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Curso Online de Filosofia - Apresentação
Curso Online de Filosofia - Apresentação
E s t a c o m u n i c a ç ã o a o s m e m b r o s d o S e m i n á r i o d e F i l o s o f ia O n l i n e
t e m p o r o r ig e m u m a c a r t a q u e e u r e c e b i, d o a l u n o B e r n a r d o V i e ir a ( . . . ) , a o q u a l m u i t o
a g r a d e ç o . E le e s c r e v e o s e g u i n t e :
E aí vai:
E a s s im v a i . E u a g r a d e ç o m u i t o e s s a s u a s u g e s t ã o , é u m a c o i s a
(uma idéia) que já estava mais ou menos assim no ar, e que esta carta acabou de
condensar.
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Mas, e x is t e a outra, que é a m a is im p o r t a n t e , que seria a
a b o r d a g e m a p o r é t i c a : a a b o r d a g e m p o r p r o b le m a s ; v o c ê v a i p e g a r a F i l o s o f i a p o r c e r t o s
p r o b l e m a s . E t e m , f i n a lm e n t e , o q u a r t o a s p e c t o – p a r a m i m é o m a i s i m p o r t a n t e – q u e é o
a s p e c t o p e d a g ó g i c o e e d u c a c io n a l .
A p a r t ir d o m o m e n t o ( e m ) q u e s e d e f i n e a F i l o s o f i a c o m o b u s c a d a
S a b e d o r i a , is t o t e m q u e s e r o o b j e t i v o c e n t r a l d a s u a v i d a , e o e i x o d e t o d a s a s s u a s
ações, decisões, escolhas etc. Ou seja, você tem que (se) fazer, da sua personalidade
i n t e i r a , d a s u a a lm a i n t e ir a , u m i n s t r u m e n t o d e e l u c i d a ç ã o . N ã o é q u e v o c ê v a i s e
“empenhar” na busca da Verdade, você vai ter que ser a busca da Verdade. E você vai ter
q u e s o b r e p o r is t o a t o d o s o s d e m a i s v a l o r e s e c r i t é r i o s ( q u e é ) – a t é c r it é r i o s r e l i g i o s o s –
(quer dizer, você vai ter...) O que você absorver de Religião, você vai ter que absorver
por este meio. Quer dizer: é a Filosofia que vai interpretar a Religião e não – jamais – ao
c o n t r á r i o . S e v o c ê f i z e r a o c o n t r á r i o , e n t ã o n ã o p r e c is a e s t u d a r F i l o s o f i a . P o r q u e o
p r o b l e m a e s s e n c i a l d a F i l o s o f i a é o d a i n t e l i g i b i l i d a d e , q u e r d i z e r , é o d o e n t e n d im e n t o e
da transparência. É o problema de você enxergar; enxergar claro.
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E i s t o s i g n if i c a q u e ( c o m ) o s t e x t o s d a R e l i g i ã o , v o c ê v a i t e r q u e
fazer exatamente a mesma coisa.
A g o r a , s e v o c ê j á v e m c o m u m a c a r g a ( d e ) , c o m a o b r ig a ç ã o d e
entender desta ou daquela maneira porque “ah, assim foi a doutrina da Igreja etc.”, você
está esquecendo que a própria doutrina da Igreja também tem que ser inteligida, ela
também tem que ser “coada” para se tornar transparente. Então ela não é um
instrumento de interpretação; ela também é um objeto a ser interpretado. E você pode
tomá-la, caso você seja cristão, vamos dizer, como baliza. Quer dizer que, em ultima
análise, as conclusões que você chegar devem coincidir com a doutrina da Igreja; desde
que você entenda essa doutrina.
M a s n ã o é p a r a u s a r a R e l i g i ã o c o m o u m m o l d e p r é v i o ; i s s o j a m a is .
Se é para fazer isso, então nem estude Filosofia.
Se você não acredita – aí (nós) temos que dizer aquela coisa que já
dizia Hegel (que sob muitos aspectos era um charlatão, mas sob outros aspectos era um
filósofo magnífico, era um sujeito que dominava a Filosofia e sabia o que era) – quer
d i z e r : s e v o c ê n ã o a c r e d i t a n a p o s s i b i l i d a d e d e v o c ê t o r n a r o r e a l i n t e li g í v e l , n a m á x i m a
m e d i d a p o s s í v e l; n e m e n t r e n i s t o . S e v o c ê n ã o a c r e d i t a n a f o r ç a d a i n t e l i g ê n c i a h u m a n a ;
nem comece.
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F i l o s o f i a , e s i m d e s t a c a n d o a q u i l o q u e s e j a o m a i s n e c e s s á r i o . P r i m e ir o : p a r a v o c ê
compreender profundamente o que é a tarefa do filósofo, e o que se espera de você e
q u a i s s ã o a s s u a s o b r ig a ç õ e s . E m s e g u n d o l u g a r : p a r a e q u i p á - l o c o m o s i n s t r u m e n t o s
t é c n i c o s n e c e s s á r io s p a r a q u e v o c ê t r a t e d e u m p r o b l e m a d e F i l o s o f ia ( c o m o s p r o b l e m a s
da Filosofia).
A q u e s t ã o d a t é c n i c a f i l o s ó f i c a é u m a c o is a b á s i c a e q u e n o e n s i n o
de Filosofia, no Brasil, é ignorada. Técnica filosófica significa o seguinte, ela responde à
seguinte questão: como que eu devo atacar os pontos obscuros para torná-los claros? É a
t é c n i c a d a in t e l i g i b i l i d a d e , é a t é c n i c a d o e n x e r g a r c l a r o . E e x i s t e , e v i d e n t e m e n t e , a o
longo de 2.500 (dois mil e quinhentos anos) anos, uma série de procedimentos técnicos
que são mais ou menos consagrados, e estes você tem que dominar, você tem que saber
como é que Platão ou Aristóteles tratariam tal problema, por onde eles atacariam, que
precauções eles tomariam, como é que iam encaminhar a investigação do negócio e quais
são, vamos dizer, os limites e possibilidades que estariam nas conclusões que eles iam
tirar.
E u a c r e d i t o , p e s s o a l m e n t e , q u e a F i l o s o f i a é u m c o n h e c im e n t o
e x t r e m a m e n t e r i g o r o s o , e x t r e m a m e n t e c e r t o , e x t r e m a m e n t e v e r d a d e i r o ; m a is v e r d a d e ir o
d o q u e q u a lq u e r c i ê n c i a , m e s m o p o r q u e a i n t e l i g i b i l i d a d e d e q u a l q u e r c i ê n c i a d e p e n d e
da análise filosófica que você faça dela. Você entender um único termo cientifico, e saber
a que ordem de realidade ele corresponde – se é que existe uma realidade
correspondente – e quais são as várias gradações de realidade e irrealidade comportadas
n u m t e r m o c i e n t i f i c o , é a ú n ic a m a n e i r a d e vo c ê , r e a l m e n t e , c o m p r e e n d ê - l a .
Isto quer dizer que, se você não é capaz de fazer esta análise
f i l o s ó f i c a d e q u a l q u e r t e r m o c ie n t í f i c o , v o c ê n ã o s a b e d o q u e e s t á f a l a n d o . E s s a é a
mesma coisa que dizer: toda a atividade científica, sem a análise filosófica dela, é uma
c o is a i n i n t e l i g í v e l . É a p e n a s u m a m a n i p u l a ç ã o t é c n ic a , m a is o u m e n o s c o m o s e v o c ê
e n s i n a s s e u m m a c a c o a d ir i g i r a u t o m ó v e l . O m a c a c o p o d e a p r e n d e r a d i r i g i r a u t o m ó v e l,
mas ele não pode entender os princípios do motor à explosão, isso aí não adianta
explicar porque ele não vai entender.
E n t ã o , n ã o e s ó v o c ê s a b e r d ir i g i r a u t o m ó v e l , m a s v o c ê e n t e n d e r
porque ele anda, afinal de contas.
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podemos exigir um algo mais, que é entender por que aquilo funciona e se funciona,
efetivamente.
S e g u ir a o r d e m c r o n o ló g i c a t e m ( u m a ) c e r t a v a n t a g e m , p o r q u e a s
etapas do desenvolvimento da consciência humana coincidem, mais ou menos, com as
e t a p a s d o a p r e n d iz a d o , e c o m a o r d e m d a f o r m a ç ã o d a c e r t e z a h u m a n a , t a l c o m o e s t á
explicado no livro “A Teoria dos Quatro Discursos”.
Q u a n d o A r i s t ó t e l e s d i z q u e a c o i s a é a s s im , e l e q u i s d i z e r ,
exatamente, que a ordem dos quatro discursos é a ordem do aprendizado. E nós temos
uma (certa) vantagem porque (você vai ver que) todo o material chamado pré-filosófico –
material que você pode colher nas religiões antigas, nos antigos mitos etc. – todo ele é
l i n g u a g e m m i t o - p o é t ic a . E n t ã o , s e n ã o h o u v e r u m a p r o f u n d a im e r s ã o n a l i n g u a g e m m i t o -
poética, o que vai acontecer é que você jamais vai saber do que os filósofos estão
falando, porque não há nada, nada em toda a Filosofia universal, que não seja uma
simples elaboração do universo mito-poético preexistente.
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i m e r s ã o n o u n i v e r s o m it o - p o é t i c o , i n c l u i n d o o s m i t o s q u e s ã o v e r d a d e i r o s n o p r i m e ir o
s e n t i d o e o s m i t o s q u e s ã o v e r d a d e ir o s n o s d o is s e n t i d o s ; v o c ê n u n c a va i e n t e n d e r n a d a .
Então, quer dizer: longe de fazer aquilo que em geral se faz, você
f a z ( . . . ) a m a i o r i a ( . . . ) : d á u m a “ l a m b id i n h a ” n o p e n s a m e n t o p r é - f i lo s ó f i c o e j á s a l t a
d i r e t o p a r a o s p r é - s o c r á t i c o s , S ó c r a t e s e t c . n ó s v a m o s f a z e r o c o n t r á r io , n o s v a m o s
m e r g u l h a r d e c a b e ç a ( . . . ) u m q u i n t o d e n o s s o c u r s o v a i s e r o u n i v e r s o m i t o - p o é t ic o ,
chamado pré-filosófico – chamado erroneamente pré-filosófico – por quê? Porque você
jamais sai desse universo mito-poético.
O q u e a H u m a n id a d e f e z é l a n ç a r m a i s l u z s o b r e c e r t a s d i m e n s õ e s
q u e j á e s t a va m i n s i n u a d a s a l i d e n t r o , j á e s t a v a m c o n t i d a s a l i d e n t r o , m a s q u e n ã o t i n h a m
s i d o – c o m o d i z o E r i c V o e g e l i n – a r t i c u l a d a s d e m a n e ir a m u i t o c l a r a . Q u e r d i z e r : h á u m
t r a b a l h o d e p r o g r e s s i v o e s c l a r e c im e n t o . M a s e s s e e s c l a r e c i m e n t o s e o p e r a m a i s o u m e n o s
sobre os mesmos dados que já estavam no universo mito-poético e que, no fundo, é o
mesmo universo no qual nós passamos os nossos primeiros anos; quer dizer, a apreensão
i n f a n t i l d o m u n d o é t a m b é m a p r e e n s ã o m i t o - p o é t ic a , é p u r a s í n t e s e im a g i n a t i v a q u e v o c ê
está fazendo.
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E n t ã o , s e e s s a f o i a i n f â n c i a d a H u m a n id a d e , e s t a t a m b é m s e r á a
i n f â n c i a d o s s e u s e s t u d o s d e F i l o s o f i a . M a s é d e u m a in f â n c i a s ó l id a e s a u d á v e l , q u e
nascerá, depois, uma Filosofia saudável.
Para isso nós elaboramos uma bibliografia inicial que será entregue
àqueles alunos que se inscreverem neste curso – portanto, pressupondo que nem todos
os membros do Seminário de Filosofia Online se inscreverão nesse curso, por quê? Este é
u m c u r s o s é r i o e e u q u e r o u m c o m p r o m e t im e n t o d e q u e a s p e s s o a s v ã o a t é o f i m . E n t ã o ,
o (nego) que não se comprometer a ir até o fim, nem comece. Tá certo?
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Nós vamos procurar puxar o que de melhor existe sobre aqueles
p o n t o s , s o b r e a q u e l e s p r o b l e m a s . “ M e l h o r ” ( is s o ) s u b e n t e n d e , i n c l u s i v e ( v a m o s d i z e r ) ,
uma atualização com o estado atual das investigações, quer dizer, o status quaestiones,
até onde chegou, qual é o ponto em que está.
Claro que a bibliografia é somente os textos que nós vamos ler para
as aulas; mas isso não é toda a bibliografia do curso, evidentemente. A bibliografia
i n c o r p o r a r á t a m b é m u m a s é r i e d e o b r a s d e c o n s u l t a e a ( h á ? ) a b e r t u r a p a r a a lg u m a s
centenas de publicações periódicas especializadas, nas quais você pode, de vez em
quando, procurar uma informação ou outra aqui (...) ou uma atualização que você
precise.
U m a v e z , e s t a v a o E r ic V o e g e l i n d i s c u t i n d o c o m o c h e f e d o
departamento dele, e o cara disse: “ah, mas você sabe que eu entendo disso, eu sou
professor de filosofia”. E o Voegelin disse: “pode ser, mas eu sou um filósofo”. Essa é a
diferença.
Q u e r d i z e r : u m f i l ó s o f o é u m s u j e it o q u e , p r im e i r o , c o n s a g r a a v i d a
d e l e à b u s c a d e u m e s c la r e c i m e n t o . E n t ã o , p o r t a n t o , é u m s u j e i t o q u e n ã o t o m a p o s i ç õ e s ,
não tem opiniões, não gosta mais disso ou aquilo; ele gosta é de saber a Verdade. Quer
i s t o s e j a p o s s í v e l, q u e r n ã o s e j a p o s s í v e l. M a s a t é o n d e s e j a p o s s í v e l , e le v a i f o r ç a r n e s s a
direção.
S e g u n d o , e le t e m o s e q u i p a m e n t o s p a r a f a z e r i s s o . E l e a b s o r v e o
p a t r im ô n i o t é c n i c o q u e a H u m a n id a d e c r io u p a r a f a z e r i s s o . E n t ã o , q u e r d i z e r , e l e n ã o
vai esperar que a sua própria cabeçinha, operando sozinha, resolva todos os problemas.
E l e v a i a b s o r v e r o p a t r i m ô n io d a H u m a n id a d e .
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v o c ê n ã o t e m o p a t r im ô n i o d a H u m a n i d a d e , d e s e n vo l v i d o a o l o n g o d o s m i l ê n i o s , v o c ê
vai absorver (é o que?) as preferências do seu meio social atual. E você vai ser um
c a i p ir a e t e r n a m e n t e .
O ser humano, quando ele fala, ele sempre tem que usar o
t e s t e m u n h o d o o u t r o . O t e s t e m u n h o i m p l i c a a a u t o r i d a d e d o t e s t e m u n h o . A a u t o r id a d e
d o t e s t e m u n h o é u m a c o i s a b á s i c a . Q u e r d i z e r , o s u j e it o f o i l á e v i u t a l ( o u ) t a l c o i s a ; e
v o c ê c o n f i a n o t e s t e m u n h o d e le . S e m e s t a c o n f i a n ç a n ã o e x i s t e o c o n h e c i m e n t o . M e s m o
em Ciência. Se você pegar qualquer conhecimento cientifico, você pergunta assim:
q u a n t a s p e s s o a s t i v e r a m a c e s s o d ir e t o a e s t a s e x p e r i ê n c i a s ? O u v o c ê l e i a . L e i a u m l i v r o
( d e ) q u a l q u e r ( c i ê n c i a ) , p e g a u m l i v r o d e Q u í m ic a , e v e j a a s s i m : q u a n t a s d e s t a s
experiências eu vou poder refazer pessoalmente? É um número ínfimo. Então você
sempre vai depender da confiabilidade do testemunho que é passado dentro de uma
comunidade de investigadores, de geração em geração.
S e v o c ê n ã o a b s o r v e i s s o , v o c ê n ã o t e m ( o q u e ? ) a a u t o r id a d e d a
Ciência. Então você apela a (o) que? À autoridade do seu grupo social atual. E isso
a c o n t e c e ( p r a t i c a m e n t e ) c o m t o d o s o s p r o f e s s o r e s b r a s i l e i r o s d e F il o s o f i a . E u n ã o
c o n h e ç o u m a e x c e ç ã o . S ã o t o d o s d e p e n d e n t e s d a o p i n i ã o d e s e u s c o le g u i n h a s , p o r q u ê ?
Porque eles não conhecem direito a opinião de Platão, não conhecem direito a opinião de
Aristóteles, (...) não conhecem direito a opinião de Sto. Agostinho, de Sto. Tomas de
A q u i n o , D u n s S c o t . . . E n t ã o , e le s n ã o p o d e m d i a l o g a r c o m e s s e s c a r a s , e l e s n ã o p o d e m
chegar para esses caras, e dizer “oh, professor, como é que é o negócio?” Então ele
pergunta para o seu chefe de departamento. Que é outra besta quadrada, que nem eles.
Aprender a lidar com estas pessoas (...) por exemplo: vamos supor
que você vá absorver Platão, (que) você vá consagrar um ano da sua vida – nós vamos
consagrar um ano, o segundo ano é só Platão e Aristóteles (e é muito pouco, um ano para
Platão e Aristóteles é nada, mas isso não quer dizer que nós vamos esgotar o assunto;
q u e r d i z e r , n ó s v a m o s h a b i l i t a r v o c ê a c o n t i n u a r l e n d o P l a t ã o e A r is t ó t e l e s , p e l o r e s t o d a
sua vida, e sempre você vai voltar lá, e sempre vai fazer perguntas, e sempre que você
e s p r e m e r a q u e l e s t e x t o s , s e m p r e v a i s a ir m a i s c o i s a e m a i s c o is a . . . ) – e n t ã o , a í v o c ê
começará a reparar como é ridículo você pretender discutir certas opiniões de Platão e
A r i s t ó t e l e s s e m v o c ê t e r a b s o r v i d o o e n s i n a m e n t o d e le s , c o m o f e z e s s e i n f e l i z d e s s e K a r l
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P o p p e r , n o l i v r o “ A S o c i e d a d e A b e r t a e S e u s I n i m i g o s ” . E le p e g a l á d u a s o u t r ê s
o p i n i õ e s s o l t a s d e P l a t ã o , q u e e l e a c r e d i t a ( q u e ) e n t e n d e u , e c o m e ç a a d i s c u t ir e r e f u t a r
etc.
O que (lhe) acontece é que ele vai passar longe do que Platão disse.
Vamos dizer: (é como se) ele não entendeu uma linha do que Platão falou. E isso Karl
P o p p e r , q u e t e m g e n t e q u e c o n s i d e r a o K a r l P o p p e r u m g r a n d e f i l ó s o f o ! E u c o n s id e r o , n o
m á x im o , u m r a z o á v e l p r o f e s s o r d e L ó g i c a ; e p o n t o f i n a l . N ã o v a i p a s s a r d is s o , t á
entendendo? Ele não é um mestre da Filosofia, não é um grande filósofo, (ele) não é
n a d a . É u m a p e s s o a q u e v o c ê n e m p r e c i s a c o n h e c e r a o b r a d e le . A p r ó p r i a f a m a d o K a r l
Popper, no Século XX, já é uma anomalia. A não ser no domínio das idéias políticas e das
d i s c u s s õ e s p o l í t i c a s d a a t u a l i d a d e , q u e e l e d is s e a l g u m a s c o is a s i n t e l i g e n t e s ( . . . ) M a s
c o is a s a s s im , ( q u e t á ) n u m n í v e l q u e n ã o s e r á m u i t o m a i o r q u e o d o R o b e r t o C a m p o s ( . . . )
Nós não podemos fazer o que Karl Popper fez: que é uma leitura
amadorística de Platão. E é o que se faz no Brasil, (por exemplo): as pessoas lêem essas
c o is a s , l ê e m a m a d o r is t i c a m e n t e , ( q u e r d i z e r ) n ã o a b s o r v e r a m a t r a d i ç ã o d e e s t u d o s
d a q u i l o . V o c ê p r e c i s a ve r q u e c a d a l i n h a d e P l a t ã o j á f o i l i d a , p r o c e s s a d a , a n a l i s a d a s o b
m i l a s p e c t o s . C la r o ( q u e t e m ) , s e v o c ê f o r v e r e s s a b i b l i o g r a f i a i n t e i r a , t e m m u i t a
b e s t e i r a , t a m b é m , n o m e io , ( m u i t o ) t e m p o p e r d id o . M a s t e m u m a ( c e r t a ) l i n h a c e n t r a l
q u e v o c ê n ã o p o d e i g n o r a r . E , o S é c u l o X X , f o i b a s t a n t e r i c o n e s s a s c o is a s , ( . . . ) a s
pessoas (...) dentro desses estudos platônicos, eu acho que, pelo menos, três pessoas
a c r e s c e n t a r a m a l g u m a c o i s a e s s e n c ia l a o e n t e n d i m e n t o d e P l a t ã o , q u e f o i ( v a m o s d i z e r ) o
Paul Friedländer, o Eric Voegelin e o Giovanni Reale. Quer dizer: se você não está
atualizado com essas três coisas aí, você não vai (...) não está entendendo Platão da
m a n e ir a m e lh o r e m a i s p r o f i s s i o n a l q u e t e m .
P r o s s e g u i n d o a q u i c o m a n o s s a e x p li c a ç ã o : e u , a t é h o j e , ( e u ) s ó t i v e
a o p o r t u n id a d e de dar cursos de conferências: (um) curso no qual as pessoas
p e r g u n t a v a m : “ o q u e é e x i g i d o d e m im ? ” E u f a l a v a : “ n ã o é e x i g i d o n a d a ; ( v o c ê ) t e m q u e
sentar e escutar. E tentar entender. É só isso”. “O que precisa ler?” Eu digo: “Depois de
tudo que eu falar, você vai ler o que você quiser. Se não quiser ler nada, mas prestar
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atenção aqui; já vai funcionar.” Porque (são) eram apenas conferências; eu nunca pude
fazer nada (além) a mais. Mas agora nós vamos fazer.
Então isso quer dizer que, nesse curso, os alunos não serão
ouvintes, não serão (um) público; serão um corpo de alunos que vai trabalhar e que vai
t e r q u e d e m o n s t r a r o s e u p r o g r e s s o , p a s s o a p a s s o , o s e u d o m í n i o d a m a t é r i a e , va m o s
dizer, a sua capacidade. E as suas qualidades pessoais requeridas. E essas qualidades
pessoais aparecem, às vezes, não tanto no aproveitamento escolar, mas nas próprias
a t i t u d e s q u e o s u j e i t o t o m a . Q u e r d iz e r : e u q u e r o v e r s e o s u j e i t o a g e c o m o u m f i l ó s o f o .
Você pode ser (tem várias más qualidades) preguiçoso, você pode
s e r m u l h e r e n g o , p o d e s e r b ê b a d o , p o d e s e r v e a d o ( . . . ) t u d o is s o é c o m p a t í v e l c o m a
F i l o s o f i a . C r i a p r o b l e m a s , é c l a r o : m a is d i a , m e n o s d i a , v o c ê v a i t e r c o n f l i t o . ( M a s ) t u d o
i s s o n ã o t e m a r a d ic a l i n c o m p a t i b i l i d a d e c o m a F i l o s o f i a . M a s ( v a m o s d i z e r ) , a f r a q u e z a
perante a opinião (...) a fraqueza perante isso que a Igreja chama o Mundo. (Para) a
Igreja Católica: (...) quais são os inimigos da alma? São três: o Mundo, o Diabo e a
Carne.
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A s p e s s o a s n ã o s a b e m o q u e é i s s o . O D i a b o é a q u i l o q u e C r is t o
c h a m a v a p r i n c i p a t i s p o t e s t a t i s . Q u e r d i z e r : é a e s t r u t u r a d o p o d e r e s p ir i t u a l m a l i g n o .
Muitas pessoas pensam que “diabo” é aquilo que inspira (...) faz um moleque tocar
punheta no banheiro; eu falo: não. Quem faz ele tocar (a) punheta no banheiro é a
N a t u r e z a . A g o r a ; o D i a b o é a q u i l o q u e l e v a , n ã o e s t e o u a q u e l e in d i v i d u o , m a s o
c o n j u n t o d a H u m a n i d a d e p a r a o m a l . E m g e r a l, o D i a b o e s t á ( m u i t o m a i s ) o c u p a d o c o m
c o is a s d e e n v e r g a d u r a m u i t o m a i o r d o q u e e s s a . E e s s e s p e c a d i n h o s e l e d e i x a , q u e o
s u j e i t o f a z s o z i n h o . E l e n ã o p r e c is a d a a j u d a d o D i a b o , e l e v a i f a z e r s o z in h o .
E n t e n d e r , p o r e x e m p lo , a s e s t r u t u r a s d o m a l n o m u n d o é u m a c o is a
i m p o r t a n t e q u e – a l g u m d i a – n ó s v a m o s t e r q u e e n f r e n t a r is s o a í , e s t á c e r t o ? M a s , o
s e g u n d o i n im i g o d a a l m a é a C a r n e . O q u e é a C a r n e ? A C a r n e é a q u e l e p e d a ç o s e u q u e
diz que você existe. Você acredita que você existe. A prática da Filosofia demonstrará,
m e u f i l h o , q u e v o c ê s ó e x i s t e n o s e u c o n f r o n t o c o m a I n f i n i t u d e . V o c ê s ó e x is t e c o m o
uma contrapartida, pequenininha, daquilo que o Voegelin chama “o fundamento da
e x i s t ê n c i a ” . S e n ã o t e m ( o ) f u n d a m e n t o d a e x is t ê n c i a , n ã o t e m c o n s c i ê n c i a p e s s o a l; ( . . . )
n ã o t e m id e n t i d a d e n e n h u m a .
Você tem que saber isto por experiência. Você tem que, várias
vezes, perceber isso claramente. As pessoas não percebem porque elas ficam
a t e r r o r i z a d a s . E u t a m b é m f i q u e i a t e r r o r i z a d o a p r im e i r a v e z . M a s , a g o r a , e u m e l e m b r o
disso e até sinto (um) certo reconforto nisso. É a experiência de Sto. Agostinho: “eu sei
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que sou, mas eu não sei por que eu sou”; que é – colocado no plano certo, no plano
h u m a n o – a m e s m a p e r g u n t a d o L e ib n i z , “ p o r q u e e x i s t e o s e r e n ã o , a n t e s , o n a d a ? ” . P o r
q u e e x i s t o e u , e n ã o u m z e r o n o m e u l u g a r ? N a h o r a ( e m ) q u e v o c ê vê a s u a t o t a l
contingência, a total desnecessidade que o Universo e a Realidade têm de você mesmo;
pronto, você não está mais no plano da Carne.
O r a ; v o c ê t e m d ir e i t o a u m c o n h e c i m e n t o p r ó p r i o , t e m o d i r e i t o à
investigação e à certeza. Claro: a certeza razoável, de você ver o que é possível dentro
d a q u e l e d o m í n i o . M a s a s p e s s o a s , g e r a l m e n t e , f i c a m m u i t o a b a i x o d is s o . P o r q u e e l a s s e
contentam, quando elas dizem uma coisa, que as pessoas que elas gostam, concordam.
Então daí fica aquele grupinho de idiotas que se amam, um mentindo e os outros
r e p e t i n d o a s m e n t ir a s d o s o u t r o s . I s t o é o q u e a B í b l i a c h a m a o M u n d o . T á a í ( . . . ) : o
Diabo, a Carne e o Mundo.
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e s p e c í f i c a . M a s q u e , s e v o c ê a c o n t i n u a r , e l a p o d e s e r v i r d e b a s e p a r a , g r a d a t i va m e n t e ,
você desenvolver as outras. Se isto for necessário. E eu não acredito que alguém possa
t e r t o d a s a s v i r t u d e s p o r i g u a l . E n t ã o v o c ê c a p r ic h a n u m a s , e a s o u t r a s v o c ê p e d e q u e
D e u s p e r d o e . I s s o é m a is d o q u e s u f i c i e n t e .
Como o curso vai ter duração de cinco anos, então, você terá um
compromisso de cinco anos. Terminado isso (...) você vai ser avaliado; não só mediante
t r a b a l h o s , m a s m e d i a n t e q u e s t i o n á r io s , i n t e r r o g a ç õ e s , c o n v e r s a s , a o l o n g o d e t o d o o
curso.
E , n o f i m , e u d o u u m c e r t if i c a d o .
C e r t i f i c a d o q u e s i g n i f i c a o s e g u in t e : v o c ê f o i a l u n o d o ú n i c o
filósofo que existe no Brasil. E não é que eu sou o “maior” filósofo que existe no Brasil.
Não; não tem nenhum, só sobrou eu. Então, ser o maior, onde não há concorrentes é a
c o is a m a i s f á c i l d o m u n d o , e u n ã o c o n s i d e r o q u e s e j a m é r i t o a l g u m . A l i á s , e u c o n s i d e r o
(...) isso um meio de você avaliar a situação, porque, se o melhor filósofo sou eu, então é
p o r q u e a s it u a ç ã o é d e c a l a m i d a d e p ú b l i c a m e s m o , n ã o é ? M a s é o q u e t e m . E n t ã o , s e
você não aprender filosofia aqui, você não vai aprender em lugar nenhum: você não vai
a p r e n d e r n a U S P , n ã o va i a p r e n d e r n a U n i c a m p ( . . . ) e m p a r t e a l g u m a , t á b o m ? É o q u e
tem...
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n ã o f r e q ü e n t a r . E n t ã o , p a r a i s s o ( é q u e ) v a i s e r u m c o n t r a t o , v a i s e r u m a c o is a s é r i a , q u e
é para você ir até o fim.
(Quer dizer que) eu não pretendo cobrar nada extra, embora este
c u r s o ( e l e ) n ã o t e n h a s i d o p r o m e t id o n a f ó r m u l a i n i c i a l d o S e m i n á r io , e l e é u m a c o i s a
extra que nós estamos fazendo (...) eu não pretendo cobrar nada mais. Eu só pretendo ter
esse compromisso.
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