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A Bíblia e o abuso sexual –

Katie McCoy
Nunca antes o assunto do abuso sexual contra as mulheres pareceu tão
onipresente. Na última semana, um júri de Nashville condenou dois estudantes
da Universidade Vanderbilt por estupro qualificado e agressão sexual
qualificada quando eles abusaram de um aluna em um quarto de dormitório
em 2013. Entre os muito difundidos abusos nos campi universitários, dos
quais 80% não são relatados, muitos esperam que essa forte decisão judicial
irá comunicar a outras vítimas de estupro que elas também serão ouvidas. O
caso é só um de muitos exemplos de abuso sexual em um campus
universitário. Desses, alguns ficam sem serem solucionados, a despeito de
terem sido relatados. E a violência sexual nos campi das universidades não é a
única fonte de notícias com histórias sobre estupro. No último outono, foi
testemunhado o número atordoador de alegações de abuso sexual cometidos
pelo conhecido comediante Bill Cosby. De acordo com essas mulheres, esses
abusos se mantiveram em oculto pela maior parte de suas vidas. De calouras
de faculdade a senhoras com mais idade, as mulheres estão falando sobre isso
e buscando justiça.

A Bíblia não está em silêncio sobre o estupro.


Os relatos de abuso sexual contra mulheres, na Bíblia, são de quebrar o
coração e até macabros. Mas eles não são varridos para debaixo do tapete ou
abafados. De fato, dos três relatos descrevendo uma mulher que foi abusada
sexualmente, cada um precipitou uma guerra civil. Quando a filha de Jacó,
Diná, foi violada pelo filho de um governante vizinho, Siquém, os irmãos dela
assassinaram o estuprador, o pai dele e todos os homens daquela cidade como
vingança (Gênesis 34).

Depois que a concubina cujo nome não é mencionado sofreu um estupro


coletivo e foi deixada para morrer pelos homens da tribo de Benjamim, as
outras tribos foram à guerra contra eles, ao saberem da injustiça contra aquela
mulher (Juízes 19-21).

E depois que Tamar foi estuprada pelo seu meio irmão Amnon, o irmão dela,
Absalão, o matou e incitou uma rebelião contra seu pai, o Rei Davi (2 Samuel
13). Casos de estupro não eram encobertos nem ignorados. Pelo contrário,
havia resposta e vingança[1]. Era uma convulsão sexual tamanha que era
respondida com ultraje e com mais violência. Os casos de estupro na Escritura
nos dizem algo sobre os casos de estupro sobre os quais ouvimos hoje: essas
mulheres têm que ser ouvidas e têm que ser protegidas.

Os casos de estupro na Escritura


nos dizem algo sobre os casos de
estupro sobre os quais ouvimos
hoje: essas mulheres têm que ser
ouvidas e têm que ser protegidas.
A lei do Antigo Testamento nos dá um quadro ainda maior sobre como Deus
trata a causa da vítima e daquela que é vulnerável. Há uma passagem em
particular, Deuteronômio 22.23-29, que protegia as mulheres que haviam sido
violadas. Como todos os outros códigos legais, essas leis revelam o coração e
o caráter de Deus.

Deuteronômio 22.23-24

“Se houver moça virgem, desposada, e um homem a achar na cidade e se


deitar com ela, então, trareis ambos à porta daquela cidade e os apedrejareis
até que morram; a moça, porque não gritou na cidade, e o homem, porque
humilhou a mulher do seu próximo; assim, eliminarás o mal do meio de ti.”

Comparado aos outros cenários, nessa passagem, esses versos descrevem um


encontro consensual. Esse lei não usa termos como “capturar” ou “forçar”,
mas simplesmente “achar” (matsa’)[2]. O que há de significante nesse verso é
o ambiente que ele descreve. Já que ele é descrito como tendo acontecido na
cidade, implica-se que havia pessoas nas proximidades, as quais poderiam tê-
la ajudado, caso ela houvesse gritado. Já que ela não o fez, a implicação é que
ela não resistiu e, portanto, ela também é responsável. Por ela ser noiva de
outro homem, ela já era considerada sua mulher, tornando o caso equivalente
a um adultério (Deteronômio 22.22).

Deuteronômio 22.25-27

“Porém, se algum homem no campo achar moça desposada, e a forçar, e se


deitar com ela, então, morrerá só o homem que se deitou com ela; à moça não
farás nada; ela não tem culpa de morte, porque, como o homem que se levanta
contra o seu próximo e lhe tira a vida, assim também é este caso. Pois a achou
no campo; a moça desposada gritou, e não houve quem a livrasse.”

Eu fiquei estupefato quando eu li essa passagem pela primeira vez. Não


somente o estuprador recebe a pena de morte, mas a mulher é protegida de
qualquer recurso. Ela não era levada à vergonha nem evitada. A palavra usada
para “força” (chazaq) [3], nesse verso, é mais específica, especialmente por
não ser usada em nenhuma das outras duas leis. Ela significa “tomar” ou
“manter pressionado”, especificamente significa prender com violência. O
lugar também é significativo aqui. Diferente do primeiro cenário, em que a
mulher estava próxima de onde podia receber ajuda, essa mulher foi capturada
em um lugar isolado, estando sozinha e indefesa. Ela gritou por ajuda, mas
havia sido dominada “e não houve quem a livrasse”. Deus defendeu a
inocência dela e assegurou-lhe tanto proteção quanto reputação. Ele a
protegeu da culpa pelo abuso e da vergonha depois do ocorrido.

Deuteronômio 22.28-29

“Se um homem achar moça virgem, que não está desposada, e a pegar, e se
deitar com ela, e forem apanhados, então, o homem que se deitou com ela
dará ao pai da moça cinquenta siclos de prata; e, uma vez que a humilhou, lhe
será por mulher; não poderá mandá-la embora durante a sua vida.”

As implicações dessa lei são mais sutis, embora igualmente significativas.


Esse verso não usa a palavra para “força” (chazaq); ele usa a palavra para
“prender” (taphas)[4], que também pode significar tomar posse ou dominar.
Seus outros usos têm a ideia de capturar ou oprimir (2 Reis 14.13). Diferente
dos outros dois cenários, esse se refere a uma virgem que não é noiva e não
especifica onde a violação ocorreu. Além disso, há mais um detalhe nessa lei
que é bastante revelador. O verso usa a expressão “e forem apanhados”. A
linguagem se refere a um certo homem e a uma certa mulher como “eles”.
(Acompanhe-me aqui.) Junto com o fato de que esse verso não usa o mesmo
verbo para “força”, eu creio que essa lei descreve outra coisa, que não o
estupro violento. Ela foi oprimida? Sim. Isso a desonrou?
Inquestionavelmente. O homem é responsável por violá-la? Certamente.

Mas o Espírito Santo inspirou uma palavra diferente nos versos 28-29 do
verbo usado nos versos 25-27, e Ele o fez intencionalmente (2 Tm 3.16-17; 2
Pe 1.19-21). O detalhe de que eles foram encontrados juntos implica algum
nível de mútua responsabilidade, que é diferente do que vemos nos versos 25-
27 (se você viu a temporada 1 de Downton Abbey, pense em Mary Crawley e
no diplomata turco). O homem é responsabilizado e tem que casar com a
mulher (e supri-la). Além disso, ele não pode se divorciar dela e isso pelo
resto da vida. Êxodo 22.16-17 descreve um cenário semelhante, em que a
jovem mulher é “seduzida” e acrescenta que o pai pode se recusar a dar seu
consentimento para o casamento. Mas o homem ainda tem que pagar o preço
de um dote, o que significa que ele estava sem o dinheiro separado para uma
noiva e que ele ainda não tinha esposa. Note que não há punição para a garota.
Para a jovem mulher que foi seduzida, não há indicação de que ela foi
ostracizada pela sua comunidade ou evitada pela sua família. Ao invés disso,
ela foi vindicada e sua honra foi restaurada. O que isso significa? Ele não
poderia usá-la e desprezá-la. Deus estava protegendo a mulher nessa situação
de ser deixada sem proteção ou provisão. As mulheres não deveriam ser
usadas e descartadas.

Um abuso contra o Éden


Alguns olham para essas passagens e afirmam que a Bíblia permite e até
legaliza o abuso sexual; e que, portanto, a Bíblia é opressiva contra as
mulheres. Ainda que, em cada um desses cenários, ela seja protegida e o
violador seja punido. Quando a mulher  está em falta, ele nunca recebe a
culpa. De fato, ela era vindicada. Nenhuma dessas situações eram para
acontecer. Deus nunca desejou que uma mulher fosse violada e Ele certamente
não desviou os olhos disso. Essas leis restringiam a pecaminosidade humana e
mantinha o povo de Deus separada das culturas ao redor. Mas, além disso,
elas revelam a natureza e o caráter de um Deus que protege a vítima, provê
para aquela que é vulnerável e toma partido da que foi violada. Deus é
decididamente pró-mulheres!

Deus é decididamente pró-


mulheres!
A atrocidade de um estupro é uma exploração desordenada de tudo que Deus
projetou quando Ele criou homem e mulher (Gênesis 2.18-25). Desde o início,
Ele quis que as mulheres fossem protegidas e valorizadas. Seja ela uma
caloura em uma universidade de prestígio, uma nigeriana de 14 anos abuzada
por Boko Haram ou uma senhora de 65 anos que encontrou coragem para
quebrar seu silêncio, um abuso contra Eva é um abuso contra o Éden. E, um
dia, cada erro cometido contra as filhas dela será corrigido por um Deus que
guarda a justiça.

[1] Essa observação não é para dar aprovação à violência que ocorre em
resposta ao abuso. Tanto a violência contra as mulheres quanto a violência
civil daqueles que se vingam demonstram o caos do pecado e da depravação
aspiral em que o próprio povo de Deus estava.

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