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INTRODUÇÃO AO REALISMO FILOSÓFICO – V – Hilemorfismo e movimento

Hilemorfismo

Todos os entes que conhecemos pelos sentidos são o que chamamos entes móveis, e possuem dois
princípios essenciais e intrínsecos matéria e forma. A forma é o ato essencial do ente, ou ainda, o
princípio essencial principal do ente. A matéria é daquilo que a coisa é (como se verá nas causas).

A forma aqui não deve ser confundida com qualidade, enquanto predicamento, como citado
anteriormente, juntamente com a figura, mas aqui trata-se da forma substancial. É a fórmula escolástica
“forma dat esse”, a forma dá o ser. É o ato primeiro do ente móvel, do ente que se dá nos sentidos. No
caso dos entes viventes, a alma é a sua forma, pois o ente vivente perde o seu ser quando morre e o
corpo se corrompe se misturando com os elementos.

Convém aqui lembrar que a matéria, a partir do momento em que é individuada, já adquire uma forma.
A matéria em si mesma é o que podemos chamar de ente em potência[1]. Uma pedra já tem uma forma.
Quando Michelângelo pegou uma pedra para esculpir a sua belíssima Pietà vaticana, ele deu à rocha de
granito uma forma acidental. Isto é, a estátua em si não tem quididade, mas é uma forma acidental.
Assim como uma poça d’água não tem quididade, a água que tem, mas é uma forma acidental da água.
Movimento

O movimento é o trânsito da potência ao ato e participa da causa eficiente; é uma extensão, podemos
dizer. É impossível entender a Física Geral sem entender as quatro causas, e é impossível entender as
quatro causas com perfeição sem entender o movimento, que será explicado novamente quando
demonstrarmos o ser (ou existência, de forma mais imprópria) de Deus.

O ato pode ser entendido de duas formas (1) quanto à forma, quando, por exemplo, dizemos que a alma
é ato do corpo. Aqui entenda-se como ato primeiro; (2) quanto a resultado de uma operação, quando
dizemos que a madeira se queimou, isto é, a madeira está em ato queimada. Aqui entenda-se como ato
segundo.

A potência pode também ser entendida duplamente (1) quanto à capacidade de realizar uma operação,
isto é, como princípio da ação. No caso, dizemos que o fogo tem potência para queimar algo. Entenda-se
como potência ativa ou operativa; (2) como a possibilidade de padecer à ação, como a madeira que tem
a potência, a padecibilidade, de queimar. Entenda-se como potência passiva.

Todos os entes móveis têm alguma mescla de ato e potência. Todos, sem exceção. Logo, todos eles estão
sujeitos ao movimento, que possui três princípios (1) matéria ou sujeito, que é o que permanece na
mudança sem deixar de ser o que é. Isto é, quando o fogo queima a madeira, ele não deixará de ser
fogo, mas a madeira deixará de ser madeira. – (2) Forma, que é o término, efeito do movimento. A
madeira passou a estar queimada, tornou-se carvão, adquiriu outra forma ou novos acidentes. – (3)
Privação, que é o estado do sujeito antes da ação. A madeira estava privada de ser queimada. É
impossível haver movimento sem que antes haja um estado em que não pudesse receber a ação, a
atualização.

Entendendo isso, podemos partir para os tipos de movimento. São, no total, seis, mas reduz-se a quatro
quando vemos que os opostos acabam por formar dois pares

Geração e corrupção dois movimentos num par e que pode reduzir-se a um, vemos que animais nascem
e, quando morrem, entram em estado de corrupção.

Aumento e diminuição outro par de movimentos. Vemos isso quando crescemos ou quando um balão é
inflado e murcho.

Alteração vemos quando uma fruta se amadurece, a água esquenta, o fogo queima etc.
Locomoção, translação ou movimento local vemos quando movimentamos parte do nosso corpo, como
o braço, ou caminhamos de um ponto a outro.

Com relação à corrupção, a mudança, o movimento, pode ser substancial ou acidental. Quando uma
vaca morre, por exemplo, ela simplesmente deixa de ser vaca. Assim como um tomate apodrece. Deixa
de ser tomate. Aqui vemos uma mudança substancial. Ela é acidental quando não altera a forma, mas só
muda o acidente. Quando alguém fica adoecido, há apenas a mudança acidental, mas se a pessoa
falecer, ela deixa de ser pessoa e o corpo se torna um cadáver. Então, o corpo quando perde a sua forma
(a alma), adquire desde então a forma de cadáver[2]. Quando alguém é gerado no ventre da mãe, aqui
há uma mudança mais que substancial, mas uma geração de algo que antes não existia. Podemos ver
que em todos esses movimentos ou mudanças, há os acidentes, que vemos nas categorias. A água que
esquenta ou no corpo que adoece há mudança na qualidade, no balão que infla há mudança na
quantidade, no homem que caminha há mudança na ubiquação, na vaca que morre há mudança na
substância etc. Assim vê-se que não há conflitos até aqui na Filosofia aristotélico-tomista.

[1] O mármore em si, por exemplo, não é ente, ainda que tenha forma de mármore, pois podemos
reconhecer o mármore em qualquer pedra ou objeto de mármore, como uma estátua, por exemplo.
Porém, ele só se torna ente ao ser individuado, seja naturalmente na forma de pedra, seja
artificialmente na forma de estátua. Sobre isso diz o Pe. Calderón «A matéria é, em si mesma,
entitativamente, ente em potência a modo de sujeito da forma. Pode existir como tal e ser possível o
composto, ou pode não existir como tal e não ser possível o composto se não há materiais, não é
possível a casa». – P. ÁLVARO CALDERÓN; La naturaleza y sus causas, t. 2, p. 358-359. Apud CARLOS
NOUGUÉ; Da Arte do Belo, Edições Santo Tomás, 2018, p. 288.

[2] Nos casos de milagres de ressurreição, há uma regeneração, pois a forma é devolvida ao corpo. Mas
não assim como é uma regeneração o doente se curar. Regeneração é como que uma geração acidental
no caso da cura, por assim dizer. No caso da ressurreição é simplesmente uma devolução da forma e,
consequentemente, a devolução daquilo que dá o ser a coisa.

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