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UNIFACS – Universidade Salvador


Disciplina: Equações Diferenciais e Séries / Cálculo III
Professora: Ilka R. Freire

Texto 01 Equações Diferenciais Ordinárias - Introdução1

1. O que é uma Equação Diferencial ?

Grande parte dos problemas mais importantes das ciências físicas, biológicas, econômicas e das
engenharias apresenta como modelo equações em que se procura uma função y = f(x) que expressa
certo fenômeno natural. Estes fenômenos envolvem mudanças e são melhores descritos por
dy
equações que envolvem quantidades variáveis. Como a derivada pode ser vista como a taxa em
dx
que a grandeza y varia em relação à quantidade x, é natural que equações envolvendo derivadas
sejam freqüentemente usadas para descrever fenômenos do universo.
Às vezes é não é possível estabelecer diretamente a dependência entre as variáveis x e y do tipo y =
f(x), ou mesmo F(x,y) = c. No entanto, pode ser possível estabelecer uma relação entre as variáveis
x, y e as derivadas de y em relação a x, ou seja, uma relação do tipo F(x, y, y', y'', y'''...) = 0.
Quando isto acontece dizemos que temos uma equação diferencial. Mais precisamente, uma
equação diferencial nada mais é que uma equação, onde os elementos que nela estão envolvidos são
as variáveis x, y e algumas derivadas y´ , y´´, etc.

2. Definições Básicas

Definição 1: Chama-se equação diferencial ordinária de ordem n a uma expressão do tipo


F(x, y, y', y', ....y(n) ) = 0, ou seja, a uma expressão que envolve a variável x, a própria função y, e
uma ou mais derivadas da função y = f(x). A função y = f(x) é a incógnita procurada. Quando uma
função y satisfaz esta equação diferencial dizemos que y é uma solução (particular) desta EDO.

Exemplo 1: A 2a Lei de Newton nos diz que “a força é o produto da massa pela aceleração”, ou
seja, uma partícula de massa m submetida a uma força F obedece à lei F = ma. Se x(t) é a posição
dv d dx d2 x
no instante t dessa partícula então temos a =  ( ) . Logo, podemos escrever
dt dt dt dt 2
d2 x
F=m , que é uma equação diferencial, onde a força F pode ser função de t, x e da velocidade
dt 2
dx
dt

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Texto redigido pela Profa. Ilka Freire e adaptado por Adelmo R. de Jesus
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Exemplo 2: A experiência mostra que uma substância radioativa se decompõe a uma taxa
proporcional à quantidade presente em cada instante. Sendo Q(t) a massa da substância existente
dQ
num instante t qualquer, temos que  kQ , onde k é uma constante que depende da substância.
dt
Exemplo 3: A equação y  y  y  xex  0 relaciona as variáveis x, y, y´ e y´´. Logo, é uma
equação diferencial.

Observação: O adjetivo “ordinária” serve para distinguir da equação diferencial “parcial” que
z z
envolve derivadas parciais , , etc. Exemplos de equações diferenciais parciais são a
x y
equação do potencial, equação da difusão e condução do calor e a equação da onda, que aparecem
em problemas de eletricidade e magnetismo e na mecânica dos fluidos.

Definição 2: A ordem de uma equação diferencial é o número que corresponde à derivada de maior
ordem que aparece na equação.

Exemplos:

1) As equações dos três exemplos anteriores são


d2 x
1.1. F = m . 2a ordem
2
dt
dQ
1.2.  kQ . 1a ordem
dt
1.3. y  y  y  xex  0 . 2a ordem.

Exercício resolvido: Dê a equação diferencial para resolver os seguintes problemas

a) Encontre a equação da curva sabendo que a inclinação da reta tangente num ponto qualquer
x
dessa curva é  .
y
x
Solução: A equação diferencial do problema é y   que também pode ser escrita na forma
y
yy  x  0 . Logo, F(x,y,y´) = y´y + x. A equação é de 1a ordem.

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b) Determine a equação de uma curva sabendo que a 2a derivada em cada ponto (x,y) é igual a
x3
1
Solução: A equação diferencial do problema é y  que também pode ser escrita na forma
x3
F(x, y, y´, y´´ ) = y´´x3 – 1 = 0. Equação de 2a ordem.

Definição 3: Supondo a equação escrita na forma racional inteira em relação às derivadas, o grau
de uma equação diferencial é o maior dos expoentes a que está elevada a derivada de mais alta
ordem.
3
Exercícios resolvidos: Identifique a ordem e o grau das seguintes equações:

1) y  y  y  xe x ( 2ª ordem e 1º grau )


3 2
d y d y
2)   2xy  0 ( 3ª ordem e 1º grau )
3
dx dx 2
3
 d2w 
3)    2 dw  w  0 ( 2ª ordem e 3º grau )
 dt 2  dt
 
4) xy  2x( y) 2  3y  0 ( 2ª ordem e 1º grau )
5) ( y)3  2( y)5  3y  0 ( 3ª ordem e 3º grau )

Observação: Neste curso só estudaremos equações diferenciais de 1º grau.

3. Soluções de uma Equação Diferencial

Definição 4: Uma função y(x) (ou na forma implícita f (x,y) = 0) é uma solução da equação
diferencial F(x, y, y', y', ....y(n) ) = 0 em um intervalo I se y, y´, y´´, ......y (n) existem em I e y(x)
satisfaz à equação.

Observação: A solução pode estar na forma explícita y = y(x) ou na forma implícita f(x,y)=0

Exemplos:

1) y = ex é solução da equação y´ – y = 0

Solução: y = ex  y´= ex . Substituindo na equação temos que y´ – y = ex  ex = 0

2) y = senx é solução da equação y´´ + y = 0

Solução: y = senx  y´ = cosx  y ´´ =  senx . Substituindo na equação obtemos:


y´´ + y =  senx + senx = 0

dQ
3) Q(t) = e2t, é solução da equação  2Q
dt
dQ
Solução:  2e 2t  2Q
dt

4) y = xex é solução da equação y´´ 2y´+ y = 0

Solução: y = xex  y´ = ex + xex  y´´ = ex + ex + xex = 2 ex + x ex

Substituindo na equação: y´´ 2y´+ y = (2 ex + x ex) 2(ex + xex) + xex = 0

5) x2 + y2 = 1 é solução da equação y y´+ x = 0 ( solução na forma implícita )

Solução: Observemos que a solução está na forma implícita. Derivando implicitamente


4
x
x2 + y2 = 1 obtemos: 2x + 2y y´= 0 o que nos dá y   .
y
x
Substituindo y   na equação y y´+ x = 0 obtemos uma identidade.
y

4. O que significa “resolver” uma Equação Diferencial ?

Resolver ou integrar uma equação diferencial é encontrar todas as funções y = y(x) (forma explícita)
ou curvas (x,y)=C (forma implícita) que satisfazem à equação dada. Existem 3 tipos de solução de
uma EDO:

Solução Geral: É a solução que contém todas as curvas y=f(x) ( ou f(x,y)=c ) que satisfazem à
equação diferencial dada. Ela contém tantas constantes arbitrárias quanto for a ordem da equação.
A solução geral da equação F(x, y, y', y', ....y(n) ) = 0 é indicada por f( x, y, C1, C2,.....Cn ) = 0,
onde C1, C2,.....Cn são as n constantes arbitrárias.

Exemplos:
1) y = Cex é solução geral da equação y´ – y = 0. Equação de 1a ordem – a solução geral
contém uma constante arbitrária C. (Verifique que satisfaz a equação )
2) y = C1 + C2 ex é solução geral da equação y´´  y´= 0. Equação de 2a ordem – a solução
geral contém duas constantes arbitrárias C1 e C2. (Verifique que satisfaz a equação)
3) x2 + y2 = C é a solução geral da equação y y´= –x . Observe que neste caso a solução está na
forma implícita. ( Verifique que satisfaz a equação )

Solução Particular: É a solução obtida da solução geral atribuindo-se valores às constantes


arbitrárias. As constantes arbitrárias são calculadas através das chamadas condições iniciais do
problema, x = xo; y = yo, y´= y´o, .... y (n-1) = y(n-1)o

Exemplos:

1) A solução geral da equação y´ y = 0 é y = Cex. Atribuindo valores a C obtemos soluções


ex 1
particulares: y = ex ( C = 1 ); y = 2ex ( C = 2 ); y ( C  ) ; etc.
3 3
Podemos obter a constante arbitrária a partir de uma condição inicial, como ilustra o exemplo a
seguir:

1.1) Encontre a solução particular da equação y´  y = 0 que satisfaz a condição inicial y(0) = 3.

Solução: Já vimos que y = Cex é a solução geral. Substituindo a condição y(0) = 3 obtemos C = 3.
Assim, a solução particular que satisfaz a condição inicial dada é y = 3ex.

2) A solução geral da equação y´´  y´= 0 é y = C1 + C2 ex.


Exemplos de soluções particulares:
y = 1 + 2 ex ( C1 = 1 e C2 = 2 );
y = 3  2ex ( C1 = 3 e C2 = 2 ); etc

2.1) Encontre a solução particular da equação y´´  y´= 0 que satisfaz as condições iniciais
y(0) = 1 e y´( 0 ) =  2.
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Solução: Observemos que, neste caso a equação é de 2ª ordem e, portanto, precisamos de 2
condições iniciais para encontrar a solução particular.
A solução geral como vimos é y = C1 + C2 ex, logo y´= C2 ex. Substituindo y(0) = 1 em
y = C1 + C2 ex e y´( 0 ) =  2 em y´= C2 ex ficamos com o sistema:

1  C1  C 2
  C2 =  2 e C1 = 3. Logo, a solução particular é y = 3  2ex.
 2  C 2

Solução Singular: É uma solução que não pode ser obtida da geral, e às vezes é obtida por inspeção
na EDO. Em geral os problemas de aplicação nas engenharias não trazem soluções singulares, ou
estas são desprezadas.

O exemplo a seguir é ilustrativo da natureza e finalidade das equações diferenciais, bem como das
suas aplicações.

Exemplo: A experiência mostra que uma substância radioativa se decompõe a uma taxa
proporcional à quantidade presente em cada instante. Suponhamos que num instante t = 0 a
quantidade inicial seja de Q(0) = Qo = 3 mg. Qual a massa existente num instante t qualquer?
 dQ
  kQ
 dt
Q(0) = 3mg

Observação: k é uma constante determinada experimentalmente cujo valor é conhecido para várias
substâncias.

Podemos mostrar que Q(t) = Ce kt é a solução geral da equação e Q(t) = 3e kt é a solução particular
que satisfaz a condição inicial dada.

O exemplo apresentado coloca as questões fundamentais no tratamento das equações diferenciais:


1o) A tradução do problema para um correspondente "modelo matemático" (modelagem) que nos
dQ
leva à equação  kQ .
dt
2o) A resolução da equação na busca da solução Q(t) = C e kt .
3o) A condição inicial Q ( 0 ) = 3mg que nos dá a solução particular Q(t) = 3 e kt .

5. Equações Diferenciais Ordinárias de 1a Ordem

Vamos estudar, inicialmente, as equações de 1a ordem e 1o grau que se escrevem na forma

y´ = f (x, y), ou M(x, y) dx + N(x, y) dy = 0, ou ainda F(x, y, y´) = 0

A solução geral de uma EDO de 1ª ordem é quase sempre dada na forma implícita por uma
expressão do tipo (x, y) = C, ou seja, é uma família de curvas dependendo de um parâmetro C.
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Um problema que se coloca no estudo das equações diferenciais é se sempre teremos uma solução e
se esta solução é única. Em muitos ramos da Matemática as questões de existência e unicidade são
de grande importância. Vamos enunciar o teorema que garante a existência e unicidade para
equações de 1a ordem e 1o grau, satisfazendo uma condição inicial y(xo) = yo .

 f
Teorema da Existência e Unicidade: Consideremos a equação y  f ( x, y) . Se y e são
 y
contínuas em um certo domínio D do plano, e se ( xo , yo )  D , então existe uma única solução
desta equação y = u(x) tal que u( xo) = yo.

f
O Teorema da Existência e Unicidade, nos garante que, sob determinadas condições ( y e
y
contínuas em um certo domínio D do plano) a solução de uma equação diferencial de primeira
ordem existe e por um ponto do domínio D passa uma única solução

 y  f (x, y)
 Um problema do tipo  é chamado de Problema de Valor Inicial (PVI), ou Inicial
 y(x o )=yo
Value Problem (IVP). Ou seja, um PVI nada mais é que uma EDO com um dado inicial y(x o) = yo
O Teorema de Existencia e Unicidade nos diz que sob certas condições sobre a função f(x,y) um
PVI tem solução única.

6. Interpretação Geométrica de uma EDO

Uma equação diferencial do tipo y´=f(x,y) tem uma interpretação geométrica interessante: Ela quer
dizer que a derivada (inclinação) em cada ponto (x,y) do plano deve ser igual ao valor da função f
neste ponto. Quando dizemos “ y´ = f(x,y) ” estamos nos perguntando: “ Qual a função y=y(x), ou
qual a curva (x,y) = C cuja inclinação em cada ponto (x,y) é igual a f(x,y)? ” .

Como vimos anteriormente, a solução geral desta EDO determina uma família de curvas do plano
que possuem exatamente essas propriedades. Estas curvas são chamadas de curvas integrais da
EDO, por terem sido obtidas por métodos de integração.

Além disso, o Teorema de Existência e Unicidade para EDO nos diz que por um ponto (xo,yo)D
passa somente uma curva que é solução da equação dada, ou seja, existe uma única curva y = y(x)
tal que y(xo) = yo e cuja inclinação é f(x,y) .
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Exemplos:

1) Seja a EDO y' = 1

Neste caso, f(x,y) = 1, ou seja, a EDO significa que em cada ponto a inclinação da curva solução
deve ser igual a 1. Na figura abaixo mostramos o chamado
y

“campo de direções” da EDO, que é um dado do problema. 

Neste caso, as curvas soluções devem ser tais que a derivada 

em cada ponto seja igual a 1. 

        

Como já vimos, y ´= 1  y = x + C , ou seja, as retas 

y = x+C são as soluções da EDO y´ = 1. 





Na figura abaixo mostramos algumas curvas soluções desta


EDO juntamente com o campo de direções.

        









2) Considere a EDO y' = 2x

Neste caso temos f(x,y) = 2x, ou seja, queremos encontrar curvas y=y(x) cuja inclinação em cada
ponto seja igual a 2x  y

Como y' = 2x temos y = x2 + C, ou seja, a familia de curvas y = 


x2 + C tem inclinacao em cada ponto igual a 2x.

        





3) Considere a equação diferencial yy´ = x 

A equação acima pode ser escrita como y ´ = - x/y e neste caso, 

f(x,y) = -x/y 
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dy -x
A EDO = pode ser colocada em variáveis separadas, ou seja, y dy = -xdx
dx y
Integrando ambos os membros chegamos à solução na forma implícita, dada por x2 + y2 = C

y

Neste caso estas curvas são círculos centrados na origem.


-x 

A figura ao lado mostra o campo de direções f(x,y) = x

y         



juntamente com algumas curvas integrais. 





Referências Bibliográficas:

 Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de Contorno – William E. Boyce e


Richard C. DiPrima – LTC Editora
 Equações Diferenciais vol 1– Dennis G. Zill e Michael R. Cullen – Makron Books
 Matemática Superior vol 1 – Erwin Kreyszig LTC Editora

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