza sentido:
“Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência. [...] A raiz indo-europeia
é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia” (LARROSA, 2014, p.
26).
como um pirata.
possível se valer disso e se aproximar delas desse modo. É possível enfeitar o todo da
educação, pendurar o brinco de pérola, mas não sem furar a orelha. Cavar o espaço,
***
Carminda Mendes André fala das figuras solitárias e sem pares quando menciona
os artistas intervencionistas:
82
Quando li esse trecho me identifiquei rapidamente. É uma perspectiva que dialoga
quase na mesma época em que me percebi “sem grupo” dentro da escola. Já haviam-se
passado os primeiros anos de trabalho dentro da mesma escola, meus olhos não estavam
mais tão embaçados com as primeiras questões (planejamentos, montagens, ...) e pude
notar melhor o panorama que se desenhava e como ele afetava meu trabalho: único
exceção de uma parte dos alunos), fui me percebendo sozinho e sem possibilidades de
diálogo, de duplos.
renovava era a instituição que negligenciava o meu trabalho. Espaço físico das aulas
enquanto profissional.
Essa invisibilidade (apesar de uma média anual de 100 alunos, oito turmas, 6
montagens diferentes e um público estimado de mais de 500 pessoas) que em sua via
contrapartida, traz uma certa mobilidade nas ações. Se a instituição parecia não prestar
muita atenção aos meus processos, talvez eu pudesse experimentar algumas práticas
83
Foi aí que comecei a propor aos meus alunos mais velhos, do Ensino Médio, com
os quais eu tinha uma conversa mais franca, diálogos e propostas que eram atravessadas
dança, Pina Baush, Marina Abramovic, Pop Art, ready made, happenings. Passamos por
lado e o foco era desviado para o corpo e as imagens. E quando dei por mim, estávamos
Foi tudo muito rápido. Era um dia chuvoso com poucos alunos em sala. Por acaso
eu estava com o meu computador pessoal. Estávamos todos meio desanimados. Nem
lembro porque, talvez porque estivéssemos desanimados, comecei a falar sobre arte
contemporânea, performance, teatro dança, sobre como tudo aquilo buscava um diálogo
mais franco com a vida, coisa que o teatro “tradicional” (dramático) não dava mais
grupo se interessou, para a minha surpresa. Não era nada arrebatador. A reação deles era
muito rápido. Dali para as práticas e para as intervenções no pátio foi um pulo: menos
de um mês.
gente?
***
84
De Certeau (apud ANDRÉ, 2007, p. 138), ao falar das figuras “assujeitadas”,
a Instituição – forjassem o grupo. Uma espécie de gueto que vai surgindo. Ou ainda,
uma comuna, como as cidades da Idade Média que se tornavam emancipadas pela
obtenção de carta de autonomia fornecida pelo seu suserano. “Mis clases son como
comunas” (apud TORRENS, 2007, p. 51), nos diz Carolee Schneemann quando fala
sobre o trabalho com corpo em sala de aula para romper os tabus referentes a este.
carreira. Mas devo confessar que foram estas ações que me trouxeram maior felicidade
dentro de minha prática. Talvez o conforto venha de Deleuze e Guattari (1995) onde o
leviano é como um rizoma que corre pela superfície e pela borda. Um funcionamento
que pode, sim, ser um pouco tolo, mas que é honesto com os indivíduos envolvidos no
85
Mas se De Certeau aponta a fuga é ele também quem aponta o risco: „Não
interessa o que conquistam, mas a ação de astúcia não pode ser controlada do mesmo
***
Uma turma grande para os meus padrões, iniciamos com cerca de 20. Alguns foram
junto aos pais e a escola, a relação entre religião e conhecimento. Ou seja, todos
elementos que a instituição escolar, normalmente, não tem interesse em abordar. Mas
improvisos. Atividade de uma aula, coisa pouca. O grupo adorou. Manifestou interesse
em montar a peça para apresentar no final do ano. Eu tentei dissuadí-los. Disse que já
havia tentado montar antes com uma outra turma, que era um projeto antigo meu, mas
que os próprios alunos tinham desistido no meio. Eles insistiram. Eu disse que eram
assuntos pesados, que provavelmente eles desistiriam também. Eles insistiram mais. Eu
86
falei que a escola não deixaria. Eles ficavam cada vez mais engajados, parecia um
fermento (talvez fosse mesmo). No final, eu, cansado de tentar a desistência deles e feliz
por ter despertado um interesse no grupo, disse que iríamos seguir com o processo. E
Eu disse isso certo de que eles iam desistir, se desinteressar ao longo do ano. Mas
não desistiram.
figurino, trilha sonora.... Contra todas as minhas expectativas, o processo estava fluindo.
Eu não achei que fosse dar problema com a escola. Nunca eles tinham me pedido
da Oficina de Teatro. E eu me valia disso. Prova é que no ano anterior eu tinha montado
como a travesti Geni sem nenhuma intervenção. A direção, como de costume, não foi
assistir.
Depois, a diretora me chamou para uma conversa a respeito do Despertar. Para encurtar
a história, ela me coagiu a fazer cortes no roteiro. Eu, muito indignado, mas pensando
87
Um dia, eu estava me arrumando para sair de casa e ir para a escola dar aulas
quando o telefone tocou. Era a diretora: “Professor Ivan, eu gostaria de saber o que o Sr.
disse aos seus alunos, porque eles estão no recreio passando um abaixo assinado para
fazer a peça sem cortes. Eu preciso saber de que lado você está. ”
adiante a cena da guerra, surge a questão de saber qual o papel designado aos
professores de artes, onde se posicionam dentro desse lugar vigiado que se tornou a
escola e de que maneira reagem diante dessa figuração” (ANDRÉ, 2007, p. 137).
A peça nunca aconteceu. Desde então, todo ano, a direção me pede para ver o
***
Carminda Mendes André (2007), partindo da obra de Teixeira Coelho Neto, elabora
essas ideias que podem nos ser uteis para pensarmos os funcionamentos do professor de
previamente estabelecidos, como numa linha de produção. Por isso está dentro da lógica
do fabricado. Não só na sua materialidade, mas também na sua ideologia: “diz-se que
ele é fabricado no sentido artificial e, por ser fabricado, corre o risco de ser manipulado
por uma ideologia” (ANDRÉ, 2007, p. 91). Aí reside o seu perigo, ele pode ser usado
cultural. Esta tem um início estruturado, pensado, para fazer desenrolar as ações; mas
não tem um trilhar nem um produto final previamente estabelecidos. Não se sabe onde a
88
ação cultural vai levar. Isso porque ela considera os atravessamentos que vão ocorrer,
reconfigurar a ação. Não é possível prever um produto final, nem se ele chegará a
ocorrer. É por isso que neste modo de funcionamento o foco não pode estar no objeto
nem ser considerada sua comercialização, porque a priori ele não existe. O foco está no
processo: “Na ação, o agente gera um processo, não um objeto” (ANDRÉ, 2007, p. 91).
que comumente desenhamos como um planejamento de aulas deveria então ser pensado
as ações do grupo.
Para mediar essas ações culturais, este que seria então um agente cultural no
universo da escola, a figura que se anuncia mais pertinente nesse panorama é o híbrido
professor de performance, que se proponha a ensinar performance para uma turma. Isso
possível ensinar um modo de estar no mundo? Além disso, considerando que a ideia de
89
performatividade lida com um não modelo e um não mimetismo, não há nada a ser
performer é uma outra coisa. É antes de tudo um híbrido entre essas duas instâncias tão
propõe que o aluno seja produtor em arte. Neste contexto, ensinar é, acima de tudo, um
anuncia seu modo de funcionamento - pelo outro, pelo fora. Situa o professor-performer
pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritorialização segundo a qual
p. 25). Além disso, a autora situa o contexto deste ensinar que é o do processo.
Todos esses aspectos (meio, processo, híbrido, linha de fuga) nos fazem entender
que a figura que ela evoca se constitui no espaço do entre, na fronteira. É antes de tudo
um híbrido.
Mais do que juntar as vantagens dos dois mundos - isso seria quase um produto
depara com algo próximo a uma indefinição vinda de uma colagem improvável. Desliza
pelas definições, pelo ser, pois está. Uma espécie de monstro. Algo como uma quimera,
uma esfinge. Uma sereia, talvez. Que não existe, mas sabe-se lá. Difícil de decifrar. Ou
90
E não digo isso para enevoar a figura e encerrar o debate, ou antes para justificar
Até porque esse deslizar de sentidos, funções e ações exige maior preparo, mais energia,
e reconfigura seus limites o tempo inteiro. Isso porque nunca está confortavelmente
melhor, uma ação que fosse simultaneamente - em seus devires e linhas de fuga – a
crítico de arte10, ou a inda entre aluno e professor pudessem deslizar de tal modo
borrando essas fronteiras e fazendo com que esses papéis atravessassem os indivíduos.
Não é simples e não existem respostas prontas, mas são desafios que parecem anunciar
processo constroem o saber da experiência e partilham esse saber – sendo este último
10
Tentando dar um nome àquele que, tradicionalmente, explica e contextualiza a obra de arte.
91
Neste sentido, quando Ciotti diz que onde há o professor-performer entendo
também que há uma proposição de que o aluno seja produtor, ela diz que o próprio
mediador também produz, posto que ele é também aluno pelo deslize de funções. O
professor deve produzir arte, junto com seus alunos! Isso ajudaria a desmontar a velha
dicotomia de que o professor de artes, de teatro, é o artista que “não deu certo”. Essa
visão está muitas vezes associada à menos valia da figura do professor em nossa
sociedade, mas também está de certa forma relacionada ao fato de que a maioria dos
professores de arte não produz arte em sala com seus grupos. Sei que existe todo um
debate a respeito da questão modelar, para que o aluno não copie o que o professor
efetiva como única opção de execução. Mas não é disto que estou falando. Estou
Muitos colegas se queixam de que a atividade de sala de aula lhes toma muito
tempo e que isso faz com que suas produções artísticas estejam paradas. Eu mesmo
parte da instituição, dos alunos, das famílias, do estado com suas políticas públicas, mas
sala de aula com crianças e jovens como nossa real produção artística? Ou isso ainda
soa menor?
imprescindíveis. Digo isso para causar desconforto e fazer uma “complicação cultural”,
92
como área de conhecimento e metodologia precisa começar dentro de nossas salas (de
performance para falar de uma atitude pedagógica diferenciada” (CIOTTI, 2014, p. 62).
Charles R. Garoian que define “enseñar como un acto performativo” e que isto “prepara
para una ciudadanía crítica dentro de una sociedad radicalmente democrática. Propone
Não admitir isso e ignorar os processos artísticos como ações culturais com
É preciso ter os olhos de Naira Ciotti: “É com olhos de artista que estou vendo a
93
quando diz que não está “tão interessada na arte – como educação – mas na educação
desconstruindo as hierarquias até pensar, por exemplo, “o que os artistas podem ensinar
teatro moderno podemos fazer uma transposição para a cena contemporânea e entender
o professor-performer na mesma busca por uma pedagogia que reinvente a cena. Não
mais a cena teatral tradicional encerrada no palco italiano, mas a cena performativa,
sala de teatro, mas está inserido e atravessado pela rua; reinventar este teatro é também,
em certa medida, reinventar a rua – seja a cidade como um todo, seja a escola como
pedagogia performativa.
94
O autor nos fala desse processo de investigação coletiva mediado pela figura do
professor estar efetivando suas práticas artísticas. O que nem sempre é conciliador ou
harmonioso, mas antes, tem a ver com a noção de “complicadores culturais” (FABIÃO,
2008):
É preciso, porém, ter a lucidez de entender que tudo isso parece muito bom para
(TORRENS, 2007, p. 45) e de que tipo de ação pode ser “desorganizadora da lógica
espetacular que rege a escola” (RACHEL, 2013, p. 21) soam quase como palavras de
ensino. Não é interessante para uma instituição escolar que busca manter seu poder e
funcionamento centralizado.
Será possível usar e expor essas ideias abertamente ao escrever nossos projetos?
O fato é que por mais pontual que possa parecer, a mudança de postura desse
estremecer as estruturas da escola, por isso ela é tão resistente. Mas é preciso “cavar o
11
Tradução para o conceito metteur-en-scéne-pédagogue, Monique Borie (MARTINS, 2002).
95
2.6 – Sobre os meus processos
exatamente porque eu tivesse interesse nesta área, porque a bem dizer não tinha. Tinha
até, devo admitir, um certo preconceito. Algum mal-estar relacionado a uma sensação
temporal. Hoje, entendo essa leitura como uma falta de entendimento da proposta e de
uma perspectiva que talvez só quem já se envolveu com a performatividade, seja pela
ação ou por ter sido atravessado, é que pode entender a potência dela. Naquele
***
pedagógica por uma necessidade. A escola vinha demandando cada vez mais a presença
qual a escola faz parte; festa de N. S. Auxiliadora, padroeira da escola e Páscoa. Outras
Artes.
96
Ao longo dos anos trabalhando nessa instituição eu tentei me esquivar dessas
datas comemorativas de todos os modos possíveis. Por um tempo funcionou. Mas só por
um tempo.
O fato é que a demanda existia e eu precisava de um modo para resolvê-la que não
desenvolvendo.12 Como no final do ano anterior eu tinha tido aquela breve experiência
aquela investigação. O que me parecia oportuno nessa ideia era que a performance me
uma vez que não demandava o ensaio da ação. É claro que exigia um tempo de trabalhar
mas isso me parecia muito mais razoável do que ensaiar uma cena curta.
A parte menos oportuna dessa ideia é que eu praticamente não tinha vivência
nesse universo da performance. Mas optei por inventar a partir das adversidades.
***
“Para que seja possível esta instauração, torna-se necessária uma força de ignição,
um desejo, uma inquietação que detone o processo” (RACHEL, 2013, p. 94). A autora
12
Tradicionalmente, o caminho que construo com os grupos é: no primeiro semestre, os encontros se
baseiam nos jogos e exercícios de iniciação à linguagem teatral (conscientização corporal, concentração,
dentre outros) além de jogos dramáticos – que a bem dizer não dialogam frontalmente com a questão da
performatividade; no segundo semestre, o grupo decide se quer seguir com os jogos teatrais ou se prefere
se dedicar a um projeto de montagem teatral, o que na maioria das vezes ocorre. Este pode ser de criação
coletiva, ou escrito por algum integrante do grupo, ou se desenvolver a partir de um texto dramatúrgico
que dialogue com as questões levantadas pelo grupo durante o primeiro semestre.
97
fala que na prática dela, esse detonador tem sido o dispositivo de instrução, inspirada
primeiramente nas instruções propostas pela performer Yoko Ono. Já eu, na minha
suprir a demandas das festas e eventos escolares, como descrito acima. Meu intuito com
da ação. Fazer com que eles pensassem sobre como gostariam de abordar a celebração
esses eventos. São celebrações que têm um aspecto gasto e tendem a não dialogar muito
com o universo dos alunos. Uma das maneiras que eu tinha de provocá-los era dizendo
que poderíamos deixar para que a festa fosse feita mais uma vez do mesmo modo, ou
que poderíamos propor uma intervenção, ainda que pontual, mas que fizesse sentido
para eles.
interrogações que servem de exemplo para ilustrar o tipo de provocação que eu buscava
festa de N. S. Auxiliadora).
também tinha esse objetivo, criar relação com outros temas, enfocar a questão de um
98
A etapa seguinte, de acordar coletivamente um conceito poderia ser expressa
através um verbo, um objeto, uma imagem, ou já vir na forma de uma ação. A ideia aqui
de conceito não é sintética, posto que a rede é múltipla, mas ser representativa, até
Aos poucos, fui vendo que a proposta de trabalhar com a pergunta como ignição
era muito pertinente ao projeto performativo, pois como nos aponta Eleonora Fabião:
2008, p. 238). Desse modo, a abordagem a partir das perguntas coloca o trabalho numa
proposta que evoca uma ação, uma atitude (resposta); compreende o efêmero e as
***
Aos poucos, o trabalho que tinha uma função pontual de resolver a demanda das
público se sente à vontade para intervir e participar; a compreensão e sentido por parte
empoderadas!
99
Eu mesmo, comecei a ver o trabalho da perfomance de um outro lugar:
percebendo o potencial para fazer mais teatro. Era possível executar as ações mais vezes
princípio, qualquer espaço pode receber uma performance não só um teatro tradicional,
(ensaio, marcação, decorar texto, ...). É claro que tudo isso tem seu valor na jornada
estética e pessoal de cada um, mas faz com que o teatro entre numa lógica da fabricação
em que se prepara muito para chegar num produto final. Ou na lógica da Escola do
Espetáculo em que aluno se prepara muito, porque não é, para poder se tornar um
Já a lógica performativa faz com que tudo que acontece na caminhada seja tão
relevante quanto uma montagem final tradicional de fim de ano. É claro que os jogos
performer propõe ao grupo – e este aceita – fazer a partilha de uma ação que nunca foi
processo é o foco.
ensaio e deixar o processo vazar. Escorrer. Como um rio que flui escada abaixo e
13
Atentos, é claro, ao risco de não transformar essas partilhas em pequenos produtos. Isto seria apropriar
a performance à lógica do mercado.
100
***
Nem tudo cabe na pesquisa. Alguns elementos vão ficando pelo caminho. Mas
isso também constitui o discurso: o não dito. É o fora, a linha de fuga, que também
Dentre as coisas, muitas, que deixei de fora está a noção da preparação. Qual a
performers? Não gostaria de correr o risco de insinuar que este é um trabalho que se
instaura a partir do nada. Ao contrário, existe uma preparação rigorosa. Tanto que só
tenho conseguido desenvolvê-lo com meus alunos mais velhos, que estão na Oficina a
Não desdobrarei o assunto posto que isto ainda é o que fica de fora. Mas, modo
geral, preparo os grupos com jogos de concentração, espelho, conexão, olho no olho,
em Ryngaert).
***
estudar e me apropriar mais do assunto. Fui me dando conta que a proposta de ignição
101
usava no início ao mesmo tempo que eram vagas geravam respostas que eram mais
palavras. Por mais que esse procedimento gerasse um debate muito produtivo sobre o
mas ações e imagens. Não mais a lógica do discurso que explica, mas de um afeto com
complica o entendimento. Eleonora Fabião lista uma série de perguntas levantadas pelo
grupo teatral Forced Entertainment como processo de seu espetáculo Quizoola! que
dialoga muito com essas questões, tais como: “porque o medo de escuro?; você possui
beijo da sua vida; o que é fogo?; porque você conta tantas mentiras?” (FABIÃO, 2008,
p. 245). Ainda a mesma autora usa em certo ponto de sua escrita o termo “interrogação
ontológica: do ser, do que é. Foi a partir dela que passei a usar a expressão perguntas
palavras.
fazia as perguntas. Se o meu objetivo era criar nos jovens um pensamento questionador
e desmontar as situações espetaculares que já chegam prontas para eles, porque eles
deveriam responder as minhas perguntas? Charles Garoian fala, por exemplo, de que
“los alumnos dejem de depender de una metáfora externa” (apud TORRENS, 2007, p.
50). Comecei a pensar, então, que o trabalho deveria partir das próprias perguntas deles.
resolvi experimentar esse novo pensamento e ver até onde ele nos levaria. Depois de
uma breve conversa com o grupo a respeito da relevância deles produzirem as próprias
perguntas fizemos um brainstorm para produzir questões a respeito do “ser poeta”, que
102
era o tema da feira. Eu provoquei o grupo no sentido de que as questões fossem de certo
aquele tema. Além disso, que as perguntas já tivessem uma provocação de nível
sensorial (temperatura, cor, textura, sonoridade, afeto) e uma motivação de ação. Algo
que não pudesse ser respondido satisfatoriamente na voz: aquilo que não cabe na
As questões que este grupo do terceiro ano do ensino médio produziu foram muito
interessantes. Alguns exemplos são: Qual a ponte entre o desconhecido e o louco?; Qual
é o som do silêncio interior?; Qual é a cor da liberdade?; Como me ver fora de mim?;
qualquer modo, o processo foi muito rico e marcou o grupo, influenciando em outros
selecioná-las ou fundi-las, decidir se vai ser uma questão para o grupo ou cada
relação com o espaço. Cada processo vai ter suas especificidades. Mas que fique claro
que não são ensaios. São experimentos dos diferentes graus de potência das
103
Programas assim como os programas de ações que descreverei no próximo
capítulo.
104
CAPÍTULO 3: RELATOS DE MEUS INVENTOS PERFORMATIVOS EM
AMBIENTE ESCOLAR
vivenciadas coletivamente por mim e alguns de meus grupos de alunos referentes aos
Como descrito ao longo deste trabalho, foram essas vivências que me conduziram
Estas foram elaboradas agora, no ato desta escrita, já sob a luz da pesquisa desenvolvida
para este trabalho, e não no momento em que as ações foram executadas. Guardam, por
então com o que parte da minha memória e dos registros de imagem, assumindo assim o
trabalho a partir dos resíduos. Isto, o que fica, acaba por constituir o meu repertório de
105
O grupo de alunos-performers e o professor-performer se colocam no pátio da
Santa Rosa. Participaram duas alunas, uma do 2º ano do Ensino Médio e outra do 3º ano
Comentários: Esta foi a primeira ação que desenvolvi com um grupo de alunos. O
nessas datas. Foi por isso, inclusive que abandonei o planejamento da aula e iniciei uma
pátio da escola.
O que estava em questão era o contato da arte com a vida e, por isso, a ideia de
propus a fazer alusão à figura do artista ou, antes, do mestre em artes. Vesti o meu
jaleco de trabalho, que a escola entrega a todos os professores para que eles usem em
aula, mas que eu nunca tinha usado. Além deste, coloquei também uma boina, em estilo
sobre o corpo e usamos o corpo para pintar – com as mãos, os pés. Nos divertimos.
106
Mantivemos uma atitude de silêncio na tentativa de evitar a comunicação verbal e
Figura 7: detalhe dos registros gráficos produzidos durante a performance "Aula de artes".
107
Duas alunas-performers em roupas neutras se colocam de olhos vendados, lado a
lado, no pátio da escola. Elas ficam de mãos dadas. A frente delas uma mesa com vários
adesivos/etiquetas. Cada um deles tem uma palavra escrita, como um rótulo: estudiosa,
piranha, mentirosa, honesta,... Alguns dos adesivos estão em branco com canetas ao
lado para que os passantes possam escrever. Na mesma mesa uma placa: rotule.
Santa Rosa, no recreio do turno da manhã (alunos do Ensino Médio). Participaram duas
Comentários: Essa foi uma das ações mais contundentes que tive a oportunidade
de participar. Isso porque ela surgiu e foi concebida integralmente pelas alunas que
atividades de sala de aula conseguem provocar o grupo para além da aula. As duas
alunas chegaram para conversar comigo com a proposta já toda elaborada (espaço, ação,
vestimenta). A única coisa que elas me pediram foi “ajuda”. Essa ajuda constava do
meu apoio e presença no momento em que a ação estivesse sendo realizada, além de
pedir a liberação das duas minutos antes do recreio para que elas pudessem se prepara
para a ação.
professor ou professora de uma escola tradicional fosse liberar duas alunas mais cedo só
porque elas estão pedindo. Mesmo que seja para se preparar para uma atividade (do
teatro) - até porque isso poria em cheque a questão do elemento surpresa que para elas
108
era uma questão importante. Se fazia necessário que o professor autoridade fosse até a
O outro pedido, de ficar próximo a elas durante a execução da ação, também tem a
ver com a autoridade do professor no que diz respeito à segurança delas. O pedido era
que eu estivesse por perto para coibir qualquer atitude mais violenta e agressiva por
parte dos passantes enquanto elas estivessem de olhos vendados. Além de garantir a
lembrando que o risco é intrínseco a performance e é nele que reside grande parte da
potência da ação. Mas também é possível entender que não é preciso assumir todos os
riscos. Acho pertinente pensar que fica a critério de cada um decidir em que situação vai
se expor (e isto dialoga diretamente com a proposta da ação e que estruturas ela quer
tencionar) e onde vai se resguardar, até para ter mais força para passar pelo risco da
alunas, quanto a situação de violência física no espaço escolar são questões que valem a
pena ser questionadas, mas, naquele momento, não eram elas que estavam em pauta.
Fazer essa reflexão me faz pensar também sobre a minha prática de professor-
oportuno reivindicar quais pautas e quando é preciso se resguardar, jogando nos moldes
No que diz respeito à ação, propriamente dita, a recepção de quem estava no local
foi muito positiva. Num primeiro momento, o público ficou só observando e aos poucos
escritas, outras criando suas próprias interferências. Estas saíram do caráter estrito do
rótulo, do “título”, e vazaram para reprodução de frases feitas de cunho machista. Pela
109
redação é possível notar que algumas tem caráter de ironia quando justaposto ao corpo
discurso.
Ao longo de toda a ação algumas pessoas que sabiam que eu era o professor de
teatro me procuravam para perguntar o que estava acontecendo, o que era aquilo. Eu
pergunta.
A grande surpresa desta ação foi quando algumas alunas e um aluno decidiram
não só interferir através da colagem dos papeis, mas também se colocando de mãos
dadas ao lado das duas performers na atitude de, assim como elas, se colocarem em
a ação estavam muito entusiasmadas com a recepção e participação dos outros alunos.
aproximaram para assistir, dentre eles a diretora pedagógica da escola. Ela apreciou a
ação com o que eu classificaria como aprovação comedida. Seu único comentário foi de
que era uma pena que o trabalho não tivesse sido notificado com antecedência com o
objetivo de que os diversos setores da escola pudessem se articular melhor e saber uns
da produção dos outros. Essa fala tem, de fato, um cuidado e uma vontade de integrar as
equipes e dar visibilidade ao trabalho. Mas ao mesmo tempo diz respeito a um certo
110
Figura 8: alunas-performers durante a performance "Rotule" já com as intervenções dos passantes.
Figura 10: detalhe dos adesivos colados em um dos passantes que se juntou às alunas-performers durante a ação de
"Rotule".
111
3.3 – Relato da performance “Renascer?”
auditório da escola. Cada um pode se relacionar com o espaço e com o grupo como
relação com o espaço. Cada indivíduo segura uma placa (folha A4) onde se lê:
“RENASCER?”.
Comentários: Esta foi a primeira ação que a Oficina de Teatro efetivou no ano de
2017. Surgiu de uma “encomenda” da escola quando o padre responsável pela pastoral
pediu a participação do grupo na celebração de páscoa. Foi também a primeira vez com
tantos alunos envolvidos. As ações do ano anterior tiveram contingente bem menor.
abordar a questão da páscoa. “O que vocês gostariam que fosse a páscoa?”, eu perguntei
à eles. O retorno se deu no sentido de que eles gostariam que fosse uma oportunidade
Falamos também sobre a questão comercial que se estabelece diante da compra dos
112
ovos de páscoa. Esses dois debates geraram, respectivamente, 1) a placa que cada aluno-
performer segurava durante a ação - onde, após a palavra “renascer”, era colocada uma
performativo ao grupo, passando pela concepção até chegar na preparação, que se deu
comumente visto no espaço da escola e ficou mais engajado ainda quando apresentamos
Outra decisão que para nós era muito importante – talvez mais para mim do que
para os alunos-performers – era de que a ação se passaria nos corredores que dão acesso
linearidade.
plástico bolha e usando fita crepe para firmar o invólucro no corpo deles. Alguns
invólucros parecem estar grudados à parede, com a fita mantendo o corpo dos jovens
grudados à superfície. No ato de cumprir essa tarefa é que me dei conta que era o
do professor-performer.
113
surpreendidas pelos 19 corpos imóveis e silenciosos dispostos pelo corredor. A maior
parte das pessoas levava, literalmente, um susto quando virava o corredor e se deparava
com a cena. Alguns passavam com rapidez, um pouco receosos da interação – uma certa
suspeita de que fosse uma pegadinha e que a qualquer momento as figuras fossem se
mexer dando um susto no passante. Outros passavam ainda rápido, mas cochichando
tentava testá-los (fazê-los rir ou implicar com eles). Alguns alunos que me conheciam e
ao meu trabalho, quando me encontravam próximo à ação exclamavam: sabia que isso
aluno P., era um aluno com grande dificuldade de se concentrar, novo na escola e no
teatro; esses, os três ou quatro, pela fala e modo de agir eram daquele grupo chamado de
“popular”, com grande autoconfiança e hábitos de depreciar alguns. Pois bem, este
grupo parou diante do P. e tentou demovê-lo de sua atitude altiva, concentrada, focada e
silenciosa. Eles buscavam fazer o rapaz rir provocando-o, fazendo galhofa da ação. Eu
observava a meia distância, pensando s seria necessária a minha intervenção. Qual era o
limite que eu, com minha autoridade (e cuidado) de professor, iria estabelecer para a
performativa. A certa altura os meninos perceberam que nada iria acontecer e que não
tinha ninguém para rir das gracinhas sem propósito deles. Um deles, então, resolve
interromper o movimento: “Hey, kara, você não está vendo que ele é uma estátua, uma
parte da obra?! Ele não pode se mexer. Vamos embora.” Essa fala se dá de maneira
lúcida, clara e sem ironia. É o momento em que um dos opressores, provavelmente não
114
o líder deles, se dá conta do quão vil e descabido é aquilo que está acontecendo. Eles
Eu poderia propor uma reflexão de que ele não estava com a escuta aberta para o
aqui e agora e que não dialogou com os acontecimentos. Mas, a verdade, é que para
aquele jovem tímido, que muito provavelmente recebe esse tipo de tratamento no
cotidiano escolar, aquela atitude não era de ignorar os acontecimentos, mas de resistir a
eles. Permanecer em seu propósito e não ser demovido de suas intenções apesar do
O fato é que eu não precisei intervir. Ele venceu sozinho a situação, não precisava
mais de minha ajuda. Eu tenho orgulho desses momentos. Essa vitória não é minha, é
Depois de terminada a passada dos alunos para o auditório, quando teria então
na prática e imóveis. Parece que depois de atingir certo estado de concentração tudo se
torna um pouco hipnotizante, é difícil sair desse estado. Nesse momento ainda, a
professora de artes da escola, andava por entre eles feliz da vida, exaltando a nossa
Quando finalmente o grupo optou por desmontar, saímos – eu com eles – pelo
pátio da escola com nossos grandes recortes de plásticos. Felizes por sermos tão (um
pouco) subversivos.
115
Sobre a recepção, os alunos pontuaram o quanto que as pessoas ficam tentando
buscar um sentido, uma razão para a proposição artística e quando não encontram
parece haver uma decepção ou mesmo um sentido de falha. Eles narraram isso ao
falarem que muitos colegas e professores haviam perguntado para eles, após a ação,
reproduzido, como na prova, além de uma busca constante pela razão, pelo sentido dos
artefatos, como por exemplo numa situação de “explique o sentido do texto lido”.
Quando isso não se estabelece a pessoa fica um pouco perdida, como se as regras do
jogo tivessem sido mudadas. Eles mesmos, eu lembrei, não tinham entendido no início
O próprio uso das placas “renascer?” é uma atitude que eu questiono um pouco,
essa uma reflexão de agora, na medida em que funciona como uma espécie de título ou
legenda e propõe uma linha de leitura. O uso desse recurso é uma insegurança do grupo
trabalho no que tange a sua significação? Talvez ela também possa ser entendida como
classificá-los, mas que no fundo só faz saltar a incoerência desse enquadramento. Não
que isto tenha sido pensado quando da concepção da ação, mas alguns elementos
alunos-performers. Isso não aconteceu. Eles ficaram um pouco frustrados, mas o fato
116
(não) são estimulados no ambiente escolar. E mais, o quanto essa questão da
alguém entende o que se passa e que tipo de interação é proposta ela é efetivada sem o
medo de estar fazendo algo errado. Quando não existem instruções e códigos claros o
medo do erro inibe a participação dos indivíduos que estão habituados a produzir em
todas as possibilidades.
O grupo pontuou que o hábito de interagir com as ações performáticas poderia ser
criado se essas ações ocorressem com maior frequência na escola. Isso nos levou a
rastro da liberdade”.
117
Figura 12: registro da performance "Renascer?".
118
3.4 – Relato da performance “Os cegos”
centro do altar com os braços abertos, em postura que faz referência a uma santa.
Quando chegam no altar, a figura religiosa tira a venda dos olhos deles.
A música que toca é “Os cegos do castelo”, de Nando Reis na versão do grupo
Titãs.
descolar na narrativa tradicional do drama - fato que para mim gera uma certa
da basílica da escola. Por isso, tinha momento certo para acontecer, início e fim
conseguimos criar, ou tentamos, nessa estrutura de cena mais tradicional foram: a saída
119
dos alunos-performers de dentro da plateia e o fato de que eles estavam genuinamente
e não tiveram calma de efetivamente performar a ação, valorizar o aqui e agora. Essa
estabelece (como descrito no parágrafo acima). Sustentar o “só fazer” se torna difícil
suficiente naquele momento, ou a preparação para a ação não tenha sido adequada – no
que assumo também essa responsabilidade. Não que a ação tenha sido ruim, mas avalio
Apesar dessa avaliação que faço, a recepção foi boa por parte da plateia no que
Julgo que no quadro geral da situação, a grande diferença que pudemos fazer foi o
fato de termos escolhido uma aluna negra para performar a figura religiosa, identificada
um pano de chita, evocando também a questão da cultura popular. Após a ação, algumas
de que esta Nossa Senhora é Auxiliadora do que e de quem? Após debate, chegamos ao
consenso de que, para nós, essa figura poderia ser auxiliadora dos intolerantes e que
estes eram como cegos. Não só cegos, mas que iam se guiando uns aos outros, todos
cegos. Lembrei então da pintura “A parábola dos cegos”, do pintor flamengo Pieter
conclusão de que a nossa ação se basearia nela: ação, imagem e alegoria partiriam da
120
referência da pintura. Fizemos alguns experimentos com a situação dos alunos-
aproveitado todo o seu potencial foi baseado nos experimentos realizados em sala e no
pátio, visto que estes foram muito mais ricos do que a situação vivenciada na basílica.
121
É interessante pensarmos que ao propor um processo que busca dialogar com
acaba encontrando ecos em outras produções. Exemplo disso é o caso desta ação “Os
Cegos” que guarda algumas semelhanças com a performance urbana CEGOS do Desvio
Coletivo14 onde
Figura 16 e 17: performance urbana CEGOS em São Paulo. 2012. Fotos de Eduardo Bernardino. Disponível em:
<https://desviocoletivo.wordpress.com/2012/12/13/performance-cegos-na-avenida-paulista-e-regiao-central-de-
sao-paulo/>. Acesso em 12 jun. 2018.
parte pelo uso dos paletós e terninhos cobertos de lama, bem como pela relação que a
14
“O Desvio Coletivo é um grupo artivista, com independência política e sem nenhum financiamento
institucional, que se dedica à criação da cena contemporânea na zona de fronteira entre o teatro, a
performance, a intervenção urbana e a produção de vídeo. O coletivo, sediado em São Paulo, vem
apresentando desde 2011 diversas ações performativas e espetáculos em quase todas as capitais
brasileiras, além de ter circulado por Barcelona, Paris, Amsterdam, Nova Iorque, Praga, Santiago, Ilha da
Madeira, dentre outras” (DESVIO COLETIVO, 2012)
122
Oficina Livre de Teatro, pelo uso da música e por ter sido executado dentro da igreja,
acaba por evocar outras questões mais introspectivas como o medo e a dificuldade dos
em momento posterior ao trabalho que fiz com meus alunos. De qualquer modo, as
imagens finais se assemelham, até porque, ambas tem como referência o mesmo quadro:
(1580), em que se vêem cegos conduzindo cegos, cada qual tentando encontrar algum
Figura 18: Brueguel, P. A Parábola dos Cegos. 1580. 1 original de arte, óleo e têmpera sobre tela, 58 cm x 154 cm.
ações.
123
A instalação: no local onde será realizada a Mostra de Artes, no espaço reservado
à Oficina de Teatro, será colocado um mural coberto com papel pardo. No centro do
mural lê-se a inscrição: à vontade. Ao lado do mural estarão dispostos potes de tinta
Roteiro de ações: previamente, antes da ação iniciar, o espaço a ser usado (ao lado
Ação - Duas meninas, uma de frente para a outra. Usando o dedo para pintar, elas
fazem arabescos no papel do chão. Aos poucos, o ato de pintar vai migrando para os
Ação – Duas meninas. Uma delas está sentada no chão e segura um guarda-chuva
transparente. Ele está aberto cobrindo a cabeça dela. A outra pega um pote de tinta e
Ação – Alguns alunos. Todos munidos de pincel com tinta. Eles começam a se
atacar mutuamente, duelar, jogando tinta uns sobre os outros usando o pincel como
armas.
Ação - 4 pessoas estão andando perfeitamente iguais e limpas até que alguém sai
debocham dela até que mais alguém sai do grupo e se junta ao dançante. Isso se repete
até sobrar somente uma pessoa limpa e rindo dos outros. Esta se dá conta que ela é a
Colégio Salesiano Santa Rosa, na quadra da escola. Evento ocorrido no sábado com
124
ação cerca de 10 alunos e alunas, entre os quais 1 ex-aluno da escola que tinha
Comentários: A primeira coisa a ser dita é que a ação não se cumpriu como
havíamos concebido. Não que isso seja um problema, mas precisa ser pontuado. A
instalação do mural ocorreu dentro do previsto: as pessoas que estavam passando pela
escrevendo palavras, frases. Vale narrar que a primeira pessoa a se aproximar foi um
125
aluno que na época era do 7º ano do Ensino Fundamental e que recebia
Asperger, ele é acompanhado todo o tempo por uma mediadora. Pois foi exatamente
este aluno que ao ver o mural com as tintas e pinceis não teve dúvidas e se aproximou.
Quando ele chegou, tínhamos acabado de instalar o dispositivo e não tinha ninguém
interagir e tentou impedir o menino. Eu me aproximei e interferi, disse que não havia
Vale comentar que toda essa intervenção da Mostra de Artes (o mural, as ações, o
atividades interativas e de como provocar isso dentro da escola. Tudo foi pensado a
partir da reflexão sobre o quanto os alunos se sentem à vontade para se expressão dentro
do ambiente escolar. O aluno descrito acima, é o tipo de indivíduo que não se enquadra
e não aceita de imediato as amarras da instituição. Por isso mesmo ele é tido como
especial e por isso mesmo ele é o primeiro a interagir com a proposta. É curioso, e
potente, pensarmos que num gesto de deslocamento das hierarquias e das lógicas,
Sobre o roteiro de ações e o seu não cumprimento, a proposta inicial era que as
várias pequenas ações se sucedessem ao longo da duração da feira, para tentar abarcar
simultâneo, não conseguimos efetivar essa proposta. O que se deu foi que mais próximo
ao fim do evento os alunos começaram a preparar para executar as ações, mas o próprio
com o material disponível – as tintas e pinceis) foi se tornando a própria ação. Não só
126
pela visibilidade que isso foi ganhando, uma vez que eles estavam se preparando a vista
começou a surgir.
Eles iniciaram, por conta própria, com um “Guli-guli”15 em que as mãos estavam
já com tintas e a medida que eles efetivavam a percussão corporal própria da atividade,
a tinta ia sendo espirrada. Aos poucos eles foram ativando os roteiros de ações (a guerra
de tintas, a situação com o guarda-chuva) mas sem início e fim definidos entre eles, as
originalmente. Não sei precisar quanto tempo durou a ação, mas estimo algo em torno
de vinte minutos. Nesse fluxo, algumas situações originalmente programadas não foram
executadas (como a ação dos arabescos e a ação em que um grupo ri dos que estão
dançando com as tintas). Em contrapartida, surgiram situações que não tinham sido
ignição, mas também do por em ação. Entendo, agora analisando, que essas situações
encarnados” (PHELAN apud RACHEL, 2013, p. 47). Uma espécie de resíduo que fica
impregnado no corpo e que pode ser evocado quando necessário e por isso é uma
Mesmo sem saber, essa noção de repertório, como algo que deixa um vestígio,
dialoga com a noção de rastro que já estava presente no título da ação (o rastro da
15
Guli-guli é uma atividade que eu uso com os grupos para aquecimento. Faz-se uma roda e uma
sequência de gestos e sons é repetida sempre aumentando a velocidade.
16
A reflexão sobre arquivo e repertório se faz pertinente dentro desta pesquisa sobre performatividade
como resistência na Escola do Espetáculo, mas não é o recorte aqui proposto. Por se tratar de um tema
muito potente, guardo para um momento de pesquisa futura.
127
liberdade). Quando inicialmente pensamos nesse título era porque isso tinha uma
relação com a ideia de trabalhar com as tintas, estas numa referência da livre expressão,
seguinte modo: qual é o repertório de liberdades que esses jovens conseguem construir
Figura 24: roupa de um dos alunos-performers após a performance "O rastro da liberdade".
128
3.6 – Relato da performance “As quatro estações”
(fila, suspensão, deslocamento pelo espaço, dentre outros) bem como o momento e o
modo de retornar à sala ficam a cargo do jogo que o grupo irá estabelecer no momento
Santa Rosa, no horário do recreio do turno da tarde. Participaram da ação 10 alunas, das
129
Figura 56: alunas-performers em cortejo com participação espontânea de outros jovens durante a ação "As quatro
estações".
Comentários: Esta ação foi desenvolvida dentro de uma proposta maior que foi o
projeto de montagem para o fim de ano de um dos grupos da Oficina de Teatro de 2017.
Grupo formado exclusivamente por alunas, única experiência desse tipo em toda a
minha vivência de professor de teatro, depois de muito pensar optamos por investigar
cenicamente o mito de Medéia. E optamos por fazê-lo por um viés performático: não
esta ou aquela dramaturgia, mas uma apropriação do mito por uma aproximação dos
elas a obra de Pina Bausch. Esse contato, feito através do filme Pina, de Win Wenders,
natureza. O grupo ficou tão impactado que decidiu sair da sala de teatro e ir ao pátio
executar a coreografia.
descer ao pátio e ir, aconteceu tudo em uma única aula. Descemos bem na hora do
130
recreio do turno da tarde, alunos de sexto, sétimo e oitavo anos do Ensino Fundamental
II.
movimento dançante pelo pátio da escola. Mas o ponto alto da ação foi, sem dúvida, o
Muitos olhavam a distância, mas alguns imitavam os gestos de longe. Outros, não só
Novembro. Apesar disso, o contato com a obra de Pina Bausch e a performance de “As
na cena teatral.
131
Figura 27: registro da performance "As quatro estações" na praça de alimentação da escola com funcionários e
alunos observando ao fundo.
Figura 28: crianças da escola aderem ao cortejo da ação "As quatro estações".
132
O aluno-performer, ou o grupo deles, deve ir até o bebedouro mais próximo da
sala de teatro - no pátio –, beber água e voltar para a sala. Toda a ação deverá ser feita o
Médio.
Figura 30: duas alunas (em primeiro plano) aderem ao cortejo de alunos-performer na ação "Beber água".
133
aplicação de uma situação descrita pela professora Carmela Soares: “em meio à aula de
teatro, o garoto pede licença à professora para ir beber água. Obtém seu acordo e algo
mais: ela solicita que ele vá ao bebedouro, beba água e na volta para a classe faça todo o
percurso o mais devagar possível, em câmera lenta” (apud PUPO, 2008, p. 227).
grupo, estava em fluxo uma aula em que eu estava abordando exatamente o caminhar, a
atenção dos movimentos e do contato dos pés com o chão, o modo como a caminhada
do desacelerar do andar para que o grupo pudesse ficar mais atento a essas questões.
Pois que bem nesse dia um menino me pede para beber água. Eu lembrei do relado
citado acima e fiz a proposta: você pode ir beber água, mas precisa ser na caminhada
Eu tinha certeza que o aluno em questão, pela timidez, não iria aceitar o desafio.
Mas para a minha surpresa toda a turma ficou empolgada com a proposição e optou por
descer em grande coro, todos na caminhada mais lenta do mundo. Poucos foram os que
No momento em que a ação se deu, não haviam muitas pessoas no pátio, onde o
física em uma quadra próxima. Mas este grupo, ainda que pequeno, ficou bastante
eles tinham sido perseverantes em manter o ritmo ao longo de toda a caminhada sem
134
***
Estes relatos e reflexões são um recorte da minha atividade docente. Além dessas
propostas com foco na performance, tenho desenvolvido com os grupos uma gama de
vivências que passam por: montagens teatrais dentro de uma noção mais tradicional
longo do ano e propõe um roteiro de ações; drama como método (CABRAL, 2006);
aulas abertas e até mesmo montagens influenciadas pelo teatro autobiográfico e pela
performatividade – sendo estes três últimos exemplos aqueles que mais se articulam
estabelecendo uma demanda e uma trajetória. Nesse sentido, é honesto que o professor-
performer saiba por onde deixar escorrer as possibilidades criativas. Além disso,
defender o modelo rizomático não é para colocá-lo em prioridade a outro modelo – até
porque essa hierarquia seria contra o próprio rizoma. De outro modo, propor olhar e
múltiplos.
Era tão só o desejo de partilhar algumas experiências. Nunca num lugar de acerto, mas
“Os cegos” onde se estabelece a relação de palco/plateia e a questão das perguntas que
135
Se estes relatos puderem servir para fomentar outras travessias - como inspiração,
objetivos.
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
produto acabado. Por outro lado, propor territorializações é potente no sentido em que
ajuda a fechar os ciclos (da pesquisa, da graduação). Sedimentar algumas ideias, como
São atraídos pela gravidade na medida em que se tornam mais concretos e materiais,
agora que estão articulados entre si. Nessa imagem de uma poeira que baixa e permite
Mas no momento em que o professor coabita o espaço do aluno, este aluno também é
aluno, performer, artista, pesquisador, participante. Essa lógica que não é mais do ser,
onde cada um está num lugar específico do esquema de hierarquia, mas se torna uma
lógica do e, em que é possível estar em mais de um lugar ao mesmo tempo e que faz
mais cada um em uma única cela, ao contrário, estão em todas ao mesmo tempo como
De maneira correlata, a ideia de uma aula performática vem também para criar
repertório, crítica, produção. Isso permite não só furar os controles da escola, mas
narrativa que não é mais una, mas repleta de nuances. Diferentes melodias se alternam
alteram. Hora uma valsa, hora um addagio, hora um funk ou um rap, ou um frevo.
Todos esses atravessamentos constituem um todo (que não é coeso ou delimitado) mas
que funciona como uma espécie de poema ou sonho (LEHMANN apud PUPO, 2008, p.
223).
É nesse sentido que proponho o título deste trabalho: partituras e canções. Além
escola e contribui para o saber da experiência, traz a ideia de que ninguém executa as
partituras do mesmo modo. Elas são pontos de partida, disparadores de jogos, e cada um
pode executar sua melodia como achar mais oportuno. Por isso também não cabem aqui
a partilha dos caminhos que trilhei para que outros possam se servir de partes desses
loucos, como Artaud, poderiam propor uma festa dentro da fábrica ou da prisão. Somos
138
nós, os artistas, essas figuras. Assim, não mais o espetáculo, onde a plateia assiste, mas
a festa, onde todos dançam, passa a ser a imagem para onde apontam nossos desejos.
Desejo de que possamos ir abrindo espaço nos muros da escola, fazendo entrar lufadas
Mais ar, mais ar, mais ar. Para trazer a vida de volta, para fazer respirar.
sempre reinventadas.
139
REFERÊNCIAS
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
CABRAL, Beatriz. Drama como método de ensino. São Paulo: Editora Hucitec, 2006.
GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro: Record, 2014.
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RACHEL, Denise Pereira. Adote o artista não deixe ele virar professor: Reflexões em
torno do híbrido professor performer. 2013. 166 f. Dissertação (Mestrado em Arte
Educação) – Instituto de Artes da UNESP, São Paulo. 2013.
RODRIGUES, Chai. Cegos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Desvio Coletivo, 2012.
Disponível em: <https://desviocoletivo.wordpress.com/2012/12/04/cegos-em-sao-paulo-
e-no-rio-de-janeiro/>. Acesso em: 12 jun. 2018.
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