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segurança

Foto: David Ritter / sxc.hu

Segurança
na ordem do dia
Depois de financiar quase R$ 80 milhões em projetos voltados para
a área de segurança pública, a FINEP quer que tecnologia e inovação
entrem definitivamente na agenda do combate ao crime nas grandes
em pauta – Abr/Mai/Jun 2011

metrópoles. Com a proximidade de dois eventos grandiosos no Brasil,


a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio em 2016, o
tema deixou de ser preocupação para o dia seguinte.
inovação

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Fábio Torres

E
m novembro do ano passado, o Brasil acompanhou
pela televisão imagens que lembravam uma nova
continuação do filme “Tropa de Elite”: a retomada
da Vila Cruzeiro e do Conjunto de Favelas do Alemão, áreas
cariocas então dominadas pelo tráfico de drogas. Foi uma
aliança jamais vista no Rio, que reuniu as polícias Civil,
Militar e Federal, o BOPE (Batalhão de Operações Especiais
da Polícia Militar), a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.
A entrada nas favelas representou a resposta do Estado
à série de incêndios em veículos promovida por bandidos
descontentes com a instalação das chamadas UPPs (Unida-
des de Polícia Pacificadora) nos territórios que mantinham
sob domínio. Nos últimos anos, a FINEP aprovou cerca de
R$ 77 milhões em financiamentos para projetos ligados
à área de segurança pública. O pensamento, como não
poderia deixar de ser, reside na volta da tranquilidade aos
passeios públicos brasileiros e em dois grandes eventos: a
Copa do Mundo de 2014 – a segunda em solo canarinho – e
também as Olimpíadas do Rio, em 2016.
Sentado à mesa de trabalho, Edson Calil assistia pela
tevê à migração dos bandidos que rumavam da Vila Cruzei-
ro para o Complexo Alemão, numa tentativa desesperada
de fuga entre as favelas que funcionavam como bunker
do comércio ilegal de entorpecentes. A cena, de longe, re-
montava o estourar de um formigueiro. Ao mesmo tempo,
a todo instante, chegavam às suas mãos novas denúncias
sobre a guerra civil que acontecia na telinha. Responsável Desenvolvimento
pelo setor de relações institucionais do Disque-Denúncia de novas tecnologias
do Rio de Janeiro, Calil conta que em meio ao histórico visa facilitar o trabalho
conflito foi atingido o número recorde de ligações em da polícia no combate
um único dia: 1.136 denúncias. O total naquele mês de ao crime
novembro chegou a quase 13 mil ligações. “Foi uma prova
de fogo para o nosso sistema” conta.
O Disque-Denúnicia é a forma mais eficiente de o
cidadão comum ajudar a polícia no combate a crimes de
naturezas diversas. Basta uma ligação telefônica. O sigilo deste investimento: a direção já contabiliza, ao todo, mais
é absoluto. Depois de um primeiro aporte financeiro no de um milhão e meio de denúncias desde 1995.
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valor de R$ 335 mil, em 2006, para a modernização e com- “O que é sofisticado hoje se torna obsoleto em pou-
pra de equipamentos, FINEP e Disque-Denúncia voltam quíssimo tempo. Precisamos processar e trabalhar com
a conversar agora. Serão quase R$ 950 mil para o projeto objetividade as denúncias que chegam todos os dias”,
“Sala de Situação de Estudos, Vigilância e Inteligência de explica Calil. São cerca de 400 ligações por dia, 12 mil por
Natureza Criminal e Informações Analíticas de Segurança mês. O Disque-Denúncia apresentou ao Rio de Janeiro um
Pública”. A ideia é ampliar a capacidade de armazenamen- modelo inovador de parceria, unindo o setor privado, o
inovação

to e cruzamento de dados que preenchem o banco do governo e a sociedade civil organizada. A central de ser-
serviço, além de dinamizar o fluxo de informações junto às viços é vinculada à Secretaria de Segurança do Estado do
delegacias do estado do Rio. Para entender a importância Rio de Janeiro em forma de parceria entre o governo e
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denúncias, respondendo por 31,61%. Outro tema que vem
sendo acompanhado com olhar atento pela organização,
em razão da crescente quantidade de denúncias, é a vio-
lência doméstica. Só no ano passado, o Disque-Denúncia
registrou 1.432 cadastros de violência contra a mulher.
No topo da lista estão as agressões domésticas, que to-
talizaram 902 denúncias. Os estupros representam 482
cadastros, seguidos de atentado violento ao pudor (30) e
até tráfico de mulheres (18). “São crimes silenciosos, pouco
denunciados, o que dificulta nossa ação”, explica Calil.

Marcas que revelam origem de disparos

A fundação do Disque-Denúncia, há 14 anos, foi motiva-


da principalmente pela onda de sequestros que apavorava o
Rio de Janeiro. Só em 1995, foram 108, o que fez o serviço já
nascer apresentando um núcleo específico para o tema. Sua
Foto: Michal Zacharzewski / sxc.hu

extinção, em 2000, foi a prova de que este tipo de crime teve


drástica redução no estado, afirmando o sucesso do combate
inteligente. Com a dinâmica de crescimento e decréscimo
da ocorrência de alguns delitos, bem como a variação nas
zonas nevrálgicas de atuação de criminosos, a necessidade da
constante afinação entre o Disque-Denúncia e as delegacias,
a cada dia, se torna imperativa. “A organização está apoiada
em quatro pilares: gestão, cooperação social, inteligência e,
claro, tecnologia”, completa Calil. Tecnologia casada com
ciência e inovação, aliás, é o foco da FINEP em seus finan-
ciamentos. E com relação à área de segurança pública esta
combinação vem sendo seguida à risca. Você sabia que o
disparo de uma arma deixa marcas no projétil que podem
revelar informações muito importantes para os peritos?
Em abril, um homem invadiu uma escola pública carioca
e, numa ação que lembrou as históricas chacinas a estudantes
nos EUA, atirou e matou 12 crianças. O assassino foi morto
por um policial, mas caso tivesse fugido, já seria possível
saber de qual arma partiram os tiros que chocaram o país. A
empresa catarinense Photonita investiu no desenvolvimento
de um equipamento capaz de identificar as armas envolvidas
a ONG Movimento Rio de Combate ao Crime. A ONG faz em crimes, a partir da medição das marcas deixadas na mu-
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a gestão, compras, manutenção, difusão de campanhas, nição disparada: o sistema Lepus. Foram quase R$ 400 mil da
pagamento de recompensas (aos denunciantes e a poli- FINEP para o desenvolvimento do protótipo. A identificação
ciais) e até de parte dos salários. Já a Secretaria gerencia o balística a que se propõe este sistema baseia-se no exame
local de funcionamento e paga o salário dos atendentes. microcomparativo dos elementos de munição disparada.
Só na capital, foram 67.350 denúncias em 2010, todas Por exemplo, quando uma arma é apreendida, os peritos
enquadradas em algum dos cerca de 180 temas elencados podem comparar as marcas que ela produz com as marcas
pelo serviço, tais como furto, estelionato e até cupro- encontradas nos elementos de munição de vários outros
inovação

tráfico, que é o roubo de cobre, bastante rentável para crimes, descobrindo se ela foi utilizada. A solução pode ser
os seus “praticantes”. No estado do Rio, foram 106.298 usada com precisão, em caso de conflitos armados, para
denúncias. O tráfico de drogas lidera as estatísticas de reconhecer de qual objeto de fogo partiu um disparo que
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tenha provocado vítimas, como no caso da escola no Rio. O O robô DIANE foi desenvolvido para
equipamento é aplicado na aquisição e no armazenamento manuseio e desativação de bombas ou
de fotos tanto de projéteis, como de estojos deflagrados, e materiais tóxicos
oferece uma visão única de 360°.
Com agilidade, disponibiliza ferramentas gráficas
para confrontos de imagens digitais, o reconheci-
mento automatizado de munições se-

Foto: Divulgação Ares Aeroespacial e Defesa


melhantes que estejam reunidas
numa base de dados e a perspec-
tiva de interligação entre diversos
institutos de perícia que utilizem o mesmo sistema.
“Desenvolvemos o protótipo e queremos aprimorá-
lo para que chegue ao mercado até 2013”, diz Cesar
Kanda, sócio do Photonita. A Polícia Federal já estuda
adquirir a inovação do empreendimento catarinense.
A perita Sara Lenharo, da Área de Balística Forense do
Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal,
afirma que a planificação de imagens do Sistema Lepus
é totalmente inovadora. Em outras palavras, o Lepus,
diferentemente de outros sistemas automatizados de penitenciária. Dentre as várias biometrias – como a impres-
aquisição de imagens para confronto balístico, tais são digital, análise de íris, entre outros – o reconhecimento
como IBIS e EVOFINDER, privilegia o confronto de de face apresenta a vantagem de não ser intrusivo, ou seja,
projéteis. “Os equipamentos atuais fotografam por é possível fazer foto de uma pessoa de modo natural, sem
partes o projétil e isso contribui para que a qualidade que ela tenha de participar ativamente deste processo.
da imagem não seja tão boa”, explica a perita. Ora, com a Copa e as Olimpíadas batendo à porta do País,
Sara, aliás, é uma das coordenadoras do projeto é importante fortalecer os meios de checagem da identi-
financiado pela FINEP para a Polícia Federal na área de dade de qualquer cidadão, já que a segurança de eventos
ciências forenses (análise científica das evidências de um que param todo o planeta não admite qualquer tipo de
crime). O Programa de Ciência e Tecnologia Aplicado à falha. Sediada no Rio de Janeiro, a Ares Aeroespacial e
Segurança Pública, desenvolvido no Instituto Nacional de Defesa ganhou R$ 2,6 milhões do Programa de Subvenção
Criminalística (INC), em Brasília, apoia e fomenta proje- Econômica para criar um dispositivo autônomo de neu-
tos de pesquisa, desenvolvimento de novas tecnologias, tralização de explosivos. Em novembro passado, durante
inovação e capacitação nas áreas de análises químicas, a série de atentados contra veículos ocorrida no Rio, um
mineralogia, genética, geofísica, geoprocessamento e pacote foi abandonado bem no centro da movimentada
análise papiloscópica. Foram disponibilizados recursos Praça General Osório, em Ipanema, zona sul carioca. O
da ordem de R$ 4,5 milhões e a ideia, nas palavras dos esquadrão antibomba da polícia foi chamado às pressas.
responsáveis, é acabar em definitivo com o tempo do Depois de uma minuciosa análise dos peritos, foi des-
Sherlock Holmes e o mito do crime perfeito. Desde a coberto que o embrulho largado era parte da estratégia de
descoberta, com precisão, de onde pode ter sido extraído marketing de uma marca de roupas. Publicidade de gosto
um diamante roubado, até mesmo, por análise química, duvidoso à parte, nem sempre casos como este são apenas
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identificar a região de refino de alguma carga de cocaína mal entendidos, o que leva a uma ação cirúrgica por par-
apreendida, a tecnologia no combate ao crime chega a te dos policiais na hora de explodirem ou neutralizarem
níveis impensáveis até pouco tempo atrás. um artefato. Pensando nisso, a empresa desenvolveu o
projeto DIANE, um robô desenvolvido para manuseio e
Robô que neutraliza explosivos desativação de bombas ou materiais tóxicos, com aplicação
em atividades de segurança pública ou industriais. “Este
inovação

A Montreal Informática também recebeu R$ 2,4 mi- é o primeiro robô de neutralização de explosivos com
lhões da FINEP para desenvolver um sofisticado sistema de tecnologia nacional”, conta Maurício Campello, um dos
reconhecimento facial para identificação civil, criminal e responsáveis pela engenhoca. n
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