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Curso Agenda 21

Meio ambiente, desenvolvimento sustentável


e políticas públicas

Clovis Cavalcanti

Uma visão mais abrangente do meio ambiente como fundamento biofísico da tudo que o homem faz
constitui o cerne da visão do campo de estudo da economia ecológica. Nessa ótica, o desenvolvimento sócio
econômico deve ser concebido sob a égide da noção de sustentabilidade . Só assim, de fato, é que se pode ter
progresso material com a preservação dos recursos e serviços ecossistêmicos por sucessivas gerações. A
contribuição deste livro, sem dúvida inovadora, é a de permitir que o desenvolvimento sustentável, no quadro
de referência da ecologia e orientado para a promoção do bem estar humano, da qualidade de vida e da justiça
social, seja integrado à formulação de políticas públicas. Esta é uma tarefa que os compromissos decorrentes
da Conferência Rio 92, (a Cúpula da Terra) impõem, a fim de que não constituam simples figura de retórica e
se percam no vazio. Como tal, o livro interessa não apenas aos tomadores de decisão e policy makers, mas
também aos pesquisadores e estudiosos das questões sócio econômicas numa perspectiva de
sustentabilidade ambiental.

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Curso Agenda 21

Política de governo para o desenvolvimento sustentável:


uma introdução ao tema e a esta obra coletiva

1. Introdução

Este livro reúne a maior parte dos trabalhos escritos para o workshop sobre “Meio Ambiente,
Desenvolvimento e Política de Governo: Bases para a Construção de uma Sociedade Sustentável no Brasil
(Levando em Conta a Natureza)”, do qual fui coordenador e que teve lugar em Olinda, Pernambuco, em abril
de 1996. Tal encontro, sediado pelo Instituto de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco, pôde ser
realizado graças ao apoio que lhe foi proporcionado pelo Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos
e da Amazônia Legal (MMA) e pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). Sua origem remonta a uma conversa longa que tive em julho de 1995 com o Ministro Gustavo Krause
– titular, desde o início do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (janeiro de 1995), do MMA –
acerca do tema da sustentabilidade, quando pude expor àquela autoridade a visão (termodinâmica) da
economia ecológica sobre a questão do desenvolvimento sustentável. Recebi na ocasião, do senhor ministro, a
incumbência de promover uma reunião de trabalho em que pesquisadores que estão na linha de frente das
discussões sobre o assunto trocassem informação e perspectivas distintas sobre a sustentabilidade, inserindo
seu intercâmbio na ótica da formulação de políticas para a construção de uma sociedade sustentável no Brasil
(que leve em conta a dimensão da Natureza). Aceitando o encargo, convidei certo número de pessoas, 27 das
quais responderam positivamente à convocação que lhes fiz, e se dispuseram a escrever um texto para debate
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no workshop, de acordo com regras estabelecidas pela coordenação.

O presente volume compreende, além deste primeiro capítulo, 23 dos papers produzidos conforme as
regras estipuladas, os quais estão incluídos aqui em função de terem se ajustado de modo mais preciso aos
critérios gerais para a organização do livro. Isto, de forma alguma, diminui a relevância do que está contido nos
trabalhos que não fazem parte da coletânea (ver as referências no final do capítulo) – os quais abordam (i)
problemas específicos da lavoura de arroz no Uruguai e Rio Grande do Sul (paper de Guillermo Scarlato), (ii) a
experiência de construção de contas nacionais “verdes” do Chile (Marcel Claude), (iii) questões metodológicas
e conceituais da contabilidade nacional de base ecológica (Erik van Dam) e (iv) uma pauta de política para
uma sociedade democrática , igualitária, eficiente e sustentável. (Eduardo Viola).

Por trás da ampla diversidade disciplinar e de perspectivas teóricas dos textos do workshop e dos que
figuram nesta obra coletiva existe, portanto, um fio condutor, que os unifica de certa forma, qual seja a
preocupação com a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Não se trata de listar
regras ou oferecer receitas para se atingir a sustentabilidade – até porque , no mundo complexo das
sociedades humanas, cada situação, desde a de um grupo indígena vivendo remotamente na Amazônia até o
modelo de vida moderna dos Estados Unidos, tem seus próprios desafios, que é preciso compreender antes
de se propor qualquer coisa. Entretanto, isto não impede de se pensar em princípios, de se buscarem
referências, de se construir um arcabouço de considerações para a orientação do processo de tomada de
decisões no mundo real, levando em consideração a natureza (atividade não necessariamente restrita apenas
ao plano governamental). Pois foi exatamente esta busca de referências para a sustentabilidade que constituiu
a motivação do workshop, e é ela também que dirigiu a preparação do livro que aqui chega às mãos do leitor.

Percebe-se em muitos quadrantes da ação do homem que o mundo enfrenta hoje uma encruzilhada
crítica. Modos de organização econômica predadores dos recursos finitos da natureza revelam-se cada vez
mais insustentáveis, por quanto, no âmbito da realidade biofísica, sobre que se apóia a economia, só pode
durar indefinidamente aquilo que se comporta de acordo com os princípios de funcionamento da biosfera
(dentre os quais desponta o da fragilidade). Olhando para a paisagem do mundo real, em que um ecossistema

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finito abriga uma economia cada vez maior e acolhe números de pessoas que crescem exponencialmente, é
que se reflete sobre o tema da sustentabilidade, sobre o desenvolvimento – como dizem os franceses –
durable. É generalizada no discurso atual a alusão ao desenvolvimento sustentável, sobretudo no rescaldo da
Rio-92. Dá-se ao tema, muitas vezes, porém, um significado que contradiz sua própria essência
transformando-o em autêntico oxímoro. É aqui que a ciência deve ser convocada para explicar o significado da
idéia e indicar as sérias implicações que dela decorrem. Com tal bússola, voltada para a construção de uma
sociedade sustentável no Brasil que considere devidamente a mãe-Natureza, levou-se a efeito o workshop de
Olinda, do qual resultou um relatório – que se está transformando igualmente em livro, além desta coletânea
de trabalhos ora apresentada.

Uma visão compreensiva dos temas abordados nas discussões do workshop é oferecida, a título de
introdução geral do presente volume, no restante deste capítulo, começando com as motivações básicas dos
questionamentos acerca da sustentabilidade (seção 2), seguindo (seção 3) com as coordenadas de políticas
públicas para a sustentabilidade, e culminando (seção 4) com a caracterização de iniciativas para chegar-se
ao desenvolvimento sustentável. Uma seção final, a de número 5, apresenta conclusões. Obviamente, o
panorama oferecido neste capítulo reflete a compreensão do autor, não pretendendo representar seja uma
impossível unanimidade dos participantes do workshop ou mesmo uma tendência predominante entre eles
com respeito aos tópicos estudados.

2. Preocupações básicas

Com país em desenvolvimento (“mercado emergente”, no jargão atual), é evidente que o Brasil deve
prestar mais atenção a princípios de adequada gestão de seus recursos naturais. Mais do que isso, o país tem
de conceber formas de promover bem-estar humano sem aceitar que seu capital natural seja usado ou
degradado como se valesse quase nada. De fato, o Brasil enfrenta o desafio de lutar contra a pobreza fazendo
simultaneamente uma correta consideração dos custos ambientais envolvidos como parte das políticas de
desenvolvimento. Até agora, entretanto, e a despeito de uma retórica (em época mais recente) de
sustentabilidade da parte do governo, o que tem prevalecido são iniciativas que não levam propriamente a
natureza em consideração. No passado, os recursos naturais no país, foram tradicionalmente explorados à
exaustão (Cavalcanti, 1991). Um caso ilustrativo atual é a jazida de 42 milhões de toneladas de manganês no
Amapá, a qual, de 1957 até meados da década de 90, foi completamente esgotada(Brito, 1994). Cada ano,
durante menos de quatro décadas, cerca de um milhão de toneladas de minério de manganês, em média,
foram extraídas , gerando ganhos anuais de exportação para o Brasil de 40 milhões de dólares, ou algo assim,
dos quais 4% apenas representavam o pagamento de royalties para a reserva (1,6 milhão de dólares ao ano).
Claramente, uma estratégia de desenvolvimento não pode se basear em tal forma predatória de uso da
natureza, sem ponderável compensação pela perda de capital natural em que se incorreu.

Na verdade, a questão ambiental que deve ser examinada em relação a iniciativas de desenvolvimento
não se reduz simplesmente a explorar recursos não-renováveis de maneira parcimoniosa. Uma visão distinta
do processo econômico, levando em conta a dimensão biofísica, as leis e princípios da natureza, é o que se
requer. A elaboração de regras para um desenvolvimento sustentável tem que reconhecer o fato de que a
ciência econômica convencional não considera a base ecológica do sistema econômico dentro de seu
arcabouço analítico, levando assim à crença no crescimento ilimitado. A idéia de sustentabilidade, por sua vez,
implica uma limitação definida nas possibilidades de crescimento. É sobre esse fundamento que é
indispensável agregar preocupações ecológicas (ou ecossociais) às políticas públicas no Brasil. É preciso
mostrar que o processo econômico não pode continuar impune, se violar as regras que dirigem a natureza
para eficiência máxima (quanto ao uso de matéria e energia), para mínimos de estresse e perdas, para
frugalidade e prudência ecológica. A perda irreversível de capital natural – como no caso do manganês do
Amapá – configura um custo repassado às futuras gerações, que se agrava pela maneira com que o consumo
de ativos físicos é considerado como renda no sistema de contas nacionais vigentes (ver Daly e El Serafy,
caps. 11 e 12, respectivamente, desta coletânea). Durante quarenta anos, o Brasil foi se despojando para
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sempre de um minério (o manganês) que não se encontra facilmente no mundo, e isto foi contabilizado
positivamente como um ganho, em termos do PIB. A mesma coisa acontece com respeito a outras funções de
abastecimento de recursos e absorção de dejetos do ecossistema . É com essa percepção na mente que um
novo conjunto de políticas para o desenvolvimento deve ser imaginado.

Mas que espécie de políticas e como deveriam ser elas formadas? É claro que não existe uma receita
acabada com que se possa prover uma resposta a tal questão. O que se pode adiantar tentativamente é que o
problema ambiental verdadeiro consiste precisamente em elevar a produtividade do capital da natureza,
usando seus estoques saudavelmente, sem se sobrecarregarem as funções de suprimento, de fonte (de
recursos) e de absorção ou de fossa (de dejetos) do ecossistema. Esta pode parecer uma orientação geral e
um tanto vaga. Mas é também, um ponto de partida para a consideração da limitação ecológica imposta pela
natureza ao processo econômico. Restrições e barreiras são, com efeito, aquilo que se encontra quando se
tenta entender como o desenvolvimento pode ser promovido dentro da moldura da ecosfera, principalmente se
consideram as leis inexoráveis de conservação de matéria e energia e de entropia. É aqui que o grande
desafio do desenvolvimento sustentável deve ser enfrentado por políticas inteligentes – políticas que possam
levar a uma melhoria real das condições de vida das pessoas pobres, sem perturbar funções ecossistêmicas
essenciais. Em resumo, a política de desenvolvimento, na montagem de uma sociedade sustentável, não pode
desprezar as relações entre o homem e a natureza que ditam o que é possível em face do que é desejável.

3. Princípios por trás de políticas para a sustentabilidade

O primeiro princípio a ser salientado no contexto de políticas que persigam o desenvolvimento sustentável
é o de que, crescimento significa sempre, irrefutavelmente, alguma forma de degradação do meio ambiente, de
perda física (Georgescu-Roegen, 1974), o processo econômico tem que se servir da natureza de um modo
mais duradouro, sóbrio e saudável do que tem sido a prática até hoje. Embora, rigorosamente, não se deva
confundir crescimento (expansão) com desenvolvimento (realização de um potencial) – como algumas pessoas
têm salientado (Daly, 1991) – é inegável que, no discurso sobre desenvolvimento em um país como o Brasil,
subentende-se sempre aumentar a renda per capita indefinidamente e isto representa crescimento. Seria
muito bom, se o último implicasse redução verdadeira e permanente ou eliminação da pobreza. Infelizmente ,
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tal coisa não é o que se depreende tanto da experiência do Brasil, como do mundo em geral. Mais ainda,
testemunha-se hoje , em toda a parte, o fenômeno do “crescimento sem empregos” (Sheng, cap.10 deste
volume), com desigualdade e miséria crescentes. A busca do desenvolvimento sustentável reflete a
incompetência da moderna economia em fazer com que multidões de pessoas superem o que chamei em
outro lugar de “bloqueio da pobreza” (Cavalcanti, 1988), assim como a necessidade de se considerarem
“finitude, entropia e dependência ecológica” (Daly & Cobb, 1944, p. 199).

A escala do sistema econômico é o segundo tópico a que se pode aludir com respeito a princípios para a
sustentabilidade. Se, como é correto supor, o sistema econômico deve ser visto como um subsistema do
ecossistema, e se o último é uma entidade não-crescente, existe então uma escala absoluta de fluxos de
recursos naturais que se deve considerar quanto á expansão da economia. Isto talvez possa sugerir
insensibilidade com respeito ao destino dos pobres (os quais, presumivelmente, necessitam de crescimento
econômico para sair da pobreza). Contudo, em vez de condena-los a permanecer assim, a questão da escala
deveria ser interpretada, alternativamente, como uma condenação aos ricos para fazer face à obrigação moral
da divisão do bolo (Fearnside, cap. 19, aqui). A situação mundial mostra que existem países e grupos sociais
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cujo “espaço ambiental” excede, em alguns casos, grandemente, seu território (Martinez-Alier, cap. 13). Essa
é uma situação de escala excessiva por dados países e grupos sociais à s expensas de terceiros (distribuição
ecológica desigual), o que exige que um princípio seja estabelecido com relação a que escala ótima da
economia pode ser praticada e compartida mais igualitariamente. Obviamente, a Terra tem uma só escala
ótima que é concebível em cada momento – dadas à tecnologia, as preferências dos consumidores etc. –
como a escolha aceitável que pode ser feita pelo sistema econômico. Grupos sociais e países podem,
evidentemente, negociar seu espaço ambiental (sua escala), vendendo ou comprando parte dele, mas existem
limites e trade-offs que não podem ser ignorados tanto em relação às gerações presentes quanto às futuras.
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O uso da natureza não pode desrespeitar a escala das funções ecológicas e os ecociclos. Isto, certamente,
constitui um princípio para guiar a sociedade na direção do desenvolvimento sustentável.

A questão de escala está intimamente relacionada ao conceito da capacidade de suporte (carrying


capacity) da ecosfera (Begossi, cap.3). A capacidade de suporte e, mais, resiliência, limites e sustentabilidade
são categorias ecológicas com enorme significação em termos das relações entre o processo econômico e o
ecossistema. A política de governo para o desenvolvimento sustentável não pode desconhecê-las. Muito pelo
contrário, ela tem de ligar iniciativas públicas com as coordenadas estabelecidas pelas funções e processos
naturais que indicam os limites do possível. Preocupa assim que o arcabouço neoclássico da economia – que
forma a base, em geral, do raciocínio dos economistas e, portanto, preside a adoção de propostas de
desenvolvimento em todo lugar – não dê atenção aos alicerces ambientais para obtenção de bem-estar
humano, dispensando limites. Tal desprezo conduz à aceitação de crescimento infinito, sem limitações
ecológicas que o atrapalhem, levantando expectativas infundadas no cidadão comum. Ele torna possível
também o tratamento da natureza como simplesmente um outro fator de produção, o qual, por sua vez, sequer
aparece na função de produção agregada (Binswanger, cap. 2 deste livro). Não somente a natureza – ou
matéria e energia – deve ser tratada como um fator de produção primordial, mas o produto material gerado
pelo homem deve ser fixado em sintonia com os ciclos naturais. Fluxos materiais que não sejam submetidos a
controle representam um risco permanente, levando a que se tenha que pensar em pôr restrições nas trocas
da sociedade com a natureza, ou seja, na transposição de recursos (Eriksson, cap. 60. em outras palavras, a
capacidade de suporte do ecossistema, simplesmente, não pode ser ignorada).

O problema torna-se mais agudo quando se verifica empiricamente que montantes cada vez maiores de
capital natural têm sido necessários para se produzir uma unidade de recurso para a sociedade, tal como
vários estudos sobre a manifestação biofísica da escassez estão comprovando (Cleveland, cap. 9 deste livro).
Por outra parte, uma economia que se expande provoca mudanças que causam desequilíbrios no meio
ambiente. Os preços de mercado, no entanto, não consideram tais perturbações, deixando-as de lado no
cálculo econômico, dessa forma reforçando os desequilíbrios. Na realidade, há atualmente muitos incentivos
na ordem institucional do mercado fixada pelo Estado para se explorar e destruir o meio ambiente. No Brasil,
uma ilustração é oferecida pela energia de Tucuruí (Pará) , que se entrega a preços muito baixos (subsidiados)
às duas fábricas de alumínio, uma da Alunorte (Barcarena, Pará) e outra da Alumar (Itaqui, Maranhão), que a
usam intensamente nos seus processos produtivos. Isto representa capital natural que é ofertado
gratuitamente para tornar o alumínio brasileiro “competitivo” nos mercados mundiais e promover o consumo
nos países industrializados (os quais, supostamente, não precisariam de tal generosidade). Obviamente, uma
intervenção é necessária para contrabalançar a forma pala qual o capital natural é tratado e valorado pelo
mercado. O princípio a ser adotado aqui é não deixar fora do cálculo econômico a “pegada ecológica” causada
por uma economia que se expande. Perdas ambientais constituem danos reais, físicos, que, muito
freqüentemente, são irreversíveis. Os custos que elas suscitam não podem ser tratados como uma
externalidade.
Optar pela sustentabilidade quer dizer adotar uma orientação de se conservar mais capital natural para
futuras gerações. Isto implica a aceitação de uma filosofia de finitude e auto-restrição (que não é fácil de
conciliar com atitudes globalizadas de consumo) (Brüseke, cap. 8 deste livro) . Nesta conexão, a escolha que a
sociedade fizer representa uma questão ética, uma vez que envolve distribuição de riqueza numa dimensão
temporal. Dizer que o desenvolvimento sustentável para um número de pessoa tendendo ao infinito é uma
impossibilidade, ou que, para ser sustentável, uma sociedade deve ter um fundamento biofísico estável,
significa um juízo de fato. Uma questão muito diferente é a decisão de se seguir o caminho da
sustentabilidade, que não é um problema de eficiência. Porém, insistir em um modelo cuja insustentabilidade –
medida pela perda de ativos da natureza – compromete a capacidade de as futuras gerações satisfazerem
suas próprias necessidades constitui também uma escolha ética. Os formuladores de política (e os
economistas que lhes dão consultoria) fazem vista grossa usualmente desse traço de suas decisões. É
necessário que as políticas de governo para o desenvolvimento sustentável sejam desenhadas no contexto de
princípios éticos relativo ao bem-estar das gerações atuais e futuras. Admitir crescimento contínuo pode ser
desejável, até charmoso, mas isto apenas representa um “adiamento de restrições quanto à extração de
produtos para dentro dos limites de sua produção sustentável”. (Fearnside, cap. 19, adiante).
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Um princípio importante de formulação de política para a sustentabilidade é se dispor de um sistema


consistente de informação para medir-se o desempenho econômico de um país ou região. Numa sociedade
sustentável, o progresso deve ser apreendido pela qualidade de vida (saúde, longevidade, maturidade
psicológica, educação, um meio ambiente limpo, espírito de comunidade, lazer gozado de modo inteligente, e
assim por diante), e não pelo puro consumo material (Viola, 1996). Renda nacional e PIB por pessoa referem-
se a progresso material. Mas é à base de seus valores (obtidos por meio do sistema de contas nacionais que
vigora há cinqüenta anos) que políticas de desenvolvimento são geralmente concebidas e avaliadas. O
resultado disso são políticas e instituições que promovem crescimento econômico em detrimento tanto do
progresso social quanto da manutenção ou melhoria das condições ambientais. Como é bem sabido, os
procedimentos da contabilidade nacional vigente tratam o consumo de capital natural como renda (a venda do
cobre de uma jazida, v.g.),além de criar fortes incentivos para a destruição do meio ambiente, na medida em
que a depleção (caso do manganês do Amapá, e.g.) e a degradação são consideradas como contribuições
positivas para o PIB e a renda nacional. Um uso frugal, comedido, de recursos adiciona menos aos agregados
econômicos do que a imoderação ou dissipação.

Por outro lado, mesmo dentro do arcabouço da metodologia da contabilidade nacional “verde” – que vem
sendo introduzida visando a correção da metodologia da contabilidade da renda mediante a consideração de
perdas ambientais - , uma grande dificuldade permanece quanto à fórmula de medição dos impactos
ecológicos em termos monetários (Fearnside , cap. 19, adiante). Evidentemente, as políticas de governo para o
desenvolvimento sustentável têm que se apoiar numa abordagem relevante para o cálculo do PIB verdadeiro
(ou seja, descontando-se perdas) e de outras variáveis macroeconômicas. A produtividade da natureza deve
ser avaliada em termos físicos (produção por unidade de recursos naturais usados e de lixo e emissões) e
apresentada junto com estimativas dos fluxos monetários de produção e consumo (El Serafy, cap.12 deste
iv
livro).

Isto significa a rejeição da utilização freqüente dos dados do PIB (em sua forma convencional) como uma
medida de bem-estar ou um indicador da qualidade de vida. Um sistema de contabilidade da renda nacional
que não compute o consumo de capital como renda e que internalize a depleção e degradação de recursos
constitui elemento-chave da formulação de política visando o desenvolvimento sustentável (Van Dam, 1996).

4. Política de governo para a sustentabilidade

Política de governo para a sustentabilidade significa uma orientação das ações políticas motivada pelo
reconhecimento da limitação ecológica fundamental dos recursos (matéria e energia, em última análise), sem
os quais nenhuma atividade humana pode se realizar. Isto implica a necessidade quer de utilização cuidadosa
da base biofísica, ambiental da economia, quer uma reorientação da maneira como os recursos da natureza
são empregados e os correspondentes benefícios , compartilhados. O problema estratégico, aqui consiste em
v
encontrar um fluxo metabólico (ou um throughput ) sustentável, que possa elevar o bem-estar societal sem
causar danos às funções e serviços ambientais. Em outras palavras, o nível do produto social deve ser
garantido, do mesmo modo que a qualidade do meio ambiente natural e a qualidade de vida. Desenvolvimento
sustentável, com efeito, significa qualificar (ou restringir) crescimento econômico, reconciliando progresso
material com a preservação da base natural da sociedade (Binswanger, cap. 2, adiante). Sustentar o fluxo
metabólico de recursos de baixa entropia que se convertem em matéria e energia de alta entropia – fluxo este
que constitui a essência do processo econômico (Georgescu-Roegen, 1971) – implica investir no aumento da
produtividade do capital natural, impedindo uma exploração ruinosa de recursos naturais e mantendo suas
capacidades de regeneração e absorção. Implica também que o ecossistema deva ter uma biomassa estável.
Para ser sustentável, o processo de desenvolvimento tem que imitar os processos da natureza tanto quanto
possível, incorporando as coordenadas da homeostase, da sobriedade e de máximos rendimentos com
eficiência ecológica no interior de seu arcabouço – adotando, numa palavra, os princípios de uma “economia
conservativa” (Branco, 1989, p. 90).

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Uma política comprometida com a sustentabilidade tem que desencorajar aquilo que cause ameaças à
saúde de longo prazo do ecossistema e à base biofísica da economia, tal como ineficiência, lixo poluição,
throughput, uso excessivo ou garimpo de recursos renováveis, dissipação de recursos esgotáveis, etc.
Opostamente, ela tem que impulsionar aquilo que é desejado, como sucede com renda real, emprego, bem-
estar, um ambiente limpo, uma paisagem bela, segurança pessoal, um uso balanceado dos recursos naturais
(incluindo ar e água) e assim por diante. Isto pode ser alcançado mediante o sistema tributário, fazendo-se
com que a carga de impostos seja deslocada das coisas mais desejáveis para as menos desejáveis
(Binswanger, cap. 2; Daly, cap. 11; Goodland, cap. 17 deste livro); pode ainda ser conseguido introduzindo-se
vi
dispositivos no mecanismo de mercado (como o princípio do full-cost ) que protejam o meio ambiente e
efetivem seu uso de maneira mais prudente. Impostos de indenização (severance taxes, em inglês) poderiam
ser igualmente cobrados quanto a recursos não-renováveis (pagando-se por seu desaparecimento), como, por
exemplo, no caso do manganês do Amapá, para fazer com que a sociedade compense monetariamente a
perda do capital natural. Todas essas medidas, obviamente, equivalem a uma interferência na forma como o
mercado opera. Elas se justificam pelo fato de que o mecanismo de preço possui um viés contra a natureza e
não reflete a escassez e os valores que lhe corresponderiam no futuro distante (Georgescu-Roegen, 1974),
exigindo, dessa forma, que o Estado lidere o mercado em lugar de segui-lo, como atualmente (Jöst et al., cap.
7, adiante). Em alguns casos, na realidade, pode-se tornar o mercado mais realista através da remoção de
subsídios que encorajam uso exagerado do capital natural. O exemplo do alumínio produzido com energia
artificialmente barata de Tucuruí é certamente uma ilustração da necessidade de mais realismo ao lidar-se com
recursos naturais. Outro exemplo análogo é o estímulo oficial para a criação de gado na Amazônia à custa de
destruição da floresta, como ocorreu até há pouco (Fearnside, cap. 19 deste livro).

Um aspecto das políticas de governo voltadas para objetivos de sustentabilidade que merece atenção
especial é o tratamento a ser dado a hábitos de consumo e estilos de vida. De um lado, níveis excessivos de
consumo de bens e serviços (pelos ricos, é claro) devem ser contidos. De outro, a persuasão para que se
consuma mais e mais de cada coisa, nutrida pelos meios de comunicação (a televisão, sobretudo) deve ser
revista e posta dentro dos parâmetros de prudência ecológica indispensáveis para a sustentabilidade. Isto
requer a tarefa muito difícil de se influenciar o lado da demanda (caso do rodízio de automóveis na Região
Metropolitana de São Paulo, introduzida em agosto de 1966, com bons resultados em termos do
desafogamento do fluxo de veículos) para que o consumo caia – o que, de qualquer modo, é uma providência
que tem que ser contemplada numa perspectiva de longo prazo (afinal de contas, a sustentabilidade implica
mudanças de estilo de vida para se assegurar a manutenção do capital natural). Para atingir-se um mundo
sustentável , o lado da demanda não pode ser intocável. Um sistema de penalidades e incentivos deve ser
delineado. (Goodland, cap. 17 deste livro) de modo a que as pessoas (1) andem a pé, de bicicleta ou usem o
transporte de massa mais do que o automóvel individual (que concentra recursos e é muito mais poluente); (2)
abram as janelas e adotem arquitetura apropriada mais do que se sirvam dos condicionadores de ar (que são
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conversores muito ineficientes de energia ); (3) reciclem mais do que empilhem lixo (re-uso de envelopes,
v.g.); (4) procuram durabilidade mais do que obsolescência; (5) optem por dietas à base de grãos mais do que
à base de carne (que concorrem para a ineficiência energética e são menos igualitárias); (6) cultivem a terra
em lotes de agrofloresta para produzirem alimentos, no lugar da comida menos produtiva de agrobusiness; (7)
evitem primeiro os danos da poluição e da sujeira, ao invés de fazer seu tratamento; (8) prefiram crescimento
trabalho- intensivo, que custa ambientalmente menos do que a variedade capital-intensiva; (9) recorram mais e
mais a energias renováveis; (10) promovam o uso dos recursos renováveis em uma base sustentável.

É necessário salientar aqui o fato de que a sustentabilidade não pode fazer vista grossa de suas
dimensões sociais e econômicas , a despeito do feito de que ela é governada por princípios biofísicos , tendo,
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desse modo, uma significação ecológica inevitavelmente forte. Isto é sobremodo relevante no que tange ao
tema da exclusão social, causada por fatores estruturais que tendem a torná-la ainda mais cristalizada (Neder,
cap. 15 deste livro). Todavia, a simples tentativa de superar a exclusão social por meio das políticas
tradicionais de desenvolvimento parece inapropriado, no sentido de que um processo de desenvolvimento que
não possa ser saudavelmente sustentado não representa um meio confiável para que se derrote a exclusão
mesma que ele pretende vencer. A última deve ser referida às estruturas sócio econômicas (apoiadas por
fatores sócio políticos que as institucionalizam) que fazem com que a economia funcione mal em termos da
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harmonia social. Esta é uma situação que exige intervenção nos fundamentos econômicos, sociais e políticos
da exclusão com um componente da estratégia para sustentabilidade. Por conseguinte, considerações
ambientais devem misturadas com propostas de eqüidade social (medidas para a geração de emprego e
renda são indispensáveis neste contexto), eficiência econômica e factibilidade política. Em qualquer
circunstância a formulação de políticas para a sustentabilidade em todos os setores da ação governamental
deve apoiar-se, primeiro, em critérios biofísicos de uso sustentável da natureza, combinados com
instrumentos para a correção dos desequilíbrios sócio econômicos e a promoção do bem-estar da população.
No Brasil, a referência à moldura ecológica da sustentabilidade tem sido até hoje mais retórica que efetiva; o
governo é ainda dominado em seu núcleo central por uma visão clássica do desenvolvimento, a qual confere
suprema importância, por exemplo, aos ministérios da fazenda, planejamento, transporte e energia, seguindo
recomendações tradicionais dos conselheiros econômicos.

A internalização dos custos ambientais pode ser feita tanto pela tributação quanto pela eliminação de
subsídios que induzam à utilização dos recursos naturais. Deslocar a base de impostos do valor adicionado
para aquilo a que valor se adiciona corresponde elevar-se o preço efetivo do fluxo de recursos naturais
proporcionado pelo capital natural (Daly, cap. 11 deste livro). Isto, por sua vez, leva a um uso mais prudente da
natureza. O mesmo pode ser afirmado na que concerne ao preço da energia, o qual pode ser elevado por um
imposto que promova a conservação e mais eficiência nas transformações energéticas (Binswanger, cap. 2).
Tornar mais dispendioso o uso de materiais e energia em geral pode ter um efeito positivo quanto à
reciclagem, contrabalançando assim a tendência a descartar materiais da moderna sociedade industrial, cuja
dependência do produto descartável – de que o microcomputador é um parente muito próximo – é tão grande
que o biólogo Samauel Murgel Branco (1989, p.94) julga que, para muita gente, “a maior virtude de um produto
industrial é ele poder ser jogado fora” (grifo seu). Da perspectiva do desenvolvimento sustentável, descartar –
que significa empilhar lixo mais e mais – é algo que tem de ser o mais reduzido possível. Encarecendo-se a
geração de lixo, via um tributo ou outra forma de desincentivo, uma receita pode ser simultaneamente obtida
para fins de promoção social ou proteção ecológica.

Desde que o capital da natureza é o fator que limita o processo econômico (afinal de contas, a economia é
sustentada fisicamente pelo ecossistema), a preocupação primária de políticas sustentáveis deveria ser com a
maximização da produtividade do capital natural no curto prazo e com o aumento de sua oferta no longo. (Daly,
cap. 11). Investir no capital natural, de fato, é meio mais seguro de tornar durável o funcionamento da
economia – e seu desenvolvimento. Isto não é exatamente o que a globalização e o livre comércio tendem a
engendrar, porquanto a concorrência nos mercados mundiais conduz a uma baixa dos padrões de proteção
ambiental e dos preços dos recursos naturais, o que, por sua vez, produz mais dissipação e sujeira. O alumínio
de Carajás é um caso ilustrativo. O comércio livre, por outro lado, tende a fazer com que fiquem fora do cálculo
econômico as externalidades associadas à depleção e degradação. Os custos ambientais não entram na
formação dos preços das mercadorias comercializadas, os quais vão depender tão somente das quantidades
ix
trocadas nos mercados , possuindo um forte viés contrário à natureza.

Algo semelhante ocorre quanto a políticas de ajuste estrutural, que são implementadas, muito
freqüentemente, sem consideração dos seus impactos ecológicos e perdas ambientais. O meio ambiente é
mesmo tratado em alguns casos como um impedimento ao crescimento acelerado do comércio. Uma política
de liberalização com um arcabouço frouxo de regulamentação ambiental pode ser um instrumento de dumping
ecológico e de excessiva utilização do patrimônio comum (May, cap. 18), duas coisas incompatíveis com
políticas públicas para a sustentabilidade. Um país como o Brasil tem de possuir instrumentos capazes de
direcionar o comércio, a finança privada estrangeira e a integração nos mercados globais com vista aos
objetivos de desenvolvimento sustentável e preservação do capital natural. É verdade que o impulso de
globalização domina a arena internacional hodiernamente; mas isto pode ser apenas um modismo, se pensa
nos custos ecológicos ocultos da globalização, que, mais cedo ou mais tarde, virão à tona (Daly, cap 11).
Certamente, o meio ambiente – ao prover funções de apoio à vida – é o fator que, no longo prazo verdadeiro,
deve ditar o que se pode fazer. A integração no mercado global deve ser avaliada, portanto, em termos de
suas implicações ecológicas, dos custos associados à pegada deixada pela forma como os recursos naturais
são explorados. Isto não é dito para se negar o fato de que as economias nacionais se encontram hoje
8
Curso Agenda 21

crescentemente interdependentes e podem beneficiar-se dessa integração, mas como um lembrete de


problemas ambientais cada vez mais amplos e severos que podem estar se acumulando para os anos
vindouros como resultado de práticas que não internalizam custos ambientais. Em outros termos, a natureza
não pode ser deixada sozinha sob o controle do mercado. A intervenção governamental é requerida aqui para
que se incluam os custos ecológicos, os de extração, produção e depleção (princípio do full-cost) nos preços
dos produtos comercializáveis; e para estabelecer-se um sistema de incentivos ambientais que tenham base
no mercado (Reed, 1996).

A política do governo para a sustentabilidade deve conter medidas para estimular aqueles setores que
efetivamente adicionam valor, contribuindo menos para a depleção e degradação. Claro, a identificação de tais
setores exige mais investigação, porém uma possibilidade existe, por exemplo, com respeito ao ecoturismo
(que também gera emprego), desde que cuidados adequados sejam tomados no que toca ao meio ambiente (e
à cultura local), para que se evitem situações como a que se pode encontrar, por exemplo, na região da
x
catarata de Vitória (rio Zambeze, entre Zaire e Zimbábue) e em muitas partes do Brasil. Um passo deveria ser
tomado também pela política de governo para que se estabelecesse um arcabouço de monitoramento e
certificação de obediência a normas de proteção ambiental e de adequada exploração dos recursos naturais
pelos setores produtivos (May, cap. 18, adiante). Tecnologias ambientalmente sãs, do mesmo modo, deveriam
ser de alguma forma premiadas. E iniciativas atribuindo prioridade ao transporte de massa e ao uso da
biomassa como combustível são fundamentais dentro do escopo do desenvolvimento sustentável.

O programa do álcool combustível no Brasil deveria ser contemplado dessa perspectiva e não somente
por meio de uma fria comparação do álcool de cana com petróleo – embora o primeiro depende em grande
medida do segundo para sua produção (Cevá Filho et al; 1995). O Brasil é pioneiro no campo dos
biocombustíveis e tem ganhado experiência em substituir gasolina por álcool. Mas necessita-se de mais
pesquisa para que avance a tecnologia do uso da biomassa como carburante. Se for tolo insistir-se em não
usar petróleo, pelo menos é preciso pensar em alternativas para sua necessária substituição em algum
momento. E o compromisso com a sustentabilidade aponta inevitavelmente na direção de fontes renováveis,
como a radiação solar e seu produto, a biomassa. No caso da cana de açúcar, é conveniente considerar os
impactos ecológicos associados à sua produção e transformação em álcool, mas este é um desafio com que
só se pode lidar propriamente por meio de pesquisa e desenvolvimento. É absurdo, a qualquer título, avaliar os
custos e benefícios econômicos do álcool combustível simplesmente a base dos preços atuais, insustentáveis,
do petróleo (que, de qualquer forma, tem aumentado palpavelmente nos últimos tempos no mercado mundial
do produto).

A sustentabilidade do desenvolvimento pede que os serviços ambientais sejam preservados. No caso


brasileiro, alguns desses serviços (conservação da biodiversidade, armazenamento do carbono, ciclo
hidrológico) da floresta tropical poderiam ser transformados em um fluxo de renda por meio de sua venda a
beneficiários seus a redor do mundo, que estivessem querendo pagar por eles (Fearnside, cap. 19). Isto
deveria ser parte da política de governo e da agenda do Brasil para negociações internacionais. “Se acredita
ou não que vale a pena gastar dinheiro para proteger-se a biodiversidade, basta saber que muita gente no
mundo crê que isto seja importante” (idem), permitindo assim que se concebam meios para convertê-la – e a
outros serviços ambientais – em uma fonte de renda que poderia ser usada para propósitos de
desenvolvimento sustentável na Amazônia e no resto do país. Esta é uma solução muito melhor para
solicitações de explorar-se a floresta do que vender madeira de lei, a preços aviltados ou derrubar árvores
indiscriminadamente para a expansão das fazendas de gado ou para cultivos precedidos de queimadas. É
claro que continua subsistindo aqui a questão de como atribuir valor monetário à natureza e a seus serviços.
Mas a alternativa é ver a floresta ser tratada como instrumento de lucro privado imediatista. Merece ser citado
nesta altura que a Amazônia constitui a última grande floresta tropical remanescente no mundo. Na medida em
que os benefícios da biodiversidade e outros serviços ecológicos sejam, mais do que locais, globais isso pode
ser uma oportunidade para que o Brasil desfrute d poder de monopólio quanto a fazer acertos com vistas à
preservação da floresta.

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Curso Agenda 21

Um importante aspecto da busca de sustentabilidade é o tratamento a ser concedido ao problema


demográfico. Seguramente, políticas devem der concebidas para impedir o crescimento explosivo do número
de pessoas ou para estabilizar a população. Mas no Brasil a questão não é tanto a quantidade de habitantes (o
ritmo de aumento populacional tem decrescido sensivelmente nas últimas décadas), mas o fato de que a não-
solução da questão agrária e a migração interna causam sério estresse nas grandes áreas urbanas e regiões
metropolitanas. É o meio ambiente urbano, com seu feixe de males (água poluída, esgotos não-tratados,
inadequado lançamento de lixo, habitação miserável, violência), que suscita preocupação especial em termos
da qualidade de vida dos pobres (Hogan, cap. 21; Jacobi, cap. 22 deste livro). A violência é séria nos bairros
de baixa renda das cidades e muitos indivíduos vivem aí em situação infra-humana. Isto requer políticas
sociais que possam ser ajustadas ao arcabouço geral da sustentabilidade, com respeito à qual o número da
população como tal não representa uma ameaça assim tão grave. A desaceleração de sua expansão deve ser
contada inclusive como um fator favorável para facilitar tentativas de sustar e reverter a degradação das
cidades brasileiras (o que, deve-se ressaltar, não ocorrerá automaticamente , mas apenas como resultado de
políticas deliberadas que têm que penetrar de modo profundo nas estruturas societárias).

Uma palavra final sobre políticas para a sustentabilidade tem a ver com reforma institucional. De fato, as
instituições sociais existentes, que favorecem o efêmero contra o duradouro, as tendências homogenizadoras
da globalização em lugar da diversidade (tanto biológica quanto cultural, que são básicas para a evolução),
uma atitude de laisser-faire concernente ao meio ambiente em oposição à fixação de limites biofísicos, e assim
por diante, devem ser ajustados aos requisitos da sustentabilidade. Novas instituições são exigidas para a
conservação dos ativos naturais, para encorajar a regeneração dos recursos renováveis, para proteger a
biodiversidade, para gerar tecnologias mais ambientalmente benignas, para promover estilos de vida menos
intensivos no uso de energia e materiais, para manter constante o capital da natureza em benefício das
gerações futuras (Norgaard, cap.5, deste livro), para proteger o saber dos povos indígenas e tradicionais,
incluindo seus direitos de propriedade intelectual (Posey, cap.20). Novas formas de regulação democrática e
uma nova versão de economia mista, diferente da neoliberal, são possibilidades que devem ser contempladas.

Certamente, para engajar todos os setores da sociedade na perseguição de um tipo de desenvolvimento


sustentável, eqüitativo , economicamente eficiente e politicamente viável, pelo menos três parâmetros
deveriam ser considerados para fins de reforma institucional: (1) educação (Jacobi, cap.22; Leonardi, cap. 23
deste livro), (2) gestão participativa (Sekiguchi, cap. 24), e (3) diálogo de stakeholders ou partes envolvidas
(Leis, cap. 14; trindade, cap. 16). Escolhas ecologicamente corretas podem ser efetuadas por um processo de
diálogo informado, de base científica, dos atores relevantes (stakeholders). A participação contribui para elevar
o envolvimento da população, criando não somente expectativas consistentes, mas um sentimento de
responsabilidade quanto às escolhas feitas. E a decisão em relação aos diretos das gerações atuais diante das
futuras pode ser tomada, assim, com balizamentos éticos (Goulet, Cap. 4) mais apropriados, dentro de um
arcabouço de juízos de valor claramente especificados. No Brasil, a falta de diálogo de partes envolvidas é
conspícua, como se percebe na forma que o processo de negociação ambiental vigente emprega no país com
estudos de impacto ambiental levados a cabo, por exemplo, apenas para justificar escolhas já tomadas (leis,
cap. 14). Em suma, a reforma institucional deve ser parte da política de governo para a sustentabilidade como
meio de promover riqueza durável e genuína (Goulet, Cap. 4).

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Curso Agenda 21

5. Observações à guisa de conclusão

Sustentabilidade quer dizer o reconhecimento de limites biofísicos colocados, incontornavelmente, pela


biosfera no processo econômico. Esta é uma percepção que sublinha o fato de que a primeira (a ecologia)
sustenta o último (a economia), dessa forma, obrigando-o a operar em sintonia com os princípios da natureza.
O discurso oficial, entretanto, gira em torno da idéia de que o desenvolvimento sustentável pode ser
conquistado com crescimento infinito, desde que certas ressalvas de proteção ambiental sejam observadas.
Esta noção difere muito da compreensão de que o meio ambiente deve ser visto como a fonte derradeira de
certas funções, sem as quais a economia simplesmente não pode existir ou operar, e cujos ritmos determinam
a velocidade do que pode ser feito. Para ser sustentável, com efeito, o sistema econômico deve possuir uma
base estável de apoio. Isto requer que as capacidades e taxas de regeneração e absorção sejam respeitadas.
Se não for assim, o processo econômico vai se tornar irremediavelmente insustentável. Uma estratégia de
desenvolvimento sustentável é, portanto, necessária para a formulação de política que leve a natureza em
conta como um fator restritivo, cuja produtividade deve ser maximizada no curto prazo cuja disponibilidade
deve ser preservada no futuro distante e cuja integridade não pode ser deformada.

Para serem relevantes, as políticas de governo para a sustentabilidade têm de ser capazes de redirecionar
o curso dos eventos econômicos de tal maneira que as atividades destroem capital natural ou dissipam
recursos renováveis, perturbando os correspondentes ecociclos, sejam freadas. Por outra parte, as atividades
que causarem pequenas perturbações ou que preservarem funções vitais de apoio do ecossistema devem ser
mantidas ou promovidas. O desenvolvimento sustentável deve assegurar que estas funções sejam transferidas
sem dano às futuras gerações. A sustentabilidade não será obtida se o capital natural for aviltado,
incapacitando o ecossistema de gerar os serviços que permitam aos humanos realizar a satisfação de suas
necessidades. A noção de desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de crescimento
econômico, indicando que, sem a natureza, nada pode ser produzido de forma sólida. Ela mostra o que é
possível do ponto de vista puramente material, o que deve ser confrontado com a aspiração de mais e mais
riqueza que, na sociedade moderna de hoje, constitui o que é desejável. Possibilidades são dadas por
fronteiras de produção. A natureza deve ser a referência para a escolha da escala ótima das atividades
econômicas que se contenham dentro daquelas fronteiras. Evidentemente, o ponto preciso onde a economia
se localizará depende de considerações morais atinentes aos interesses de gerações presentes e futuras
(Norgaard, Cap. 5 deste livro). É dever do governo avaliara as preferências da sociedade em tal contexto e agir
para colocar a realização das aspirações da presente geração em harmonia com as aspirações de nossos
descendentes.

Nos demais capítulos desta coletânea, procura-se mostrar um roteiro para atingir-se o objetivo de uma
sociedade sustentável, durável, ecologicamente responsável – dever permanente de todas as gerações, que
precisam comprometer-se a legar às gerações que virão uma base biofísica para a realização das atividades
humanas, a qual garanta a capacidade de suporte e o capital natural apara uma qualidade de vida que nunca
se deteriore.

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Notas
i
Compareceram ao evento, em ordem alfabética Alpina Bigossi, Celso Sekigushi, Cutler Cleveland, Daniel
Hogan, Darrell A. Posey, Denis Augoulet, Eduardo Viola, Erik von Dam, Frank Jöst, Franz Josef Brüzeke, Fulai
Cheng, Guillermo Scarlato, Hans Binzwanger, Hector leis, Herman Daly, Joan Martinez-alier, Karl-Erik
Ericsson, Marcel Claude, Maria Lucia Leonardi, Pedro Jacob, Peter May, Phillip Fearnside, Ricardo Toledo
Neder, Richard Norgaard, Robert Goodland Salah, El Srafy e Sérgio Trindade.
ii
Em 1940 o Brasil tinha 41,2 milhões de habitantes (IBGE, 1982). Em 1990, o número de pessoas abaixo da
“linha da pobreza” no país alcançava 42 milhões (PNUD-IPEA, 1996, p. 22). Ou seja 50 anos de “progresso”
rápido e supostamente ilimitado, com taxas de aumento do PIB superiores a 5% ao ano, em média (ver Baer,
1996), levaram simplesmente a uma situação em que o total de indivíduos na extrema pobreza no país no final
do período, supera a população total do comércio. A população mundial por sua vez, era de 1,5 bilhão de
pessoas em 1900. em 1996, as que viviam abaixo da linha da pobreza no planeta somavam 1,6 bilhão (UNDP,
1996). Em que medida se pode dizer com segurança que a pobreza está sendo reduzida em termos globais?
iii
De acordo com uma avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), citada por
Eriksson (Cap.6 deste livro), uma vida em um país industrial corresponde a 15 vidas em um país em
desenvolvimento.
iv
Uma tentativa de estimar em termos físicos parte do impacto ambiental da indústria siderúrgica baseada em
carvão vegetal de Minas Gerais indica que o valor “verdadeiro” de seu produto seria reduzido quase á metade
em termos monetários, em comparação com os valores oficiais (Medeiros, 1995). Young e Serôa da Motta
(1995) oferecem estimativas da depressão mineral no Brasil com implicações quanto à medição da renda
sustentável no setor mineiro em 1970-88. essas são ilustrações do tipo de iniciativas que são necessárias para
se prover uma base numérica adequada para benefício de um processo saudável de formulação de política
para a sustentabilidade.
v
Throughput é a transposição ou o transfluxo de recursos (de inputs para outputs) no processo econômico,
transposição esta que consta da entrada de matéria e energia de baixa entropia e da saída final de matéria e
energia de alta entropia. Esta é a visão termodinâmica do processo econômico, introduzida por Georgescu-
Roegen (1971). Osório Viana, observador do workshop de Olinda, em comunicação pessoal, sugere o termo,
por ele cunhado, “transumo" para captar o sentido de throughput.
vi
O chamado full-cost principle consiste em avaliarem-se todos os ônus, visíveis e invisíveis, privados e
sociais, de uma atividade, não deixando de lado as chamadas externalidades (como a poluição, v.g.).
vii
Embora o ar condicionado seja (aparentemente) uma coisa desejável nos trópicos , sua ineficiente conversão
de energia (ver Commoner, 1976) faz com que seu uso amplo seja quase uma impossibilidade.

13
Curso Agenda 21

viii
“A sustentabilidade ambiental é um conceito rigoroso, universal e não-negociável e, de forma alguma, é
subjetivo” (Goodland, cap. 17, adiante).
ix
Ilustrativo desse quadro é recordar a queda de 16% no preço mundial do cobre em junho de 1996, devido
simplesmente a atividades criminosas de um importante negociador (trader) do Grupo Sumitomo, japonês (The
Economist, v. 339, n. 7971, 22-28 jun. 1996, p.69-70), enquanto o fato de que o cobre seja um recurso em
(lenta) extinção não pesa na determinação de seu preço.
x
Ver revista Time, v. 148, n. 1, 1° jul. 1996, p. 36-37.

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