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Riscos elevados em trabalhos que envolvem eletricidade podem levar a lesões graves e
óbitos
O estudo da Fundação COGE chama a atenção para a priorização de ações na sua base, ou
seja, no controle de atos e condições ambientais de insegurança que, sem dúvida, minimizarão
as conseqüências até o topo da pirâmide, onde estão os acidentes fatais. A Fundação alerta
para taxas de freqüência e de gravidade de acidentados com valores baixos, o que pode ser
também, em alguns casos, o resultado probabilístico de representação de muitos métodos e
condições cotidianas de trabalho, contrariando normas e procedimentos técnicos ou
reconhecidamente adotados em um setor produtivo.
Vianna esclarece que com eletricidade não se brinca, já que em linhas gerais, não pode ser
vista, não tem cheiro, não faz barulho e não é passível de manuseio ou de aproximação, o que
requer cuidados especiais.
É importante ressaltar que os serviços nas áreas de geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica são de alta responsabilidade. As empresas de excelência procuram investir na
prevenção, conquistando altos índices de desempenho, inclusive financeiros. Existem diversas
empresas precursoras da Segurança do Trabalho no País e, sem medo de errar, mas sim de
esquecer de outros nomes, podemos citar a CEMIG, FURNAS, LIGHT (Rio e São Paulo) e
tantas outras, merecedoras de destaque e construtoras de história na área.
Para César Moreira, o perfil prevencionista de uma empresa deve estar implícito e explícito na
sua cultura de segurança do trabalho, não diretamente ligado a pessoas, e sim a conceitos
vivenciados pela instituição. "O setor vem buscando o crescimento conjunto nessa área, com o
intercâmbio de informações e práticas de sucesso, além de promover premiações de respeito
que motivam as empresas e seus colaboradores, tais como a Medalha Eloy Chaves - ABCE e a
premiação da ABRADEE".
O gerente de projetos lembra que o Brasil é continental e, naturalmente, existem diferenças.
São distinções que a Funcoge busca minimizar. Para tanto, enfatiza o Comitê de Segurança e
Saúde no Trabalho (CSST), da Fundação COGE, que, ainda à luz ou à semelhança do Grupo
de Intercâmbio e Difusão de Informações de Engenharia da Segurança e Medicina do Trabalho
(GRIDIS), propicia tão abrangentes ações no âmbito de 68 empresas do setor e de outras
afins, como também de sociedades, ministérios e entidades técnicas do País.
No âmbito do CSST, são planejadas e orientadas tecnicamente as ações prioritárias, em
estreita consonância com as necessidades das empresas do setor, por meio do SENSE -
Seminário Nacional de Segurança e Saúde no Setor de Energia Elétrica Brasileiro (em sua 4ª
versão bienal), que inclui cursos pré-seminários, painéis de debates e contribuições técnicas
que traduzem as melhores práticas das empresas; workshops específicos com temas também
prioritários (Contratadas, Segurança da População, PPP, Vestimentas Especiais e NR-10);
grupos técnicos de estudo de temas específicos tais como: campos eletromagnéticos,
segurança da população (projeto Vida Brasil), etc. Neste ano, o comitê vem priorizando ações
no sentido do melhor cumprimento da NR-10.
A Fundação COGE recomenda uma série de práticas de segurança integrada, pois toda a
atividade bem planejada tem grande probabilidade de sucesso, em qualquer ramo da atividade
humana. Um ambiente bem projetado, como pessoal bem selecionado e treinado em padrões
técnicos de trabalho (passo padrão), ferramental adequado (incluindo EPI e EPC), supervisão
orientada e controle de execução, influenciam muito o processo de melhoria contínua,
contemplado nos diversos sistemas de gestão de saúde e segurança no trabalho. "O órgão
especializado em SST deve assessorar a todos os níveis anteriormente mencionados, do
projeto ao controle de execução das tarefas", complementa César Vianna Moreira.
Joel Pereira Felix, da CGT, compartilha desta solução, afirmando que as empresas terão que
estabelecer políticas de gestão em saúde e segurança no trabalho, com metodologias de
acompanhamento e aferição de resultados. "O envolvimento da hierarquia com esta atemática
também é fundamental, assim como a participação do movimento sindical como o controle
social de suas metas, aferindo e cobrando resultados".
Treinamento é fundamental para diminuir o número de acidentes
Especialistas do setor são unânimes ao afirmar que um eletricista não se "produz
instantaneamente" e nem tampouco qualquer pessoa atende aos pré-requisitos específicos da
função. Foto: CPFL Padro - Eletricistas 3/Legenda: Treinamento deve ser ostensivo e
constante/Foto: CPFL
Moreira esclarece que essas condições variam de acordo com a área de atuação e os
requisitos profissiográficos (escalada de torres de transmissão, trabalhos em câmaras
subterrâneas, manutenção em redes energizadas, etc.). Para ele, o profissional deve ser
avaliado por uma equipe multidisciplinar (aspectos psicológicos, médicos, sociais, ergonômicos
e outros), que deve acompanhá-lo desde a sua admissão até a maturidade da função.
O gerente afirma ainda que a história técnica do setor confunde-se com a história dos centros
de treinamento de excelência das empresas de energia elétrica, que capacitaram os
eletricistas, condição fundamental para a qualificação. Essa competência pode e deve ser
reconhecida e até mesmo certificada, quando obtida pela melhor prática adotada no setor.
Alguns centros de treinamento, principalmente das maiores empresas de energia, propiciaram
o desenvolvimento de competências que tornaram realidade a construção, operação e
manutenção de sistemas altamente especializados e empreendimentos reconhecidos
internacionalmente, como as linhas de transmissão em 750 kV CA, linhas de transmissão em
500 kV CC, usinas hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, entre outros.
Diferentemente das conclusões de alguns antigos estudos internacionais,voltados a plantas
químicas e indústrias pesadas, podemos afirmar que os acidentes do trabalho não têm como
causa mais freqüente o ato inseguro do empregado, e sim as falhas de planejamento e
supervisão, incluídos os fatores organizacionais em primeiro plano. "Esperamos que os dados
de 2004, que se apresentam em declínio, inclusive do que se refere aos acidentes de
contratadas, possam estar indicando a conseqüência de todo um esforço sistemático do setor,
especialmente nos últimos cinco anos para a retomada de uma posição de destaque do setor
de energia elétrica brasileiro", conclui César Vianna Moreira.
"A terceirização é a maior responsável pelo aumento em torno de 40% dos acidentes no setor
elétrico." Esta é a opinião deOsvaldo D'Estefano Rosica, que representa o Sindicato dos
Eletricitários de Campinas e o Sinergia Cut. É diretor responsável pelo departamento de saúde
e segurança, meio ambiente e qualidade de vida das duas entidades.
Rosica esclarece que o movimento sindical está despertando para a realidade. No entanto,
existem muitas entidades sindicais que ainda não atentaram para o fato de que tudo passa pela
saúde e segurança do trabalho. Os embates com as empresas se dão de acordo com os
problemas da classe trabalhadora, que não são só salariais, mas são, principalmente,
referentes a precarização das condições e do processo de trabalho. As ferramentas
administrativas das empresas constituem-se em um problema gravíssimo, que submete os
trabalhadores a uma situação vexatória. As constantes avaliações de 360 graus, de
performance, desempenho, por competência, etc. estão minando com as habilidades dos
profissionais.
O profissional se mostra consternado com as avaliações de habilidade e competência pelas
quais são submetidos os trabalhadores do setor elétrico. "As empresas valorizam a
competência, mas se esquecem da habilidade. Para formar um eletricista verdadeiramente
apto, leva-se cinco anos. Hoje as empresas recolhem o trabalhador e em menos de um ano o
remaneja do restabelecimento, que é o plantão, para a linha viva", discorda. Para ele, a
terceirização de mão-de-obra é a grande vilã dos acidentes no setor elétrico.
O sindicato é totalmente contrário a esta prática e luta para que haja a primarização desse
processo de trabalho. "Tivemos um acidente recente, onde o trabalhador saiu da roça e nunca
teve outra atividade a não ser de bóia-fria e foi contratado pela empresa A, que quarterizou o
serviço do rapaz para a empresa B, que o colocou para trabalhar na empresa C. Tem cláusula
no contrato que impede a subcontratação, no entanto, o gestor do contrato simplesmente a
ignorou. O trabalhador em questão tinha um salário de R$ 315,00 e não recebeu nenhum
treinamento que o qualificasse para a função. Com seis dias de trabalho, desceu em uma
comporta para limpar o lixo que a água traz e, tentando desenroscar o cabo de aço que é
acionado eletronicamente, o mesmo enroscou no seu pescoço e o levou à morte. Não entendo
como uma empresa admite colocar uma vida em risco de maneira tão leviana. Quem está
lucrando com esta morte?", pergunta.
O diretor-executivo do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Washington A. dos Santos,
conhecido como Maradona, concorda com Rosica. "O número de acidentes após os processos
de privatização aumentaram de maneira significativa, tanto no quadro próprio quanto no
terceirizado, onde o quadro é mais grave. A mão-de-obra é precarizada, o treinamento e a
capacitação não são efetuados dentro da legalidade, os quadros de trabalhadores foi diminuído
drasticamente, além de haver uma transferência do risco para o empreiteiro terceirizado. Em
algumas empresas elétricas nem se fala mais em terceirização, mas em "quinterização", o que
para nos traz grandes preocupações, inclusive acionamos o Ministério Público em algumas
situações."
Maradona afirma que o sindicato da categoria da capital vem adotando medidas para minimizar
os efeitos da precarização das atividades dos trabalhadores do setor elétrico.
O sindicato da capital busca, no acordo coletivo, inserir cláusulas que assegurem a discussão
de critérios para a segurança dos trabalhadores e também estabelece o mandato de dois anos
para a CIPA, já que um período menor pode comprometer o trabalho dos cipeiros.
Segundo o diretor-executivo, algumas empresas aceitam que o sindicato mantenha uma
comissão bipartite para a discussão do cotidiano dos trabalhadores. O sindicato, dentro do
acordo coletivo, forma uma comissão de segurança e saúde no trabalho que atua diretamente
na empresa, que envia para o sindicato as CATs (Comunicado de Acidente de Trabalho).
Discute-se, então, o ocorrido na comissão e parte-se em busca da criação de alternativas para
evitar que infortúnios semelhantes ocorram novamente.
O maior problema, de acordo com Maradona, está relacionado ao trabalhador terceirizado, pois
até hoje não foi possível fazer com que todos os trabalhadores que sofrem acidentes de origem
elétrica sejam classificados como tal. Para exemplificar, podemos citar a construção civil, onde
ocorrem diversos acidentes de origem elétrica e que não o são assim catalogados. Para a
empresa, dependendo da atividade que o trabalhador exerce, a contribuição previdenciária não
é a mesma da empresa que contratou. Dessa maneira, perde a Previdência, perde o
trabalhador e a empresa, que em caso de acidente, terá um empregado afastado.
As atividades envolvendo eletricidade exigem que o trabalhador esteja sempre tranqüilo e
atento a tudo o que está acontecendo. Contudo, a política adotada pelas contratadas que
terceirizam este setor obrigam o profissional a trabalhar por produção. As empresas que têm
seu próprio quadro de funcionários também, por meio das ferramentas administrativas e as
classificações que envolvem a produção imposta pela ANEEL, impõem essa produtividade. "A
terceirização e a privatização causaram um enxugamento do quadro, demitindo profissionais
com até 20 anos de experiência, desprezando as pessoas que realmente conheciam o
trabalho. Neste mesmo ritmo a demanda aumentou, profissionais baratos foram contratados
para desenvolver várias atividades, inclusive de motorista", corrobora Rosica, conforme listado
nos riscosdeacidentes elétricos.
Segundo o diretor do sindicato de Campinas, existe um diferencial do trabalhador que acumula
a função de motorista aqui em São Paulo e em grandes cidades, e do trabalhador que dirige o
carro da empresa em uma cidade pacata do interior. "Uma grande parte dos acidentes que
estão ocorrendo no setor de energia elétrica é acidente de trânsito e o responsabilizado é o
trabalhador, que não foi contratado para exercer essa função", alerta Rosica.
O profissional destaca que outra fonte de acidentes no setor é o desrespeito às onze horas de
descanso, previsto na CLT. "As empresas precarizaram até o que foi conquistado na
Constituição de 1988, e o fizeram ao longo do tempo. Como conseqüência temos hoje o que
chamamos de eletricista que "dorme de botinas". Parece cômico, mas o trabalhador conclui sua
carga horária às 23 horas e vai para casa, toma seu banho, seu remédio e relaxa. Nesse
momento a empresa o chama para voltar porque houve uma falha na escala ou porque não
tem outro profissional para atender o chamado, desrespeitando, assim, o descanso previsto em
lei e provocando o risco de acidentes causados pelo cansaço do trabalhador", adverte Rosica,
que complementa: "Está mais do que claro que as empresas precisam contratar mais
profissionais habilitados, porque quem está trabalhando está adoecendo. Os afastamentos
decorrentes de acidentes no trabalho não são somente de origem elétrica ou do trânsito. O
trabalhador está adoecendo mesmo, inclusive temos casos de síndrome do impacto, em que o
profissional apresenta uma saliência em decorrência da atividade que exerce e tem receio de
pedir afastamento, pois sabe que a partir de um determinado período, não terá mais seus
recebimentos nem por parte do INSS e nem por parte da empresa. Já vimos empresas onde os
outros trabalhadores fazem "caixinha" ou rifam televisores para suprir o trabalhador doente em
suas necessidades básicas, porque este estava passando por sérias dificuldades financeiras",
lamenta.
Mesmo com as advertências, o diretor enaltece a iniciativa de algumas empresas de reavaliar
todo o processo de trabalho. "No entanto, estamos falando de poucas em um universo imenso",
complementa Rosica.
Quanto às ferramentas de segurança disponíveis para o setor elétrico o diretor do Sindicato
dos Eletricitários de Campinas se diz satisfeito, já que os fabricantes se esforçam para colocar
o que há de melhor no mercado. O avanço tecnológico é indiscutível e pode-se perceber um
verdadeiro comprometimento com a segurança do trabalhador. Um fabricante, por exemplo,
desenvolveu uma escada leve, de fibra que apresenta inclusive um suporte especial e
dispositivo para a prevenção de acidentes. Existe essa preocupação, tanto das empresas
fabricantes como de algumas empresas de energia, que, no entanto, ao terceirizar, esta
preocupação se perde, já que a manutenção não ocorre e quando ocorre é indevida. "Tanto
que não é incomum encontrarmos trabalhadores que receberam descargas elétricas porque a
luva estava furada".
Rosica completa que os sindicatos, em parceria com as empresas, efetuam fiscalizações,
inclusive das contratadas, com o objetivo de minimizar os riscos, em que são avaliados desde a
não aquisição dos equipamentos adequados, até a compra de ferramentas baratas e
ineficazes, passando pela manutenção e pela troca no momento apropriado.
A CGT, por meio de seu secretário nacional para assuntos da área de Segurança e Saúde do
Trabalho, Joel Pereira Felix, esclareceu que atualmente está reivindicando um maior controle
com relação aos trabalhos terceirizados, onde ocorre maior número de acidentes. "As
estatísticas não espelham a realidade, pois são trabalhadores que não são considerados do
setor elétrico, mas sim da construção civil. Estamos implementando esforços para que nos
contratos de prestação de serviços se tornem obrigatórios quesitos de saúde e segurança
pelas contratadas".
A Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, através do seu secretário, engenheiro
Walter Cavanha, vê com bons olhos a situação atual das empresas elétricas. Ele afirma que no
Estado de São Paulo, especialmente, onde as empresas estabeleceram a primeira Convenção
Coletiva de Segurança e Saúde do Setor Elétrico, os representantes se reúnem mensalmente.
Quanto à fiscalização, a SERT lhe atribui a missão de divulgar, informar e alertar para a
importância de adequação de instalações. "Além de treinar e esclarecer, inclusive os
trabalhadores. É fundamental que todos os envolvidos no processo tenham ciência de suas
responsabilidades", afirma Caveanha, que completa citando um trabalho acadêmico
desenvolvido para doutorado, em que ficou evidenciado que pelo menos 85% dos acidentes de
trabalho na construção civil estavam relacionados à eletricidade: "São números significativos,
tanto com relação à freqüência com que a eletricidade aparece envolvida nos infortúnios,
quanto pela alta potencialidade que oferece. São razões fortes o suficiente para que haja o
comprometimento de todos ".
O profissional lembra também da importância dos EPCs adequados, como as mantas e tapetes
isolantes, varas de manobras, detectores de tensão e outros equipamentos.
Caetano comenta acerca do número de acidentes nas empresas terceirizadas. "As falhas
existem. Isso é fato. Podem ocorrer por não ser dada atenção necessária aos equipamentos,
que muitas vezes não são de qualidade adequada devido ao custo e ao treinamento do
pessoal, já que os números mostram que muitos trabalhadores não estão devidamente
capacitados. Algumas companhias elétricas, por outro lado, mantém os equipamentos de
proteção em boas condições e efetuam treinamentos periódicos, principalmente as que estão
instaladas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do País".
O engenheiro explica o que é um sistema desernegizado e mostra que mesmo quando se
trabalha sem energia, são necessários alguns equipamentos de proteção. "Para um sistema
ser considerado desernegizado, é preciso que seja cumprida a seguinte seqüência:
seccionamento, impedimento de reenergização, constatação da ausência de tensão, instalação
de aterramento temporário, proteção de elementos energizados existentes na zona controlada
e instalação da sinalização de impedimento de reenergização. Para obter essa seqüência, faz-
se necessário o uso de bloqueadores para o impedimento da reenergização, detectores de
tensão e varas de manobra para a constatação da ausência de tensão, conjunto de
aterramento temporário para ser efetuada a equipotencialização dos condutores do circuito e
mantas isolantes para isolar eventuais pontos energizados nas zonas controladas", conclui
Camardella Júnior.
Antonio Carlos Moreira, engenheiro eletricista e de segurança do trabalho, enfatiza que a falta
de treinamento influenciou muito nos números atuais de acidentes envolvendo trabalhadores
do setor elétrico.
O engenheiro tem se deparado nos treinamentos que efetua junto aos prestadores de serviços
das concessionárias, com eletricistas com até 20 anos de atividades sem sequer uma
atualização. "Este aspecto foi abordado na revisão da NR-10 e considero que este é um fator
verdadeiramente de segurança", comemora.
Moreira aponta um dos fatores responsável por acidentes no setor: o excesso de confiança,
pois à medida que o indivíduo efetua a mesma atividade por longos períodos, tende a ganhar
uma falsa confiança sobre o risco existente, já que acidentes "nunca" acontecem. "É comum
termos conhecimento de acidentes ocorridos com profissionais experientes", lamenta.
O especialista esclarece a importância do treinamento, mesmo para profissionais com anos de
prática, uma vez que ao longo do exercício da função, o eletricista vai eliminando algumas
fases da atividade por considerar que não existe o risco de acidentes se as mesmas não forem
cumpridas. Somente com o treinamento constante e regular pode-se manter os procedimentos
ativos, independente da data em que os mesmos foram descritos na norma. Durante os
processos de treinamento de reciclagem, é mostrado quais os padrões da empresa e quais os
estágios específicos pelas quais a execução da função deve passar, para que a mesma seja
efetuada com segurança. Assim como os novos equipamentos que a empresa está
disponibilizando e quais disponibilizará, dentre outros. "O processo de reciclagem é um
elemento fundamental de segurança e neste aspecto parabenizo a equipe de trabalho que
conduziu a alteração da NR-10, que realmente detectou este elemento de não conformidade na
vida profissional do eletricista".
O engenheiro esclarece que os treinamentos existem e sempre existiram. No entanto, segundo
ele, o que distancia os profissionais dos cursos são as despesas, já que estes se constituem
em elementos de custo em qualquer orçamento empresarial. Todavia, é mais barato treinar o
profissional do que mantê-lo afastado em caso de acidente. Infelizmente esta decisão, na
maioria das vezes, não está a cargo de um especialista, mas sim de um gestor de orçamento
ou de qualquer outra função que está bem distante da atividade operacional.
"Os líderes destas atividades sempre reivindicaram a reciclagem, porém trata-se de um
elemento que não é discutido no âmbito isolado, é uma decisão da empresa, devendo fazer
parte do seu planejamento estratégico", constata Antonio Carlos.
O treinamento de reciclagem é obrigatório a cada dois anos, segundo indica o item 10.8.8.2 da
NR-10, o que nos leva a concluir que os orçamentos das empresas devem prever os recursos
para arcar com esta atividade. "Hoje elas têm esse conhecimento. Antes, esta ação ficava a
critério de cada uma e algumas postergavam a realização, acreditando não ser o momento
adequado ou a falta de recursos para executá-la. Até mesmo um longo período sem acidentes
fazia com que o treinamento não fosse implementado. A obrigatoriedade da reciclagem a cada
dois anos vai gerar maior benefício, para o trabalhador e sua família, para a empresa e para o
Governo, que deverá mostrar-se presente por meio de uma fiscalização eficiente",
complementa Moreira.
O item 10.8.8.2 diz ainda que o eletricista deve passar pela reciclagem sempre que trocar de
empresa, e esta deverá ser definida pelo responsável técnico desta área. Portanto, é uma
responsabilidade da empresa fornecer o treinamento para o eletricista que veio de outra
companhia. Ela pode contratar um especialista ou administrar o curso internamente. É
importante que o treinamento seja efetuado, não apenas para atender a legislação, mas para
elevar o grau de segurança da atividade daquele trabalhador.
Moreira destaca a Portaria 126, de 3 de junho de 2005, que criou os códigos para fiscalização e
penalização das empresas que não cumprirem as normas, o que é muito importante, já que se
trata de uma ferramenta para a atuação do Ministério do Trabalho na fiscalização da norma e
as empresas podem utilizar estas informações para elaborar estudos de custo e benefício, por
exemplo, para comparação de investimentos para adequar-se à norma.
Felix, da CGT não vê capacitação de profissionais como uma constante, visto que os cursos
não se dão de forma periódica e continuada, de acordo com a função a ser exercida pelo
trabalhador. "É fundamental para a redução de acidentes, pois deve transmitir os riscos
inerentes e métodos de trabalho seguros".
Luiz Carlos Miranda Jr., gerente de segurança do trabalho, saúde e qualidade de vida da CPFL
(Companhia Paulista de Força e Luz), acredita que os cursos existentes no mercado carecem
de melhorias. "Tanto é verdade que a NR-10 determina a realização de cursos básicos e
complementares com novos conteúdos programáticos e cargas horárias", e complementa
afirmando que acredita que as alterações devem ocorrer nos cursos ministrados em nosso país
voltados à segurança do trabalho com eletricidade, e estes deverão contribuir muito com a
diminuição dos acidentes hoje verificados. As empresas do setor elétrico brasileiro estão
fazendo a parte que lhes cabe por intermédio do desenvolvimento de treinamentos práticos
com competência e voltados para as tarefas realizadas pelos eletricistas em seu dia-a-dia de
treinamento.
Ainda sobre os treinamentos, o engenheiro Miranda destaca que a Comissão Permanente de
Negociação (CPN), da Convenção Coletiva de Segurança e Saúde no Trabalho do Setor
Elétrico no Estado de São Paulo, desenvolveu todo o material do treinamento básico de 40
horas previsto na NR-10 e irá disponibilizar todo o seu conteúdo para quaisquer interessados
em sua utilização. A convenção que foi assinada entre representantes dos trabalhadores,
representantes do Governo e empresas do setor elétrico paulista, dentre elas a CPFL Energia,
permitiu a aglutinação da experiência dos profissionais que compõem a CPN e produziu o
material visando à qualificação dos treinamentos que serão realizados. "Todas as partes
envolvidas irão ganhar com essa ação".
Joel Pereira Felix, da CGT, ressalta a importância dos investimentos que algumas empresas
estão fazendo por meio da CPN Regional, porém adverte que os investimentos ainda não são
suficientes e não suprem as necessidades do setor.
A CPFL, segundo seu representante, ministra cursos de formação específicos para permitir a
atuação de seus eletricistas, como o CPFL Padrão, que abrange atividades de manutenção de
redes de distribuição, linha viva e transmissão onde os eletricistas discutem a realização dos
trabalhos em sala de aula e em campos de treinamento da empresa.
Para Miranda, todos os aspectos voltados à prevenção de acidentes e à segurança dos
trabalhadores fazem parte desse passo-a-passo das atividades. Na impossibilidade da
demanda ser suprida pelos próprios colaboradores da companhia, busca-se parcerias externas.
O curso que visa capacitar grande parte dos profissionais de acordo com a NR-10, por
exemplo, é ministrado em parceria com o SENAI, para que 99 turmas com 20 colaboradores
cada desenvolvam a reciclagem até julho de 2006.
Os cursos estão direcionados a aspectos técnico-operacionais em que a prevenção e
segurança são partes integrantes, pois, de acordo com Luiz Carlos, há muito a companhia
entende que a segurança deve estar intrínseca a qualquer procedimento ou atividade que
venha a ser praticada por seus colaboradores e disponibiliza conhecimento e recursos para tal,
exigindo que os padrões estabelecidos sejam cumpridos. Dependendo do curso,
conhecimentos básicos sobre a legislação trabalhista pertinentes à segurança também são
abordados.
O engenheiro enfatiza que a companhia já passou da fase de conscientização. Segundo ele,
maior objetivo no momento é buscar o comprometimento de cada um, para atingir os melhores
resultados.
Miranda completa citando alguns dos fatores que aparecem de forma recorrente como causas
dos acidentes, como excesso de confiança, o não cumprimento de procedimentos de trabalho,
falha de planejamento e improvisação inadequada são algumas das causas básicas dos
acidentes que o setor registra.
IA CPFL investe anualmente seis milhões de reais em programas de prevenção de acidentes,
treinamento e capacitação.
De acordo com Luiz Carlos Miranda Jr., também são direcionados investimentos para a
realização de diferentes atividades, como as diversas SIPATs, organizadas por suas 30 CIPAs.
Também há investimentos substanciais para a compra de EPI, EPC e uniformes adequados à
execução dos trabalhos pelos colaboradores.
O gerente lembra que considerando os riscos associados às atividades desenvolvidas por
trabalhadores do setor elétrico não há como deixar de direcionar todos os esforços em ações
de prevenção de acidentes. Mais do que ações e programas de prevenção eficazes que
reduzem a quantidade de acidentes do trabalho, um dos focos principais da gestão moderna
das empresas é a melhoria da qualidade de vida de seus colaboradores, responsabilidade que
vem sendo assumida pelas organizações do setor elétrico de uma forma geral.
Especificamente no caso da CPFL Energia, foi adotada uma série de medidas de caráter
prevencionista e de incentivo, visando à eliminação dos riscos nas atividades desenvolvidas.
Luiz Carlos ainda esclarece que completando esse trabalho, há quatro anos a CPFL iniciou um
programa bastante amplo de qualidade de vida, abordando assuntos que impactam sobre a
saúde de seus colaboradores, tais como: combate ao tabagismo e ao sedentarismo, promoção
da prática de atividade física, acompanhamento de taxas de gordura no sangue (colesterol,
triglicérides) e seu controle, controle da obesidade, entre outros.
As iniciativas não estão apenas no campo da conscientização na medida em que têm oferecido
oportunidades concretas para mudança de hábitos prejudiciais à saúde, como a inauguração
de academia de ginástica na sede em Campinas, convênios com academias nas cidades do
interior paulista em que atuam, implantação de ginástica laboral, promoção de caminhadas nos
finais de semana, dentre outras.
O engenheiro João José Barrico de Souza, participante do processo tripartite que resultou na
Convenção Coletiva do Setor Elétrico no Estado de São Paulo, afirma que ao menos nas
empresas paulistas, investimentos são implantados. "Percebemos boa vontade e participação
dessas companhias, principalmente na instauração de mudanças e no atendimento antecipado
das exigências da atual NR-10, que já vem sendo implantada desde a assinatura da
convenção, em 17 de outubro de 2003".
Riscos
Choque elétrico – É o principal causador de acidentes no setor e geralmente originado
por contato do trabalhador com partes energizadas. Constitui-se em estímulo rápido e acidental
sobre o sistema nervoso devido à passagem de corrente elétrica, acima de determinados
valores, pelo corpo humano. Seus efeitos diretos são contrações musculares, tetania,
queimaduras (internas e externas), parada respiratória, parada cardíaca, eletrólise de tecidos,
fibrilação cardíaca e óbito (eletroplessão) e seus efeitos indiretos, como as quedas, batidas e
queimaduras externas. A extensão do dano do choque elétrico depende da intensidade da
corrente elétrica, do caminho por ela percorrido no corpo humano e do seu tempo de duração.
O risco de choque elétrico está presente em praticamente todas as atividades executadas nos
setores elétrico e telefônico a exemplo de construção, montagem, manutenção, reparo,
inspeção, medição de sistema elétrico potência e poda de árvores em suas proximidades.
Quanto aos efeitos de origem magnética citamos as implicações térmicas, endócrinas e suas
possíveis patologias produzidas pela interação das cargas elétricas com o corpo humano. Não
há comprovação científica, porém, existem indícios de que a radiação eletromagnética criada
nas proximidades de meios com elevados níveis de tensão e corrente elétrica, possa provocar
a ocorrência de câncer, leucemia e tumor no cérebro. Contudo, é certo que essa situação
promove nocividade térmica (interior do corpo) e efeitos endócrinos no organismo humano.
Os trabalhadores que possuam próteses metálicas (pinos, encaixes, articulações) e que
estejam expostos a estas condições, merecem atenção especial, pois a radiação promove
aquecimento intenso nos elementos metálicos, podendo provocar necroses ósseas. A mesma
atenção deve ser dispensada aos trabalhadores que utilizam aparelhos e equipamentos
eletrônicos (marca-passo, auditivos, dosadores de insulina, etc.), já que a radiação interfere
nos circuitos elétricos e poderão criar disfunções e mau funcionamento desses aparelhos.
Arco voltaico – Outro risco de origem elétrica. O arco voltaico caracteriza-se pelo fluxo
de corrente elétrica através de um meio "isolante", como o ar, e geralmente é produzido
quando da conexão e desconexão de dispositivos elétricos e em caso de curto-circuito. Um
arco voltaico produz calor que pode exceder a barreira de tolerância da pele e causar
queimaduras de segundo ou terceiro grau. O arco elétrico possui energia suficiente para
queimar as roupas e provocar incêndios, emitindo vapores de material ionizado e raios
ultravioleta.
Risco de queda – É uma das principais causas de acidentes nos setores elétricos e de
telefonia, estando intrínseco a diversos ramos de atividades, mas muito representativo nas
atividades de construção e manutenção do setor de transmissão e distribuição de energia
elétrica e de construção e manutenção de redes telefônicas. As quedas ocorrem em
conseqüência de choques elétricos, inadequação de equipamentos de elevação (escadas,
cestos, plataformas, etc.), inadequação de EPI, falta de treinamento dos trabalhadores, falta de
delimitação e sinalização do canteiro do serviço nas vias públicas e ataque de insetos.
Risco no transporte e com equipamentos – Os acidentes neste item podem acontecer
nos veículos que se deslocam diariamente para o local de trabalho. Tais deslocamentos
expõem os trabalhadores aos riscos característicos das vias de transporte, que muitas vezes
são realizados em carrocerias abertas ou em condições inadequadas. Outro agravante é que
na maioria das vezes o motorista deste transporte exerce também outra função, como dirigir e
inspecionar a linha com o objetivo de encontrar pontos que demandam reparos ou
manutenção, tarefas essas, segundo especialistas do setor, incompatíveis. Há riscos também
com veículos e equipamentos para elevação de cargas, como cestas aéreas e cadeiras. Nos
serviços de construção, instalação ou manutenção em linhas, redes elétricas e de telefonia nos
quais são utilizados cestos aéreos, cadeiras ou plataformas, além de elevação de cargas
(equipamentos, postes) é necessária a aproximação dos veículos junto às estruturas (postes,
torres) e da grua junto às linhas ou cabos. Nestas operações podem ocorrer graves acidentes e
exigem cuidados especiais que vão desde o correto posicionamento do veículo, o seu
adequado travamento e fixação, até a precisa operação da grua, guincha ou equipamento de
elevação. A utilização de veículos improvisados, pode agravar todas as condições descritas.
Risco de ataques de insetos e de outros animais – Insetos como abelhas e
marimbondos ocorrem na execução de serviços em torres, postes, subestações, leitura de
medidores, serviços de poda de árvores e outros. O ataque de outros animais ocorre sobretudo
nas atividades de construção, supervisão e manutenção em redes de transmissão em regiões
silvícolas e florestais. Deve ser dada atenção especial à possibilidade de picadas de animais
peçonhentos nessas regiões. No setor de distribuição de energia é freqüente o ataque de
animais domésticos aos trabalhadores que efetuam a leitura domiciliar.
Risco em ambientes fechados - Caixas subterrâneas e estações de transformação e
distribuição, fechadas, expõem os trabalhadores ao risco de asfixia por deficiência de oxigênio
ou por exposição a contaminantes, tanto nas atividades do setor elétrico como no setor de
telefonia. Nesses ambientes pode ocorrer a presença de gases asfixiantes, como o monóxido e
dióxido de carbono, e/ou explosivos, como o metano, vapores de combustíveis líquidos, etc.
Tais contaminantes originam-se por formação de gases orgânicos oriundos de reações
químicas nos esgotos e presença de agentes biológicos de putrefação existentes e, ainda, de
vazamentos de combustíveis dos tanques subterrâneos de postos de abastecimento e da
canalização de gás combustível. Além desses riscos, nos trabalhos executados em redes de
distribuição de energia elétrica e de telefonia subterrâneas, devido à proximidade com redes de
esgoto e locais encharcados, existe a possibilidade de contaminação por agentes biológicos.
Riscos ergonômicos – São riscos significativos, tanto nas atividades do setor elétrico
como no setor telefônico e podem estar relacionados aos seguintes fatores: