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Segunda-feira ao Sol, filme dirigido por Fernando León de Aranoa, conta a estória de quatro
personagens – Santa, Jose, Lino e Amador – que foram demitidos do principal estaleiro na
Espanha, do qual passava por uma crise financeira. Desempregados, vivem uma situação do
qual buscam sobreviver, pois as dívidas aparecem para todos e a busca por qualquer tipo de
emprego torna-se uma exigência. Os quatro passam por problemas relacionadas a suas
condições materiais: Santa é um homem endividado, Jose é sustentado pela sua esposa, Lino
busca por trabalhos que não encaixam no seu perfil, mas crê que possa ser contratado e, por
fim, Amador sofre de alcoolismo e passa por um estágio avançado de depressão. Assim vivem
esses homens assolados pelo desemprego. O presente texto refletirá sobre duas questões: qual
Antes de respondê-las, uma explicitação se faz necessária sobre o que é entendido com
a categoria trabalho e seu reflexo na construção da personalidade dos seres humanos, e como
reduz a atividade laboral num ato repetitivo, o trabalho é entendido dialeticamente como um
meio de transformação entre o homem e a natureza, na medida em que a criação dos objetos
pelo trabalho não modifica apenas a natureza, mas também modifica as condições materiais
De tal forma, que Marx compreende esta categoria como algo que distingue o homem
dos outros animais. A atividade vital dos animais com a natureza é restringida unicamente por
fatores biológicos, diferentemente dos homens que “a atividade vital […] não é determinada
pela necessidade. Ela é um processo consciente” (ibid., p. 7), do qual não somente são
trabalho que é o seu produto – num trecho d’O Capital, essa diferença essencial é
exemplificada:
1 David Harvey explica que Karl Marx não compreende as categorias da economia política de uma forma
estagnada que não sofre mudanças históricas, mas “o que Marx pretende é recuperar o poder intuitivo do
método dialético, que permite compreender que tudo está em processo, tudo está em movimento. Ele não
fala simplesmente de trabalho, mas do processo de trabalho. O capital não é uma coisa, mas um processo
que só existe em movimento. […] muitos de seus conceitos são formulados mais como relações do que
como princípios isolados; eles se referem a uma atividade transformadora” (2013, pp. 23-4).
abelha envergonha muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém,
o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de
que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera.
No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava
presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um
resultado que já existia idealmente. (MARX, op. cit., pp. 255-6)2
Dado que o pensamento marxiano entende o processo de trabalho como uma relação
sui generis com a natureza, de que forma tal categoria tem a ver com a nossa personalidade,
ou seja, a maneira que nós nos enxergamos enquanto indivíduos diante de nossas relações
homem apartado de quaisquer relações (tanto com a natureza, quanto com outros homens),
pois é uma forma de “[…] atribuir ao ser humano uma natureza a-histórica e, dessa maneira,
absolutizar o indivíduo […]” (PAIVA; OLIVEIRA; VALENÇA, 2018, p. 1799), como se cada
homem fosse um Robinson Crusoé em sua ilha, porém a realidade nos mostra algo
completamente diferente: não há relações sociais por um mero capricho ou decisão arbitrária,
mas nos relacionamos porque não somos autossuficientes. Todavia, por último lugar, isto não
significa que o trabalho seja o único fator determinante para a formação da personalidade dos
indivíduos. As relações que nós fazemos durante toda nossa vida mostram todo o processo de
autoconhecimento dos seres humanos. Tais relações não são de identidade – “você é o seu
trabalho!” –, também não são de subtração – “você perde sua personalidade quando trabalha!”
–, mas sim de adição: “na medida que você transforma o meio, este transforma você!”. Em
outras palavras, o trabalho não configura completamente a nossa personalidade, não obstante
a categoria dá os meios significativos para que aflore a individualidade dos seres humanos.
sofremos pelas políticas neoliberais. Primeiramente, explicitaremos com o que quero dizer
2 Cf. MARX; ENGELS, 2007, p. 87., segundo o qual compreende o trabalho como o que realmente distingue
o homem dos outros animais do que a consciência, religião, etc. (num sentido meramente abstrato).
pelo termo políticas “neoliberais”. Há uma tensão sobre o que é definido como
“neoliberalismo”. Alfredo Saad Filho diz que, somente na literatura marxista, existem
Portanto, dado que há uma complexidade imanente numa análise das políticas
neoliberais e seus impactos nas sociedades, o presente texto apenas quer ressaltar um aspecto
de tais políticas, pois além de ser um exemplo contrário sobre o que entendemos com a
Europa, segundo Perry Anderson (1995, p. 14), “a taxa média de desemprego nos países da
torno de 4% nos anos 70, pelo menos duplicou na década de 80”. E o que era o centro do
sistema, isto é, encarada como um problema a ser resolvido pelo próprio sistema de produção
capitalista, mas tornava-se um aspecto defendido pela ideologia neoliberal, segundo o qual
naturalizava o problema como uma parte do alto crescimento produtivo existente 3 – uma visão
atomiza os trabalhadores e provoca uma diluição de sua classe, enquanto uma força política –
44). Através do criador do Sistema Toyota de Produção, Taiichi Ohno, pelo qual utiliza
diversas analogias entre esportes e o trabalho (que dividiam-se entre esportes praticados em
grupo para classe trabalhadora como, por exemplo, o beisebol; o capitalista era comparado
com os praticantes de esportes individuais, como o xadrez) que propagaria uma espécie de
3 Como aponta Perry Anderson (op. cit., p. 10). a proposta das políticas neoliberais eram “manter um Estado
forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em
todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema
de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos
com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natural’ de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva
de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os
agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais
altos e sobre as rendas.”.
toyotismo, não encontramos um sistema de produção em massa (como o fordismo, por
Em resumo, quanto mais a tecnologia para produção avança, a flexibilidade não afeta
apenas a atividade laboral, mas os salários também são afetados, pois é incentivado “o
“engamento” absurdo por um salário que não condiz com seu trabalho, a classe trabalhadora é
diluída. Por quê? As condições de luta por melhores salários, por exemplo, deixam de ser uma
alternativa quando as condições de trabalho incentivam uma atomização dos homens (pela
demissões, de tal forma que quaisquer tentativas de greve tornam-se inócuas, porque sempre
há alguém que aceita (por necessidade) trabalhar mesmo em condições insalubres. Tudo isso é
efeito da flexibilidade dos salários feita a partir de uma nova legislação que pudesse “passar
por cima” dos sindicatos – tal como acontece, por exemplo, na Inglaterra pós-guerra de
Margaret Thatcher4.
4 “O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a
emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos
altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram
greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente – esta foi uma
medida surpreendentemente tardia –, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por
habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a
água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em
países de capitalismo avançado” (ANDERSON, op. cit., p. 11).
No século XXI, nossa paisagem misturam as cores do individualismo extremo com o
sofrimento das pessoas a estágios avançados de doenças físicas e mentais. Cada um dos
personagens de Segunda-feira ao Sol vivenciam tais situações. Desse modo, não é possível ter
uma personalidade se as condições materiais são destrutivas. Não há vida (e, por isso, o
Referência Bibliográfica:
ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo
HARVEY, David. Para entender O Capital: Livro I. Trad. Rubens Enderle. São Paulo:
capital. Trad. Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2017.
__________. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia alemã
PAIVA, I. L.; OLIVEIRA, I. F.; VALENÇA, D. A.. Marxismo e psicologia: aportes para uma
2018.