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MÚSICA BOA E MÚSICA RUIM

Charles Melo de Oliveira

A igreja, na sua tendência de tentar separar o "sagrado" do "profano", propôs uma


divisão entre música profana e música sacra. Música profana seria a usada para
serviços não-religiosos e a sacra, exclusiva para o culto cristão. Certo dia li um
artigo do Maestro Parcival Módolo que abordava o tema da Música Tripartida,
numa tricotomia entre Música Erudita, Música Popular e Música Sacra. Antes,
porém, eu havia lido o comentário de Calvino sobre Tito 1.12, no qual ele afirmava
que toda verdade é de Deus e não deve ser desprezada se sair da boca de um
incrédulo. Calvino disse isso porque o texto de Epimênides, a saber, "varões
cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos", não era de um
cristão e, mesmo assim havia sido incluído no texto canônico da carta a Tito.
Nesse ponto, as coisas se complicaram na minha cabeça. À luz da precisão do
comentário de Calvino, eu não poderia classificar a música da forma tradicional:
sacra versus profana ou de forma tripartida.

Do ponto de vista da complexidade, virtuosismo e dinamismo da história, a cisão


entre música erudita e popular seria aceitável. Se bem que alguns estilos ditos
populares são extremamente complexos e exigem virtuosismo por parte do
executor. Talvez, a melhor maneira de classificar a música, quem sabe a mais
justa, ainda que aparentemente pueril, seja: “música boa” versus “música ruim”. O
critério para se avaliar se a música é boa ou ruim não seria o gosto pessoal, nem a
complexidade, mas a relação forma-conteúdo ou “impressão” e “expressão”, de
acordo com a finalidade e o meio onde a música é executada, sob o crivo da
Palavra de Deus.

Deixe-me caminhar um pouco mais em minha argumentação. Para começar, não


existe estilo musical neutro. Sempre o estilo comunicará alguma idéia, transmitirá
algum sentimento. A música, só com o instrumental, prepara um ambiente, seja
para uma festa ou para um velório. A isto chamamos de “impressão”. Quando
pensamos na mensagem que a música transmite, ou seja, no texto que ela
subsidia, então estamos nos referindo à “expressão”, que será boa ou ruim
dependendo da teo-referência. Conclusão: Música boa será a que for teo-
referente, ou seja, a que estiver de acordo com a revelação bíblica, subsidiando
uma mensagem que comunique a verdade e que seja edificante. Mas música boa
também será aquela que possuir relação salutar e coerente entre a impressão e a
expressão. Não creio ser apropriado, por exemplo, metrificar um salmo com uma
melodia em “samba-enredo”. Por quê? Porque não existe estilo neutro. O samba-
enredo é um estilo que lembra carnaval e as mulatas com trajes sumários
dançando pela passarela.

A teo-referência da letra, no entanto, não resolve todos os problemas. Um


determinado estilo musical poderia ser apropriado a um contexto cultural, mas não
a outro, ainda que tenha a mesmíssima mensagem. Por exemplo, eu cantaria, sem
problemas, uma música em estilo “xaxado”, uma vertente do baião nordestino,
como parte integrante de um culto numa igreja em Roraima, mas não daria certo
se eu tocasse a mesma música num culto em uma igreja tradicional histórica de
Belo Horizonte. Então a mesma música seria boa em Roraima, mas ruim aqui em
BH. Um fator preponderante na análise da relevância de uma música é a própria
relação do estilo dela com a cultura local. Uma música acompanhada de
atabaques em meio aos komkombas, em Gana, seria apropriado, mas não numa
igreja Presbiteriana antiga em São Paulo. Tem música que é para diversão, outra
para momentos sérios de introspecção, outras para adoração, louvor, contrição,
etc. Calvino disse: “Há sempre a considerar-se que o canto não seja frívolo e
leviano; pelo contrário, tenha peso e majestade, como diz Santo Agostinho. E,
assim, haja grande diferença entre música feita para alegrar os homens à mesa ou
em casa e os salmos que se cantam na Igreja, na presença de Deus e de seus
anjos”.

Isso nos faz pensar que deveríamos ampliar nossa visão do que seja bom ou ruim,
próprio ou impróprio no que diz respeito à música no culto ou na vida. Não
podemos demonizar alguns estilos musicais. Muitos que não gostam de um
determinado estilo musical, por não conseguirem argumentar racionalmente sobre
sua irrelevância ou impropriedade, acabam dizendo que é do diabo, como uma
espécie de escape à razão ou medida desesperada de quem não tem
embasamento nas afirmações. A música, como meio, não é do diabo e jamais
será. Vai depender da sua função teleológica. O diabo até pode usar a música
para seus interesses, mas apenas nesse caso ela cumpriu essa função nefasta.
Ela é meio e não fim. Devemos redimir a música, assim como as demais artes, e
aplicar estes meios não como instrumentos para a glória do artista ou para os
interesses de Satanás, mas para expressar a glória de Deus e comunicar a sua
verdade.

Em vez de serem simplistas, as pessoas precisam pensar a respeito do que é bom


ou ruim quanto à música, não com o egoísmo aflorado, obrigando todos a
aceitarem sua preferência pelo tecnobrega. Se o estilo é ruim mesmo, impróprio
por causa da impressão e da expressão, se fomenta a cultura do lixo, não deve
estar no playlist do cristão. Vamos redimir nosso ouvido. Vamos ouvir só música
boa, teo-referente e com estilo apropriado e coerente com a mensagem.

“Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o
que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se
há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai” (Fp 4.8).

Fonte: http://fielpalavra.blogspot.com.br/2011/05/musica-boa-e-musica-ruim.html

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