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APRESENTAÇÃO

E s t a c o m u n i c a ç ã o a o s m e m b r o s d o S e m i n á r i o d e F i l o s o f ia O n l i n e
t e m p o r o r ig e m u m a c a r t a q u e e u r e c e b i, d o a l u n o B e r n a r d o V i e ir a ( . . . ) , a o q u a l m u i t o
a g r a d e ç o . E le e s c r e v e o s e g u i n t e :

“Caro Olavo. Já faço parte do grupo de seus estudantes ‘online’ do


Seminário. Estou gostando bastante, especialmente daquela exposição imensa em aula; seis
horas. Eu tenho uma sugestão a fazer, mas não sei se seria possível, ou do seu interesse. O que
você acha de criar um curso de História da Filosofia, no Seminário? Eu imagino que, de todos os
documentos que entrarão no site, muitos estarão relacionados ao tema. Sei, também, que você
tem a coleção História Essencial da Filosofia. Porém, esta é muito genérica, ao que me parece. A
minha sugestão é mais na linha de um estudo sistemático da obra dos grandes filósofos. Seria
uma “História Essencial” prolongada. Cursos sobre Platão, Aristóteles etc.”

E aí vai:

“Deixe-me (lhe predicar?). Poderia haver em torno de umas vinte aulas,


de umas duas horas cada, expondo o pensamento de Platão, entre (outros) mais, mais
pormenorizadamente. Quase como o trabalho do Mário, sobre o diálogo “Parmênides”. (...) Esses
cursos seriam realizados ao longo de alguns anos. Depois de completos, seria um substituto aos
cursos de Filosofia que se encontram nas universidades, com duas diferenças: a qualidade da
exposição, que não seria mera reprodução do texto, mas uma exposição (experimentar?) o seu
conteúdo, e a qualidade dos autores.”

E a s s im v a i . E u a g r a d e ç o m u i t o e s s a s u a s u g e s t ã o , é u m a c o i s a
(uma idéia) que já estava mais ou menos assim no ar, e que esta carta acabou de
condensar.

Então, a resposta à sugestão do Bernardo é: sim; nós vamos fazer


exatamente isso. Exatamente o que você me sugeriu. Só que eu vou ter que fazê-lo do
m e u m o d o . E , e m p r i m e i r o l u g a r , u m c u r s o d e F i l o s o f i a ( e le ) n ã o p o d e , p o r s i , t e r u m a
e s t r u t u r a h i s t ó r i c a . E x i s t e m v á r i a s m a n e ir a s d e v o c ê a b o r d a r a F i l o s o f ia , e a h is t ó r i c a é
somente uma delas. Mas, existe todo um lado de formação: quer dizer, você tem que
equipar o aluno para que ele possa fazer suas pesquisas, suas investigações, por conta
p r ó p r i a , e i s t o u m a e x p o s iç ã o h i s t ó r i c a n ã o o a j u d a r á . E n t ã o n ó s t e r e m o s q u e d a r ,
também, esse lado, por assim dizer, “metodológico”. Então, temos já duas perspectivas,
t e m a h i s t ó r i c a e a m e t o d o l ó g ic a .

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Mas, e x is t e a outra, que é a m a is im p o r t a n t e , que seria a
a b o r d a g e m a p o r é t i c a : a a b o r d a g e m p o r p r o b le m a s ; v o c ê v a i p e g a r a F i l o s o f i a p o r c e r t o s
p r o b l e m a s . E t e m , f i n a lm e n t e , o q u a r t o a s p e c t o – p a r a m i m é o m a i s i m p o r t a n t e – q u e é o
a s p e c t o p e d a g ó g i c o e e d u c a c io n a l .

Quer dizer: Platão já considerava que a Filosofia e a Educação são


a m e s m í s s im a c o i s a e , q u a n d o m a i s t e m p o p a s s a , m a i s e u v e j o q u e e l e t i n h a t o d a r a z ã o .

Então, é o ato propriamente pedagógico, quer dizer, que se refere à


f o r m a ç ã o d a p e r s o n a l id a d e d o f i ló s o f o , d a p e r s o n a l i d a d e d o e s t u d a n t e . U m p o u c o n a
linha do que está no livro do Antonin Sertillanges, La Vie Intellectuelle, que é um livro
(que é) considerado básico, (é o livro) que inspirou todos os cursos que eu dou na minha
vida, é tudo baseado naquilo. Aquilo foi o pontapé inicial. Se não existisse esse livro,
(eu) acho que eu nunca teria chegado a dar cursos. Ali está dada a razão de eu dar esses
cursos.

E, a razão é o seguinte: a inteligência que vai estudar, que vai ler


P l a t ã o e t c . , q u e v a i d i s c u t ir e s s e s p r o b le m a s , n ã o é u m a e n t i d a d e s e p a r a d a d a s u a
pessoa. É a sua própria pessoa, quer dizer, é o centro da sua consciência. Não faz o
m e n o r s e n t id o v o c ê t e n t a r e n s i n a r ( u m m o n t e d e c o is a s s o b r e ) a H i s t ó r ia d a F i l o s o f i a , o u
m e s m o s o b r e a t é c n ic a f i l o s ó f i c a , s e i s s o v a i p e r m a n e c e r p e r i f é r ic o , s e i s s o v a i s e r u m a
casca que recolhe uma personalidade que, na base, permanece inalterada. Quer dizer:
você vai ter a personalidade de um homem vulgar, e em cima você tem uma máscara de
filósofo. (Aí) isso é exatamente o que acontece com praticamente todos os estudantes de
Filosofia no Brasil. Quer dizer, eles podem ter conhecimentos de Filosofia, mas eles não
têm a personalidade do filósofo. E essa personalidade é o que é o instrumento, é a chave
c o m q u e vo c ê v a i e n t e n d e r t u d o .

A p a r t ir d o m o m e n t o ( e m ) q u e s e d e f i n e a F i l o s o f i a c o m o b u s c a d a
S a b e d o r i a , is t o t e m q u e s e r o o b j e t i v o c e n t r a l d a s u a v i d a , e o e i x o d e t o d a s a s s u a s
ações, decisões, escolhas etc. Ou seja, você tem que (se) fazer, da sua personalidade
i n t e i r a , d a s u a a lm a i n t e ir a , u m i n s t r u m e n t o d e e l u c i d a ç ã o . N ã o é q u e v o c ê v a i s e
“empenhar” na busca da Verdade, você vai ter que ser a busca da Verdade. E você vai ter
q u e s o b r e p o r is t o a t o d o s o s d e m a i s v a l o r e s e c r i t é r i o s ( q u e é ) – a t é c r it é r i o s r e l i g i o s o s –
(quer dizer, você vai ter...) O que você absorver de Religião, você vai ter que absorver
por este meio. Quer dizer: é a Filosofia que vai interpretar a Religião e não – jamais – ao
c o n t r á r i o . S e v o c ê f i z e r a o c o n t r á r i o , e n t ã o n ã o p r e c is a e s t u d a r F i l o s o f i a . P o r q u e o
p r o b l e m a e s s e n c i a l d a F i l o s o f i a é o d a i n t e l i g i b i l i d a d e , q u e r d i z e r , é o d o e n t e n d im e n t o e
da transparência. É o problema de você enxergar; enxergar claro.

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E i s t o s i g n if i c a q u e ( c o m ) o s t e x t o s d a R e l i g i ã o , v o c ê v a i t e r q u e
fazer exatamente a mesma coisa.

A g o r a , s e v o c ê j á v e m c o m u m a c a r g a ( d e ) , c o m a o b r ig a ç ã o d e
entender desta ou daquela maneira porque “ah, assim foi a doutrina da Igreja etc.”, você
está esquecendo que a própria doutrina da Igreja também tem que ser inteligida, ela
também tem que ser “coada” para se tornar transparente. Então ela não é um
instrumento de interpretação; ela também é um objeto a ser interpretado. E você pode
tomá-la, caso você seja cristão, vamos dizer, como baliza. Quer dizer que, em ultima
análise, as conclusões que você chegar devem coincidir com a doutrina da Igreja; desde
que você entenda essa doutrina.

M a s n ã o é p a r a u s a r a R e l i g i ã o c o m o u m m o l d e p r é v i o ; i s s o j a m a is .
Se é para fazer isso, então nem estude Filosofia.

O instrumento cognitivo não é a sua “inteligência” (entre aspas).


Quem vai conhecer não é a sua “inteligência”; quem vai conhecer é você. Então, este é o
p r im e ir o p r o b l e m a . Q u e r d iz e r : q u e m s o u e u ? O q u e e u e s t o u f a z e n d o a q u i ? Q u a l é a
r e s p o n s a b i l i d a d e q u e e u t e n h o ? I s s o e “ a o n d e é q u e e u q u e ro c h e g a r ? ”

Se você não acredita – aí (nós) temos que dizer aquela coisa que já
dizia Hegel (que sob muitos aspectos era um charlatão, mas sob outros aspectos era um
filósofo magnífico, era um sujeito que dominava a Filosofia e sabia o que era) – quer
d i z e r : s e v o c ê n ã o a c r e d i t a n a p o s s i b i l i d a d e d e v o c ê t o r n a r o r e a l i n t e li g í v e l , n a m á x i m a
m e d i d a p o s s í v e l; n e m e n t r e n i s t o . S e v o c ê n ã o a c r e d i t a n a f o r ç a d a i n t e l i g ê n c i a h u m a n a ;
nem comece.

Então, a Filosofia é incompatível com a modéstia e com a timidez


i n t e l e c t u a is . V o c ê t e m q u e e s t a r d i s p o s t o a f u r a r a s q u e s t õ e s e d i z e r “ e s t a o p a c i d a d e n ã o
v a i m e r e s i s t i r , e u v o u f u r a r i s t o a q u i e v o u e n t e n d e r d o q u e s e t r a t a ” . E s t a é a p r im e ir a
advertência.

Prosseguindo: como nós temos esses quatro lados – nós temos o


l a d o m e t o d o l ó g i c o , o la d o h i s t ó r i c o , o l a d o a p o r é t i c o e o l a d o p e d a g ó g i c o – n ó s v a m o s
t e r q u e a r t i c u l a r a s c o i s a s p a r a q u e t u d o is s o s e j a f e i t o a o m e s m o t e m p o .

Então nós vamos, mais ou menos, seguir uma ordem cronológica.


Mas, sem a preocupação de documentar todos os passos da evolução da História da

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F i l o s o f i a , e s i m d e s t a c a n d o a q u i l o q u e s e j a o m a i s n e c e s s á r i o . P r i m e ir o : p a r a v o c ê
compreender profundamente o que é a tarefa do filósofo, e o que se espera de você e
q u a i s s ã o a s s u a s o b r ig a ç õ e s . E m s e g u n d o l u g a r : p a r a e q u i p á - l o c o m o s i n s t r u m e n t o s
t é c n i c o s n e c e s s á r io s p a r a q u e v o c ê t r a t e d e u m p r o b l e m a d e F i l o s o f ia ( c o m o s p r o b l e m a s
da Filosofia).

A q u e s t ã o d a t é c n i c a f i l o s ó f i c a é u m a c o is a b á s i c a e q u e n o e n s i n o
de Filosofia, no Brasil, é ignorada. Técnica filosófica significa o seguinte, ela responde à
seguinte questão: como que eu devo atacar os pontos obscuros para torná-los claros? É a
t é c n i c a d a in t e l i g i b i l i d a d e , é a t é c n i c a d o e n x e r g a r c l a r o . E e x i s t e , e v i d e n t e m e n t e , a o
longo de 2.500 (dois mil e quinhentos anos) anos, uma série de procedimentos técnicos
que são mais ou menos consagrados, e estes você tem que dominar, você tem que saber
como é que Platão ou Aristóteles tratariam tal problema, por onde eles atacariam, que
precauções eles tomariam, como é que iam encaminhar a investigação do negócio e quais
são, vamos dizer, os limites e possibilidades que estariam nas conclusões que eles iam
tirar.

E u a c r e d i t o , p e s s o a l m e n t e , q u e a F i l o s o f i a é u m c o n h e c im e n t o
e x t r e m a m e n t e r i g o r o s o , e x t r e m a m e n t e c e r t o , e x t r e m a m e n t e v e r d a d e i r o ; m a is v e r d a d e ir o
d o q u e q u a lq u e r c i ê n c i a , m e s m o p o r q u e a i n t e l i g i b i l i d a d e d e q u a l q u e r c i ê n c i a d e p e n d e
da análise filosófica que você faça dela. Você entender um único termo cientifico, e saber
a que ordem de realidade ele corresponde – se é que existe uma realidade
correspondente – e quais são as várias gradações de realidade e irrealidade comportadas
n u m t e r m o c i e n t i f i c o , é a ú n ic a m a n e i r a d e vo c ê , r e a l m e n t e , c o m p r e e n d ê - l a .

Isto quer dizer que, se você não é capaz de fazer esta análise
f i l o s ó f i c a d e q u a l q u e r t e r m o c ie n t í f i c o , v o c ê n ã o s a b e d o q u e e s t á f a l a n d o . E s s a é a
mesma coisa que dizer: toda a atividade científica, sem a análise filosófica dela, é uma
c o is a i n i n t e l i g í v e l . É a p e n a s u m a m a n i p u l a ç ã o t é c n ic a , m a is o u m e n o s c o m o s e v o c ê
e n s i n a s s e u m m a c a c o a d ir i g i r a u t o m ó v e l . O m a c a c o p o d e a p r e n d e r a d i r i g i r a u t o m ó v e l,
mas ele não pode entender os princípios do motor à explosão, isso aí não adianta
explicar porque ele não vai entender.

E n t ã o , n ã o e s ó v o c ê s a b e r d ir i g i r a u t o m ó v e l , m a s v o c ê e n t e n d e r
porque ele anda, afinal de contas.

Nós podemos encarar o conjunto das ciências como se fosse um


conjunto de equipamentos. E esses equipamentos, nós podemos fazê-los funcionar – que,
p o r u m l a d o , é o q u e s e f a z , n a p r á t i c a d i á r i a d a i n v e s t i g a ç ã o c i e n t í f ic a – m a s n ó s

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podemos exigir um algo mais, que é entender por que aquilo funciona e se funciona,
efetivamente.

S e g u ir a o r d e m c r o n o ló g i c a t e m ( u m a ) c e r t a v a n t a g e m , p o r q u e a s
etapas do desenvolvimento da consciência humana coincidem, mais ou menos, com as
e t a p a s d o a p r e n d iz a d o , e c o m a o r d e m d a f o r m a ç ã o d a c e r t e z a h u m a n a , t a l c o m o e s t á
explicado no livro “A Teoria dos Quatro Discursos”.

Quando Aristóteles diz que o conhecimento começa com a


percepção sensível. Da percepção sensível, ele salta para a elaboração imaginativa; quer
d i z e r , ( t e m ) t o d o a q u e le t r a b a l h o q u e a m e m ó r i a p a s s i v a m e n t e , a u t o m a t i c a m e n t e , f a z e
q u e a im a g in a ç ã o ( v a m o s d i z e r ) i n t e r f e r e n a q u i l o c r i a t i v a m e n t e : e s t a é a s e g u n d a e t a p a .
E s ó d e p o i s d e s s a s e t a p a s v o c ê p o d e c o m e ç a r a e l a b o r a r o s c o n c e it o s , q u e é v o c ê s e p a r a r
( o q u e s e r ia ) o c o n t e ú d o f á t i c o , a m a t é r i a b r u t a a c u m u l a d a a l i n a m e m ó r i a , e o s e u
c o n t e ú d o e id é t i c o – t o d a s a s d i f e r e n t e s e s s ê n c i a s d o s v á r i o s e n t e s c o n s i d e r a d o s – e s ó
depois começa uma elaboração critica racional.

Q u a n d o A r i s t ó t e l e s d i z q u e a c o i s a é a s s im , e l e q u i s d i z e r ,
exatamente, que a ordem dos quatro discursos é a ordem do aprendizado. E nós temos
uma (certa) vantagem porque (você vai ver que) todo o material chamado pré-filosófico –
material que você pode colher nas religiões antigas, nos antigos mitos etc. – todo ele é
l i n g u a g e m m i t o - p o é t ic a . E n t ã o , s e n ã o h o u v e r u m a p r o f u n d a im e r s ã o n a l i n g u a g e m m i t o -
poética, o que vai acontecer é que você jamais vai saber do que os filósofos estão
falando, porque não há nada, nada em toda a Filosofia universal, que não seja uma
simples elaboração do universo mito-poético preexistente.

Quando eu falo universo “mito-poético” (não quer dizer que) eu


n ã o e s t o u m e r e f e r i n d o à “ e s t ó r i a s i n v e n t a d a s ” . U m a v e z , p e r g u n t a r a m p a r a o E r ic
V o e g e l i n : “ o q u e é o C r is t i a n i s m o ? ” . E le d i s s e : “ é u m m i t o v e r d a d e i r o ” . A e x p r e s s ã o
p a r e c e c o n t r a d i t ó r i a . M a s a e x p r e s s ã o “ m i t o v e r d a d e i r o ” q u e r d i z e r d u a s c o is a s : e l e é
v e r d a d e ir o n o s e u c o n t e ú d o , o u s e j a , n a q u i l o q u e e l e s i g n i f i c a o u n a s r e a l i d a d e s
s u p r e m a s p a r a a s q u a i s e l e e s t á a p o n t a n d o ; e s t e é u m p r im e i r o s e n t i d o . M a s , n e s t e
s e n t i d o , o m i t o d a c a ve r n a t a m b é m é v e r d a d e i r o . O C r is t i a n i s m o é u m m i t o v e r d a d e ir o
n u m s e g u n d o s e n t i d o , q u e é : “ a q u e l a h is t ó r i a a c o n t e c e u m e s m o ”

Então, é um trecho da História humana, da História real, que se


passou neste mundo, neste planeta e, simbolicamente, contém ali a indicação de tudo o
m a i s q u e s e s e g u i u a n t e s e q u e v a i ( s e ) s e g u i r d e p o i s . É p o r i s s o q u e e u d is s e : s e m e s s a

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i m e r s ã o n o u n i v e r s o m it o - p o é t i c o , i n c l u i n d o o s m i t o s q u e s ã o v e r d a d e i r o s n o p r i m e ir o
s e n t i d o e o s m i t o s q u e s ã o v e r d a d e ir o s n o s d o is s e n t i d o s ; v o c ê n u n c a va i e n t e n d e r n a d a .

Um exemplo disso é o famoso livro do Northrop Frye, que se chama


T h e G r e a t C o d e – “ O G r a n d e C ó d i g o ” – o n d e e le v a i m o s t r a r a í q u e ( p a r e c e q u e ) t o d o s o s
e n r e d o s d a L i t e r a t u r a O c i d e n t a l , e m ú l t im a a n á l i s e , n ã o s ã o s e n ã o e l a b o r a ç ã o d e
esquemas bíblicos. Ora; isso quer dizer o seguinte: que aquele conjunto de histórias
b í b l i c a s m o l d a a i m a g i n a ç ã o O c i d e n t a l d e t a l m o d o q u e v o c ê n ã o c o n s e g u e s a ir d e d e n t r o
d a q u i l o ; v o c ê n ã o i n v e n t a m a i s n a d a p a r a a l é m d o q u e e s t á a l i. ( V a m o s d i z e r ) v o c ê
consegue é variar em torno e aprofundar camadas, e mais camadas, e mais camadas (...)
de significado.

Como o nosso curso foi (...) – seguindo aqui a sugestão do


Bernardo, (ele) disse “o curso deveria durar alguns anos” – eu fiz as contas e disse: olhe,
e l e t e m q u e d u r a r c i n c o a n o s . P o d e , d e p o i s , p r o lo n g a r , m a s ( . . . ) p a r a d a r o e s s e n c i a l n ó s
precisamos de cinco anos na base de, ou uma aula semanal – de, digamos, duas, três
h o r a s –, o u d u a s a u l a s q u i n z e n a i s c o m m a io r d u r a ç ã o , p o d e n d o i s s o s e r a l t e r n a d o
c o n f o r m e a m i n h a d is p o n i b i l i d a d e d e t e m p o : ( . . . ) is s o a í , s e e u s ó p u d e r d a r d u a s a u l a s
por mês, eu irei esticar a duração delas; se puder quatro, eu diminuo.

E nesses cinco anos, (quer dizer que) o problema do discurso mito-


p o é t i c o , d a a p r e e n s ã o m i t o - p o é t i c a d a r e a l id a d e v a i t o m a r u m a n o , o p r im e ir o a n o
inteirinho.

Então, quer dizer: longe de fazer aquilo que em geral se faz, você
f a z ( . . . ) a m a i o r i a ( . . . ) : d á u m a “ l a m b id i n h a ” n o p e n s a m e n t o p r é - f i lo s ó f i c o e j á s a l t a
d i r e t o p a r a o s p r é - s o c r á t i c o s , S ó c r a t e s e t c . n ó s v a m o s f a z e r o c o n t r á r io , n o s v a m o s
m e r g u l h a r d e c a b e ç a ( . . . ) u m q u i n t o d e n o s s o c u r s o v a i s e r o u n i v e r s o m i t o - p o é t ic o ,
chamado pré-filosófico – chamado erroneamente pré-filosófico – por quê? Porque você
jamais sai desse universo mito-poético.

O q u e a H u m a n id a d e f e z é l a n ç a r m a i s l u z s o b r e c e r t a s d i m e n s õ e s
q u e j á e s t a va m i n s i n u a d a s a l i d e n t r o , j á e s t a v a m c o n t i d a s a l i d e n t r o , m a s q u e n ã o t i n h a m
s i d o – c o m o d i z o E r i c V o e g e l i n – a r t i c u l a d a s d e m a n e ir a m u i t o c l a r a . Q u e r d i z e r : h á u m
t r a b a l h o d e p r o g r e s s i v o e s c l a r e c im e n t o . M a s e s s e e s c l a r e c i m e n t o s e o p e r a m a i s o u m e n o s
sobre os mesmos dados que já estavam no universo mito-poético e que, no fundo, é o
mesmo universo no qual nós passamos os nossos primeiros anos; quer dizer, a apreensão
i n f a n t i l d o m u n d o é t a m b é m a p r e e n s ã o m i t o - p o é t ic a , é p u r a s í n t e s e im a g i n a t i v a q u e v o c ê
está fazendo.

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E n t ã o , s e e s s a f o i a i n f â n c i a d a H u m a n id a d e , e s t a t a m b é m s e r á a
i n f â n c i a d o s s e u s e s t u d o s d e F i l o s o f i a . M a s é d e u m a in f â n c i a s ó l id a e s a u d á v e l , q u e
nascerá, depois, uma Filosofia saudável.

A estrutura material deste curso, quer dizer, os princípios de


organização dele, (como que nós vamos) como que será a intercomunicação entre os
a l u n o s , q u a l é a p e r io d i c i d a d e c e r t a , o s h o r á r i o s c e r t o s , c o m o v a i s e r a i n t e r a t i v i d a d e n a
m e d i d a d o p o s s í v e l ; t u d o is s o v a i s e r r e s o l v i d o , d e p o i s , p e l o s r e s p o n s á v e i s ( t é c n i c o s )
por essa parte. Eu ainda não sei como é (...) têm vários problemas a resolver, nós já mais
o u m e n o s e q u a c i o n a m o s a q u i, m a s ( . . . ) i s s o s e r á d a d o m a i s t a r d e p a r a v o c ê s . A f u n ç ã o
d e s t a c o m u n i c a ç ã o é s im p l e s m e n t e m o s t r a r a v o c ê s o f im d a c o is a , t á c e r t o ?

Para isso nós elaboramos uma bibliografia inicial que será entregue
àqueles alunos que se inscreverem neste curso – portanto, pressupondo que nem todos
os membros do Seminário de Filosofia Online se inscreverão nesse curso, por quê? Este é
u m c u r s o s é r i o e e u q u e r o u m c o m p r o m e t im e n t o d e q u e a s p e s s o a s v ã o a t é o f i m . E n t ã o ,
o (nego) que não se comprometer a ir até o fim, nem comece. Tá certo?

E, mais tarde, quando este curso estiver completado, é claro que


e s s e m a t e r ia l t o d o p o d e f i c a r a í à d i s p o s i ç ã o ; m a s ( . . . ) e u n ã o c r e i o q u e e s t e s e j a a l g u m
c u r s o q u e vo c ê p o s s a a c o m p a n h a r s o m e n t e p e l a s g r a v a ç õ e s . P o r e x e m p lo , v o c ê p r e c i s a d a
p r e s e n ç a d o p r o f e s s o r a l i m e s m o , p a r a r e s o l v e r o s p r o b l e m a s q u e v ã o s u r g in d o n a
medida em que vão surgindo.

Esta bibliografia, evidentemente, é um conjunto de leituras


mínimas que você terá que fazer e, (você) para cada aula, (o sujeito) vai ter que
comparecer com o texto lido. E bem lido

Claro que eu vou colocar isso dentro de uma quantificação


razoável; digamos que fosse algo como trinta ou quarenta páginas por semana. Muito
pouco, na verdade, mas como eu sei que as pessoas têm pouco tempo, é o que nós vamos
poder fazer.

E, nós vamos analisar certos problemas com uma tremenda


s e r i e d a d e c o m o j a m a i s s e f e z e m n e n h u m a u n i v e r s i d a d e b r a s i l e ir a . N ã o s e f e z e n e m s e
fará.

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Nós vamos procurar puxar o que de melhor existe sobre aqueles
p o n t o s , s o b r e a q u e l e s p r o b l e m a s . “ M e l h o r ” ( is s o ) s u b e n t e n d e , i n c l u s i v e ( v a m o s d i z e r ) ,
uma atualização com o estado atual das investigações, quer dizer, o status quaestiones,
até onde chegou, qual é o ponto em que está.

Claro que a bibliografia é somente os textos que nós vamos ler para
as aulas; mas isso não é toda a bibliografia do curso, evidentemente. A bibliografia
i n c o r p o r a r á t a m b é m u m a s é r i e d e o b r a s d e c o n s u l t a e a ( h á ? ) a b e r t u r a p a r a a lg u m a s
centenas de publicações periódicas especializadas, nas quais você pode, de vez em
quando, procurar uma informação ou outra aqui (...) ou uma atualização que você
precise.

O objetivo final do curso é habilitar as pessoas a fazer análises


muito rigorosas, da própria Realidade, obtendo o máximo de transparência, o máximo de
l u m i n o s id a d e q u e – a t é o p o n t o e m q u e v o c ê ( s e ) c h e g a r n a s i n v e s t i g a ç õ e s – é p o s s í v e l
a l c a n ç a r . O u s e j a : n ó s n ã o e s t a m o s a q u i p r a b r i n c a d e ir a ( t á c e r t o ? ) , n ã o e s t a m o s a q u i
p a r a c o n q u i s t a r t í t u l o s a c a d ê m ic o s – s e b e m q u e e u a c r e d i t e q u e , n o f u t u r o , u m
c e r t i f i c a d o d e q u e v o c ê f r e q ü e n t o u e s t e c u r s o va l e r á m a is d o q u e 1 5 0 ( c e n t o e c i n q ü e n t a )
diplomas da USP; porque este curso aqui, é um curso sério, é pra valer. Aqui tem um
filósofo, não é um professorzinho de “filosofia”.

U m a v e z , e s t a v a o E r ic V o e g e l i n d i s c u t i n d o c o m o c h e f e d o
departamento dele, e o cara disse: “ah, mas você sabe que eu entendo disso, eu sou
professor de filosofia”. E o Voegelin disse: “pode ser, mas eu sou um filósofo”. Essa é a
diferença.

Q u e r d i z e r : u m f i l ó s o f o é u m s u j e it o q u e , p r im e i r o , c o n s a g r a a v i d a
d e l e à b u s c a d e u m e s c la r e c i m e n t o . E n t ã o , p o r t a n t o , é u m s u j e i t o q u e n ã o t o m a p o s i ç õ e s ,
não tem opiniões, não gosta mais disso ou aquilo; ele gosta é de saber a Verdade. Quer
i s t o s e j a p o s s í v e l, q u e r n ã o s e j a p o s s í v e l. M a s a t é o n d e s e j a p o s s í v e l , e le v a i f o r ç a r n e s s a
direção.

S e g u n d o , e le t e m o s e q u i p a m e n t o s p a r a f a z e r i s s o . E l e a b s o r v e o
p a t r im ô n i o t é c n i c o q u e a H u m a n id a d e c r io u p a r a f a z e r i s s o . E n t ã o , q u e r d i z e r , e l e n ã o
vai esperar que a sua própria cabeçinha, operando sozinha, resolva todos os problemas.
E l e v a i a b s o r v e r o p a t r i m ô n io d a H u m a n id a d e .

Se você não absorve, o que acontece? Como ninguém pode pensar


s o z i n h o , n i n g u é m c o n h e c e n a d a s o z i n h o , ( v o c ê ) s e m p r e d e p e n d e d o m e i o c u l t u r a l, s e

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v o c ê n ã o t e m o p a t r im ô n i o d a H u m a n i d a d e , d e s e n vo l v i d o a o l o n g o d o s m i l ê n i o s , v o c ê
vai absorver (é o que?) as preferências do seu meio social atual. E você vai ser um
c a i p ir a e t e r n a m e n t e .

O ser humano, quando ele fala, ele sempre tem que usar o
t e s t e m u n h o d o o u t r o . O t e s t e m u n h o i m p l i c a a a u t o r i d a d e d o t e s t e m u n h o . A a u t o r id a d e
d o t e s t e m u n h o é u m a c o i s a b á s i c a . Q u e r d i z e r , o s u j e it o f o i l á e v i u t a l ( o u ) t a l c o i s a ; e
v o c ê c o n f i a n o t e s t e m u n h o d e le . S e m e s t a c o n f i a n ç a n ã o e x i s t e o c o n h e c i m e n t o . M e s m o
em Ciência. Se você pegar qualquer conhecimento cientifico, você pergunta assim:
q u a n t a s p e s s o a s t i v e r a m a c e s s o d ir e t o a e s t a s e x p e r i ê n c i a s ? O u v o c ê l e i a . L e i a u m l i v r o
( d e ) q u a l q u e r ( c i ê n c i a ) , p e g a u m l i v r o d e Q u í m ic a , e v e j a a s s i m : q u a n t a s d e s t a s
experiências eu vou poder refazer pessoalmente? É um número ínfimo. Então você
sempre vai depender da confiabilidade do testemunho que é passado dentro de uma
comunidade de investigadores, de geração em geração.

S e v o c ê n ã o a b s o r v e i s s o , v o c ê n ã o t e m ( o q u e ? ) a a u t o r id a d e d a
Ciência. Então você apela a (o) que? À autoridade do seu grupo social atual. E isso
a c o n t e c e ( p r a t i c a m e n t e ) c o m t o d o s o s p r o f e s s o r e s b r a s i l e i r o s d e F il o s o f i a . E u n ã o
c o n h e ç o u m a e x c e ç ã o . S ã o t o d o s d e p e n d e n t e s d a o p i n i ã o d e s e u s c o le g u i n h a s , p o r q u ê ?
Porque eles não conhecem direito a opinião de Platão, não conhecem direito a opinião de
Aristóteles, (...) não conhecem direito a opinião de Sto. Agostinho, de Sto. Tomas de
A q u i n o , D u n s S c o t . . . E n t ã o , e le s n ã o p o d e m d i a l o g a r c o m e s s e s c a r a s , e l e s n ã o p o d e m
chegar para esses caras, e dizer “oh, professor, como é que é o negócio?” Então ele
pergunta para o seu chefe de departamento. Que é outra besta quadrada, que nem eles.

Aqui não se conversa com chefe de departamento. Aqui nós


conversamos com Platão, com Aristóteles, ou seja, nós conversamos com aqueles que
s a b e m . O u c o m o s m e lh o r e s q u e a H u m a n i d a d e c o n h e c e . S e j a d e f o n t e o c id e n t a l , s e j a
oriental (...) tanto faz.

Aprender a lidar com estas pessoas (...) por exemplo: vamos supor
que você vá absorver Platão, (que) você vá consagrar um ano da sua vida – nós vamos
consagrar um ano, o segundo ano é só Platão e Aristóteles (e é muito pouco, um ano para
Platão e Aristóteles é nada, mas isso não quer dizer que nós vamos esgotar o assunto;
q u e r d i z e r , n ó s v a m o s h a b i l i t a r v o c ê a c o n t i n u a r l e n d o P l a t ã o e A r is t ó t e l e s , p e l o r e s t o d a
sua vida, e sempre você vai voltar lá, e sempre vai fazer perguntas, e sempre que você
e s p r e m e r a q u e l e s t e x t o s , s e m p r e v a i s a ir m a i s c o i s a e m a i s c o is a . . . ) – e n t ã o , a í v o c ê
começará a reparar como é ridículo você pretender discutir certas opiniões de Platão e
A r i s t ó t e l e s s e m v o c ê t e r a b s o r v i d o o e n s i n a m e n t o d e le s , c o m o f e z e s s e i n f e l i z d e s s e K a r l

9
P o p p e r , n o l i v r o “ A S o c i e d a d e A b e r t a e S e u s I n i m i g o s ” . E le p e g a l á d u a s o u t r ê s
o p i n i õ e s s o l t a s d e P l a t ã o , q u e e l e a c r e d i t a ( q u e ) e n t e n d e u , e c o m e ç a a d i s c u t ir e r e f u t a r
etc.

O que (lhe) acontece é que ele vai passar longe do que Platão disse.
Vamos dizer: (é como se) ele não entendeu uma linha do que Platão falou. E isso Karl
P o p p e r , q u e t e m g e n t e q u e c o n s i d e r a o K a r l P o p p e r u m g r a n d e f i l ó s o f o ! E u c o n s id e r o , n o
m á x im o , u m r a z o á v e l p r o f e s s o r d e L ó g i c a ; e p o n t o f i n a l . N ã o v a i p a s s a r d is s o , t á
entendendo? Ele não é um mestre da Filosofia, não é um grande filósofo, (ele) não é
n a d a . É u m a p e s s o a q u e v o c ê n e m p r e c i s a c o n h e c e r a o b r a d e le . A p r ó p r i a f a m a d o K a r l
Popper, no Século XX, já é uma anomalia. A não ser no domínio das idéias políticas e das
d i s c u s s õ e s p o l í t i c a s d a a t u a l i d a d e , q u e e l e d is s e a l g u m a s c o is a s i n t e l i g e n t e s ( . . . ) M a s
c o is a s a s s im , ( q u e t á ) n u m n í v e l q u e n ã o s e r á m u i t o m a i o r q u e o d o R o b e r t o C a m p o s ( . . . )

Nós não podemos fazer o que Karl Popper fez: que é uma leitura
amadorística de Platão. E é o que se faz no Brasil, (por exemplo): as pessoas lêem essas
c o is a s , l ê e m a m a d o r is t i c a m e n t e , ( q u e r d i z e r ) n ã o a b s o r v e r a m a t r a d i ç ã o d e e s t u d o s
d a q u i l o . V o c ê p r e c i s a ve r q u e c a d a l i n h a d e P l a t ã o j á f o i l i d a , p r o c e s s a d a , a n a l i s a d a s o b
m i l a s p e c t o s . C la r o ( q u e t e m ) , s e v o c ê f o r v e r e s s a b i b l i o g r a f i a i n t e i r a , t e m m u i t a
b e s t e i r a , t a m b é m , n o m e io , ( m u i t o ) t e m p o p e r d id o . M a s t e m u m a ( c e r t a ) l i n h a c e n t r a l
q u e v o c ê n ã o p o d e i g n o r a r . E , o S é c u l o X X , f o i b a s t a n t e r i c o n e s s a s c o is a s , ( . . . ) a s
pessoas (...) dentro desses estudos platônicos, eu acho que, pelo menos, três pessoas
a c r e s c e n t a r a m a l g u m a c o i s a e s s e n c ia l a o e n t e n d i m e n t o d e P l a t ã o , q u e f o i ( v a m o s d i z e r ) o
Paul Friedländer, o Eric Voegelin e o Giovanni Reale. Quer dizer: se você não está
atualizado com essas três coisas aí, você não vai (...) não está entendendo Platão da
m a n e ir a m e lh o r e m a i s p r o f i s s i o n a l q u e t e m .

Essa noção de uma consciência profissional, de uma consciência


t é c n i c a , i s t o e u n ã o v e j o q u e vo c ê p o s s a a d q u i r i r e m n e n h u m c u r s o d e F i l o s o f i a
conhecido no Brasil, porque nunca se (...) não é que as pessoas não sejam capazes –
talvez sejam capazes – mas nunca quiseram isso. Mas é o que? É exatamente o que nós
queremos.

P r o s s e g u i n d o a q u i c o m a n o s s a e x p li c a ç ã o : e u , a t é h o j e , ( e u ) s ó t i v e
a o p o r t u n id a d e de dar cursos de conferências: (um) curso no qual as pessoas
p e r g u n t a v a m : “ o q u e é e x i g i d o d e m im ? ” E u f a l a v a : “ n ã o é e x i g i d o n a d a ; ( v o c ê ) t e m q u e
sentar e escutar. E tentar entender. É só isso”. “O que precisa ler?” Eu digo: “Depois de
tudo que eu falar, você vai ler o que você quiser. Se não quiser ler nada, mas prestar

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atenção aqui; já vai funcionar.” Porque (são) eram apenas conferências; eu nunca pude
fazer nada (além) a mais. Mas agora nós vamos fazer.

Então isso quer dizer que, nesse curso, os alunos não serão
ouvintes, não serão (um) público; serão um corpo de alunos que vai trabalhar e que vai
t e r q u e d e m o n s t r a r o s e u p r o g r e s s o , p a s s o a p a s s o , o s e u d o m í n i o d a m a t é r i a e , va m o s
dizer, a sua capacidade. E as suas qualidades pessoais requeridas. E essas qualidades
pessoais aparecem, às vezes, não tanto no aproveitamento escolar, mas nas próprias
a t i t u d e s q u e o s u j e i t o t o m a . Q u e r d iz e r : e u q u e r o v e r s e o s u j e i t o a g e c o m o u m f i l ó s o f o .

Isso aí é uma coisa (claro que é) difícil de avaliar, mas eu tenho a


impressão de que eu tenho alguma experiência nisso. Eu sou capaz de perceber (...) por
exemplo, têm pessoas de muito talento, que – eu vou lhes dar um exemplo, mas não vou
citar nome, evidentemente, para não comprometer ninguém, é um problema que já está
superado, de muitos anos atrás – (...) um aluno meu, um sujeito muito inteligente, muito
t a l e n t o s o , e q u e u m a v e z m e e s c r e v e u u m a c a r t a a s s im : a h , e u ( . . . ) t e n h o l á u m p r o f e s s o r
n a f a c u ld a d e q u e e u e s t u d o , o c a r a q u e f a l o u u m m o n t e d e b e s t e ir a e t c . , m a s , e u n ã o
contestei nada, porque preciso de uma carta de apresentação dele para obter um lugar
( u m p o s t o ) l á n a m i n h a u n i v e r s i d a d e . E u f a l e i : v o c ê j a m a is v a i s e r u m f i l ó s o f o . N u n c a .
Um filósofo nunca faz isso. Você é superior a ele; você não pode se submeter ao inferior.
Você é um homem sério, que está pesquisando; você não pode baixar a cabeça (...) você
t e m a o b r i g a ç ã o d e s e s o b r e p o r a e s s e c a r a e ( l h e ) m o s t r a r a a u t o r id a d e d a F i l o s o f i a ; n ã o
é a sua autoridade pessoal. E se você (...) “ah, (mas) eu preciso de um emprego e tal”
(...) passe fome, morra; mas não faça isso.

Existe um monte de erros humanos, de pecados etc., que são


c o m p a t í v e is c o m a F i l o s o f i a ; m a s e s t e n ã o . ( V a m o s d i z e r : ) e s t e é u m p e c a d o c o n t r a a
Filosofia. E um pecado contra a Filosofia é um pecado contra o Espírito Santo, meu filho.
É a i n f id e l id a d e à V e r d a d e . I s s o v o c ê n ã o p o d e f a z e r . F e z i s s o u m a v e z , v o c ê e s t á
liquidado. (...) E, felizmente, o rapaz acordou, percebeu que estava fazendo algo bárbaro
e voltou atrás.

Você pode ser (tem várias más qualidades) preguiçoso, você pode
s e r m u l h e r e n g o , p o d e s e r b ê b a d o , p o d e s e r v e a d o ( . . . ) t u d o is s o é c o m p a t í v e l c o m a
F i l o s o f i a . C r i a p r o b l e m a s , é c l a r o : m a is d i a , m e n o s d i a , v o c ê v a i t e r c o n f l i t o . ( M a s ) t u d o
i s s o n ã o t e m a r a d ic a l i n c o m p a t i b i l i d a d e c o m a F i l o s o f i a . M a s ( v a m o s d i z e r ) , a f r a q u e z a
perante a opinião (...) a fraqueza perante isso que a Igreja chama o Mundo. (Para) a
Igreja Católica: (...) quais são os inimigos da alma? São três: o Mundo, o Diabo e a
Carne.

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A s p e s s o a s n ã o s a b e m o q u e é i s s o . O D i a b o é a q u i l o q u e C r is t o
c h a m a v a p r i n c i p a t i s p o t e s t a t i s . Q u e r d i z e r : é a e s t r u t u r a d o p o d e r e s p ir i t u a l m a l i g n o .
Muitas pessoas pensam que “diabo” é aquilo que inspira (...) faz um moleque tocar
punheta no banheiro; eu falo: não. Quem faz ele tocar (a) punheta no banheiro é a
N a t u r e z a . A g o r a ; o D i a b o é a q u i l o q u e l e v a , n ã o e s t e o u a q u e l e in d i v i d u o , m a s o
c o n j u n t o d a H u m a n i d a d e p a r a o m a l . E m g e r a l, o D i a b o e s t á ( m u i t o m a i s ) o c u p a d o c o m
c o is a s d e e n v e r g a d u r a m u i t o m a i o r d o q u e e s s a . E e s s e s p e c a d i n h o s e l e d e i x a , q u e o
s u j e i t o f a z s o z i n h o . E l e n ã o p r e c is a d a a j u d a d o D i a b o , e l e v a i f a z e r s o z in h o .

E n t e n d e r , p o r e x e m p lo , a s e s t r u t u r a s d o m a l n o m u n d o é u m a c o is a
i m p o r t a n t e q u e – a l g u m d i a – n ó s v a m o s t e r q u e e n f r e n t a r is s o a í , e s t á c e r t o ? M a s , o
s e g u n d o i n im i g o d a a l m a é a C a r n e . O q u e é a C a r n e ? A C a r n e é a q u e l e p e d a ç o s e u q u e
diz que você existe. Você acredita que você existe. A prática da Filosofia demonstrará,
m e u f i l h o , q u e v o c ê s ó e x i s t e n o s e u c o n f r o n t o c o m a I n f i n i t u d e . V o c ê s ó e x is t e c o m o
uma contrapartida, pequenininha, daquilo que o Voegelin chama “o fundamento da
e x i s t ê n c i a ” . S e n ã o t e m ( o ) f u n d a m e n t o d a e x is t ê n c i a , n ã o t e m c o n s c i ê n c i a p e s s o a l; ( . . . )
n ã o t e m id e n t i d a d e n e n h u m a .

Quando Leibniz pergunta “por que existe o ser e não, antes, o


nada?” (...) tem muita gente que trata desta questão, mas – pare para pensar o seguinte –
por que você existe? Você já teve, profundamente, a experiência da sua própria
c o n t i n g ê n c i a e n u l i d a d e ? É a s s im q u e v o c ê ve n c e o d e s a f io d a C a r n e . P o r q u e a C a r n e é
onde concentra o seu corpo (...) e ela, enquanto concentra o seu corpo, você acha que é
você (que está ali). E a continuidade do seu corpo lhe dá uma ilusão de continuidade
s u b s t a n c i a l d a s u a p s i q u e , d o s e u p e n s a m e n t o e t c . , e i s t o f a r á , e n t ã o , v o c ê r a c io c i n a r –
enxergar o mundo inteiro – em função da sua pessoinha. E daí vai sair orgulho, inveja
( . . . ) t u d o v a i s a i r d a í , m e s q u i n h a r i a ( . . . ) t u d o v a i s a ir d i s s o a í . E n t ã o , o r e m é d i o d is s o a í
é (...) você, por exemplo, se você é cristão ou judeu (...) quando você rezar, você lembrar
isso. Eu estou rezando aqui, mas (...) por que Deus me fez? Eu me faria? Eu me
i n v e n t a r i a ? E u m e c r ia r i a a m im m e s m o ? N ã o t e m n e n h u m a r a z ã o p a r a v o c ê t e r c r i a d o .
V o c ê s ó e x i s t e p o r u m a t o d a G r a ç a , d a M is e r i c ó r d i a . T o t a l a r b i t r a r i e d a d e d o A m o r
divino. É só isto. É só por isso que você existe. Então você não é nada, você é um zero
(...)

Você tem que saber isto por experiência. Você tem que, várias
vezes, perceber isso claramente. As pessoas não percebem porque elas ficam
a t e r r o r i z a d a s . E u t a m b é m f i q u e i a t e r r o r i z a d o a p r im e i r a v e z . M a s , a g o r a , e u m e l e m b r o
disso e até sinto (um) certo reconforto nisso. É a experiência de Sto. Agostinho: “eu sei

12
que sou, mas eu não sei por que eu sou”; que é – colocado no plano certo, no plano
h u m a n o – a m e s m a p e r g u n t a d o L e ib n i z , “ p o r q u e e x i s t e o s e r e n ã o , a n t e s , o n a d a ? ” . P o r
q u e e x i s t o e u , e n ã o u m z e r o n o m e u l u g a r ? N a h o r a ( e m ) q u e v o c ê vê a s u a t o t a l
contingência, a total desnecessidade que o Universo e a Realidade têm de você mesmo;
pronto, você não está mais no plano da Carne.

A Carne é o seguinte: quando dá fome em você, isso lhe parece


e x t r a o r d i n a r i a m e n t e im p o r t a n t e ; vo c ê é c a p a z d e i n t e r p r e t a r o m u n d o i n t e ir o à l u z d a
s u a f o m e . D á o d e s e j o s e x u a l , v o c ê r e i n t e r p r e t a o m u n d o i n t e ir o à l u z d o s e u d e s e j o
sexual. Quer dizer: que você pensa (...) que tudo isso é ilusão, que tudo isso seja uma
m e n t ir a d a n a d a ( . . . ) e q u e v o c ê , r e a l m e n t e , é u m n a d a . V o c ê é u m N a d a q u e e s t á c o m
fome, você é um Nada que está com tesão (...) (chega lá) você está começando a ver as
c o is a s n a p e r s p e c t i v a d e V i d a . E o t e r c e i r o i n im i g o c h a m a - s e o M u n d o .

O Mundo o que é? O que as pessoas falam. O Mundo é a tagarelice.


A s c r e n ç a s q u e c i r c u l a m e m v o l t a . E n t ã o , e x i s t e u m a p r á t ic a – q u e e u , a l i á s , ( e u ) v o u d a r
nesse curso (que eu vou dar) de metodologia, (que eu vou dar) este mês aqui em
C o lo n i a l H e i g h t s – q u e é d e v o c ê r a s t r e a r , p a r a v e r d e o n d e s a í r a m a s s u a s c r e n ç a s . O
d i a q u e v o c ê ( p r i m e ir a v e z ) f i z e r i s s o , f i z e r u m r e p e r t ó r i o d a s s u a s c r e n ç a s , p a r a v e r :
c o m o é q u e e l a s e n t r a r a m n a m i n h a c a b e ç a ? V o c ê v a i ( v e r ) d e s c o b r i r u m a c o is a t e r r í v e l:
você é um papagaio. Você nunca pensou coisa nenhuma por sua própria conta. Você não
conhece nada. Você só repete o que eu digo.

O r a ; v o c ê t e m d ir e i t o a u m c o n h e c i m e n t o p r ó p r i o , t e m o d i r e i t o à
investigação e à certeza. Claro: a certeza razoável, de você ver o que é possível dentro
d a q u e l e d o m í n i o . M a s a s p e s s o a s , g e r a l m e n t e , f i c a m m u i t o a b a i x o d is s o . P o r q u e e l a s s e
contentam, quando elas dizem uma coisa, que as pessoas que elas gostam, concordam.
Então daí fica aquele grupinho de idiotas que se amam, um mentindo e os outros
r e p e t i n d o a s m e n t ir a s d o s o u t r o s . I s t o é o q u e a B í b l i a c h a m a o M u n d o . T á a í ( . . . ) : o
Diabo, a Carne e o Mundo.

Também, nesse sentido, você estudar Filosofia é você adquirir as


v i r t u d e s r e s u l t a n t e s d e v o c ê l u t a r p a r a v e n c e r o s i n im i g o s d a a l m a . N ã o f a z ê - lo n u m
s e n t i d o r e l i g i o s o . N ã o é u m a p r á t ic a r e l i g i o s a . É u m a p r á t i c a c o g n i t i v a ; s e m a q u a l , e u
acredito, a prática religiosa até perde o sentido. Se bem que têm diferenças (também): as
c o is a s n ã o s e i n t e r p e n e t r a m a s s im t ã o f a c i l m e n t e .

Este ponto, (vamos dizer) a virtude própria de um filósofo – que


n ã o s ã o a s v i r t u d e s m o r a is , e m g e r a l, n ã o s ã o a s v i r t u d e s ( r e l i g i o s a s ) – é u m a ( c o i s a )

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e s p e c í f i c a . M a s q u e , s e v o c ê a c o n t i n u a r , e l a p o d e s e r v i r d e b a s e p a r a , g r a d a t i va m e n t e ,
você desenvolver as outras. Se isto for necessário. E eu não acredito que alguém possa
t e r t o d a s a s v i r t u d e s p o r i g u a l . E n t ã o v o c ê c a p r ic h a n u m a s , e a s o u t r a s v o c ê p e d e q u e
D e u s p e r d o e . I s s o é m a is d o q u e s u f i c i e n t e .

Isto aí, mostra para vocês o nível de seriedade e de exigência que


nós vamos fazer nesse curso. Em função disso, nem todos os membros do Seminário de
Filosofia Online serão alunos desse curso. Só aqueles que quiserem e se comprometer:
p r im e ir o , a l e r o q u e l h e s f o r r e c o m e n d a d o ; s e g u n d o , e s t a r p r e s e n t e n a s a u l a s ; t e r c e i r o ,
fazer os trabalhos; e quarto, lutar para desenvolver em si as virtudes de um filósofo. As
virtudes de ordem intelectual e cognitiva, mas, também, algumas, de ordem moral.

Como o curso vai ter duração de cinco anos, então, você terá um
compromisso de cinco anos. Terminado isso (...) você vai ser avaliado; não só mediante
t r a b a l h o s , m a s m e d i a n t e q u e s t i o n á r io s , i n t e r r o g a ç õ e s , c o n v e r s a s , a o l o n g o d e t o d o o
curso.

Terminada a parte expositiva do curso, você terá seis meses a um


ano para você apresentar um trabalho – bem – sobre um tema que você escolherá ao
l o n g o d o c u r s o , e q u e e u v o u o r i e n t a r c a d a u m p e s s o a lm e n t e p a r a is s o .

E , n o f i m , e u d o u u m c e r t if i c a d o .

C e r t i f i c a d o q u e s i g n i f i c a o s e g u in t e : v o c ê f o i a l u n o d o ú n i c o
filósofo que existe no Brasil. E não é que eu sou o “maior” filósofo que existe no Brasil.
Não; não tem nenhum, só sobrou eu. Então, ser o maior, onde não há concorrentes é a
c o is a m a i s f á c i l d o m u n d o , e u n ã o c o n s i d e r o q u e s e j a m é r i t o a l g u m . A l i á s , e u c o n s i d e r o
(...) isso um meio de você avaliar a situação, porque, se o melhor filósofo sou eu, então é
p o r q u e a s it u a ç ã o é d e c a l a m i d a d e p ú b l i c a m e s m o , n ã o é ? M a s é o q u e t e m . E n t ã o , s e
você não aprender filosofia aqui, você não vai aprender em lugar nenhum: você não vai
a p r e n d e r n a U S P , n ã o va i a p r e n d e r n a U n i c a m p ( . . . ) e m p a r t e a l g u m a , t á b o m ? É o q u e
tem...

Então, fica aí exposto (...) esta gravação será colocada na página do


Seminário de Filosofia para os interessados e, daí, nós daremos um prazo para nós
t e r m o s a s i n s c r i ç õ e s e a s p e s s o a s v ã o a s s i n a r o c o m p r o m is s o d e i r a t é o f i m . E t e m u m
q u e é ( d u r o ? ) q u e é ir a t é o f i m ? A h , t á b o m ; t e m ( v e r b a ? ) ? T u v a is , m a s t u v a i p a g a r a t é
a última mensalidade. Quer dizer: aí, ou você vai pagar e freqüentar, ou tu vai pagar e

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n ã o f r e q ü e n t a r . E n t ã o , p a r a i s s o ( é q u e ) v a i s e r u m c o n t r a t o , v a i s e r u m a c o is a s é r i a , q u e
é para você ir até o fim.

(Quer dizer que) eu não pretendo cobrar nada extra, embora este
c u r s o ( e l e ) n ã o t e n h a s i d o p r o m e t id o n a f ó r m u l a i n i c i a l d o S e m i n á r io , e l e é u m a c o i s a
extra que nós estamos fazendo (...) eu não pretendo cobrar nada mais. Eu só pretendo ter
esse compromisso.

Porque os outros não estão compromissados: podem estar na


p á g i n a d o S e m i n á r i o u m m ê s , n o u t r o m ê s e l e n ã o s e i n s c r e v e , p u l a d o is , t r ê s m e s e s ,
d e p o i s v o l t a ( . . . ) M a s n e s s e c u r s o , n ã o . É p r e c i s o i r a t é o f i m . T á c e r t o ? E n t ã o f ic a a í ( . . . )
d a q u i u n s q u i n z e d i a s t e r e m o s m a is n o t í c i a s s o b r e e s t e p r o j e t o . M u i t o o b r i g a d o a t o d o s .

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