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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

MULHER NEGRA NA BAHIA NO SÉCULO XIX

Cecilia Moreira So ares

Dissertação apresentada ao
Mestrado em História, da
Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da U F B a , como
requisito básico para obtençSo
do titulo de M e s t r e em H i st ó r i a .

1994

M E S T R A D O EM H S T Ô R IA
CH - U. b*
n 1'o t e c a
N ,. rf, T 0 M d Q ^ .fc 5 y :jh .._ ,
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Esta obra foi digitalizada no


Centro de Digitalização (CEDIG) do
Programa de Pós-Graduação em História da UFBA

Coordenação Geral: Carlos Eugênio Líbano

Coordenação Técnica: Luis Borges

Junho de 2005
Contatos: lab@ufba.br / poshisto@ufba.br
SUMA R I O

AGRADECIMENTOS ............................................................. 01

PREFACIO ...................................................................... 02

A GUISA DE INTRODUÇÃO ................................................... 15

CAPÍTULO I: NEGROS NO TRABALHO DOMÉSTICO ....................... 22

CAPÍTULO II: AS G A N H A D E I R A S ........................................... 49

CAPÍTULO III: DA ESCRAVIDÃO A LIBERDADE .......................... 73

CAPÍTULO IV: NA RUA, OUTROS CONFLITOS ............................. 98

CONCLUSÍO ..................................................................... 117

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ............................... 120


1 AGRADECIMENTOS

Este t r a balho contou c om a aj uda de inúmer as pessoas. Sou

gr ata ao Prof e s s o r João José Reis e à P r o f e s s o r a Ká tia M a t t o s o que

p r a t i c a m e n t e me i n iciar am no m u n d o g r a t i f i c a n t e da pesqui sa. João

Reis in c entivou e acreditou nes se trabalho. Sua orientação foi

fu nd am ent al para que pu desse ch eg ar ao final.

D u r a n t e a fase de reda ç ã o fui c a r i n h o s a m e n t e a c o l h i d a na casa

dos am ig os Neivalda (Nena) e Potiguara (Poty). Durante mese s usei

d i a r i a m e n t e o m i c r o - c o m p u t a d o r deles. Me us si ncero s agrade c i m e n t o s .

Co nt ei ig ua lmente co m a colaboração de Júlio Braga. Como

D ire t o r do C E A O - C e n t r o de Estu d o s A f r o - O r i e n t a i s , UFBA- p e rmitiu

a utilização de toda a infra-estrutura daquela in st ituição. Sou

particularmente g r ata a Mi r i a n Cardial e Say o n a r a Brasil que em

d i f e r e n t e s m o m e n t o s d i g i t a r a m as prim e i r a s v e r sões de st e trabalho.

Agradeço a Márcia Bispo, que ajudou na cole ta de dados, a

Walter Fraga, co l e g a no m e s t r a d o com q u e m d i s c u t i a este trabalho,

às fun c i o n á r i a s da Biblioteca do Mestrado em C i ê n c i a s Sociais da

FFCH da U F B a , Marina S a ntos e Zen á l i a Alme ida, pel a atenção com

que se mp re me aten der am, e a íris Nascimento pelo in centivo a

c o n c l u s ã o d e s s a d i ssertação.

Durante os últimos anos tive m o m e n t o s de g r and e fe li cid ade ,

que serviram para am e n i z a r a t r i steza pel o falecimento de m i nha

tia-mãe Jocelin a: o n a s c i m e n t o de mi n h a s s o brinhas Raimã e Iasmin

que a p a r e n t e m e n t e na da têm a ver com uma d i s s e r t a ç ã o de me str ado .

De vo esta tese, sob ret ud o, ao incentivo constante e a compreensão

de m i n h a mãe, mu l h e r ne g ra b a t alh adora. A ela ded i c o esse trabalho.


PREFACIO

Este e studo disc u t e a mu l h e r ne gr a e mestiça - escrava e

liberta ‫־‬ em Salva dor , Bahia, duran te o s é culo XIX. De n t r e os

di v e r s o s as p e c t o s da p r e s e n ç a feminina neg r a na s o c iedade baiana,

os aqui abordados ju s t i f i c a m - s e pela r e l e vância e a a u s ência de

estu d o s sis temáti cos. Os estudos sob re a escravidão obscurecem o

cotidiano da ne gr a e pr ivilegiam, so br etu do , os atos do ho me m

negro. Em b o r a m u ito num ero sos , os d o c u m e n t o s onde ex is te referên cia

à negra são p r o dutos da mentalidade de hom ens numa so cie dade

patria rca l e esc ra vista. A mu l h e r é descrita a par tir da

i d e ali zação do papel f e m i nino no séc ulo XIX e, particularmente a

negra, de a cordo com a c a t e g o r i a social que con d i c i o n a seu lugar na

socieda de. Mas a h i s tóri a da m u lher neg ra no tempo da escravidão

não é tarefa impossível, ese passos ma is a r r o j a d o s não fora m dad os

isto se deve ao desinteresse da historiografia brasileira até

re ce nt emente, em relação as m u l h e r e s e de m a n e i r a geral as mi n o r i a s

soc ia is .

A idéia ne ste tr abalho é par ti r do es t u d o da neg r a escrava,

no âmb i t o domé sti co, caminhando para o e s p a ç o da rua, onde po d i a m

existir as p o s s i b i l i d a d e s de vida mais autôn om a.

O que p r e t e n d e m o s não é a p r e s e n t a r algo tot a lmente novo, mas

resgatar, à luz de fontes primár ia s, aspectos tratad os

s e c u n d a r i a m e n t e em o utros estudos , com o p r o p ó s i t o de e v i d e n c i a r a

presença da mulher negra na sociedade escravista baiana.

B u s car-se- á, at ra v é s da compreensão das suas estratégias de

2
s o b r evivên cia, a l cançar as nuan c e s do seu tr ab alh o na cidade, quer

no â m bito d o m é s t i c o ou na c o m e r c i a l i z a ç ã o de produtos básicos para

a po pul aç ão, al é m de sua inter aç ão no me i o social a que pe rt enc ia.

Reconhecemos as d i f i c u l d a d e s de um tra ba lho d e s ta natur eza ,

pr i n c i p a l m e n t e pe la dispersão das fontes. A c e it ar o desafio

si gn if ica , de ce rt o, cor rer o ri sco de p r o ceder a explanações

ap re ssadas, co nfor me advertiu M a ria Odila da Sil va Dias qu a n d o

tratou do trabalho da m ulher pobre em São Pa ulo no mes m o

período. (1) É e v i dente que a maioria d essas mulheres ficou no

anonim at o, mas houve qu e m conseguisse ma r c a r seu lugar na

so c ied ade , t r ilhando a t r a j etór ia da a l f o r r i a e da as c e n s ã o social,

su p e r a n d o obstá culos, personificando modelos de re s i s t ê n c i a e

i ndepe n d ê n c i a no m u n d o p atriarcal e esc rav ist a.

A documentação tra bal h a d a encontra-se principalmente no

Arquivo Público da Bahia. Bus c a m o s tam bém o a u xíio de fontes

impressas, co mo os vi aj a n t e s e os jo rna is oito c e n t i s t a s .

Consultamos ai nd a a bibliografia mais recen te so bre o n e gr o na

Bahia e alhures.

Os e stu d o s bai ano s sobre o n e gro p o dem ser classificados em

três fases. A pri m e i r a es tá representada pelas in ves t i g a ç õ e s do

médico Raimundo Nina Rodr igu es, que se dedicou à descrição e

a nálise das m a n i f e s t a ç õ e s re li gio sa s, onde p r e d o m i n a v a m as m u l h e r e s

de cor. Ao trata r dos "usos e costumes" dos negros, descreve os

a s p ect os mai s manifestos da mu l h e r negra, como o v est uário, os

adornos, a culinár ia, sem d e ixar de lado as diferentes formas de

ganhar a vida. E m b o r a suas refer ê n c i a s e s t e j a m restr i t a s ao p eríodo

3
p ó s - a b o 1i ç ã o , elas se prestam, com a devida reserva, ao p e ríodo

es c ravista, e s p e c i a l m e n t e pa ra a quelas m u l h e r e s que se d e d i c a v a m ao

ga nho de rua (2 ).

Ma noel Qu erino, por seu turno, descreveu aspectos r e l e vant es

do quotidiano dos ne gr os baianos, sem se preoc u p a r com o rigor

m e t o d o l ó g i c o e a e r u d i ç ã o c i e n t í f i c a de seu antecess or . Referindo-

se às mulheres negras, al é m dos comentários a cerca de sua vida

religiosa, enfatizou as características das di v e r s a s "tri bo s"

importadas, d e s t a c a n d o e s s e n c i a l m e n t e as q u a l i d a d e s e s p e c í f i c a s de

suas mul he res . Segu n d o ele, era a o r i g e m é tnica que d e t e r m i n a v a o

cará ter e as qualificações para o desempenho de determinadas

funções o c u p a c i o n a i s , no que foi s e g u i d o por d i f e r e n t e s auto r e s que

depo is tra t a r a m da m a t é r i a . (3)

In a ug u r a n d o uma nova et apa das pesqu i s a s d i r e c i o n a d a s para a

compreensão do ne gr o na Bahia, Luiz Viana, baseando-se em

documentação encontrada em a r q uiv os nacionais ee s t r a n g e i r o s deu

uma nova conotação a es te s estudos . Mostrou Luiz V i ana que era

possível fazer h i s t ória da escravidão b aiana apa rti r de fontes

pr im ár ias . Con tudo, pou co informa sobre a mu l h e r negra, limi ta ndo -

se qu as e se mp re a vê- la no m e r c a d o de aco r d o c o m atri b u t o s físi co s

e car a c t e r e s étnicos. Mas p a r t ic ulariza, se g u i n d o G i l b e r t o Freyre,

a funçã o das amas-de-leite, salientando a relaçã o de afetividade

que mantinham co m seus "ioiôs", e das r ezadeiras no Re c ôncavo,

atentas c on t r a m a u -ol hado, q u e b ranto, e afugentando maus

espí r i t o s (4 ) .

4
A p a r t i c i p a ç ã o de e s t u d i o s o s e s t r a n g e i r o s tem nas fi gu ras de

Do na ld P i e r s o n e Ruth L andes seus e x p o e n t e s ma is s i g nifi cativos. O

p ri m e i r o tentou e n t e n d e r as relaçõ es raci ai s na Bahia, acreditando

na b r andura da escravidão brasi le ira , convencido de que v i v íamos

numa espé cie de p a r a í s o racial. Ao tratar da m u lhe r negra, reforç a

os estereótipos criad os pela escravid ão, elegendo a mu l a t a como

mulher ideal para uni ões afeti va s. A mentalidade senhori al teria

criado representações sobre e s crav as próprias• para o trato

familiar, b a s e a n d o - s e na p r o c e d ê n c i a ét n i c a e cor da pele. Informa

tamb ém ac e r c a do dispositivo da lei de 1871 que concedia a

liberda de às e s c rav as que tiv e s s e m g erado dez filhos, sobr e o

prestígio das a m a s - d e - 1eite e a s p ectos cultu r a i s ain da basta nt e

ex p r e s s i v o s na ép oc a em que rea lizou seus estu d o s (5).

Já Ruth La nd es esc r e v e u sobre o c o t i d i a n o d a ^ m u l h e r ne gr a

em Sa l v a d o r no m u ndo dos cand omblés. Al é m de precisar a

p r e p o n d e r â n c i a e o prest í g i o social das sacerdotisas do cu lt o

a f r o - b r a s i 1e i r o . relatou, com est i l o e respeito, a int imidade de

seus adept os , seus c o nflitos e vitória s. Ao final de seu trabalho,

a p r e s e n t a um re sum o do "St at us femin ino " neg ro c o n q u i s t a d o no seio

do regime escravista. Sob a escravidão, as m u l h e r e s neg ras t eri am

sido estimuladas a manif e s t a r , seg u n d o a autora, i n i c iativa e

re s pon s a b i l i d a d e , paci ê n c i a e encanto. Suas q u a l i d a d e s c o n t r i b u í a m

no desenvolvimento de institu i ç õ e s matria r c a i s , num a soc i e d a d e

rigorosamente pa tr iar cal . Compara com o papel da negra em o u tras

so ci edades, como a norte-americana e af ric ana . Conc l u i que as

ne gras b r a sileiras , ao controlarem os mer c a d o s pú blico s e as

5
s ociedades re lig io sas , t a mbém c o n t r o l a v a m o âm b i t o f a m i l i a r . (6)

Ap esar de não termos reali z a d o um es t u d o exau s t i v o de todas

as ob ra s ref erentes ao negro na Bahia, as aqui m e n c i o n a d a s dão bem

uma mo s t r a das t endências e preocupações que caracterizaram a

historiografia ba ian a até fins dos anos qu a r e n t a de st e século.

F.stes estudos são fu ndame n t a i s para a compreensão de a s p ec tos

gerai s da pr e s e n ç a ne gr a em nossa soc ie dad e. Con tud o, limitam-se,

quase semp re de forma est e r e o t i p a d a , ao co n t e x t o da re l i g i ã o ou de

há bi to s e costu mes . Mi ch e let P e r r o t , ao e stud ar as mulheres na

Fr an ça no sé c ulo XIX. esclarece que ao se considerar a

p a r t i c i p a ç ã o da mu lhe r re st rita a as p e c t o s da vida co mum - ou seja

a religião, a casa e os costumes - c o r re -se "o gra nde risco de

e n c err ar suas vida na imobili dad e dos usos e costum es , estruturando

o c o t i d i a n o na fa ta lidade dos pápe is e na fix idez dos es paços"(7).

Esta observação des c r e v e co m exatidão o t r a t amento da d o à m ul her

ne gr a no s éculo XIX e até b em po uco tempo. Quando se falav a da

negra ti nh a- se uma vis ão tranq u i l a do seu di a-a-dia. Essa m a n e i r a

de e n tender o pass a d o da m ulher ne gra é na verdade uma forma

dissimulada de tornar sem i m p ortân cia as tensões e as lutas no

co t id ia n o .
9
.‫'*זי‬
As po uc as ten tativas de a.bbrdar a s p ecto s como liberdade,

família e eco nom ia, não geraram uma investigação minuciosa dos

condicionamentos de ce rtos compor t a m e n t o s . Reflet em , antes,

preocupações nac i o n a i s e estrangeiras de en t e n d e r a q u e s t ã o ne gr a

a través da m o n t a g e m de um ideário racial, s o b r e s s a i n d o uma v i são em

geral a m ena das rel aç ões interétnicas na Bahia.

6
As últim as três d éca d a s (1960- 199 0) c o r r e s p o n d e m ao terc eiro

mo m e n t o d e s ses estudos. C a r a c t e r i z a m esta fase a cria ç ã o de ce nt ros

de es tudo so bre o negro, o c r e s c i m e n t o do intere ss e a c a d ê m i c o pela

questão, o fortalecimento dos movimentos de resis t ê n c i a negra, o

acolhimento pel a socied ade , emb or a com reservas, das casas de

re ligião a f r o - b r a s i l e i r a e o in teresse de ins tit uições e s t r a n g e i r a s

em e n t ende r a problemática neg ra atual. Ness e período, su r g i r a m

tr ab al hos como os de Pi err e Verger, Kát ia Mattoso, Stuart Schwartz,

João Reis, Mar i a José Andrade e Inês Oli veira, que refletem,

diferenciadamente, as novas t endênci as e abo r d a g e n s da

h i s t o r i o g r a f i a da e s c r a v i d ã o baiana.

Os es tu d o s r ealizados por V erger colocam-se na d i a n t e i r a

dos novos tra balhos, post o que r eali zados mai s cedo e com fontes

p rimárias coletadas em três co nt inentes. Particularmente, a obr a

F 1uxo e r e f 1u x o . p u b l i c a d a em 1968 na Francja, trata das relações da

Bahi a co m o G o l f o de Be ni n do séc ulo XVII ao XIX, a o r g a n i z a ç ã o do

tr áf ic o de esc rav os , as revolt as dos e s c ravos na Ba hi a (1807- 183 5)

e as c ond i ç õ e s de vi da do e s c r a v o em Sa l v a d o r no séc ulo X I X . (8)

Da d o o rigor da a nálise e o uso de nova s fontes, r e l e vam-se os

trabalh os de Ma tt oso . baseando-se em documentos p r i mários como

in ve ntários post-mortem, t e s t ament os e cart as de alforrias do

sé cu lo XIX. Di sc ute , a pa rt ir d esses documen tos, dados quanto a

origem, pr e ço e m e n t a l i d a d e de es c r a v o s e libertos. Sobre a negra, ‫ן‬

anal i s a aspectos como família, observando o n úm ero li mit ado de

mulhere s, as re duzidas u niões en tr e escravo s, as dificuldades

e n f r e n t a d a s pel a liberta para e n c o n t r a r c o m p a n h e i r o e ger ar filhos,

7
a proteção destes, e tam bem ap onta para as condições e

t r a n s f o r m a ç õ e s sofridas pe la mu l h e r de cor, que e n c o n t r a m na et nia

os laços e s s e n c i a i s de s o l i d a r i e d a d e de que p r e c i s a v a m (9).

P e r c o r r e n d o c a m inhos semelhantes , M a r i a José de Souza Andr ad e,

num est u d o quantitativo dos inventários post-mortem, discutiu

igu al men te preço, origem e ocupação dos es c r a v o s em Salvador,

di s c u t i n d o as características das negr as esc ra vas , co mo a

p r o c e d ê n c i a étnica, pr eç o e ocup aç ão. D i s c u t i u t ambé m a rapidez com

que a m ã o - d e - o b r a feminina a f r i c a n a foi s u b s t i t u í d a pela bra s i l e i r a

na s e g un da m etade do s éc ulo XIX, devido ao fim do tráfic o em

1850.(10)

De duas o utras modalidades de abordagens decorrem tam bé m

r eflexões sobre mentalidade e re s i s t ê n c i a escrava s. Os est udo s

sobre mentalidade em S a lvador fora m primeiramente realizados por

Ká tia Mattoso e Maria Inês Ol iveira, com base em testamentos de

libertos que in form am acerca da existência de i m p o rtantes redes

cultura is, so cia is e econômicas ent re eles. Oliveira observou que

mul h e r e s libertas d e d i c a v a m - s e ao c o m é r c i o e com fr e q u ê n c i a p odi am

a d q uir ir e s c ravos que lhes garantissem o suste nt o. Quando se

to r n a v a m se nh ora s, p r e f e r i a m e s c ravas m u l h e r e s d evido ao pr e ço e a

maio r f a c i lida de de e x e r c e r e m control e. A posse de esc r a v o s homens

de v e u - s e sobretudo à reprodução de suas escrav as . Não chegavam a

constituir gran d e s fo rtunas, mas possuíam jóias como argolas ,

pulse i r a s e cru cifixos. Es s as jóias eram s í m bolos de dignidade e

d i s t i n ç ã o pesso al, que fa ziam q u e s t ã o de externar. A famí l i a tinha

características semelhantes à dos es cra vo s: o car áter étnicamente


-y -t

8
e n d o g â m i c o das relações, o c a s a m e n t o como a m paro recíp roc o, podendo

o ho me m ou a mulh er ser resp onsável pel o sus t e n t o da família.

Mattoso, O l i v e i r a e t ambem João Reis e s t u d a r a m a r e l i g i o s i d a d e dos

ne gr os e neg ras das irm andade s e suas a t i tud es di ant e da morte.

Reis suge r i u a participação das neg ras no movimento da

cem i t era da .(11)

João Reis retomo u os estudos sobre as rev ol tas es cr ava s.

Analisando a d e f l a g r a ç ã o da re vo lta dos malês em Sal vador (1835),

c o n densa no c a p í t u l o "Arranj os de Vida" uma compreensão diferente

da relaçã o h o m e m - m u 1h e r , naque le período. A vida u rbana c o n f eria

aos e s c ravos uma vida mais autôno ma , onde po d i a m reunir amigos,

d esf r u t a r com mais liber da de da c o m p a n h i a da mu l h e r e dos filhos.

A famíl ia tinha a função de re fo rça r os laços de solidariedade

étnica e religiosa. C o n f l i t o s e amor são c a r a c t e r í s t i c a s t a mbém da

fa mí li a escrava e liberta. C o n f i r m a m isto o comportamento das

mulheres na rebelião. Além de terem apoiado o m ovim ento, o autor

identifica nelas a p r e o c u p a ç ã o com a sorte dos c o m p a n h e i r o s após a

derrota. Verifica-se a rigi de z para com o crime de r e b elião

p r a t i c a d o pe las negras, c o n d e n a d a s a ga lés qu a n d o o có digo crim in al

de 1831 d e t e r m i n a v a a s u b s t i t u i ç ã o des t a pena por trabalho forçado,

em v i r tude do sex o (12).

Até aqui, re vi mo s trabalhos que t ratam da áre a u r b a n a

da Bahia, e s p e c i f i c a m e n t e Sa lva do r. O e s t u d o de Stuart S c h w a r t z vêm

r e d i r e c i o n a n d o es ta perspectiva. Ele disc u t e a família, o trabalho,

a demografia e a vida cotidiana dos e s c r a v o s nos eng e n h o s do

Recônca vo. Ele sus t e n t a que era comum que as mu l h e r e s

9
desempenhassem mui tas tarefas ligadas à produção. Embora as

mulheres fo ss em necessárias ao serv i ç o doméstico para c uidar dos

filhos, velh os e do en tes , seu n ú mero re du zido restri n g i a as

re la çõ es af e t i v a s en tr e os e s c r a v o s .(13 )

As i nv estigações r e a l i zadas até agora na Bahia c a m i n h a m para

a s u p e r a ç ã o dos en f oques trad i c i o n a i s sobre a m ulher negra, tenta

c o nhec ê-l a, discutindo as p e c t o s do seu dia-a-dia na es cr avidã o,

d e s e n v o l v e n d o e s t r a t é g i a s de s o b r e v i v ê n c i a e resist i n d o à opres sã o.

Co nt ud o, não c o n s t i t u e m est es estudos tra balh os espec í f i c o s sobre

a m ulher negra. Aliás, ref letir sobre qua l q u e r m ulher pou co

inter ess ava à h i s t o r i o g r a f i a até re ce ntemente. A mu da n ç a oc or re sob

o im pacto dos m o v i m e n t o s femini stas dos anos 70, que a p o n t a r a m para

a a ca d e m i a a n e c e s s i d a d e de uma nova H i s t ó r i a Social das mulhere s.

Da m e sma forma, a nova hi s t ó r i a do negro, e da escravidão em

particu lar , b e n e f i c i o u - s e dos m o v i m e n t o s negros nas A m é r i c a s e dos

m o v i m e n t o s de d e s c o l o n i z a ç ã o na África. Este tra balho é a s s i m fruto

des sas e n c r uzi lhadas.

A d i s s e r t a ç ã o está d i v i d i d a em qu a t r o capít u l o s e uma p equena

introdução. Nesta procuramos dis cu tir , de maneira b r e víssima , a

Bahia, p a r t i c u l a r m e n t e Sa lv ado r, r e v e l a n d o alg uns as pecto s sociais ,

econômicos e polí ti cos , ten ta ndo mostrar al gu ns problemas

enfrentados por sua populaçã o. No Capítulo I analisamos a

p a r t i c i p a ç ã o da negra nos s e r viços doméstico s, sua importân ci a, os

crit é r i o s na e s c o l h a das domésticas e o c o t i d i a n o de d e t e r m i n a d a s

o c upações. Aqui utilizamos principalmente fontes impress as , com o

v iaja n t e s estrangeiros e jor na is oit o c e n t i s t a s . No capítulo II

10
discutimos o tr ab a lho executado pela neg ra no ganh o de rua, sua

or g anização, os confli to s, limitaçõe s e vitóri as que aque la

at i v i d a d e po di a p r opor cionar. C o n t r u i m o s este ca pítulo a par tir de

uma vari e d a d e de fontes im pr ess as e m a n u s c r i t a s sobre a pr e s e n ç a da

ne gra nes sa ocupaçã o. O Capítulo III, constitui-se numa t e n tativa

de revis it ar ã questão da alf orr ia , atrav és de documentos

s el ecio nados, em que se e v i d e n c i a m probl e m a s e so luções e n c o n t r a d a s

pela m ulher no e n c a m i n h a m e n t o de sua li berdade e a de seus

pa rentes, sobretudo filhos. Pro c u r a m o s vincular todos es ses ‫י‬

aspecto s às transformações p o líticas e j ur ídicas da e s c r a v i d ã o ao

longo do s éculo XIX, que d e c i d i d a m e n t e in f l u e n c i a r a m a cond uta dos

negros e brancos, e s c rav os e se nhores. No ú l timo capítulo, bus camos

evidenciar al gun s a s p ect os da vida da neg ra na rua, os con f l i t o s

envolvendo diferentes pessoas, ind ependente do se xo e da cor. Para

tanto, utilizamos os p r oce ssos crime s e re g istros de prisões,

procurando compr e e n d e r o u n i v e r s o social em que viviam.

Este trabalho, evid e n t e m e n t e , não esgota as refle x õ e s e

aná l i s e s possí v e i s sobre a p r e s ença da m ulher ne gra na Ba hia

oi t o c entis ta. As conclu s õ e s a que chegamos devem ser c o n s i d e r a d a s

parciai s, que cer t a m e n t e po de r ã o ser ampliadas e cor r i g i d a s em

outros es tu do s, que levarão em co nta nova s ab o r d a g e n s e fontes

do cumentais. Te mo s ple na consciência do car át er provisório do

conhecimento ac ad êm ico . Por p r e s s ã o de pr azo s para f i nalizar esta

tese, res t r i n g i m o s no ssa discussão ao p r o blema da mu l h e r no

trabal ho d o m é s t i c o e no de ganho, na luta individual pe la li berdade

e pela s o b r evivência, e f in almente os confl i t o s cotidia no s.

11
De i x a m o s de tratar de o utros a s pectos de sua inser ção na soc i e d a d e

da época, tais como o seu papel na família e na re ligião, dois

a sp e c t o s fundame n t a i s de sua experiência no passado e a i n d a hoje.

Fi c am es te s temas para um p r ó x i m o trabalho, q u e m sabe?

12
NOT AS

1. Ma ria O d i 1a da S. Dias, Quotidiano e poder em São P a u lo no

século XIX. São Paulo, B r asiliense, 1984, pp. 7-10.

2. Ni na Rodrigu es, Os a f r i c a n o s no B r a s i l . 5a. e d . São Paulo,

C o m p a n h i a E d i t o r a Nacio nal , 1977, pp. 101, 118-119.


1j
3. Manuel Quer ino, Costumes africanos no Brasil, Rio de Janeiro,

C i v i l i z a ç ã o B r a sileir a, 1938, pp. 98-101.

4. Luiz Viana Filho, O neg r o na B a h i a . 3a. e d ., Rio de Janeiro,

Nova F ront eir a. 1988, pp. 185-186.

5. D onald Pierson, Brancos e Pr eto s na Bahia. São Paulo, Companhia

Edi tora Nacion al , 1971, pp. 175-197, 130.

6. Ruth Landes, Ci d a d e das mu lh ere s. Rio de Janeiro, Civilização

B r a sil eira, 1967, pp. 311-316.

7: M i c hel e P e r r o t , Os e x c l u í d o s da história: Operários, mu lher es,

pr is ione i r o s . Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1988, p. 187.

8. Pi erre Ve rger, Flu xo e refl uxo do trá fi co de e s cravos ent re o

G o l f o de B e n i n e a B a hia de Tod os os Sant os dos sé cu los XVII______

ao XIX. São Paulo, Co rr upi o, 1987. pp. 485-511 , 519-521.

9. Kat ia Ma tt oso , Ba hi a s éculo XIX: uma P r o v í n c i a no Império. Rio

de Janeiro, Nov a Fronte ir a, 1992, p p . 161-169: Ser escravo no

B r a s i 1 . São Paulo, Br asili e n s e , 1988, pp. 122-134; "A p r o p ó s i t o de

cartas de alforria - B a hia 1779-1850", An ais de Hi stó ri a, n. 4,

(1972), p p . 23-52. Sobre alforrias ver ta mbém Stuart Schwartz," A

m a n u m i s s ã o dos esc r a v o s no Brasil co lonial: Bahia, 1684-1745. Ana is

de H i s t ó r i a , n. 6 (1972), p p . 71-114 e Li gia Bell in i, "Por amor e

13
interesse: a re laç ão senhor-escravo em carta s de al fo rria", in

Reis, João (org.) Escravidão e invenção da l i b e r d a d e . (São Paulo,

Br asiliense, 1988), pp. 73-86.

10. Mar ia José de Souza Andrade , A-mão-de-obra e s c r a v a em

S a 1v a d o r .181 1- 1 8 6 0 . São Paulo, C o rrupio, 1988, cap ítulos III, IV e

11. M a r i a Inês C. O live ira , O 1 iberto:_seu m u n d o e os out ros (1790

- 1 8 9 0 ) . São Paulo, Corrup io , 1988, pp. 44-47, 60-69: Joao J. Reis,

A mo r te é uma festa: ritos fún ebr es e revolta popular no Brasil do

s é c u lo X I X . São Paulo, C o m p a n h i a das Letras, 1991.

12. Jo ão J. Reis, R e b e l i ã o e s c r a v a no Brasil: a hi st ór ia do levante

dos ma Iês ( 1835). 2a. e d ., São Paulo, Brasi li e n s e , 1987, pp. 216-

232. Ver tamb ém Ne.&oc_.1Lag ã o . e____co ní.1 i t o : _ a _______ res

Bras i 1 es cr av is t a . São Paulo, C o m p a n h i a das Letras, 1989.

13. Stuart B. Schwartz, Se gredo s internos: e n g en hos e e s c ravos na

s o cied ade c o 1on ia 1 . 1 5 5 0 - 1 8 3 5 . São Paulo, Companhia das

Letras, 1988, pp. 286-294, 313-351.

14
À GUISA DE INTRODUÇÃO

A s oc iedade escravista caracterizava-se basicamente pela

ex i s t ê n c i a de dois gru pos di stintos. De um lado estavam os

senhore s, do o u tro os escravos que constituiam a maioria da

população tr ab alh ad ora . Porém, no inicio do séc ulo XIX fica

e v i den te a expansão de uma cama da social c o m posta principalmente

por p esso as "de cor" livres pob res e ex -escr avos, que

r e d i m e n s i o n a r i am as re l ações so ci ais naq uele período. O fe nômeno

va li a para todo o Brasil, incl us ive a Bahia.

D entre as a n álises sobre a soci e d a d e escravista baiana, a de

Ma t t o s o oferece o modelo mais co mpleto. Par a construir sua

hierarquia social, a au tora ut i l i z o u como cri t é r i o pri ncip al o

prestí gi o. Ela expl i c a que este a s p ecto d a ria conta, por exempl o,

de s e n sores de e n g e nhos que, ape sar de não tão ricos, ti nh am

pre s t í g i o por s e rem s e nhores de engenho. Mas o fator econômico

também foi levado em c o n s i deração . Por exemplo , os comerciantes

foram c o l o c a d o s no m e smo nível que os s e n hores de engenho ma is por

seu poder econômico do que pelo pr es tíg io . E esc l a r e c e que é

p r e cis o a t e nta r para as d i f e r e n ç a s d e n t r o de cada catego ri a.

Assim, s egu n d o Mattos o, os habitantes de Sa lva dor estavam

dividos em quatro cat e g o r i a s sócio-ocupacionais princip ais : no

áp ic e fica v a m os s e n hores de engen ho , gr an d e s ne go ciantes, altos

funcion á r i o s ci vi s e eclesiásticos e oficiais militares ac ima da

pa t ente de s argento-m or. Em seguida, e stava a categoria formada

pelos funcionários inte rmed i á r i o s do E s tado e da Igreja,

15
profissionais liberais, o fi c i a i s mil itares , c o m erciantes, m e stre

ar t e s ã o s e pe ss oa s que viviam de renda. Outra categoria era

constituída por f unc i o n á r i o s púb li cos de me nor poder aquisitivo,

profissionais liberais de r e d uzid o p r e s t í g i o social, q u itande iros,

ta be rn eir os, a r tesãos e vendedores ambulant es . E na base da

pi r âmide social e s t a v a m os esc ra vos , mendigos e d e s o c u p a d o s .(1)

É difíci l pr ecis ar o ta man ho d e s sa p o p u l a ç ã o de S a l vador no

sé culo XIX, mas as e s t i m a t i v a s existentes ressaltam a

r e p r e s e n t a t i v i d a d e n u m é r i c a da p o p u l a ç ã o "de cor". Mais dif íc il é

a valiar a p r o p o r ç ã o de m u l h e r e s negras. Reis, u t i l i z a n d o os da dos

c oligidos por A ndrade nos i n v e ntários p o s - m o r t e m entre 1811-1860,

encontrou 128 ho me ns para ca da 100 mul her es, ou seja, 56% dos

es c ravos u rbanos er a m do se xo ma sculino, e c o n clui u que esses

números rev elam ta mbé m que a pre s e n ç a dos africanos escravos era

re s pon sáv el pelo desequilíbrio nu m é r i c o en tre os sexos. Ou seja,

qu a n t o maior a taxa de a f r ic a n idade , ma ior a taxa de masculi n i d a d e .

Se separados dos africa no s, os esc r a v o s n a s cidos no Brasil

a p r e s e n t a v a m ligeira v a n t a g e m q u a n t i t a t i v a a favor das mu lh eres: 92

homens para cada 100 mu lhe res, em cont r a s t e com os 156 ho men s para

cada 100 m u l h e r e s en tre os afri ca nos . Para 1835, co m base n esse s e

ou tros da dos da dos. Reis e s t imou ai nda que as mul h e r e s e s c r a v a s de

Sal v a d o r somavam 14.170, das qu ai s ape na s 6.75 0 eram de origem

af ri ca na. Es sa s a f r i c a n a s e r a m d i s p u t a d a s por 10.575 a f r i c a n o s .(2)

A população escrava geral era de cer ca de 27.500, para uma

p o p u l a ç ã o global de 65.500.

Em 1872, foi real i z a d o o primeiro c e nso de cará ter ofici al,

16
p ermit in do , d entre ou tras coisas, v e r i f i c a r a d i s t r i b u i ç ã o por cor

e se xo dos moradores de Salva do r. A cid ad e tinha e n tão 108.138

h abita nt es , se ndo 12.501 es cra vos . Estes e as pe sso as de cor livre

f o r mav am 68. 9% da popula çã o. O ce nso rev el a um relativo e q u i l í b r i o

en tr e homens (33,1%) e mulheres (33.7%) de cor, seja na p o p u l a ç ã o

livre seja na escrava, mas o m e s m o não se repet e entre os brancos.

A população b r an ca apresentava um def ic it de mulhere s, que

representavam 41%, da t otalidade desse segmento po p ulacional. As

es c ravas r e p r e s e n t a v a m 5 1,3% sobre as m u l h e r e s bra nca s e cablocas.

(3)

O ce nso tam bém permi te c o n s t a t a r que ha via áreas mais "n egr as"

que outras. As m u l h e r e s neg ra s estavam concentradas s o b r e t u d o nas

paróq u i a s do Passo, V itó r i a e C o n c e i ç ã o da Praia, onde s e r v i a m com o

do mé sticas. Mas sua presença tam bém era significativa nas

freguesias do Pilar, Ma res e Penha. A f r eguesia de N o ssa S e n h o r a do

Pilar e N o s sa Senhora da C o n c e i ç ã o da Praia, amb as na C i d a d e Baixa,

er am consideradas áreas essencialmente co mer ciai s. Ali es t a v a o

po rt o de Salvado r, receb e n d o e c o m e r c i a l i z a n d o produ to s de fora da

província e do R e c ô n c a v o baiano. Ne sse local encontravam-se dois

gr an des mer cados, sendo o pri nc ipa l o de Sant a Bárba ra . Alí

t r a b a l h a v a m as neg ras ven d e n d o d i v e r s o s pr od uto s, mas ela s tamb ém

co m e r c i a l i z a v a m nas ruas e no cais frutas, verduras e

principalmente c o mi da pronta.

Br an co s, ne gr os e mulatos equilibravam-se numa ec o n o m i a


f•
constatemente afetada por cr is es e mudanças po lí tic as , com sérios

reflex os no modo de vi da dos hab i t a n t e s de Salva dor . Pode-se

17
es p e c i f i c a r os períodos de cr is e e re c u p e r a ç ã o econômica na

s e guinte ordem: 1787 à 1821 p ros peridade; 1822 à 1842/45 depres são ;

1842/45 à 1860 recupe raç ão; 1860 à 1887 grande depres sã o; 1887 à

1897 re cup eraç ão; 1897 à 1905 crise. (4)

A economia ba iana d ep o i s de viver um p er íodo de re lat iva

prosperidade no final do s éculo XV111 e p r i meira d é cad a do sé cu lo

XIX, vai declinar à pa rti r de 1821 em razão de vá rios fa tores -

se ndo os ma is i m p ortant es a G u e r r a pela I n d e p endência na Bahia, os

confl i t o s que se se guiram, e m u d a n ç a s na c o n j u n t u r a in ter na cio nal -

que marcariam o final da tra j e t ó r i a ascen dente, desorganizando a

vida e c o n ô m i c a .(5 )

Dura n t e os anos de 1820 e 1830, a e c o n o m i a a ç u c a r e i r a pa ssou a

competi r c om o açú c ar de beterraba da Europa. For o u t ro lado, o

açú ca r cu b a n o pa ssou a o cu par boa pa rte dos me r c a d o s

interna ci ona is. Ou t r o s produ to s, com o algodão e fumo, s egu i a m

destino semelhante e aos pou co s perdiam a preferência de Portugal

e iam se ndo excl u í d o s do com é r c i o de o u tros p a í s e s . (6)

Os n e g ó c i o s da p r o v í n c i a fo ram tam bé m a f e t ados pelos m o v i m e n t o s

a n t i - p o r t u g u e s e s , os " m a l a - m a r / o t o s " , que trouxeram consequências

desastrosas d e v i d o a fuga de c o mercia ntes. A e m i g r a ç ã o ma ç i c a dos

c o m e r c i a n t e s p o r t u g u e s e s r e p r e s e n t o u a ev a s ã o dos ca pitais, e eram

eles que f i n a n c i a v a m os se nhores de engenho, c o m p r a v a m o a çúcar e

o revendiam no mercado europeu, comercializavam escravos e

f o r n e c i a m m e r c a d o r i a s e uropéia s, p r i n c i p a l m e n t e peças de repos i ç ã o

para os engenho s.

18
Po s t e r i o r m e n t e , devido à proibição e pe r s e g u i ç ã o ing le sa ao

c o m érc io atlântico de escravo s, os e n g enhos se ressentem da

car e s t i a e falta de mão-de- o b r a . A s i t u a ç ã o se a g r a v a r i a q u a n d o do

desenvolvimento da lavoura caf e e i r a no sul, que requi s i t a v a uma

m ã o - d e - o b r a cada vez maior. Aos po uc os a B a hia e outras re giõ es do

Nordeste t o r n ara m-se áreas e x p o r t a d o r a s de escravo s. (7)

As cr ise s provocaram o aumento do cu st o de vida em geral,

sobretudo po rq ue atingiram os set or es de produção de al im ent os,

ta mb ém agravada por se cas periódi ca s. As secas ocorridas entre

1824-1825, 1830-1833, 1857 e 1877 a f e t a r a m d r a s t i c a m e n t e as áreas

do Reconcàvo e do sert ão pro d u t o r a s de alimen to . P r o dutos como

farinha de mandioca e ou t r o s t iveram seus pr eços elevado s. A

farinha era um dos principais a l imentos do baiano, cujo preço e a

o f erta abundante as autoridades te n t a r a m ao longo do sé cul o

c o ntro lar em vão. Na t e ntativa de frear os especuladores e

d e t e r m i n a r o pr eço razoável de gen ê ros a l i m e ntícios, foram lançadas

postura s municipais que definiam o tipo de puni ç ã o aos que

i nf r i n g i s s e m a l e i . (8) Em 1858 ocorreu uma revolt a popu l a r de

protesto cont ra a car est ia , o levante da "Carne sem osso. fari nh a

sem carr opo" . P r odut os com o feijáo, arro z e milho, co mun s na

re fe ição dos escravos, tam bém s o f r i a m prob l e m a s de a b a s t e c i m e n t o e

au m ento violento nos preços. Tanto o problema da fa rinha com o o

de ss es o utros p r o dutos ligavam- se à uma secula r baixa p r o d u t i v i d a d e

e a e s p ecula ção, a c i r r a d a s pe las irregu l a r i d a d e s climá ti cas . Essas

va r i a ç õ e s comprometeram diretamente a s u b s i s t ê n c i a dos esc r a v o s e

de pesso as po b res l i v r e s . (9)

19
A p o p u l a ç ã o de Sa l v a d o r tam bé m pagou caro pela sua d e p e n d ê n c i a

da eco n o m i a de ex po rtaç ão, sen do o b r i g a d a a impor ta r q u as e todos os

pr o dutos de al im entação. A pesar de p ossuir características semi-

rurais, existindo próx i m o à cidade div e r s a s roças, o cult i v o e

p r o duç ão de gêneros alimentícios er a m i n suficiente s para at ender

aos m o r a d o r e s da capital e vi las do Re côn cav o.

Dentro de ss e contexto crônico de p r oblemas sociais,

eco n ô m i c o s e p o lítico s se m o v i m e n t a v a a m u l h e r negra baiana, fosse

escrava, livre ou liberta. P a r t i c i p a v a de qu ase todos os se tores do

mu n do do trabalho, cr ia n d o mecanismos para sobreviverem e

resistirem às a d v e r s idades. Os p r obl emas re fleti a m - s e no mo do de

viver e g anhar a vida dentro e fora da esc ravidão. Para m u itas

significava lutar c ontra a miséria e a fome, al ém de procurar

conto r n a r as limites impostos pela escravidão nos papé is soci ai s

que des e m p e n h a v a m . No se tor urbano estavam inseridas,

p rinci p a l m e n t e , nas ati v i d a d e s domésticas e no ganho, vivendo

diariamente nas ruas, unive r s o s diferentes cu jos cont e ú d o s e

limites procuraremos a n a lisar nas pág in as seg uintes.

20
NOTAS

1. Ver a anál i s e de Katia M a t t o s o em Bahia: a cidade de S a lva dor e

seu m e r c a d o no sé culo X I X . São Paulo, HUCITE C, 1978, pp. 161-169 et

pass i m .

2. Re i s , R e b e l ião escrava. p p . 18-19. Ver ainda sobre as

e s t i m a t i v a s p o p u l a c i o n a i s a n t e r i o r e s a 1872. Matto so. B a h i a .sécu lo

XIX, pp. 82-87.

3. M a t toso em Bah ia séc ulo XIX. pp. 122- 124.

4. Kat ia Matto so. "Os pr eç os na B a hi a de 1750 a 1930", in LJ_

H istoire Q u a n t i t a t ive du Brésil de 18 0 0 à 1 9 3 0 . Paris, CNRS. 1971,

p p . 181-182.

5. R omulo Almeid a, Tr aeos da h i s t ó r ia e c o n ô m i c a da Bah ia no ultimo

sé cu lo e m e i o . Salvador, In st ituto de E c o n o m i a e Fi nanç as da Bahia,

1951. p .7.

6. Ibdem, op. cit. pp. 7-8.

7. Ver pr eco s de es c r a v o s na Ba hia em M a t t o s o Ser escravo no

Bras i 1 . São Paulo, Brasili e n s e , 1988, p p . 77-96: Reis, Rebe I iâo

escrava. p . 28.

8. Reis, Rebelião escrava, p. 29. Ver t a mbem Matt os o, Bahia

Sa l vador e seu m e r c a d o , pp. 239, 245-253, e 260.

9. Oli veira, O 1i b e r t o . op. cit. pp. 26-27.

21
CAPÍTULO I

NEGRAS NO TRABAL H O D OM É STICO

O t r a balho da ne gra foi utilizado em div e r s o s set ore s da

e c o n o m i a esc ravista, mas p r i n c i p a l m e n t e em a t i v i d a d e s domést ica s.

A maioria das domésticas eram es cr av as, emb ora houvessem neg ras

livres e libertas que se "alugavam ", c o n forme term i n o l o g i a da

época, para tr aba lha r em algumas de ss as at ivi dad es .

Andrade , com base nos inv entários pos-mortem de 1811-1 88 8

identif icou 16 o c u p a ç õ e s en tr e as m u l h e r e s (para 82 entre os homens

escravos ). De ac or do com a Tabela 1, a maioria das mul h e r e s

e s c rav as s e rvia diretamente na casa do senhor. As atividades

d o m é s t i c a s r e p r e s e n t a v a m 58% das o c u p a ç õ e s declaradas . H a via tambem

um gr ande nú m e r o de ven d e d o r a s de rua e n egras que realizavam

s e r viç os para te rc eir os fora da r e s i dência sen hor ial . Inclui-se,

ne ss a ca teg ori a, as d e n o m i n a d a s neg ra s do ga nho de rua, a e xem p l o

das ven d e d o r a s amb ulantes, lavadeiras, e n g o m a d e ir a s . Podem ser

d e f i n i d a s co mo a r t esáes as bo rdad eiras, ren dei ra s, c o s t u r e i r a s e as

que faz iam ouro na prensa, representando 20% dos o fíc i o s

declara dos. Irrelevante era o n úmero das que se dedicavam ao

tr ab alho rural, como as que trabalhavam na lavoura em pe que nas

roças (4%). Nos fal tam dados q u a n t o a o r i g e m des sas m u lhe res, mas

pode- se imaginar um perfil sem e l h a n t e ao de um ce ns o pa rc ial de

1849.

22
TABELA I

Ocupações esc rav as : Salva do r, 1811 - 1888

OCUPAÇÃO NÚMERO %

Do més t ica 969 27 , 2

Cos tureira 376 10,6

G a n h a d e i ra 367 10,3

La vade i ra 238 6,7

Coz inhe i ra 150 4 ,2

Serv i ç o de roça 113 3,2

Rende i ra 61 1 ,7

F.ngomade i ra 58 1 ,6

Vendedora 35 1,0

Bordade i ra 20 0.6

S erviço de tirar pe dra 15 0,4

Doce i ra 06 0.2

De fazer conta de our o


na pre ns a 04 0, 1

Ch a ru te i ra 02 0,5

Sem e s p e c i f i c a ç ã o 1 146 32,6

TO TA L 3560 100%

Fonte: An dr a de, A Mâo de Ob r a E s c r a v a em Salvador, 1808 - 1888.

23
C o m efeito, um ce ns o dos e s c ravos da f r eguesia de Santana, em

1849, indica que, independent e de s e rem c r i o ulas ou afri cana s, as

e s c ravas e s t a v a m c o n c e n t r a d a s em ma is de 65% no ser viç o d omés tic o.

Obser v a - s e , também, que as crioulas praticamente não faziam o

serviço de g a nh o (2,4%), e n q u a n t o que as african as , in depend ente de

origem étnica, encontram-se aí em gr ande nümero. O fato de as

cr i oulas se dedicarem mais ao serv i ç o doméstico indica uma

p r e f e r ê n c i a por elas ne ss as ocupa çõ es. Mas isso pode ter sido, não

po rque se tratass e de superioridade é t n i c o - c u 11ura 1 , mas pelo

pro c e s s o normal de s o c i a l i z a ç ã o das aqui nasci das , que lhes treinou

me lhor para se rvir mais de per to aos s e n hores (ver T a b e l a II).

Esta p r e f e r ê n c i a pode ter o c o r r i d o não po rq ue se tra tas se de

su p e r i o r i d a d e é tnico cu ltu ral , mas pelo p r o ces so normal de

s o c i a l i z a ç ã o das aqui nascida s.

24
TABELA II

O C U P A Ç Õ E S DAS E S C R A V A S NA F R E G U E S I A DE SAN TANA - 1849

OCUPAÇÕES BAI A N A AFR I C A N A S * NAGÔ GÊC1E AN G O L A O U T RAS ** TOTAL

Se rv iço
de casa 297 86 264 44 17 34 742

G a nho 13 18 94 11 04 05 145

Vendedo -
ra 01 03 03 02 01 01 11

Cos t ura 25 ‫־‬ 03 ‫־‬ - ‫־‬ 28

La va de i ra 01 06 09 01 - 01 18

Coz inha ‫־‬ 01 02 01 - 01 05

Sapat e i ra 05 ‫־‬ ‫־‬ - - - 05

Pade i ra ‫־‬ ‫־‬ 01 - - - 01

Lavou ra ‫־‬ 06 01 01 - - 08

A 1ugada 118 01 47 05 03 02 176

TO TAL 460 121 424 65 25 44 1 139

* Registrada ape na s como "Africa na s", se m e s p e c i f i c a r origem

étnic a regional na Africa.

** En tre estas es tão Bornu, Tapa, Mina.

F O N T E : " R e l ação dos Africonas reside n t e s na Fregu e s i a de

Sa nt an a". 1849, ABBA, Série Escravos , ma ço 2898.


Ap es ar de ser um serv i ç o generalizado entre as negras, a

d e s c r i ç ã o do c o t i d i a n o d e sse tr abalho e s b a r r a - s e na d i f i c u l d a d e de

fontes manuscritas que possibilitem uma análise detalhada do seu

dia-a-d ia. Este é o nos so desafio: te ntar revelar a s p ectos

im po rtantes de d e t e r m i n a d a s ocupações, baseada, p r i nc ipalmente, em

fontes impressas, como os relato s de viaj a n t e s e periód i c o s da

época. Essas fontes revelam, ant es de tudo, as con c e p ç õ e s e

ex i g ê n c i a s escravistas quanto a utilização da mul h er negra em

at i v i d a d e s que s i g n ificassem, in evi tavelmente, a inti mi dad e com a

f ami I ia se nho r ia 1.

As domésticas "destinavam-se a exe c u t a r tarefas

economicamente não produt i v a s e que comportavam uma certa

especialização, respons áv el pe la fix açã o de limites de sta tus en tr e

escravo s de uma me sm a c a s a . "(1) O tr abalho doméstico incluia,

dessa forma, o r e alizado por coz inheiras, co st ureiras,

a r r u m a d e ir a s , lavadeiras, a m a s - d e - 1e ite e muca ma s. Não havia,

necessariamente, negr as especializadas em cada uma de ss as

oc up aç ões . Uma doméstica pod ia se o cupa r de duas, três ou mais

tarefas, a depender das necessidades do sen ho r e sua família. Os

jo rn ai s b aianos do sé c u l o XIX anunciavam p essoas que queriam

vender, comp r a r ou alu gar ne gra s que s o u b e s s e m "o se rviço o r d i n á r i o

de uma casa", p o r t a n t o que fiz e s s e m o trabalho de limpar, lavar,

arrumar, e n g o m a r e cozi nh ar. No caso das coz inheiras, era c o m u m que

se ex i g i s s e ap enas que s o u b e s s e m c o z inhar "o d iário de uma casa",

mas co mo v e r emos ha via t ambem as e s p e c i a l i s t a s ness a área(2).

26
O ser v i ç o de uma casa re qu eria n u m e r o s a s domést icas, mas

apenas a el ite bra nca c o n s e g u i a man t e r esse padrão. A maioria das

família s so b r e v i v i a com uma ou duas escrav as, ou o ptava pelo

si st ema de aluguel dos s e rviços dom ésticos. Em todos os casos eram

e x i gidas d essas mul h e r e s certas qualidades pes soais e

profiss ionais. Isto pode ser vi s to nos seguintes a núnc ios

pub l i c a d o s pelo Corr e io M e r c a n t i 1 . em 1838. No primeiro exem p l o uma

e scr a v a "tipo exp ort ação" :

"Almeida e Costa, c o m p r ã o para fora da Província, uma


es c r a v a que seja p e r f e i t a c o s t ureira, e n g o m a d e i r a e que
e n t e n d a igu a l m e n t e de cozinha, s e n d o m o c a , de boa
f ig u r a , e a f i a n çada c o n d u t a para o que não terão
duvi d a p a g a l - a m a i s v a n t a j o s a m e n t e " .

"Vende-se uma e s c r a v a crio u l a de idade de 23 a 24


a n n o s ,mu i to s a d ia, e s e m vícios com h a b i 1 idades de
e n g o m m a r , c o s i n h a e coze c o s t u r a chã, q u e m q uizer
p r o c u r e na cid a d e de S a n t o Amaro, e José Gu imarâes na
rua dir e t a da m e s m a ”. (3)

No p r i m e i r o caso ex i g e - s e uma e s c rava qu as e perfeit a: a l é m de

e s p e c i a l i z a d a nas pri n c i p a i s taref as do lar, q u e r e m - n a moça, bo ni ta

e bem com portada. A e scrava o f e r e c i d a no seg u n d o anúncio, ape sar de

hábil e "s em vícios", talvez não s e r visse para aqu el e e x i gente

comprador. Ap es ar dos se rvi ços d o m é s t i c o s em geral ser e m

i mport an te s para o bem-estar da família, eles freq u e n t e m e n t e

a d q u i r i a m mai or v a l o r i z a ç ã o q u a n d o se e x i gia a lguma e s p e c i alização .

De toda maneira os s e r viços domésticos engendravam re laçõe s mais

íntimas e, por isso, se aproveitavam as cri as da casa para es te s

lugares, pelos laços de submissão e dependência já fo rma dos co m a

convivência des de a infância. Os anos de s erviço doméstico e

27
pessoal, preenchendo o requisito de bom comp o r t a m e n t o , p odia m

in cl us ive ser ura dia r e c o m p e n s a d o s com a a l f orria gr at uit a. Mui tas

vezes, d e v e - s e admitir, esse c o m p o r t a m e n t o não pa ss ava de tá tic a de

sobrevivência para ludibriar o senho r com uma lealdade fingida.

Amas-de-leite

Uma ocupação que exi gia m u i ta int imi da de com a família

senhori al era ser ama-de-1e i t e . Geralmente eram amas de aluguel,

mas nas ca sas ricas p od iam ser o r i g i n á r i a s da próp r i a e s c r a v a r i a da

família, caso c o i n c i d i s s e m pa rto s de s e n hora e escrava. Porém, nem

todas as e s c ravas eram c o n s i d e r a d a s aptas pa ra esta tarefa. H a v i am

c rité r i o s de escolha. Empregavam-se esc r a v a s de a cordo co m a

origem, a cor, a idade e est a d o de saúde (4) . Estes a s p ectos so ma dos

deveriam defi n i r uma escr a v a de "bo nit a figura” , expressão

amp l a m e n t e mencionada em an ú n c i o s da época. Ha via preferência por

m ulatas e crioul as , em detrimento das af ricanas, porque a quelas

e s t a r i a m mai s integr ad as à cult u r a fa mil iar se nh ori al , quando não

mais pr óxim as do ideal racial domi n a n t e (no caso das mulatas ). A

pr e ferencia, aliás, não se res t r i n g i a às amas, mas ta mbé m às

mucamas. A s e n hora An na R i b e i r o de Goes B i t t e n c o u r t conta, em suas

m e m ó r i a s do tempo da escravidão, que "um dos luxos das mo ças ricas

d aquele tempo era ter uma cr iada de qu a r t o de cor branca". A

me n i n a es cr a v a mu c a m a de d. Anna era "uma mu 1a t i n h a ...mai s b ranca

do que eu e até l o u r a " . (5) A loirice talvez seja um exag ero, mas

um a n ú n c i o do C o rre io M e r c a n t i 1 de 11 de d e z e m b r o de 1839 s u stenta

28
a preferência pelas pardas:

P r e c i s a - s e de urna ama com todo a brev i d a d e para


a c a b a r de cri a r um m e n i n o de 6 meses: p a g a n d o - s e
IOS réis por m é s (...) p r e f e r e - s e p a r d a . (6)

N o t a - s e que ap esa r da u r g ê n c i a do s e r v i ç o desej ad o, o au tor

do a n ú n c i o nào se esq u e c e u de indicar sua pr e f e r ê n c i a racial. Mas

havia pes soas que não i n dicava m p r e f e r ê n c i a racial; seu interesse

era obt er a e s c r a v a que servi ss e a seus obj etivos. A especificação

qu a n t o a c o r / o r i g e m da ama em geral não era feita na m a i o r i a dos

an ú ncios de jornal (ver T ab ela III). Dos 25 casos de pe ss oas que se

p r o p u s e r a m a co mpr ar ou alu gar amas ou m u c amas em 1840-41, 14 não

indicam origem, seis pediram especificamente africa na s, ci nco

querem-nas c r i oulas e nenhum c o m p r a d o r / a 1ug ado r pede par da ou

cabra. T a lvez o est i g m a da cor já fosse algo implíci to como

requ i s i t o b ási co ao desempenho de ss a função. Ou seja, a não

especificação de o r i g e m significaria um con s e n s o pela preferência

pelas mais claras. Já a explicitação do desejo por africanas e

crioula r representaria atu ar fora do co ns ens o, daí a mesma

exp 1ic it a ç ã o .

29
TABELA III

ANÚ N C I O S DE C O M P R A / A L U G U E L DE E SC R A V A S EM SALVADOR, 1840 - 184 1

OCUPAÇÃO AFRICANAS CRIOULAS PARDAS C A B R A S/O NA GÔ TOTA L


GE RAL

DOMÉST. 23 07 03 01 17 01 55

AMAS/
MUC A M A S 06 05 - - 14 - 25

GANHO 01 - ‫־‬ ‫־‬ 02 ‫־‬ 03

ROÇA ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ 01 01

S/ESPE-
Cl FI CAR 02 02 - - 08 - 13

TOT AL 32 14 03 01 41 03 97

FONTE: Jornal C o r r e i o M e r c a n t i l , da C o l e c a o da Bib l i o t e c a

Nac iona 1.

O serv i ç o das amas era c o n s t a n t e m e n t e o f e r e c i d o e, se p o s s u í a m

boas referências e habilidades para o utro s misteres , aumentava o

seu valor. Em al gu ns casos sua capacidade de amamentar era

enal tecida, en tre o utras qual idades. Uma e diçào do Jornal da

Bahia, de 1857, p u b licou a seguinte notícia:

V e n de-se huma c r i oula com 16 p a r a 17 annos de idade,


m u i t o sadia e robusta, boa re n d e i r a de todas as
q u a l i d a d e s de r e n d a s finas, com um filho c r i o u l o de
dous n1e7.es de nascido, são e a mãe com muito, e bom
leite. Q u e m a q u i z e r comprar, d i r i j a - s e a loja da
Gazeta. V e n d e - s e só p o r q u e parió, o que he contra os
c o s t u m e s da caza, da qual he escrava. (8)

Este a n ú n c i o mo s t r a a recusa, pelos senhor es , da c a p a c i d a d e de

rep r o d u ç ã o de suas es cra va s. As crias eram consideradas um peso

30
para m u itos senhore s, pe lo me n o s até crescerem e poderem ser

lançadas no m e r c a d o de trabalho. Um filho c e r t amente diminuiria a

produtividade da e s c r a v a màe. al é m das d e s pe sas com a l i m e n t a ç ã o e

outras. Emb o r a este seja talvez o principal fator, a escravidão

u rbana pode ter inibido os se nhores de i n v e st irem na r e p r odução de

suas escra vas . Por uma questão de economia de esp a ç o nas

residên cias senh or iai s. Vale t r a ns crever mais este anúncio, que

c o nfirma ter sido c o mum en tre os se nh ores a dispensa de e s c ravas

que t inh a m f i 1h o s :

Vende-se uma e s c r a v a crioula, de idade de 20 anos


m a i s ou menos, p e r f e i t a costureira, bordadeira,
e n g o madeira, e faz todo o s e r v i ç o de uma casa:
a f i a n ç a - s e a sua conduta, p o r q u e he despida de
vícios; a causa da venda he p o r se achar
g r á v i d a . ..(9 )

A cr io u l a deste anúncio, tão pr endada, logo seri a tamb ém

forte candidata a a ma-d e - l e i t e . Ser ama-de-leite significava

forçosa m e n t e ab rir mão da materni d a d e . M uitos senhores preferiam

que ess as m u l h e r e s não d i v i d i s s e m seu leite entre seus filhos e os

delas. A lguns a n ú ncios são m u i t o claros, como este: "P r e c i s a - s e de

uma ama de leite e p r e f e r e - s e a que não tr ou xer f i l h o " . (10) T a lvez

o gr an de nú m e r o de c r i anças ne gr as a b a n d o n a d a s na Sal v a d o r da ép oca

d e c o r r e s s e da venda, em se par ado , de suas m ã e s . (11)

A l é m de c o n s u m i d o r e s p a r t i culares , in sti tuições pias serviam-


*I
se do leite m a t e r n o das es crav as. F.m 1837 , a Santa Casa - a me sma

i nsti t u i ç ã o que recolhia bebês re je itados - anunc i a v a que p agaria

as amas de seus e x p o stos 1.920 réis por semana, 1 q u a r t o de farinh a

a cada dez dia s e 160 réis a diária, al é m do a l m o ç o . (12)

31
Situ a ç õ e s semelhantes fo ra m descritas por Giacomini ao

estudar os anú n c i o s de jorna is pau l i s t a s sobre a m a s - d e - 1e i t e . Os

a n ú nci os e v i d e n c i a v a m a v i o l ê n c i a à ma t e r n i d a d e escrava, já que nâo

se r e f eri am ao destino da "cria", ou explicitamente excluiam a

c r i anç a do neg óci o, inc lus iv e no perí o d o imed iat amente poste r i o r ao

parto. A permanência do filho com a ama podia influir

negativamente no seu valor. Na t e ntativa de su per ar essa

"incon v e n i ê n c i a " , se e n a l t e c i a a saúde das crias e as ap t i d õ e s das

máes quando eram conjuntamente ne go c iadas. Como reflexo das

exigências s enhor ia is, m uitas cri a n ç a s negr as eram en tre g u e s à

p rópr ia sorte, indo sup e r l o t a r as i n st ituições de c a r idade

pau 1 is t as . ( 13 )

A part ir de m ea dos do sé cu lo XIX, a utilização do leite

m a t e r n o ne gro se tor nar ia ob j e t o de reprovação fer renha por parte

dos m é d i c o s bra si leiros . Em suas teses acadêmic as, quando admitiam

o uso do a l e i t a m e n t o por amas de cor, eles a d v e r t i a m para que fosse

to mado todo c u i dado na sua escolha. As negras, de mo d o geral,

passariam a ser consideradas elementos corruptores da /<n«l fia

senhori al , se ndo a c usad os de trazer para de n t r o de casa toda

espé cie de vícios, s u p e r s t i ç õ e s e principa l m e n t e doença s. As amas,

part i c u l a r m e n t e , s eriam vi stas como port ad ora s e tran sm i s s o r a s de

doe nças inf ecc ios as , a exemplo da sífilis, que p o diam a mea ç a r as

vidas das cr i a n ç a s bran cas e de toda a família. A par tir de ss a

visão, e fo rt emente i n f l u enciad os pelas d o u trinas higienistas

euro péias, os médicos difundiriam que a cau sa princi pa l da

mortalidade infantil br a n c a se encontrava no cos tume de serem as

32
criança s entr e g u e s a araas-de-Ieite escravas. As amas de aluguel,

particularmente as ne gras livres e libertas, s eriam rotul a d a s de

m u l h e r e s mercená r i a s , infectas e i m o r a i s . (14)

Desenvolveu-se uma cam p a n h a em de f e s a da amamentação dos

filhos pela p rópria mãe branca. A exemplo dos médicos de o utras

re giões do Brasil, o médico ba i a n o J o a q u i m Lop es Vianna, em 1855,

a l e r t a v a as m u l h e r e s sobre a n e c e s s i d a d e de a s s u m i r e m int egr almente

sua mat erni d a d e , e v i t a n d o confia r a amas o a l e i t a m e n t o e a cr iação

dos filhos, para que no fu turo não fos sem desprezadas por

e s t e s . (15) E recomendava cheio de morai:

Crea vosso filho, mulher, e se não o f i z e r d e s . que amor,


que respeito, e que r e c o n h e c i m e n t o p o d e i s vós e s p e r a r
da q u e l e a q u e m n e g a s t e s vossos seios, e e n t r e g a s t e s à uma
e x t ranha?! Q u a n d o elle c h e g a r à idade da razão terá
d i r e i t o a vos dizer: - Mãe ingrata, vós me d e s p r e z a s t e s ,
q u a n d o eu débil e fraco m a i s r e c l a m a v a vossa piedade; vós
vos r e c u s a s t e s a d a r - m e o leite que me pert encia, como
úni c o a l i m e n t o que me c o n v i n h a para m a n t e r a vida que
recebi em vossas e n t r a n h a s ; vós vos f i z estes s u b s t i t u i r
por uma m u l h e r me r c e n á r i a , a q u e m c o m p ras tes a m i nha
n u t r i ç ã o e vendes tes o meu amor; vos me tendes e x p o s t o ao
rig o r de seus c a p r i c h o s , de sua cub i ç a e do seu egoísmo;
vós me fizes t e s s u g a r com seu leite o g é r m e m das m o l é s t i a s
que i n f e c t a v a m esta mulher, e talvez com os m e s m o s vícios
e as n e g r a s p a i x õ e s que m a n c havam, e d e n e g r i a m sua alma;
vds tendes, em fim, r e n u n c i a d o c o m p l e t a m e n t e a todos os
p r e d i c a d o s de mãe, e an t e s q u i z e s t e s que uma ext ranha
m e r e c e s s e tão doce t i t u l o ! [ . . . ] e r e c o n h e ç a m a i s por mãe
a q u e l l a que me n u t r i ó c o m seu leite, do que a vós que me
n e g a s t e s todos os s o c o r r o s e n g e i t a n d o - m e , e e s c r a v i z a n d o -
me à uma e s c r a v a ta 1 v e z ! . . . ( 16)

O leite negro não tra n s m i t i a a penas doenças físicas, mas

ta mb ém morais , vício s e paixões que v i r i a m po luir a personalidade

do pequeno senhor. Os d o u t o r e s p a s s a r a m a q u e s t i o n a r a a f e i ç ã o e os

cuidado s dispensados pela ama negra ao menino branco.

Transformaram-na de vítima em algoz, difundindo a idéia de que

33
e x e c u t a v a m aq u e l a função s i m p l e s m e n t e por obriga ção , no ca so de ser

escrava, ou pior, por e s t a r e m in tere ssadas em a s sim gan har a vida,

e n quanto neg ra livre ou liberta:

" . . . m u l h e r a v e n t u r e i r a e e s p e c u l a d o r a ; p ois em ve7. de nella


encont rar a c r i a n c i n h a essa p r o d i g a 1 idade de cuidados,
ternura, e atenções, que são s u t i l m e n t e innatos de uma
v e r d a d e i r a mãe, iria ac h a r s o m e n t e uma espécie de zelo e
a f f e i ç ã o iIlusórios, e p r e c á r i o s p r o d u z i d o s pelo vil e
s ó r d i d o interesse". (17)

O descompromisso das amas ser ia tanto que eram a c u s adas de,

sempre que pudes sem , e x i m i r e m - s e do trabalho. Para isso u t i l i z a r i a m

div e r s o s ar tif ici os, inclusive obrigando as criança s a ing erirem

bebi das alcoólicas e o utras d r ogas que provocavam sono profundo:

"para o b r i g a r e m as c rianças a ado rme cer , dão lhes vin ho com assuc ar

e água,... o utras dão uma po rção com laudano. que a d o rmece

profundamente por longo tempo". To das as amas, principalmente as

escrav as , er a m ob j e t o de de s c o n f i a n ç a . Ess as mul h e r e s "me r c e n á r i a s

por mais que queiram inculcar de boas, amororosas e diligentes ,

nunca o são", esc r e v e u o m é d i c o . (18)

Na tent a t i v a de ev itar ess es inc on ven ien te s, quando

indisp en sáv el o aleitamento por a m a s - d e - I e i t e , reco m e n d a v a o dr.

Lopes Vianna que se observassem os segu i n t e s asp ec tos : o tipo

físico da aina (idade, p e r f e i ç ã o dos dent es ), forma das mamas (mamas

vo l u m o s a s podiam ser bo m sinal de m u i to leite) e a qualidade do

leite. A ama per f e i t a d e v e r i a ser, segun do o m é d i c o baiano,

"dotada de um t e m p e r a m e n t o bom, que seja b e m feita,


e 1e g a n t e , r o b u s t a e vigo r o s a ; n e m m u i t o m a g r a n em
m u i t o gorda, que tenha as c a r n e s firmes: um p e ito
b e m confo r m a d o , o h á l i t o a g r a d á v e 1, p r i n c i p a l m e n t e
em jejum... a vista boa e ouvido, a tez do rosto

34
corada, a pel le de todo c o r p o uma bella e n c a r n a ç ã o e
em p a r t e n e n h u m a rude, n e m coberta de m a n c h a s ,
b o t õ e s ou c i c a t r i z e s suspeita, que não tenha /
g l â n d u l a s e n f artadas, n e m sob a clavícula, n e m sob a
m a x i l a in f e r i o r n e m no pescoço, nem nas mammas, n e m
sob as a x i 11 a s . . . (19)

Mas isso não era tudo. A idade ideal era entre vinte e tr in ta

anos. Qu a n t o ao m o m e n t o próp r i o para iniciar o aleitame nt o, deve r i a

ser entre seis se man as e três meses após o parto. Isto porq ue era

e x t r e m a m e n t e dif ícil e n cont rar amas com me nos te m p o , principal m e nte

se a p r e f e r ê n c i a fosse por m u l h e r e s livres, que antes amamentavam

seus filhos. Os den tes d e v e r i a m es tar todos perfe ito s, sem cárie,

alvos, fortes e m o ntados em g e n giv as de cor rósea. F a l tando a l g u m

desses det al hes , podia ter po uc a saúde e "a própria expressão de

cari nho poderi a ser no civa ao me n i n o pela má quali d a d e do ar e do

hálito, que elle pode a s p i r a r ".(20) E ai nd a as mam as d e v e r i a m ser

de "bel la s formas, semea da aqui e acol á de veias azuladas; an te s um

pouco p ende n t e s do que m u i t o em p é , iguaes em volume". Q u a n t o aos

mamilõe s, con v i n h a que o bico do peito simu l a s s e a forma de uma

peq ue na pera e fosse um tanto alo nga do, para que o men i n o pu des se

sugar mais f a c i 1m e n t e .(2 1 )

Fina lmen te, a qualidade do leite, deveria ter:

"um s a b o r doce, e qu a s e i d ê ntico ao de uma emul s ã o de


a m e n d ó a s doces, l i g e i r a m e n t e a d o ç a d a s com assúcar, sua cor
deve ser de um b r a n c o b e m branco, a a l g u m a s vezes um p o u c o
anila d o ; q u a n d o se lançam a l g u m a s got tas del le sobre a unha
do p o l l e g a r , ou sob r e out r a q u a l q u e r s u perficie, e se
inclina depois, d e i x a n d o - s e e s c o r r e r , elle deve d e i x a r um
traço n e m muito, n e m p o u c o apparente. Sua a b u n d â n c i a se
r e c o n h e c e pela forma das tetas t u r g e s c e n t e s , e esten d i d a s ;
qu a n d o o m e s m o não m a m a a a l g u m a s horas, ellas são
s e r p e a d a s de veias a s u 1a d a s , e d e i x a m p e r c e b e r algumas
e l e v a ç õ e s formadas p e l o l e i t e " . (22)

35
Apesar de s s a s r ecomendações, o autor se d a ria co nta da

dificuldade de se encontrar todas essa s qualidades nas amas

baianas. P r i n c i p a l m e n t e po rq ue a ma i o r i a era afric an a, ou d e s c e n d i a

de afr i canas, as qu ai s ele considerava "estú pi das , immoraes, sem

educaçã o, sem beleza, sem re ligião, ba lda s de sentimento

affec tuo so, mal feitas, irrasc iv éis , mal as sei ad as, od ien tas ,

d e s leixada s, de pele rude, tr aze ndo m uitas vez es consi go d essas

moléstias que se p o dem t r a n smitir por me io do al eit amento". É

cl aro que a implicâ nc ia em re laç ão às m ã e s - d e - 1eite existia, para

além dos compromissos hig ien istas, por s e rem de origem afric ana ,

negras, enf i m escra va s. Lopes Vianna, aliás, pode ter c a r r e g a d o nas

tintas por alg uma idiosi n c r a s i a pessoal. Mas é ce rt o que, de um

modo geral, os m édi c o s veneravam a cult u r a eu r o p é i a e o valor da

"raça" branca. Mas amas branc as eram raras na Bahia. Assim,

c o n fo rma v a m - s e os médi c o s em desaconselhar pe lo m e no s o leite

escravo. Lopes Vi a n n a co n c l u i a sua prela çã o: "Entre nós creio

d e v er- se sem pr e preferir a ama livre". Que fosse negra, mas que

pelo men os fosse l i v r e . (23)

Os m é d i c o s - e imagin am os que Lo pe s Via na fosse r e p r e s e n t a t i v o

- procuravam d e s truir a concepção de que as a m a s - d e - 1eite seriam

indispe n s á v e i s à vida dos filhos dos sen ho res , generalizando a

idéia de que er am pessoas nocivas , que deviam ser expulsas da

intimid ade da família. Em nenhum momento questionaram as

consequ ê n c i a s , para a negra ou para seu filho, da e x p r o p r i a ç ã o do

leite negro. A maternidade negra, quando ob j e t o de reflex ão , era

reduzid a a co n c l u s õ e s invariavelmente preconceituosas. O descuido

36
da ama para com a cr ia n ç a b ranca de via ter existi do, até m e s m o como

reação à im p o s s i b i l i d a d e de ser mãe pl ena do seu própri o filho. Mas

não podemo s negar que pudess e e x i s t i r a f e t i v i d a d e entre a ama ne gra

e a cria b r a n c a . (24)

A p o l émi ca em torno das amas, repito, foi comum em outras

re gi õe s ond e sistematicamente se u t i l i z a v a m negras para este fim.

Os médi c o s pauli s t a s desenvolveram uma amp la campanha

responsabilizando-as pela infecção, mo rte e víc ios da crian ça

branca. Para sol u c i o n a r parte de sse problema, apontaram a

ne c e s s i d a d e de se criar uma i n s titui ção que controlasse e

regulamentasse a a tiv i d a d e delas, seg undo pad rõe s hig iên ic os.

Contud o, ape sa r de s e rem e x p l i c i t a d o s os m o t i v o s para a v i g i l â n c i a

e q u a l i d a d e do leite, a instituição fracass ou po rque n e n h u m senho r

encaminhou suas amas pa ra serem e x a m i n a d a s .(25) Os extremismos

higie n i s t a s dos médi c o s p a r e c e m não ter tido a r e s s o n â n c i a d e s e j a d a

na classe senho ri al. E pode ter sido assim po rq ue a maioria dos

senhore s era m e s m o rude, talvez em m ui tos asp e c t o s mais p r ó ximo s da

c ultura intuitiv a de seus e s c rav os do que do racionalismo feroz e

ex c l u d e n t e dos doutores. Isso. evi d e n t e m e n t e , não torn ava a

es c r a v i d ã o mais amena. Pe lo co ntr ári o, se o r a c i o c í n i o "científico"

dos m é d i c o s fosse amplamente aceito, as esc r a v a s ter iam tido mais

leite para seus p r ó prios filhos. A h i s tó ria é feita d es sas m a l v a d a s

i ron ias .

37
C o z inhei ras

A p esar do trabalho das co z i n h e i r a s ser ap en as uma r a m i f i c a ç ã o

das atribuições de uma doméstica capaz de fazer o "servi ço

o r d i n á r i o de uma c a s a ” , a d e s t r e z a ne sta o c u p a ç ã o foi se mp re m u i t o

va lo ri zad a. D e p e n d e n d o das cond i ç õ e s fi na nce ir as, c o n t r a t a v a - s e uma

pesso a e s p e c i a l i z a d a para cui dar do p r e p a r o da comida.

As c o z i n h e i r a s o c u p a v a m - s e do p r e p a r o de prat os da c u l i n á r i a

européia , afr i c a n a e indígena, já parte do pa la dar baiano. Mas, em

geral, o que se esp e r a v a de uma c o z i n h e i r a é que so ubess e prep ar ar

com h a b i l i d a d e o "trivial de uma casa", com fogão e forno de lenha,

tendo os pra to s pronto s na hora exat a das refeições.

E o que seria o "trivial de uma casa" constantemente

res s a l t a d o nos a n ú ncios so bre cozinheiras? O consul inglês James

W e therell e s c r e v e u em m eados do s éculo XIX que os bai an os c o m i a m de

tudo. mas sem g rand es cu i dados no prep a r o dos a lime nto s, p r i m eiro

por ig norarem as d i f e r e n t e s qualidades d estes e, segundo, por não

v a r i a r e m a dieta. A carne de boi era prato ba s t a n t e comum, em geral

cons u m i d a assada. Ou t r a s carnes, como de carneiro e porco, er am

ra ramente uti lizadas. E, ao invés dos m o l h o s com uns na Europa, aqui

se u t i l i z a v a ape nas a p i m e n t a ou o l i m ã o . (26) T e n d o como referê n c i a

a cozin ha inglesa, de resto muito pobre, W etherell não se

interessou pela c omida dos baianos, criticando a forma de prep a r o

e consumo, incapaz de p e r ceber a mistura cultural e a dimensão

social que constituíam a arte de co zinhar e co nsumir alim en tos .

A p esar de cr i t i c a r s e mpre a a l i m e n t a ç ã o baiana, o v i a jant e a p r eciou

38
alg uns de nos so s pratos, descrevendo a forma de preparo e o

pres t í g i o deles. Segu n d o ele, fazia parte da di et a dos bai an os

peixe, ma ris co, fei jão e principalmente a farinha de man dioc a. Os

peixe s er a m pr at os caros, o que o su r p r e e n d e u numa cidade mar ítima,

e no seu preparo as cozinheiras empregavam as mais va riadas

receitas, com o peixe a ssado e de moque ca . C o m o m a r i s c o prepa r a v a m -

se mariscada e frigi dei ra. Comiam-se ca ruru e ou tr os pr atos da

culinária afr ica na . Além dos pr atos bás icos da refeição, as

cozinheiras ta mbém se dedicavam ao prep a r o de doces, segund o

rece it as c a seira s supervisionadas pelas s e n h o r a s .(27)

Saber cozinhar era uma arte m u i t o val o r i z a d a na Bahia. Que

falem os a nú n c i o s de jornais:

"Prec i s a - s e de uma c o z i n h e i r a que seja pe r f e i t a na


sua arte: à rua d i r e i t a do C o m m é r c i o n ú m e r o 1 2 ”

" Prec i s a - s e de uma cozinheira boa, a rua do Tijolo


n ú m e r o 1" (28)

A Bahia, por sinal, já fazia es c o l a na culin á r i a daquela

época. Em 1844, o negociante Bernardo Roiz de Almeida pediu

p e r m i s s ã o à polícia, co mo de praxe, para o re torno de sua es cr a v a

Escolástica à cid ade de P en e d o (Rio G r a n d e do Sul), de onde vi er a

para Sa lva dor "a pr end er a c o z i n h a r ” .(29)

Preferencialmente, ofereciam-se à venda e procuravam-se para

compra e aluguel cozinheiras escra va s. M elhor se, al é m de boas

c o z inheira s, s o u b e s s e m fazer bem ou tra s tar efas d o m ésti cas; pa rece

que era o ma is comum:

" Vende-se uma e s c r a v a p e r f e i t a l a v a deira e cosinheira,


5 crias m u i t o lindas, p r ó p r i a para casa de f a m ília"

39
"Vende-se du as e s c r a v a s criou 1as m o ç a s sendo uma
p e r f e i t a lavadeira, g o m a deira, cozinheira, outra
p e r f e i ta c u s t u r e i r a e cozinheira, q u e m p r e t e n d e r
d i r i j a - s e á rua dos p r i n c i p e s , casa n ú m e r o 6 no
e s c r i t ó r i o E. C h a m p i o n e Cia que ach a ra quem
tratar". (30)

As a t i v i d a d e s da cozinha e x i g i a m uma p e r m a n ê n c i a c onstan te

de n t r o dos limites da casa. Do pon to de vi sta se nhorial, a casa

representava um a mb i e n t e seguro, contrastando com o e spaço da

rua, considerado p e r i g o s o .(31 I Na tentativa de reduzir as

inf luê nci as nega t i v a s tr az ida s pelas ne gr as doméstic as , algun s

se nhores p r e f e r i a m que os se rviços de casa fos s em r ealizado s por

e s cravas da casa, mas tam bém a c o n t e c i a c o n t r a t a r e m e sc r a v a s de

aluguel, ou mul h e r e s livres e libertas, des de que aceitassem

viver mais ou me no s re cl usa s com a família. Os an únci os evidenciam

a procura de d o m é s t i c a s do s erviço interno, que

dormissem na casa do patrão, evitando sair às ruas. Te mos aqui

alguns exe m p l o s que m o s t r a m essa situação:

Ama - No beco da G a r a p a No. 21, p r e c i s a - s e de uma para


e n g o m m a r e c u i d a r de criança, d e s e j a n d o - s e que durma
em casa.

C o z i n h e i r a e E n g o m a d e i r a - P r e c i s a - s e de uma que durma


em casa, q u e r - s e que seja escrava. Nes t a typografia
se d i r á com q u e m se trata.

A m a - s e c c a - N e s t a t y p o g h a f i a se dirá qu e m p r e c i s a de
uma para se e n c a r r e g a r de uma c r i a nça de pouca edade.
P r e f e r e - s e p e s s o a que não seja a c o s t u m a d a a rua (32).

Este ú l t i m o a n ú n c i o é c r i s t a l i n o na inten çã o de e vitar que o

mu ndo das ruas fosse t razido para o interior das casas.

40
Muitos anúncios so bre domésticas salientavam a exigência de

dormirem na casa. Mais do que a preocupação em protegê-las do

imaginá rio per igo das ruas, descrito por Sa nd ra Graham, talvez

tamb ém se b u s casse a com o d i d a d e da família, que utilizaria o

tra balho da d o m é s t i c a 24 horas por dia. T a lvez s u p e r - e x p 1o r a ç ã o da

ca p a c i d a d e de tra bal ho da domésti ca , mais que o medo da rua,

es t i v e s s e por trás da e x i g ê n c i a de m a n t ê - l a sempre em casa. Emb ora

en c o n t r á s s e m o s pe did os de m u l h e r e s jovens para comp ra ou aluguel,

algu ns a nú n c i o s exigiam "mulher de idade". Este aspe c t o parece

também es tar relac i o n a d o à com o d i d a d e da família, c o n s i d e r a n d o que

m u l h e r e s mais idosas fos se m mais a c o m o d a d a s e por t a n t o d e s s e m men os

trabal ho de disci plina, e inspi r a s s e m confi anç a. Em 1877 foi

p u b l i c a d o pelo Jornal da Ba hia o s e guint e an únc io , que su ger e esses

aspecto s: "Cozin he ira : P r e c i s a - s e de uma que não saia à rua, e que

seja uma inulher de e d a d e . La rgo do Te a t r o 1 1 o. 92, lo. a n d a r . "(33)

A rotina doméstica era supervisionada de pe rt o e

c u i d a d o s a m e n t e pelas senhoras. Porém, o c u p a ç õ e s como fazer compras,

car regar água, etc. fug iam ao c o n trol e d i r e t o das proprietárias e

patroas, pois todas dependiam da con st a n t e deslocamento das

esc ravas à rua. Dura n t e o p e rcurso p o d i a m servir a out ras pessoas,

ganhar algum di nh eir o, criar redes de amizade, esc ap ar enfim da

rotina do tr a balho d omést ic o. Era cos tume das fa míl ias mai s

abastadas que a la va gem de ro upa e a tarefa de eng o m a r fo s sem

rea liz a d a s nas ca sas - até para não se ex po r em públ i c o peças

íntimas da fa mí li a senhorial -. mas era provavelmente mais comu m

que se utilizassem das fontes públicas. De ve - s e escla r e c e r , no

41
entanto, que a la vagem de ro upa na rua, fre q u e n t e m e n t e des c r i t a

pelos viajantes e s t r a ngeiros, era ta mb ém feita por lav ad eir as "ao

ganho", esc r a v a s e ne gras livres ou libertas que la vavam para

viver.

La vade i r a s

A lavagem de roupa requeria, nece s s a r i a m e n t e , o deslocamento

das neg ras até as fontes de água, p e r m i t i n d o às lavadeiras, fo sse m

e s c ravas ou nâo, servir a mais de uma pessoa. A l é m disso, o serv iço

tornava possível a socialização das lavad eir as entre si e com

o utros grupos. D i ari amente, ou em dias alternado s, as lavad ei ras

dirigiam-se a riac ho s e fontes para a lav age m de roupa. N estes

locais f icavam à vontade para desempenharem o serviço, tendo em

c o m p a n h i a ne gros e br an cos e m p o b r e c i d o s que t ambém lá f r e g u e n t a v a m .

Os e n c o n t r o s per i ó d i c o s en tre essas pessoas c r i a v a m e s o l i d i f i c a v a m

laços de amizade e s olidaried ade, ajudando na construção de um

universo social relativamente autônomo da ne gr a dentro da

es cr avid ão, o príncipe M a x i m i l i a n o o b s e r v o u gru pos de lavadeiras no

Dique, s i t uado no b a ir ro do Tororó, em 1860, impressionando-o a

d e s c o n t r a ç ã o c om que e x e c u t a v a m o serv i ç o em me io a mu ita con ve rsa ,

tendo co mo públ i c o s o l dados e neg ros vadios. As neg ra s estavam

vestid as co m pou ca roupa, m ui tas vezes red uzid as a uma tanga, traje

evidentemente a d e q u a d o à t a r e f a . (34)

0 inglês Wether e l l , em 1845, descreveu outro gr upo de

lavadei ras nos Barris, fa mos a fonte de então. Ali as roupas eram

42
ba l id as co m m u ita força sobre gran des pedras, certamente para

retirar a sujeira. Usavam sa bão vegetal e, após te rem sido

ensab oad as, as roupas er a m esticadas ao sol pura coarar, sendo

de po is enxaguadas para retirar o sabão. O inglês lembrou que este

p r o ces so fazia com que as faz en das d e s b o t a s s e m r a p i d a m e n t e (35). No

Rio de Ja ne i r o se o b s e r v a v a m os m esmos p r o c e d i m e n t o s na lav age m das

roupas. Pa ra aj uda r na retirada da sujeira, as la vadeiras car io cas

utilizavam v e getais saponá ce os, a exemplo da folha de aloé e a

folha da árv ore cham ada timbubu, substituindo o caro sabão

estrangeiro e o nacional, de cor escura, impr óp rio s para roupas

b ranc as e finas. As roupas, dep o i s de secas e en gom ad as, eram

e ntre g u e s dentro de cestos, per f u m a d a s com flore s( 36) . É bem

provável que o c ostume se r e pet isse na Bahia, pois é co mum

e n c o n trarmos, ai nda hoje. a l e c r i m à venda para ser us ad o em guarda -

roupas .

A pa rti r da p u b l i c a ç ã o da Postura 31, de 1829. ficou pr o i b i d a

a la va gem de roupas nas fontes, até que fo ss em c o n s t r u í d o s tanques

especificamente para isso, lic and o os t r a n s g r e s s o r e s pu ni dos com a

pena de 4 mil réis de m u l t a ou q u a t r o dias de prisão. Dest inavani-se

os rios, riacho s e açu des para as lavagens. As fontes passaram a

ter como fu nçã o específica o abastecimento d ’água para as

c a s a s . 137) No início do s éculo XIX, S a l vador já contav a com um

incipiente s e rviço de águ a enc ana da, mas a maioria dos hab i t a n t e s

dependia do t ransporte diário r e alizado por negras e negros

aguad eir os. Pa ra isso a ci da de contava co m inú mer as fontes

pública s, s e n do suas águas classificadas em águ as para o gasto e

43
po lá ve 1.(38)

Assim com o os lugares para lavagem de roupa, as fontes eram

tamb ém locais de c o n c e n t r a ç ã o de ne gr as e ou tr os trabalhadores da

cidade. Rs se s lugares tiveram um s i g n i f i c a d o ambíguo: do p o nto de

vista do b r an co for am c o n s i d e r a d o s lugar de bagunç a e brigas; para

seus frequentadores er am local de camaradagem e trabalho, ape sar

dos conf l i t o s que certamente ta mbém ali explodiam vez por outra.

Nas fontes, co m efeito, era c o m u m as bri gas ent re negras. Alí era

ta mbém lugar de c o n f l i t o ent re es sa s m u l h e r e s e a policia, que agia

com v i o l ê n c i a ne ssas horas. Segu n d o Vilhena, e s c r e v e n d o no final do

s éculo XV111, nes tes locais as negr as f a ziam d e s o r d e n s com ou tros

negros, disputando água. quebrando va silhas, agrcdindo-se

m u t uam ente, defendendo seus pert en ces . As fontes do Gr av atá, Nova

e das Ped ras eram onde aconteciam as maio r e s "desor de ns" . Seus

freguentadores despiam-se para o banho, in cl usi ve d u r ante o dia, o

que era c o n s i d e r a d o uma a f r o n t a à m o r a l i d a d e da e l i t e . (39) Em 1833,

um juiz de paz ex ig ia o ret orn o de s o l dados às fontes, afim de

evita r a nu dez neg ra e as co n s t a n t e s desordens na disputa pela

água. Dois anos depois, o mesmo Juiz r e a giria à ret ir ada do co rpo

de po li cia des ses locais. A p r e sença dos pol ic i a i s era fu nda me nta l

no c o n tr ole c re pre s s ã o nas fon tes(40). T a n t o V i l h e n a qu a n t o o Juiz

de Paz três déca d a s d epois só viam us fontes como locuis de

c on f u s ã o e ubuso da moralidade publica. Mas, para as negras, os

locais de lu vag em de roupa e a b a s t e c i m e n t o de água eram m u i t o mais

que a m b i e n t e s de trabalho. Os encon t r o s ne ssas oca s i õ e s c o n s t i t u í a m

momentos especia is , q ua n d o m u l h e r e s de d i v e r s o s lugares, es cravas

44
de d i v e r s o s p r o p riet ários, aproveitavam para a t u a l izarein-se sobre

os ac onte c i m e n t o s , encontrar ca mar ada s, fazer e refor ça r laços de

amizade, te ce ndo redes sociais, d i v i d i n d o p r oblema s da r e ali dade em

que viviam, para não falar nos ca sos am o r o s o s que ali tin ham início

ou fim. C a r a c t e r í s t i c a s par ec i d a s foram d e s c r i t a s por Perrot sobre

as la vade ira s pa ris ienses: o encontro freq ue nte de mul h e r e s nos

lavadour os ali ch egou a dar origem a uma organização de

a s s i s t ê n c i a mútua de mu 1 he r e s .(4 1 )

Universo semelhante foi cr i a d o pe las a t i v i d a d e s do ganho de

rua. Especialmente as r e a l izadas pelas neg ra s de tabuleiro, que

circulavam em div e r s o s pont os da ci da de ou por aquelas que em

determinados h o r ários montavam tendas para a ve nda de comida,

atr a i n d o fr equ ese s de div e r s a s camadas sociais, que ali p e r m a n e c i a m

a realizarem suas refeiç õe s enquanto prose ava m. No cap í t u l o

seguin te , discutiremos o tr aba lho des sas mulhere s, os conflitos e

con q u i s t a s que esse tipo de at iv i d a d e podia prop or cio nar.

45
N O TAS

1. O l iveira , O 1 ib e r i o . p. 14.

2. For a m c o n s u l t a d o s os segui n t e s jor nais baianos: D iário da B ah ia

(1870-1 879 ), C o r reio M e r cantil (1836 a 1854, 1881 a 1894).

3. C o r r e i o M e r cant i 1 . 11 .12 .1 839

4. Ma ria Lu ci a de Ba rr os Molt, S ubm i s s ã o e K e s i s t ê n c i a : A m ul her na

Lut.a co n t r a a e s c r a vidão, São Paulo, Co nt exto, 1988, p. 22.

5. Ver Ana R. de G.B.. Lo ng os S e rões do Campo. Rio de Janeiro, Nova

Fronteir a, 1992. vol. 2, pp. 69-70.

6 . C o r r e i o M e rcant i 1 . 1 1.12.1839.

7. Conforme ce ns o da fr equesia de Santana, 1849, APEBA, Séri e

E s c r a v o s , ma ç o 2898.

8 . Jornal da B a h i a , 20.0 5.1857.

9. C o r r e i o M e r c a n t i l . 16.04.1840.

10. Jornal da B a h i a , 25.01 .18 55 .

11. Johildo Athayd e, ,'Filhos ile gít imo s e crianças exposta s",

Revi s t a da A c a d e m i a de L e tras da B a h i a , no. 27(1979), p . 22.

12. D i á r i o da B a h i a . 19.07.1836.

13. Son ia Mar i a Giacom i n i , M ulher e _escrava;__ uma in trodução

h i s t ó r i c a a o es t u d o d a m u l h e r n egra no B r asil. Pe tro pó lis , Vozes,

1988, pp 51-56

14. S a ndra L. Gr aha m. P r o t e ç ã o e O b e d i ê n c i a : cr iada e seus p a t r ões

no R io de J a n e i ro 1 8 6 0 - 1 9 10. São Paulo, C o m p a n h i a das Letras, 1992,

pp 136-9 e 143-4. Ver ta mb ém G i a c omini , Mu 1h e r e e scrava, p. 51

46
15. J o a q u i m T e l e s p h o r o F. Lo pes Vianna, B r e ves c o n s i d e r a ç ões sobre

o alei tame n t o . Bahia, (tese d e f e n d i d a na F a culdade de M e d i c i n a da

Bahia em 1853). T y p o g r a f i a de E p i p h a n i o Pedroza, 1855.

16. Ibdem, p. 2 0

17. Ibdem, p. 20

18. Ibdem, p. 2 1

19. I b d e m , p . 25

2 0 . I b d e m , p .26

21. 1b d e m , p . 25

22. Ibdem, p. 26

23. Ibdem, p. 24

24. Charles Expilly , Mu 1he res e c o s tumes no Brasil, São Paulo,

Editora Nacional . 1935, p. 9. O autor de s c r e v e a d o l o r o s a sepa r a ç ã o

da negra ama-de-leite de sua filha.

25. Giacom i n i , M u l her e e s c rava, p. 59.

26. James W e t h erel l, B r a s il: a p o n t a m entos s o bre a B a h i a. 18 2 4 - 1 8 5 1 .

Salvador . E dição Ba nco da Bahia, s/d, p . 96.

27. ibdem, pp 1 0 7 , 117-118, 123-124. Ver t ambém (Juerino,C

Af r ica nos . pp. 189-215, onde o au to r de s c r e v e div e r s a s rec eitas da

tradic io nul culinária baiana.

28. Jornal da B a h i a . 22.0 1. 187 0.

29. APEBA, S érie P o l i c i a , ma ço 647 1.

30. ¿pjnal da B a h i a . 15.01. 18 57

31. Gra ham , P r o t e ç ã o e o be di ência, pp. 57, 59-60, et passim.

32. Jornal da B a h i a . 2 0.05 .18 81 , 10.10 .1 877 e 16.10.1 87 7

33. Jornal da B a h i a . 15.01.1857.


34. Maximiliano de Ha bsburgo, B ahi a 1860. Salvador, F u n d ação

Cu lt ur al da Bahia, 1982, p. 99.

35. W e t h erell, B r a s i I . pp. 89-90

36. Jean B. Debret, Viagem pitoresca e histórica ao B rasil, São

Paulo, E d i t o r a Marti ns . 1949, p. 56.

37. Arqu i v o Mun ici pal de Salvad or, Li vr o de Pos tu r a s . vol. 5, p . 18.

38. Luis dos Sa n tos Vilhena, A Bahi a no s é c ulo X V 1 1 1 . Salvad or ,

Editora Itapuã, 1969, p.102.

39. Ibdem p. 108

39. APEBA, S é r ie E scrav os, maço 2684

40. Gra ha m, P r o j e ç ã o e o b ed ié n c ia , p. 6 6 .

41. Ibdem. p . 0 6 .

48
CAPITULO II

AS G A N H A U E 1RAS

As re laç ões e s c r a v i s t a s na rua se c a r a c t e r i z a v a m pelo sist e m a

de ganho. No ga nh o de rúa. principalmente at ravés do pequ e n o

comércio , a m u lher ne gra ocu p o u lugar destacado no mercado de

t raba lh o urbano. Encontramos tanto mul h e r e s es c r a v a s c o locadas no

ga n ho por seus propriet á r i o s , como mulheres neg ra s livres e

libertas que lutavam para g a r antir o seu s u s t e n t o e de seus filhos.

As e s c ravas g a n hadeiras. como se chama va m, eram obri g a d a s a

dar a seus se nhor es uma quantia previamente e s t a b elecida, a

d e p end er de ura co n t r a t o informal acertado en tre as partes. O que

e xcedesse o valor c o m b i n a d o era a p r o p r i a d o pela escrava, que po dia

ac u mular para a co mp ra de sua liberda de ou gas tar no seu d i a - a - d i a

(1). Geralmente os s e n ho res r e s p e i t a v a m as regras do jogo, emb o r a

a legis la ção fosse o m i s s a sobre este assunto. Somente a pa rt ir da‫־‬

c hamada Lei do Ve nt re Livre, em 1871, foi fa cultado aos e s c r a v o s o

direito de a c umul ar um pe cú lio (¿ ). Es ta prerrogativa favoreceu

particularmente os e s c ravos e es crava s de ganho, que conseguiam

fazer e c o n o m i a s d e vido à sua oc upa çã o, b em inser ido s que e s t a v a m na

economia monetária da época.

Co nt ud o, não era tarefa fácil para a e s c r a v a pagur a d i á r i a ou

a s em ana do se nho r e ao m e smo tempo poupar. A rentab i l i d a d e vari a v a

de o c u p a ç ã o para ocupaç ão , e d e p e n d i a tainbém de fatores co mo idade,

saúde, habilidades p e ssoais(3). Exis t i a um valor de merca do , base

para os cálculos de produtividade da ocupa çã o. Como vim os no

49
c a p ítulo anteri or , um a n ú n c i o de 1839 oferecia pagar 10 mil réis

mens a i s a uma a m a - d e-leite. o que dava como d iária em torno de 330

réis. C o m base no inventá rio de G r e g o r i o M a x i m i a n o Ferreira, feito

em 1847, And r a d e estabeleceu que a renda auf e r i d a cotn esc r a v o s no

ganho v a r i a v a m com a o c u p a ç ã o e o sexo: um ca rregador de cadeir as

pagava ao se nhor 400 réis por dia, uma lavad ei ra ou uma e n g o m a d e i r a

pagava 240 réis cada. S egundo a autora, va l o r i z a v a - s e mai s o

t r a bal ho m a s c u l i n o em até duas vezes o valor e s t a b e l e c i d o para os

o f í cio s feminin os (4). A situação so fr ia alterações qu a n d o se

tratav a de mu l h e r e s libertas e suas ocu pações, o que veremo s

adiante.

As es c r a v a s ganhadeiras pod i a m residir ou não com os

senhor es , d e p e n d e n d o da von ta de de stes e um pouco da de las também.

Caso fosse p ermi t i d a a morada fora da casa do senhor, a e scrav a

re s p o n s a b i l i z a v a - s e por sua a l i m e n t a ç ã o e mo ra dia , mas os se nho res

re c ebiam sem maiores preocupações a quantia esti pulada, em dias

pref ix ado s. É prová vel que, nes ses casos, a importância de v i d a ao

senhor fosse men or do que nos casos em que este de sse casa e co mida

ã escra va. S egundo Wet h e r e l l , escrevendo em 1845, o prod u t o do

trab alho da escr a v a em Sa l v a d o r " p ermitia ao don o viver na

ociosidade na medida cm que possuia de dois a três ou mais

escravos" (5). Este si stema tornava os escravo s, confor me Spix e

Martiu s. "capital vivo em ação", já que, segu n d o eles, os se nh ore s

r e c u p e r a v a m em três anos o valor pago por eles, p r i n c i p a l m e n t e nos

pe ríodos em que a economia baiana fav orec ia o tr a b a l h o das

g a n h a d e i r a s e ga nh ado res. E os v i ajant es c r i t i c a v a m a g a n â n c i a dos

50
se nhores, que tornava "tristíssima a con d i ç ã o dos que eram

o b r i g a d o s a ga nh ar d i a r i a m e n t e uma cer ta q u a n t i a " . (6 ) Ape sar disso,

o tipo de re laç ão cer t a m e n t e in teressa va às escra va s, se não do

pont o de vi sta econômico por qu e viver longe do senhor t orna va-as

mais livres de seu controle. Alé m disso, o ga nho era uma das

p r i n cipais po rtas para a c o n q u i s t a da al forria.

As mulheres libertas experimentavam uma s i t uaç ão no ganho

diferente das escrava s, pois no seu tr abalh o não int erferiam os

sen hores e os produt os da ve nda lhes p e r t e n c i a m totalmente. Ap es ar

des sa difere nça , desempenhavam a m e sma funçã o social que as

escrav as , circulando u vender produtos alimentícios e outros.

Quanto ao re tor no financ e i r o no ganho, este dependia da o c u p a ç ã o

esp e c í f i c a a que se d e d i c a v a m e das o s c i l a ç õ e s de me rca do. Segundo

um ce nso de 1849., da fr egu esia de Santana, em Sa lva do r, as

africanas libertas e s t a v a m d i s t r i b u í d a s en tre as segu i n t e s tarefas,

con forme tabela IV abaixo. O b s e r v a - s e logo que a gr ande m a i o r i a dos

libertas se dedicavam ao pequ eno com érc io, sendo raras as

empregadas no servi ço domésti co. Com efeito, 71% das afric a n a s

libertas negociad!, proporção que sobe para 79% se acrescentarmos

aquelas que d e c l a r a r a m v a gamente viverem "do ganho".

5I
TABELA IV

O C U P A Ç Õ E S DE LI B E R T A S NA F R E G U E S I A DE S A N T A N A - 1849

OCUPAÇÃO A F R I C A N A NAGÒ JÊJE T A P A A N G O L A MI NA BORNU TOT AL

Do m és t ica 0 2 ‫־‬ ‫־‬ - ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ 0 2

Ou i t a n d e 1 ra 10 08 1 1 0 2 03 0 1 ‫־‬ 35

Me rcande j a 34 45 14 - 0 1 0 2 01 97

C o s t u r e ira 0 1 ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ 0 1

Lavad e i ra 03 0 2 03 ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ 08

C o z inhei ra ‫־‬ ‫־‬ 0 1 - - ‫־‬ ‫־‬ 0 1

A 1 ugada 0 1 - 0 1 - ‫־‬ ‫־‬ - 0 2

Negóc ios 07 0 2 0 1 ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ 1 1

Mend iga 04 - 05 ‫־‬ - 0 1 ‫־‬ 1 0

Propr i e t á r . ‫־‬ - 0 1 - ‫־‬ - ‫־‬ 0 1

”Ganho'' 1 1 04 ‫־‬ ‫־‬ 0 1 ‫־‬ ‫־‬ 15 ‫־‬

Pedreir a 0 1 0 1 ‫־‬ ‫־‬ - - ‫־‬ 0 2

Vive de escr ‫־‬ 0 1 ‫־‬ - - ‫־‬ ‫־‬ 0 1

Sus t .f i 1hos 0 1 ‫־‬ 0 1 ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ ‫־‬ 0 2

Roce i ra 0 2 ‫־‬ 0 1 - - ‫־‬ ‫־‬ 03

S / E s p e cif ic. 04 0 2 - - - ‫־‬ ‫־‬ 07

T O TAL 8 1 65 40 0 2 05 03 0 2 198

FONTE: C e n s o Freg u e s i a de S a n t a n a - 1849, AP EBA


Série E s c r a v o s, m a ç o 2898

52
As libertas comercializavam pro d u t o s como hortaliç as ,

verduras, peixes, frutas, c o mida pronta, faz end as e louças. E mbora

não formassem um gr upo homogên eo , as vendedeiras conseguiam mais

faci lmen te int egrar-se no pequ e n o c o m é r c i o urbano, r e t i r a n d o d esses

ne gócios o n e c e s s á r i o para a s o b r e v i v ê n c i a e até a l c a n ç a n d o alg uma

prosperidade . Haviam certas posições nesse pe queno comércio cuja

m a r g e m de lucro era ba s t a n t e generosa.

Esse tipo de a tivi d a d e não era e s t r a n h o às ne gr as imp ort ad as

pelo tr áf ico negreir o, pois que em m u itas s o c i edades a fric a n a s

delegavam-se às mu l h e r e s as tarefas de subsistência doméstica e

circulação de gêneros de pri m e i r a nec ess idad e. Mui tas ganhadeiras

afri c a n a s er a m provenientes da co st a Ocid e n t a l da Africa, onde o

pequeno c o m é r c i o era taref a e s s e n c i a l m e n t e feminina, g a r a n t i n d o às

mul h e r e s pa péis e c o n ô m i c o s imp ortantes. Esta e x p l i c a ç ã o nã o exclui

mulheres dos g rupo s bantos, que praticavam igu almente o co m é r c i o

ambul a n t e em suas terras (7).

De acordo com a origem étn ica das afric a n a s libertas da

F r e g u e s i a de Santana em 1849, as nagôs r e p r e s e n t a v a m 33%, os jejes

20%, fo rmando ambas a maioria das g a nhadeiras. Out r a s e tnias como

angola. bo rnu e minas, foram representadas por núm eros

ins i g n i f i c a n t e s (6 %). Ob ser v a m o s , porém, que as declaradas como

s i m p l e s m e n t e "afric anas" s o m a v a m 41%, aí in cluindo -se p r o v a v e l m e n t e

m u itas nagôs e jejes. A maioria jeje- n a g ô de co r r e da direção do

tráf ic o naquele período, concentrado no Golfo de Benin, terra

d essas af ric anas. A ausência de c r i oulas libertas neste

lev anta m e n t o se e x p lica por ter sido o cen so feito para me lh or


cont r o l a r os a frica no s. Assim, ficamos sem poder c o m pa rar o peso

das c r i oulas no m e r c a d o de ganho. A c r editamos , no entanto, que elas

eram ma is encontradas no serv i ç o dom é stico, conforme apon t a m o s

an t e r i o r m e n t e para as es cra va s. E m bora n ão e s t i v e s s e m ab s o l u t a m e n t e

donas das ruas, as a f r i c a n a s er a m m a i o r i a no ganho, pelo me nos ao

longo da pr i m e i r a met a d e do sé c u l o XIX.

A tarefa de vendedeira exigia, com o Maria O d ila ob s e r v o u em

seu es t u d o sobre mul h e r e s em São Paulo, uma espéci e de "faro para

o ne gó cio " (8 ). E isto as a f r i c a n a s já trazi am da Africa, onde er am

consideradas exímia s come rcia ntes. K idder informa que para essa

o c u p a ç ã o g e r a l m e n t e "e ram e s c o l h i d o s os esc r a v o s mais esp e r t o s e de

melhor a par ência, de am bos os sexo", e não era raro que esses

e s cravos r e v e l a s s e m um "gra nd e tato e tino c omercial" (9). O ce rto

é que o bom desempenho da função dep e n d i a da h a b i lidad e em lidar

com a freguesia, at rair c con q u i s t a r com a qualidade de seus

pr odutos e preços c ómodos a cli en tel a, geralmente composta de

outr os es c r a v o s que c o m p r a v a m para os s e n h ores ou para si, al é m de

pessoa s livres de bai xa renda. Es sas q u a l i d a d e s er am ob s e r v a d a s por

pes soas que d e s e j a s s e m uma negra para o serv iço de ganho, com o se

ve r i f i c a no a n ú n c i o abaixo:

Jo s é da C o s t a comp r a d o i s e s c r a v o s "para fora da


terra". Uma c r i o u l a ou m u l a t a de 14 para 16 anos,
para m o c a m b a fsicj, outra da C o s t a 20/30 anos, para
a n d a r v e n d e n d o f a z enda na rua, que seja corpu lenta e
be m la d i n a para es t e f i m . (10)

Enfim, era prec i s o ser m u i t o "ladina", como pe d ia o anún c i o

ac ima citado, ou seja, astuta, que dominasse o p ortu g u ê s e, é

54
óbvio, conhecesse o serviço. O suce s s o das g a n h a d e i r a s que se

dedicavam à ve nda de peixe e de "diverso s géneros” , com renda

di ár ia de até 4 mil réis, cm 1849, faz crer que souberam

desempenhar seu papel m u i t o bem. O s u c esso se refletia, so bre tu do,

no co n t r o l e que as ganhadeiras v ieram a ter sobre o co m é r c i o

va r ej i s t a de produtos p erec íve is . Já no final do séc ulo XVIII,

V ilh e n a notou que elas p r a t i c a m e n t e m o n o p o l i z a v a m a d i s t r i b u i ç ã o de

peixes, carnes, ve rduras e até p r o dutos de contrabando <11). Com

frequência, as ganhadeiras se aliavam a ne gro s para receptarem

produto s fur tad os e re ven dê- lo s, como ilustra o caso da preta

Claud in a, de t i d a à po rta de um T r a p i c h e qu a n d o recebi a de um preto

açúcar ro ubado (1 2 ).

Informa Vilh ena que as negras, atra v é s de um si stema de

especulação de m e r c a d o e a trave s s a m e n t o , a que c h a m a v a m cara m b o l a

ou ca chetcria. c o n t r o l a v a m a c i r c u l a ç ã o de cer tos p r o d utos bás icos

de a l i m e n t a ç ã o na c i d a d e ( 13). É bem possível que este "m on opó lio"

ainda existisse durante o sé cu lo XIX. Ki dder, cm 1839, observou a

me sma sit u a ç ã o das neg ras ganhadeiras descritas por V i l h e n a ( 14).

Dez anos dep ois, em 1848, Wethe r e l l d e s c r e v e u m e c a n i s m o sem e l h a n t e

utilizado pelas ganhadeiras para monopolizar os p r o dutos de

primeira nec essidade. Segu n d o ele, o peixe era vendido

exclusivamente por "ganhadeiras peixe ir as ", que r e c ebiam todo o

prod uto dos pe sc a dores, para re ven de r no varejo. O m e smo pro c e s s o

era u t i l i z a d o na d i s t r i b u i ç ã o das frutas, r epa ssadas d i r e t a m e n t e às

g a n h a d e i r a s que, em razão disso, m u i to i n f l u e n c i a v a m ou até mes m o

d e t e r m i n a v a m o pre ço d e sses p r o d u t o s (15 ) .

55
Al é m de c i r c u l a r e m c om tab uleiros, g amelas e ces tas hab i l m e n t e

equilibradas sobr e as cabeças, as ganhadeiras ocupavam ruas e

pr aças da cidade destinadas ao mercado público e feiras livres,

onde v e n d i a m de qu ase tudo. Em 1831, fo ram des t i n a d a s ao c o m é r c i o

varej i s t a com ta buleiros fixos as segui n t e s áreas urbanas: o camp o

lateral da igreja da Soleda de , o ca mp o de Sa nto A nto nio em frente

à Fortalez a, o largo da Sáude em frente à roça do Padre Sá, o ca mp o

da Pólvor a, o largo da Vitória, o largo do Pel ourinho, o Caminho

Novo de São Francis co , a pr aça das Por tas de São Bento, largo de

São Bento, largo do Cabeça, a praça do Comér ci o, o Caes Dourado.

Para pe ixe e fatos de g ado e por co foram u n i c amente destinados o

campo em frente aos currais, no Ro sa rinho , ou Qui nze M istérios, a

praça de G u a d alu pe, a pra ça de São Bento, o largo de São Rai m u n d o

e a rua das Ped re iras, em frente aos Arcos de Sa nta Bá rbara(l ò).

O mapeamento dos po nt os de v e nda das n egras mostra que estavam

e sp a l h a d a s pela cid ade em locais e s t r a tégicos. Encontravam-se em

áreas de in te nsa m o v i m e n t a ç ã o comerc ia l, como a pra ça do C o m é r c i o

e o Caes Dou rad o, mas tam bém em ár ea s de car át er re si dencial,

conform e map a abaixo.

Wetherell as s i n a l a que os mercad os , de mo d o geral, er a m dos

lugares mais pit o r e s c o s da cidade, on de encontrou " monta n h a s de

legumes, frutas, etc..., à s o mbra de e steir as , - a l g um as dela s

fo r ma ndo uma e spé c i e de c a bana e o utras a p enas amarr a d a s a a lgumas

varas e f o r man do como teto". Sob ess es toldos sentavam-se as

ve nd edor as. Vestiam trajes do mesmo mod elo, mas de faz en das de

va r iadas cores, colorindo o cen á r i o urbano. A lgumas traziam, como

56
na África, seus filhos a tado s às cost as co m "pano da Co st a" ou

soltos en tr e ta bul ei ros , em me io a frutas e aves( 1 7 ). a pr esença

dos filhos ali perto pare ce indicar que essas mul h e r e s labutavam

s o z inhas pela s o b r evivênci a. Algu m a s provavelmente deixavam os

filhos em casa, o que nem se mp re era seguro. A meno r Joana, filha

de uma g a n h a d e i r a em C achoeira, co n ta o r e g istro po licial, "ten do

ficado só em ca sa ,|... J e a p r o x i m a n d o - s e do fogão, i n c endi aram-se-

lhe os vesti dos , sem que ninguém socorresse por a t r ibuir os

vi zi nhos a eff e i t o s de c a s tigos d o m é s t i c o s os gr ilos que ela dava".

A menin a, d e s esperada, atirou-se para a rua por uma janela,

f alece nd o d e v i d o à gravi d a d e das q u e i m a d u r a s (18).

O p r í nci pe Maximiliano tam bém o b s e r v o u gru po s de vendedeiras

instalad as ao longo dos passeio s, de cócoras, v e n dendo frutas.

Ha via nes ses gru pos ne gras de todos os tipos e idades. Vestiam

roupas leves, a p r o p r i a d a s para o traba lh o nos di as que nte s. Mu i tas

já e s t a v a m m a r c a d a s pelo tempo. Notavam-se suas mui tas rugas, pele

a c i n z e n t a d a e c abelos brancos. Alguma s, já b a s tante velhas, beb i a m

cach a c a e n q u a n t o m e r c a v a m "co m voz estridente, loguazes e co m ar de

troça, go ia bas , bananas, cocos e mui t a s f r u t a s ..."(19).

Es sa situação n em se mp re imperou em Salvador. No p e r íodo

colonial uma le gi siação portuguesa con c e d i a a exclusividade do

com é r c i o varejista às mulheres brancas. O com é r c i o varejista

permaneceu por muito tempo a única atividade ab erta às mulheres

livres na s o ciedade e s c r a v i s t a .(20 ) Mais tarde este p r i v i l é g i o foi

ex tendido, por força do uso, a m u l h e r e s das mai s v a riad as c o ndiçõe s

sociais, as negras inclusive. N ão raro, p r o p r i e t á r i o s bem suce d i d o s

57
TODOS

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'® l ARüO í>\ -í‫\׳־‬ÍJ£Jfc ^ C© V f A p , s t e vu ab b t e . U llt t j ‘ © ‫«׳ז‬,. « M j a u J p e t^ C«\ ^l- Oí 3 «U'^u^TO 'W c (0 ? '|1 ‫ ־‬L ‘
® CA1WO M ÍDLVOSA Q)lo 1 >0 CASEgA ‫״‬
5 ‫ה‬.. ‫ננ‬,? ® ) CÍHÚ.RU 0 v . <H>* 0 C .nt. STA tAi'.iyvuj.
colocavam tam bém suas esc r a v a s no ganho. V i l h e n a notou que:

"das casas m a i s o p u l e n t a s desta cidade, onde a n d a m os


contratos, e n e g o c i a ç õ e s de m a i o r porte, s a e m oito,
dez, e m a i s neg r a s a vender p e i a s ruas a p r e g ã o as
cousas m a i s ins i g n i f i c a n t e s , e vis; como s e j a m
iguarias de d i v e r s a s q u a l idades, mocotós, isto é m ã o d
vaca, carurus, vatapás, mingau, pamonha, canjica,
isto é papa de milho, acaçá, acarajé, bobó, arroz de
cóco, feijão de cõco, angu, p ã o - d e - l ó de arroz,
role tes de cana, q u e i m a d o s isto é reb u s c a d o s a 8 por m
vintém, e doces de inf i n i t a s q u a l i d a d e s . . . " (21).

Essas mulher es , ambulantes ou traba l h a n d o em p e quena s

quit andas, realizavam impo rt ant e função de " h a r moni zar as du ras

condições da maioria escrava e dos desclassificados sociais",

compradores a s síduos dos seus p r o d u t o s (22). As vendedeiras de

comi da nas ruas, tinham ao lado f ogareiros sem pre a cesos "para

cozinh ar e assar as gulod i c e s que ve n d e m a seus comp a t r í c i o s " (23).

Estes eram seus p r i n cipais fregue se s. Podiam ta mbém impr ov isa r

cozinh as , onde colocavam pr atos pro nt os e quentes , pre p a r a d o s à

base de farinha de mandi oc a, feijão, carne seca, aluá, frutas,

verduras, alimentos feitos com m iúdos de boi, cujo processamento

d o m é s t i c o se ba seava en» técni cas da c u l i n á r i a indígena e african a.

N ão era inc omu m en cont rar , junto às b a r rac as de comidas, ne gros

sent ad os, fa ze ndo suas re feições em m e i o a m u it a c o n v ersa e go le s

de cachaça.

O h á bito de beber c achaça era b a s tant e c o m u m entre os negros.

Maximiliano de Habsburgo considerou a emb r i a g u e z dos neg ro s

"b e n fa zeja e lépida", pois a j u d a v a - o s a s u p ortar as d i f i c u l d a d e s da

vida sob a escravidão (24). Na verdade, a embriaguez de pe ss oas

pobr es e de cor pre o c u p a v a as autoridades, que elaboraram leis

m u n i c i p a i s e s t a b e l e c e n d o a puni ç ã o dos éb ri os que v a g a v a m a r r u m a n d o

58
b aru l h o pela cid ad e (25). Em c o n t r a p a r t i d a às medi d a s repress iva s,

rea l i z a v a - s e o com é r c i o c l a n d e s t i n o de cachaça, que pod ia che gar a

a mbie n t e s deve r a s co n trolados. E nis so as neg ras tam bé m contava m.

Por exemp lo , em 1837 foi pr esa a cabra Maria Manoel ia por

"introduzir agoardente na p rizão do Aljube"(26).

Mas o que as ganhadeiras mais vendiam mesmo era sobretudo

comida, e em s e g undo pl an o tecido s e miude za s. Nas qui tandas, como

eram c h a ma das as peq uenas ve nda s e barrac as , forn e c i a m "peixes,

carne mal ass ada a que dào o nome de mo que ca, toucinho, ba leia no

tempo da pesca, hortal i ç a s et c" (27 ). Nos tabulei ro s, que po d i a m ser

fixos em pontos das ruas ou carregados na cabeça, eram o f e r e c i d o s

ou tros tantos produtos c utensíli os, como "pastéis, fitas, linhas,

linho e o utros objeto s n e c e s s á r i o s ao uso c a s e i r o " (28). Da lista de

p r odutos v e ndidos pela cid ade pelas neg ras libertas re c e n s e a d a s na

fregues ia de Santan a, em 1849. in clu iam-s e peixe, banana, tecidos,

verdura s, frutas, sapato, mingau, a c aça e aberém. As n egras de

t a buleiro i m p r e s s i o n a r a m vá ri os vi aja nt es. O p r í ncipe M a x i m i l i a n o

de Hab sbu rgo, a d m i r o u - s e com a h a b i lidade com que elas e q u i l i b r a v a m

estas "c aix as" so bre o torço amarrado à cabeça, conseguindo

atrav ess ar, el eg a n t e m e n t e , toda a confusão da ci da de (29).

Wether e l l , a lguns anos antes, e s c r e v e r a que o há bito de suste n t a r

com destreza o bje t o s na cabeça, al ém de ajudar a tornar o co r po

reto, deixava as mã os livres para o trabalho. A habilidade das

mulheres era tanta que não im p ortava o vo lum e dos objeto s: "Uma

laranja, uma xícara, uma ga rra fa , uma vela acesa, q u a l q u e r co isa é

levada na c a b e ç a " (30).

59
As ati v i d a d e s r e a l izadas pelas ga n hadeiras, a pesar de

impo rt ant e pa ra a distribuição de bens essenciais à vi da urbana,

preocupava as autoridades. Elas fa zi am seu trabal ho de maneira

itin er ant e ou fi xavam-se em pon tos e s t r a t é g i c o s da cidade, ser v i n d o

de e l e m e n t o s de integração en tr e uma p o p u l a ç ã o co n s i d e r a d a pe rigosa

pelas elites. Este fator polít ico , som ado ao e s f o r ç o do Kst ado para

o r g a n i z a r e c o ntrolar a vi da ur ba na no s éculo XIX, levaria a mu itos

emba tes ent re ganhadeiras c autoridades po liciais.

Co n t r o l e e n e g o c i a ç ã o

A p r e o c u p a ç ã o em cont r o l a r as ne gras de ganho não foi pec uliar

à Bahia ur bana oitoce n t i s t a . Pode ter sido própria de lugares e

mom e n t o s em que as g a n hadeira s, por diversas razões t ivera m

pr e sença exp ressiva. Em Minas, eram v is tas como ele m e n t o s p eri g o s o s

pela liberda de de circulação que t inham at ravés das lavras,

po s s i v e l m e n t e c o n t r a b a n d e a n d o o uro e a c o i t a n d o neg ro s f u g i d o s . (31)

Também em São Pa ulo do séc ul o XIX fora m criada s medidas que

lim itavam a li berdade de movimento das neg ras v e ndedeiras,

proibindo-as de sairem da cid ade e obrigando-as a fecharem as

qu i t a n d a s d e pois da A v e - M a r i a ( 32 ) .

No s éc ulo XIX, as leis deixariam de proi bir a participação

negra no varejo, mas continuariam a tentar um co n t r o l e seguro.

Constantemente as negras defrontavam-se com as autoridades

60
municip ais, especialmente fiscais que exigiam o cumprimento de

posturas. Es tas continham m e d i d a s r e lativas à economia do

aba stec i m e n t o , disciplinando a distr i b u i ç ã o , preç o e qualidade de

determinados produtos, al é m de estabelecer as regras de pesos e

med i d a s .

Era terminantemente pr o i b i d o aos s e nh ores colocarem seus

es c ravos no ga nh o sem a u t o r i z a ç ã o expressa da C â m a r a Munici pa l, ü

mesmo era vá l i d o para as libertas que desejassem comercializar

qu a lquer tipo de género. Pa ra ins talar-se no p equeno com é r c i o era

necessário pedir licença mu nicipal epagar uma taxa de matrícu la.

Nas I.e is de orçamento provin ci al encontramos a evo l u ç ã o das taxas

pagas por "licença a afri c a n o s livres ou libertos de ambos os sexos

para p o d e r e m merca de j a r " : a taxa de lü ini I réis é estabelecida em

1848, aumentando para 20 mil em 1850. observe-se que a lei só

menciona que os africanos p a g a r i a m est a taxa, em espe ci al as

afr ic ana s, porq ue elas controlavam este setor do com ér cio . Pelo

texto da lei, os na scidos no Brasil, cri o u l a s por exemplo, estariam

isentos. Tr ata -se , porta nto , de uma legi slaç ão d i s c r i m i n a t ó r i a , bem

típica dos anos que se s e g u i r a m à revo l t a dos malês em 1835. Eram

leis que procuravam dificultar a vida dos africanos libertos,

considerados in de sej áv eis , bus c a n d o forçá- los a re tor nar à África.

A ún ic a c o n c e s s ã o do l egisl ad or foi qu a n d o escrev eu , em 1848, que

o governo procuraria fazer co m que a taxa "não rec aia sobre

aquel les, que t iverem tão diminuto negócio, que não p o ssam

s u p o r t a r " (33 ) .

As vendedeiras eram obrigadas a ma n t e r seus ins t r u m e n t o s de

61
trabalho, particularmente pe sos e me di das , de ac o r d o com a

r e g u l a m e n t a ç ã o mun ici pal. Q u a n d o os fiscais da Câ m a r a constatavam

irreg ularidades, as in fr ato ra s er a m pun ida s co m mu lta ou cadeia.

A p o l ític a de fisc a l i z a ç ã o do pequeno c o m é r c i o remonta ao p e r íodo

colonia l, qu a n d o da cri ação das feiras livres. Esta fis c a l i z a ç ã o

pode, seg u n d o Luiz Mott, ser vist a por dois prismas: como uma

tenta ti va de ev ita r que os compradores fos sem ludibri ad os pelos

lavrado re s ou c o m e r c i a n t e s desonest os, e ta mbém como um rec urs o que

a Câ m a r a utilizava para au m e n t a r sua arrecadaçã o, pois. al é m das

multas, a cada aferimento cobrava-se uma taxa que era uma parte

destinada aos funcio ná ri os, o u tra parte aos cofr es pub Iic o s .(34>

A me s ma legisla ção procurava p r o teger os consumidores e pe que nos

comerciantes c ontra a t ravessa d o r e s c g ran d e s m o n o p o 1 is t a s . ( 35)

Durante o s é culo XIX, porém, nota-se, a in si stê ncia do poder

pu bl ico em r estring ir a ativ i d a d e co me rci al dos neg ros e mul atos,

forros e esc ra vos , especialmente dos africanos. Qualquer tipo de

atividade com erc ial tinha que passar pelo foro da Tesouraria

Municipal, re sp ons áv el pela arrecardação tributá ri a, controle e

fi s c a l i z a ç ã o das o c u p a ç õ e s da e c o n o m i a " infor ma l", podendo aque le

ór g ão co n c e d e r ou negar licenças para a p rát i c a des ses negóci os .

A pesar das medi d a s de r e pre ssão ao pequ e n o com ér cio , que

re m o n t a m ao s éculo X V III. qua n d o encontramos alvarás, decretos e

pos turas proibindo à gente de cor o exercício dessa a tivi dade, e

mais tarde em Salvado r, a partir de 1835, em vi rtu de da re vo lta dos

Males, a complexidade da vida urb ana e a e s c ass ez de bens

alimentícios fize r a m co m que este comércio "negro" fosse mais

62
tolerado. S e g u n d o Mott, "sem as ne gra s ve n d e d e i r a s das ruas, seria

praticamente impossível viver no Rio de Janeiro, Sal v a d o r e Recife,

d u r a n t e os séculos XVI11 e XIX" (36). A partir de me ados do s éc ulo

XIX, o c o r r e u um p r o cesso de u r b a n i z a ç ã o cresc ent e. Salvador era um

im po rt ant e po rt o de export ação, co m ruas pav im entadas, casas

c o m e rciais de g rand e porte, a lgumas m anufat u r a s , ins ti tu ições de

crédito, rede de es g o t o (ainda que extremamente pr ec ári a) ,

encanamento de água em cer tos locais. As ruas à noite eram

ilumina das por lampiões à base de o 1 éo de baleia, emb ora estes nem

se mp re e s t i v e s s e m acesos, d e i x a n d o a ci da de às e s c u r a s . (37)

Ne ss e período a população na cidade cres c i a

significativamente, acelerando o p r o ce sso de ur ba n ização. Tin h a

cerca de 41 mil hab i t a n t e s em 1800 e 108 mil em 1872. Esse povo

sofr ia uma car ê n c i a crô nica de p r o dutos a l i m e ntícios , refle xo de

uma eco n o m i a v oltada para a p ro d u ç ã o açucareira destinada à

expo rtação, relegando a agricultura de alimentos a um plano

secund ári o. Al é m disso, a reg iã o int eriorana que a b a s t e c i a a cidad e

sofria p e r i o d i c a m e n t e de se cas p r o l o n g a d a s ou chu va s intensas, que

prejudicavam a agricultura e a pecuária. Foi ent ão n um setor

p r o b l e m á t i c o que se i nserir am as g a n hadeiras, rea l i z a n d o o c o m é r c i o

de p r odutos indispensáveis para a população da cidade. A

d e s e n v o l t u r a das ne gra s ne sse setor p r e o c u p a v a as a u t o r i d a d e s pela

f acilidade com que podiam estabelecer redes de atravessamento e

o u tras atividades de que, de ce rt a forma, dependiam a ordem

económica e polít ic a. Ali ava-se , por exemplo, o vai-e-vem das

mulheres a algum tr áfi co pro i b i d o e/ou comunicação c om ne gros

63
aquilombados. Em 1835, ganhadeiras íor am ac u s a d a s de forne ce r

com ida aos rebe ldes m a lês e par t i c i p a r da c o n s p i r a ç ã o ( 38) . Há

ta mbém o cas o da mãe do abolicionista Luiz Gama, Lu iz a Mahim,

quitandeira acusada de par t i c i p a r de vá rias conspirações de

e s c r a v o s .(39 )

Mas os reg u l a m e n t o s nem semp re er a m o b e d e c i d o pelas negras,

que fu gi am à vigilâ nc ia, b u r lando as medi d a s de contr ol e,

fre q u e n t e m e n t e com a c u m p l i c i d a d e de seus sen h o r e s ou s i m p l e s m e n t e

por falta de re cu rs os para cumprirem obrigações fiscais e outras.

Este ú ltim o fator dava margem a que agen tes du Tesouraria

perseguissem es sas mulheres, i m p on do-lhes mu l t a s por elas

consideradas injustas e ab us iva s. Elas, ou seus senhores, reag iam

por meio de con s t a n t e s quei x a s ao Presidente da província e a

outras aut orid a d e s , apontando i r regularid ades, contestando as

multas, p edi n d o sua an ula çã o. Com frequênci a, alegavam

d e s i n f o r m a ç ã o e pobreza, tm junho de 1850, por exemplo, a afr i c a n a

liberta M a r g a r i d a lgnác io de Medei ro s, maior de 40 anos, moradora

à rua da Palma, na fre guesia de Santana, e s c r e v e u ao P r e s i d e n t e da

p r o v í n c i a para "impl or ar a graça de a l i v i á - l a das m ultas h one rozas

de 50 S0 Ü0 réis an nu ais a título de a xar ce a su p p l i c a n l e a r r o l a d a em

annos anteriores". A liberta justificava-se d i z end o que não

e x e r c e r a a t i v i d a d e de c o m é r c i o por que e slava sof r e n d o de "molés t i a s

internas" d u r a n t e o p e r íodo em que foi multa da. Além disso, al eg ou

ser mãe de três filhos que dependiam do seu trabalho, e por não

poder pa gar a m u l t a ficava " i n ibida de age n c i a r para os dit os seus

filhos, e para si a a l i m e n t a ç ã o por meio da v e n d a g e m de uma pa nela

64
de ming au" (40). For sua vez, em 1869, a c r i o u l a Ma ria das Mercês,

ta mb ém pobre, moradora na estrada do Ca bul a, rec lamava con tra a

T e s o u r a r i a de uma m u lta de 40 mil réis, qu a n d o a lei e s t a b e l e c i a um

valor me nor, de ac o r d o co m o local do negócio. Ma ria das Mer cês

havia ins talado em sua p rópria resi dê nci a, sem a dev id a licença,

uma p e q uena ven da "onde ex põe ao c ons u m o dos v i a n dantes algumas

g a r rafas de a g u a r d e n t e " (41).

Instalar com é r c i o de forma c l a ndestina , em po ntos d e t e r m i n a d o s

da cidade, ou ex pl orar comercialmente o c ómodo da casa que dava

para frente da rua, era por-se na mi r a de fiscais que, volt a e

meia, a p l i c a v a m m u ltas ou, ainda pior, fec h a v a m as vendas até que

as n egras regularizassem a si tuação. A preta Maria Vicéncia foi

multada em 1837 no va lor de 10 mil réis por não ter m a t r i c u l a d o

sua barraca, sita à rua de San ta Bárba ra, na C id ade Baixa (42). Em

1878, foi verificada a infraçã o da Post u r a 63 por duas crioulas,

"por e s t a r e m no trâ nsi to v e n d e n d o merc ad o r i a s " . (43)

Os emb ates com os fi sca is m u n i c i p a i s p o d i a m ser amenizados , a

d ep e n d e r de relaçõ es estabelecidas pelas ganhadeiras com pe ssoas

so c i a l m e n t e p rivilegiada s. As cr i o u l a s ac ima m e n c i o n a d a s contaram

co m es sa proteç ão. A favor de la s int ercedeu um certo Manuel E s t e v ã o

Ribeiro, responsabilizando-se pela infração, mas n e g a n d o - s e dep ois

a pa gar o va lor de 10 mi I réis da multa. Na mesma post u r a foi

in cursa a escr a v a De lm ir a, "por est ar no trâns it o ven d e n d o

mercadorias sem a de v i d a a u t o r i z a ç ã o " (44). Esta não teve n i n g u é m

que vi es se em seu socor ro, n em seu senhor.

Mas hav ia quem pre f e r i s s e obedecer a lei. Se es cra va, a

65
obrigação de le galizar o negó c i o ficava a cargo do senhor. Eles

pe d i a m e r e n o v a v a m licenças, s u b m e t e n d o - s e às a v e r i g u a ç õ e s fiscais.

Tratando-se de neg ra liberta, ela pr ópria dir ig ia-se, através de

ofício, à Tesouraria, s o l i c i t a n d o a li cença para ex er cer a t i v i d a d e s

no co mércio, tis um típico p edido de licença: "Ja cinth a do Carmo,

africana liberta diz que d e s e j a n d o m e r cadejar, ve m pedir a V .E x m a .

a p recisa licença, vi sto que para obtê-la é necessário tal

a u t o r i z a ç ã o 1' (45). Co ntu do, estar em dia co m a fi scali z a ç ã o não

ev it ava definitivamente as perseguições dos fiscais, que sob

q u a l q u e r pre t e x t o as m o l e s t a v a m e as puniam, hm 1849, Sa bina Ma ria

da Conceição al eg ou que "t endo pago todas as obrigações

tributár ias , e inclu siv e de 1848, saiu para ne g o c i a r cer ta de estar

p r a t i c a n d o um ato lícito, foram a p r e e n d i d o s os gêne ros c o m e s t í v e i s

pelo fiscal da Freg u e s i a do Pil lar e apes ar de provar est ar em dia

com a lei nada adia nt ou, o fiscal arr a s t o u os seus gêneros" (46),

Al gu ns anos depo is (1854) foi denunciado o mesmo tipo de

arbitrariedade pela proprietária kita de C á s s i a de Jesus Ramalh o,

cuja escr a v a ganhadeira Senhorinha fora pre sa e confiscada sua

"caixa de vi dro s c o n tendo sapatos, uns lenços, e três co r tes de

vestidos, e o u tr as m iudesas". Segu n d o a senhora, a escr a v a tinha

tudo em ordem, a licença da Mes a de V e n das pro vin ci al e a vara de

m e dir devidamente aferida, ü fiscal que prend eu Senhorinha ape nas

exercera seu "furor de mu lt a r", i n d i s c r i m inada mente. Nu ma segu n d a

petição, ela pe di a para pa ga r a multa, apes ar de injusta, para que

a ganha de i ra pudesse ser sol ta e vo l t a s s e a t r a b alhar. (47)

As ganhadeiras foram alv o de constantes perseguições e até

66
ex t or çõe s, nào só por parte dos fiscais, mas de sabi c h õ e s e

pa r t i cular es, a exemplo do par do José A lexan dr e, preso por andar

exigindo dízi m a s de pe ix es às g a nhadei ras. O par do havia forjado

credenciuis da Cá mara, com sua próp r i a letra, para intimid ar e

exto r q u i r as ga nh adeiras. Al é m do pagamento exigido, també m

con f i s c a v a suas mercado r i a s . Na verdade, a lei não exigia o tipo de

taxa que ele cobrava, ap en as a licença, m a t r i c u l a e o p a g a m e n t o de

um imposto pré- e stabelecid o, a dep e n d e r da o c u p a ç ã o . (48)

M e smo d i s p o s t a s a r e g ularizar suas a t i v i d a d e s no co mér ci o, as

negras de ganho, particularmente as libertas, tin ham pr i m e i r o de

transpor o b s t á c u l o s b u r o c r á t i c o s e outros. A af r i c a n a Ri tta Ferraz,

liberta, em 1849 pediu para pagar o imposto de v e n d a g e m e ne nh u m a

resp os ta lhe foi dada pela Tesoura ria. Ri tta reclamava que o prazo

para pagamento e stava termin an do, fica nd o ela prejudicad a, sem

poder re alizar suas vendas(4 9) . Estes pequenos n e góc ios garantiam

a subsistência d essas mulheres e mu it as vezes tam bém a de suas

famílias. Kssas dificuldades com a b u r o c r a c i a e a falta de mei os

para renova r o e sto que de mercadorias podiam p a ralisa r suas

a t i v i d a d e s e colocar em risco a quela so brevi v ê n c i a . Em 1849, Joana

Fr a n c i s c a da Conceiçfto, africana liberta, 60 anos, moradora na

f r eguesia da Sé, escreveu que " d 'um pequ e n o gir o no mercado de

legumes tira sua s u b s i stencia , mas por falta de mei os de i x o u de

con t i n u a r por es p a ç o de do is a n n o s . Foi o b r i g a d a a pagar o imposto

de 2 0 0 mil réis pe los dois anos sem venda, al é m de m u l t a de 1 0 0 mil

r é i s " . (50) S em dúv i d a um ôn us altíssimo para uma pobre velha.

67
Havia q u e m a c r e d i t a s s e que a vida no ganho era me l h o r e mais

amena do que cm ou tr as ocupações como, por exemp lo, a lavag em de

roupa. Compartilhava dessa opinião Ja c i n t h a do Carmo, af r i c a n a

liberta, moradora na rua dos Barris, 73, fre guesi a de São Pedro.

Ela se diri g i u à T e s o u r a r i a pedi n d o licença para "mer ca dej ar, visto

que por suas forças já não pode o c u p a r - s e de seu se rviço de lava ge m

de roupa". Implor av a ela rá pi da delib er a ç ã o , pois nào po dia "estar

parada sem agenciar os mei os de vida para poder subsist i r - s e . "

Con c l u i u alertando "para que se não veja dep ois forçada a pagar

mu 1 tas ... " (51).

As ne gr as de ga nho torn aram-se representantes típicas de um

gr upo de m u l h e r e s que p e r m a n e c e u d i s c r i m i n a d o e o c u l t o da His tór ia,

co n s e g u i n d o re si stir de m a n e i r a peculiar às flutuaç õe s do m e r c a d o

e às m e d i d a s de v i g i l â n c i a e co ntr ole social. Fugindo aos lugares

a elas d e s t i n a d o s na s ocie d a d e escravista, a s c e n d e r a m à c o n d i ç ã o de

p es soas de rel ativa importância na economia de Salvador,

particularmente por realizarem a circulação de bens alimentícios

essenciais. Apes ar da vigilância fiscal e policial imposta aos

negócio s e x e r c i d o s por afr ica nos, as mu lh eres, pare c e m ter se sa íd o

bem, ao ponto, inclusive, de pode r e m m o n o p o l i z a r alg uns setore s de

comérci o, como vi mos a n t e riormen te.

O tipo de atividade discutido nes te c a p itulo pressupunha a

liberda de de c i r c u l a ç ã o e uma p e r m a n ê n c i a demorada nas ruas. Esta

"reg al ia" possibilitou às ne gras a construção de um un i v e r s o

próprio, fo rma do por elas me sma s, seus fornece d o r e s e c l i entes

afri canos. Uma rede e c o n ó m i c a que era ta mbé m social e até política.

68
C o n s t r u i r cstc uni v e r s o d e p e n d e u das o p o r t u n i d a d e s o f e r e c i d a s pelo

mercado, do int er ess e do senhor e sobre t u d o da ou sadia em la nçar-se

nas inc er tez as da vid a quotidiana de uma s o cie dade escravista e

d i s c r i m i n a d o r a . e aí conquistar a l gum espaço. Para a escrava essa

co n q u i s t a po di a se tr adu zir na obtenção da alforria, atra v é s da

comp ra co m d i n h e i r o a r d u a m e n t e ganho no c o m é r c i o de rua. A p a s s a g e m

da escravidão à liberda de náo era po uco tortuosa. O c a p ítulo

seguint e p r e t ende dem o nstrá-lo.

69
NOTAS

1. Sobre e sc r a v o s de g a nho c onsult ar Jacob Gor en der , O e s c r a v ismo

colonial. São Paulo, Atica. 1978, p. 462; Ká tia Mat toso, Se r

e s c ravo no Brasil. São Paulo, B r asil iense, 1982, pp. 140-143;

Verger, F 1uxo e r e f 1ux o . p. 503; Le ila M e /an Algran ti , O feitor

a u s e n t e . Rio de Janeiro, Vozes, 1988, p. 49; Luiz C arlos Soares,

Os e s c ravos de ga nho no Rio de Jan e i r o do séc ulo XIX", Revista

B r a s i l e i r a de Hi stó ria , v . 8 , (n.16, março/agosto 1988), pp. 107-

142; Reis, R e b e l i ã o e s c r a v a, p. 197-215. d entr e outros.

2. C o l eção d as leis do Imp ério do B r a s i l , lo m o XXXI, Parte 1, Rio

de Janeiro, Tipografia Imperial, 1871, pp. 197-215, ar t i g o 4

(p ar á g r a f o s 1 e 2 ).

3. Andrade. A m ã o - d e - o b r a escra va, p. 132

4. 1 b d e m . p . 133

5. We ther e l l , Brasil, p. 29

6 . Johan B .Sp ix e Karl Von Martius , V ia g e m pelo Brasil 18 1 7 - 1 8 2 0 .

vO lu me 2, São Paulo, Itatiaia, EDUSP. 1981, p . 141

7. Dias, Q u o t idiano e p o d e r , p. 116. Ver t a mbém Mary Karas ch, Slave

Life in Rio de J a n eiro 1 8 0 8 - 1850. Tese de Ph.D., University of

W i sconsin. Mimeo, 1972, p. 507.

8 . Dias, Ouot id i a n o e p o d e r , p . 119.

9. Daniel Kidder, R e m i n i s c ên cia s de v i a g ens e p e r m a n ê ncia no

B r a s i 1. São Paulo, Martins Edito ra, 1972, pp 73-74.

10. C o r r e i o M e rcantil. 17.06.1840.

70
11. Vilhena, A B a h ia no s é c ulo X V I 1 1 . vol I, 1969, pp. 93,12 7-130.

12. A P E BA, S é r ie P o l i c i a, mago 3059

13. Vilhe na , A B a hia no s é c u lo X V 1 1I , p. 129.

14. Kidder, R e m i n i c é n c i a s , p . 36

15. W e t h erell, Bra s i 1 . p. 41

16. AMS, L i vro de P o s t u ras, vol. 5,Post u r a no. 57

17. Wethe r e l l , Bras i 1. pp. 4 1-74.

18. Jo rn a 1 da B a h i a . 2 0 . 0 1.1869

19. Ha bsburgo, B a h ia 1860, pp. 81-82

20. Luiz B. Mott, " S u b sí dios à história do pequeno co m é r c i o no

Brasil", R e v i sta de H i s t ó r i a , vol. 53, n. 105, 1976.

21. V i l h e n a , A B a h ia no s éculo X V I 1 1 , pp 130-131.

22. Luciano Figueredo e An a Ma ria Magaldi, "Q uitandas e qui tut es:

um e st udo sobre re bel dia e transgressão feminina numa soc ie d a d e

co lo ni al" . C a d e r n os de P e s q u i sa, n. 54. (1985), p p . 51

23. Von Pri z Ma xi m ilian, Viagem ao B r a s il 178 2 - 1 8 67, São Paulo,

Itatiaia, E D U S P.1989, p. 4b9.

24. Habsbur go, Bahia !£>60, P• 124

25. AMS, L ivro de P o s t u r a s , vol. 5. P o s t u r a n. 67

26. APEBA, Série Po 1í c 1 a . maço 3059 (28 .0 5.1 83 7)

27. Vilhena , A B a h ia no s é c ulo X V 1 1 1 , p . 93

28. H absburgo, Bahia 1 8 6 0 . p. 124

29. Ibdem p. 125

30. Wether e l l , B ras i 1 , p .6 2.

31. F i g u e r e d o e Ma ga ldi , "Quita n d a s e quit ute s", p. 50.

32. Ver Dias, Q u o tidi ano e po d e r , p. 121.

71
33 . Collecão de Leis er e s o l u ções da_A s s e m b léia__ L eg is lat iva

Prov inc ia I. Bahia, Typografia Constitucional, 1845, passim e Lei

no. 344 de 5. 08 .1848

34. Mott, " S u b sídios à hist ór ia" , p. 93.

35. Ibdem, p. 99

36. Ibdem, p. 100

37. Reis, Rebe 1 ião_e s c r a v a , pp. 206-207; "D ev assa do levante de

e s c rav os o c o r r i d o em S a l vador em 1835", A n ais do A P E B A . 38 (196S)

pp. 7 7-78.

38. Reis, R e b e l i ã o escrava , p. 242

39. Sud Me nu cci , O Pre cu r s o r do A b o l i c i o n i s m o (Luiz Gama). São

Paulo, E d i t o r a Na ci ona l, 1938, p. 20.

40. APEBA. Sé rie E s c r a v o s , ma ço 2885 (26 .05.1850).

41. APBA, Sé rie e s c r a v o s a . ma ço 2885 (30.01.1 869 ).

42. AMS, aut o de i n fração de post u r a n. 156.

43. Ibdem, post u r a 64

44. Ibdem

45. APEBA. Série E s c r a v o s , maço 2895 (14. 11 .18 48) .

46. APEBA, Sér ie Escravos, ma ço 2885 (0 5. 12.1848).

47. APEBA, Série P o l i c i a ( esc r a v o s ), ma ç o 6 285.

48. APEBA, S é r i e J u d iciária, maço 2680 (2 3.0 1.1831).

49. APEBA, S éri e E s c r a v o s , ma ço 2896 (20.07.49).

50. APEBA, Sé ri e E s c r a v os, ma ç o 2896 (09.07.18 49 ).

5 1. Ibdem.

72
V er flucU : D u js e*cravas taijna« (entre 1808 c 1810)
R u g rtu fjc Ncp.n• e ncjtia da Dahia (entre 1821 e 1825)

Encarte de fotos p. 60-61


Therese da Baviera: Negra baiana
(1888)
CAPÍTULO III

DA ESCRAVIDÃO À LIBERDADE

Vá r i o s e stud os foram esc r i t o s sobre alfor ria , mas a i nda se

carece de trabal hos direcionados para uma compreensão mais

de t a l h a d a dos escravos envolvidos e das estratégias por eles

uti l i z a d a s ne ss e processo. Durant e a escravidão as cartas de

alfor r i a s erain o meio legalm en te insti tu ido para a passagem à

liberdade, have n d o para isso d i versas m o d a l i d a d e s de cartas. Po d i a m

ser gra tui tas , onerosas ou. ainda, c o n d i cionais . Aliás, est a

última, seria uma das mais controvertidas formas de o escr a v o

tornar- se 1 iv r e .( 1 )

A fre q u ê n c i a na concessão das car ta s de al forria, dura n t e o

século XIX. cer t a m e n t e e st ava relacionada a fatores econômi co s.

M a t t o s o esc r e v e u que as suc e s s i v a s cr ise s c o n j u n t u r a i s na B a h ia do

p eríodo contribuíram para a c o n c e s s ã o de a l f o r r i a s o neros as , pois

os se nh ore s, p r e c i s a n d o de din he iro , b u s c a v a m o re torno do capital

i nves ti do at> n e g ociar a liberda de e s c r a v a . (2 )

A l guns autor es , estudando o utras regiões, chegaram a

c o n c l u s õ e s pou co diferentes. A p r o s p e r i d a d e e c o n ô m i c a rep r e s e n t a d a

pela d e s c o b e r t a de fontes a u r í f e r a s dav a o p o r t u n i d a d e ao e s c r a v o de

a cu m u l a r um p ecú l i o para al f o r r i a r - s e , co n f o r m e sug ere R u s s e l l - W o o d

para Min as Uerais no sé cu lo XVIII (3). No Rio de Janeiro, Mary

Karasch observou que a abundância de mão-de-obra escrava teria

reduzid o o pr evo de repos i ç ã o da mesma, permitindo aos s e n hores

" a l f orriar seus es c r a v o s ou permitir que es te s comprassem a sua

73
alforria , po rq ue eles facilm e n t e p o d i a m ir até o m e r c a d o escr a v o do

V a l ong o e co mp rar um e s c r a v o j o v e m " . (4) C a r n e i r o da Cun h a concluiu

que as a l f o r r i a s foram ma is co mu ns nos locais e per íodos em que não

se e m p r e g a v a m m ui tos escrav os . Este teria sido o caso de São Paulo,

na tra nsiçã o da m o n o c u l t u r a da c a n a - d e - a ç ú c a r para a de café. Al é m

de ss es aspecto s, fatores políticos parecem ter interferido na

frequê n c i a da liberdade, co mo foi o perio do de crise de

legit imidade da escravidão na s e g u n d a m etade do s éculo XIX,

principalmente após a p r o m u l g a ç ã o de leis em an e ip a c io n i s t a s .(5) ,

C o n s i d e r a n d o as cond i ç õ e s ac ima d escritas, que tipo de e s c r a v o


‫ף‬,
era ma is f a v o reci do pela a l f o r r i a / O s estudos re al izado s e v i d e n c i a m

um cer to p r i v i l é g i o por parte dos e s c r a v o s ur ba n o s em c o n q u i s t a r a

alfo rr ia, e ein pa rtic u l a r das mul h e r e s esc rav as . Com efe ito, os

maio r e s beneficiados fo ram os e s c ravos urbano s, que tinh am mais

oportunidades de poupar dinheiro e estavam mais pr ó x i m o s dos

me c a n i s m o s j u rídic os para f o r çar em o c u m p r i m e n t o da l e i . (6 )

y u a n t o a este ú ltimo aspecto, um p arên t e s e se faz necess ári o.

Após a lei de 1871, na falta de um aco r d o en tre sen h o r e s e

escr av os, o e s t a b e l e c i m e n t o do pre ço da a l f o r r i a ficava a ca rg o da

justiça. Essa legis la ção forma l i z a v a uma an t i g a prática, segundo a

qual permitia-se aos esc r a v o s ju ntar seu próp rio dinheiro e

e m p r e g á - l o na c ompra de sua liber dad e pelo pr eço de me rca do. Mas só

a parti r de 187! definiu-se que os casos liti gi oso s deveriam ser

res olv i d o s por arbitr a m e n t o , p o r tanto levados a Tr ibu nal

c o n s t i t u i d o para decidir o valor co m que o e s c r a v o d e v i a indeni za r

o se nho r em troca de sua a l f o r r i a . (7)

74
Ap es ar dos a s p ectos polêm i c o s d e ss a lei, res sa l t a d o s pelos

ab o l i c i o n i s t a s , há de se con s i d e r a r que ela ia co nt ra toda uma

tr ad ição cm que a d e c i s ã o últ im a sobre a c o n c e s s ã o da a l f o r r i a era

se mp re da a lçada e x c l u s i v a do sen hor (8 ). A s i t u a ç ã o f a vorecia aos

e s c rav os que, agora, forç a r i a m a obediência da lei através de

proce s s o s co ntra se nhores que r e c u s a s s e m a liberdade nos casos por

ela previ sto s. As "ações de liberdade" levadas ao tribunal

evidenciam que os esc r a v o s transformaram o e s paço jurí dico num

ca mp o de conflito intenso, "onde não se pode determinar com

p r e cisão qu e m s ai rá v e n c e d o r " . (4) A resis t ê n c i a neg ra foi contínua

du ra nte a esc ravidão, mas as m e d idas ema ne ip a c io n istas inf luira m

basta nte no acirramento das rela ções en tr e senhores e escrav os ,

s obr e t u d o nas c idades (1 0 ).

Quanto ao mel h o r desempenho das mulheres nas alforr ias ,

Schwartz , e s t u d a n d o as car ta s de a l f o r r i a s para o periodo colonial

na Bahia, c o n s t a t o u uma p r o p o r ç ã o de duas m u l h e r e s para cada ho mem

liberto, o que valia tanto para a região urb ana como a r u r a l . ( 1 1 )

Para o s éculo XIX, Mattoso ch eg ou a proporção s em e l h a n t e sobre o

predomínio das mulheres nas cartas de a 1f o r r i a s .(12 ) Esta m e s ma

s i tuação apar e c e nos tr a balhos sobre São Paulo, durante o mesmo

período, c o n forme est u d o realizado por Pe te r E i s e n b e r g .(13) O

me lhor desempenho fe minino nas alforrias se torna ai n da mais

significativo se consideramos que as mulheres er a m minoria na

p o p u l a ç ã o e s c r a v a . (14) I n icialme nte temos uma e x p l i c a ç ã o econô mic a.

O escravo hom em era uma m ã o - d e - o b r a ma is v a l o r i z a d a no me rc a do. As

e s c rav as t i nham um p r eço menor por se rem consideradas menos

75
proilu t ivas . ( L5 ) Ou como es c r e v e u Mattoso:

"De q u a l q u e r maneira, a p r e s e n ç a de um n ú m e r o m a i o r de
m u l h e r e s a l f o r r i a d a s p r e n d e - s e ao fato de que elas têm,
s o b r e o m e r c a d o de trabalho, um valor um p o uco inferior
ao valor do e s c r a v o homem. De fato, desde o inicio, a
m u l h e r era c o n s i d e r a d a m e n o s p r o d u t i v a e com m e n o r força
física, o que, c o m o seu e n v e 1h e c i m e n t o , devia se
c o n s t i t u i r cm um handifcap ainda maior. "(lb)

Daí po rq ue se a l f o r r i a v a m mais m u l h e r e s do que homens.

Por outro lado, as e s cravas ti nh am mais oportunidade para

estabelecer laços af e t i v o s com os senhor es, sendo estes bas tante

comuns nos textos das ca rt as de alfo rr ias . Esses laços não se

desenvolviam ap ena s em d e c o r r ê n c i a de ter o sen hor feito de suas

es cravas parc e i r a s sexuais. As a m a s - d e - 1e i te e mucamas , por

exemplo, freq u e n t e m e n t e tin ham a es t i m a dos senhores. Mas a

alforria dependia qua se se mpr e dos "bons s e r viços e obediência”

p r estados aos s e n hore s e suas famíli as ao longo de m u itos anos. As

do m é s t i c a s s e r i a m nesse caso as mais b e n e f ici adas, pois v i v i a m na

inti mi dad e da casa. Isso principalmente qu a n d o se tra tava de

a l f o r r i a s g r a t u i t a s .(17)

No caso de cartas pagas, prováve l m e nte co ntri bui ram a

profissão e a qualificação para d e t e r m i n a d o s serviços. N ão se tem

certeza quanto à proporção de e s c ravas domésticas e no g a nho que

receberam al for ri a, e qual sua modalidade (pagas ou gratuitas),

porque os d o c u m e n t o s são o m i s s o s no registr o da oc upa çã o. Mat tos o,

estudando o biê nio 1815-1816, encontrou 677 car tas de alf orr ias .

Destas, 314 fo ram pagas e 363 gratuit as. Dos e s cravos que pagaram

sua alf or ria , 93 er a m do sexo m a s c u l i n o e 221 do sexo feminino. Dos

que a receberam grat u i t a m e n t e , 136 e r a m hom ens e 227 mulher es . O

76
que se observa é que as mulheres nesse perí o d o predominaram nos

dois tipos de car ta s de alforr ia s. Co m o na sua m a i o r i a elas eram

domés tic as. po de-se supor que em amb os os casos a ocupação

fa c ili tou c o n s e g u i r e m ma is boa vontade dos p r o p r i e t á r i o s do que os

h o m e n s .(18)

Ha vi a d i f e r e n ç a s q u a n t o à forma de e n c a m i n h a m e n t o da liberd ad e

pelas e s cr avas domésticas e aque l a s dedicadas ao ganho. As

do m é st icas. como foi dito, pod i a m se valer das rela çõ es

estabelecidas co m a fa míl ia e b arga n h a r a liberdade gratuita.

Porém, ma is distantes e s t a v a m de p o d e r e m co mprar a sua liberdade,

isto porque, difici l m e n t e , podiam a cumular um pecú lio com os

serviç os que r e a l i z a v a m no á mbito familiar. As car tas de a l f o r r i a s

são cl ara s qu a n t o aos motivos alegados para sua concess ão ,

pa r t i c u l a r m e n t e aque l a s p a s sa das gratuitamente às e s c ravas

domé sticas. Alegava-se, an te s de tudo, razões de o r d e m pessoal para

o benef íc io , como, por exemp lo , o fato de ter cri ado o sen hor e

seus filhos, por ter m uitos anos de serviço, por ser a mãe dos

filhos do seu senhor, por ter serv ido bem a sua senhora, pelo amor

de seu se nhor etc. (19) A vida no ganho p ermitia uma saíd a

dife re nte . A possibilidade de apressarem a alforr ia , atra v é s do

pecúlio, era mais fácil, principalmente se dedicassem a algu mas

da q u e l a s ocupações no g a nho mais re n tá v e i s .( 2 0 )

A c o n c e s s ã o de alf o r r i a fa v oreceu os e s c ravos de cor mais clara,

ao m e s m o tempo que fa v oreceu os n a s c idos no Brasil, em d e t r i m e n t o

dos african os. Epi s ó d i o s tra tad os nas pág in as do Jornal_d a B a h i a .

em 1855, esc larecem:

77
"Acção l o u v á v e l . Há dias f a z i a - s e na c i d ade da B a h i a um
leilão de e s c r a v o s de p e s s o a que se havia m u d a d o pa r a
P o r t u g a I ; n e s s e leilão havia uma c r i a n c i n h a de 17 meses,
m a i s alva do que m u i t a s p e s s o a s brancas. Um dos
c o n c o r r e n t e s , s e n h o r M a t h e u s dos Sanctos, c o m m o v i d o ,
a g e n c i o u a¡li m e s m o a q u a n t i a s u f f i c i c n t c para d a r - l h e a
lib e r d a d e e a carta foi i m m e d i a t a m e n t e passada. A c ç õ e s como
essa não d e v e m ficar d e s a p e r c e b i d a s . (J.B., 0 7 / 0 2 / 5 9 ) "

"Sendo h o n t e m c o n d u z ida à s e c r e t a r ia da policia uma m u l h e r <È


IS an o s de idade, quasi branca, para ser d e s p a c h a d a para o
Rio de J a n e i r o , d e s p e r t o u d e n t r e os e m p r e g a d o s daquella
r e p a r t i ç ã o tal s e n t imento de c o m i s e r a ç ã o que, c o n s u 1 tado o
n o b r e chefe de r e p artição, a b r i r a m uma s u b s c r i ç ã o
a p r e s e n t a d a peia m e s m a à S. Exa. o s e n h o r Presidente, este
d i s t i n t o c a v a l h e i r o se d i g n o u c o m a m e l h o r vontade a s s i g n á -
la, b e m como o 1 Ilustre dr. C h e f e de Policia, seus d ignos
e m p r e g a d o s e d i versas o u t r a s pessoas.
A q u a n t i a já a r r e c a d a d a m o n t a e m cerca de 2 0 0 . 0 0 0 reis, m as
e s t a n d o elle m u i t o a q u e m da de 1 . 0 0 0 . 0 0 0 de reis que e x i g e m
os s e n h o r e s da di e t a escrava, os n e g o c i a n t e s desta praça
A n t o n i o J o a q u i m de G u e r r a B a s t o s & Cia., p e d e - s e em nome da
Religião, da human i d a d e , do p r o c e s s o da civilização, para
que se p r e s t e m as alm a s bem f o r m a d a s a c o n c o r r e r para tão
nob r e fim. A s u b s c r i ç ã o está se n d o a g e n c i a d a pelo
d e s p a c h a n t e João Silva F r e i r e Junior, a q u e m m u i t o de v e r á a
b e n e f i c i a d a p e l o t raba 1ho que de b o m g r a d o a si tomou.
( J . B . 5 . 0 3 . 1855)

Por vários dias os protet o r e s da escr a v a R o s a l ina, par da qua se

branca, se mobilizaram para obter a quantia exigida por seus

senh ores e, através de doações , finalmen te c o n s e g u i r a m compra r sua

a l f o r r i a . (2 1 )

Esse episódio aci ma noticiado evidencia a mobilização de

pess oas bra ncas em favor da liberdade, procurando sensibilizar a

opi n i ã o p ú b lica para o qu a n t o era imoral a escravidão em se

tratando de pessoas claras. E s c r a v i d ã o era coisa de negro. Escravo

bran co desnorteava as me n t e s da época. Enquanto isso os neg ros

b a t a l h a v a m sozinhos.

À luz dos no vo s estud os, já não se adm ite a omissão dos

esc r a v o s em sua t r a j etória para uma vida em liberdade. Enq u a n t o

78
d u rou a e s c ravid ão, eles reagiram com atos de r e b eld ia e

re si st ênc ia, ao tempo em que c o n s o l i d a v a m e s t r a t é g i a s p a c í f i c a s de

sobrevivência e mobilidade social. Essas ações certamente

c o n t r i b u í r a m para o d e s g a s t e do s i s t e m a e d e m o n s t r a m que o so nh o de

liberda de foi const an te . In úme ros foram os me ios utilizados para

este fim, inclusi ve os encontrados nas brecha s ju ríd icas da

escra vid ão. Ne st a luta pela liberdade, ou na conq u i s t a de uma vida

considerada ma is "digna", a pe sar da e s c r avidão, a ne gra b a iana

tambéin foi p e r s o n a g e m central. A p o i a d a nas leis ema ne ipac ion is tas ,

não deixaram de influir nas r e l ações se nho riais , barganhando

c o n c e s s õ e s ou s i m p l e s m e n t e a p e l a n d o para atos d e c i s i v o s de ruptur a

co m a escra v i d ã o , como a fuga, e até mesmo o suicídio. A pesa r da

possibilidade de serem a l forria das, as escravas não aguardavam

passivamente esse ben ef íci o. A alforri a, gratuita ou não, era um

instr u m e n t o de c o n trole e c o e r ç ã o dos proprie t á r i o s , visando impor

ao e s c r a v i z a d o um c o m p o r t a m e n t o ex emp la r. Ora, este cami n h o po dia

du r ar longos arios. Apressar a liber dad e significava não fazer o

jogo sen ho rial, mas usar dos m e c a n i s m o s legais e respald a r - s e num a

rede de ap oio e x t r a - s e n h o r i a 1 mais ou m e nos sólida.

1 'ara evidenciar as concepções de liberda de explícita ou

imp l i c i t a m e n t e defendidas pelas negras, analisamos algumas "aç õe s

de liberdade", co mo se chamava este tipo de demanda juríd ic a,

protagonizadas por mul here s. A a n á lise d essa s fontes p e r mite o

reto rno à d i s c u s s ã o de d i v e r s o s a s p e ctos das c a rtas de a l f o rrias,

em particular dos emb a t e s en tre sen h o r e s e esc rav as, em tor no da

1 ib e r d a d e .

79
Eni ju nho de 1872, em Sal vad or , as c r i oulas S e v erina e Maria do

C a rmo deram entra da a uma aç ão de liberdade e ped i d o de

d e p ó s i t o .( 2 2 ) O depósito significava o re col him en to, do e s c r avo

autor da demanda em lugar seguro, podendo ser u residência de

particulares in dic ad os pelo juiz ou a própr ia cadeia, até a

c o n c l u s ã o do proce sso . Evi t a v a - s e com isso a r e t a liação do senhor,

que pod ia se d e s fazer do escravo ou en tão aplicar-lhe se ve ros

castigo s pela o u s a d i a de levá-lo a tribunal. As crioulas Sev e r i n a

e Ma ria a l e g a v a m e s t a r e m s e ndo c o n t i n u a d a m e n t e m a l t r a t a d a s por Afra

Jo aq ui na V i eira Muniz. Afra era africa na, ex -e scrava , que havia

a s c e n d i d o à c on d i ç ã o de senhora, p r o v a v e l m e n t e porq ue cas ou-se com

o p ró prio senhor, S abino F r a n c i s c o Moniz, tam bém a f r i c a n o liberto

c proprietário de escra vos . Em um documento ele apare ce como

c o mprador da a f r i c a n a M a ri a Anto n i a em 1859 e num o ut r o co mo sen ho r

do a f r i c a n o Isidoro, com q u e m v iajou para o Ri o de Jane i r o em 1867.

Num ter ce iro do cu ment o, de 1870, ele e Afra venderam a alforria à

escrava Mar i a Luiza, mãe da cri oula M a ri a do C a rmo que agora

pro c e s s a v a Afra. Sabino en tã o m orreu en tre 1870 e 1872.(23) Antes

de mo rrer, libertou as c r i ou las acim a ref e r i d a s com a c o n d i ç ã o de

acompanharem sua m ulher até sua morte. Esta con d i ç ã o ser ia o

a s p e c t o central de st e processo, que se a r r astou por três anos.

Havia uma en orme diferença en tr e ser liberta da i m e d i ata mente

e sê -lo de forma condiciona l. As car ta s condicionais colocavam o

e s c r a v o numa c o n d i ç ã o ambígua, en tre livre e p r o p r i a m e n t e escravo.

A r e s t r i ç ã o mai s c o m u m era a de que o liberto só g o z a r i a ple n a m e n t e

da liberda de após a m o r te do senhor. Ao escravo inter e s s a v a a


in te gridade do e st a d o de liberto, e n q u a n t o o senho r a c e n a v a com a

liberdade, fo rça ndo a d i s c i p l i n a dos semi - I ib e r t o s , ao tempo em que

r e t a r d a v a - 1 hes o direito de disporem de suas vidas como

e n t e n d e s s e m . (24)

Não sabemos como Afra J o a quina tor nou-s e companheira de

Sabino, já que os autos do pro c e s s o não reve l a m ma i ores da dos so bre

sua vida. Ent retanto, po de- se imaginar que Af ra tivesse e x e r c i d o um

lugar especi al na vida afetiva do liberto, cat iva ndo-o , criando

eleme n t o s que o in f l u e n c i a r a m na d e c i s ã o de ser le gi tim ad a como sua

m ulher e h e r d e i r a das crioulas.

As c r i oulas h avi am sido compradas pelo casal de ex -escravos,

e estavam obrigadas a ser vi r Af ra até sua morte. Era uma sit u a ç ã o

delica da, e m b o r a m u ito c o m u m na esc ravidão. A alegação das ne gr as

era a de que cu mp ririam, como libertas, a con d i ç ã o de a c o m p a n h a r a

mulh er de seu ex-se nh or. N estas condiç õe s, não poderiam ser

sub m e t i d a s a cast ig os, só ado t a d o s c on tra escrav os . Elas se

ne g a r i a m a fazer qua l q u e r s e r v i ç o para Afra, tendo i n terpretad o o

verbo " a compan har" de Sa b i n o ap en as co mo viver junto, mo rar junto,

mas sem trab al har , m u ito men os para q u e m in si sti a em " o b r i gá-las à

rig oroso captiveiro e castigando co m chico te" . Portant o, era

injusto e contrário à co n d i ç à o de liber ta s o t r a t ament o

d i s p e n s a d o .(25) T e ria sido diferente se cm lugar de " a c ompanhar "

tivesse ali escrito "p re star ser v i ç o s " ? Ou será que as cr i o u l a s

usaram de sse argumento co mo subterfúgio pa ra fugirem da claãsuta

testam ent al e a s s u m i r e m d e f i n i t i v a m e n t e a c o n d i ç ã o de libertas?. É

bem pr ov áve l que se trate da s egu n d a sit ua ção . Nes te caso, elas

81
e s t a r i a m se a p r o v e i t a n d o do clim a ema ne ipac i o n ista p r e v a l e c e n t e na

época. Nã o de ve ser c o i n c i d e n c i a que o pro c e s s o tenha sid o a b erto

em 1872, ap e nas um ano após a lei do "Ventre Livre", lei que

regulava vá rio s a s p ectos dos dir e i t o s de senhores e escra vos .

Deve - s e c o n s iderar o fato de duas c r i oulas se rem esc r a v a s de

uma african a. É sab ido que ser a f r i c a n o s i g n i f i c a v a estar no ú l t imo

lugar na h i e r a r q u i a social. Era praticamente s i nô nimo de escravo.

Crioulos e africanos ti ver am uma rel aç ão nem semp re har m o n i o s a na

h i stória da escravidão baiana. Ape sar da semelhança de cor, er am

d i f e r e n t e s na o r i g e m e costu mes , e m b o r a não falt a s s e m m uitos pon tos

de convergência neste úl t i m o caso. O fato é que as cr ioulas não

e s t a v a m s a t i s f e i t a s em p e r m a n e c e r e m na si t u a ç ã o a m b í g u a de liberta

e e s c rav as da a f r i c a n a Afra, s o b r e t u d o por ter sido es ta igualme nt e

escrava como aquelas. Co m o se vè. ser m ul h e r e da me sm a cor não

im p ediam conf l i t o s profundos como este. A escravidão tinha esse

poder de d i v i d i r a todos.

Não sabemos ao certo o tipo de serv i ç o que Sev e r i n a e M a r i a do

C a rmo for am o b r i g a d a s a ex ec uta r. Entretanto, é provável que fo ss em

tarefas "de esc ravo", as quais te ri am rec u s a d o par ul t r a p a s s a r os

limites de s o l i d a r i e d a d e que cara c t e r i z a v a , segundo te ste mu nho s, a

vida das três. Co m o senh o r a de suas "irmã s de cative iro ", Afra

passou a ex igir a realização de se r v i ç o s que, quando não

r e aliz ado s, redun d a v a em casti gos .

As rel aç ões en tre se nhor negro e esc r a v o s não diferiam

essencialmente daquelas en t re es te s e se n h o r e s brancos. A vida na

es c r a v i d ã o ensinara ao ex-escravo que ser livre im pli ca va

82
escravizar os outros, e ser sen hor era ler po der de infligir

ca s tigos e u s u fruir do tra balho a l h e i o . (26) Na re la ção en tre as

c r ioulas e Afra, qu e m assumiria a funçã o de exemp lar , se m p r e que

achass e n e c ess ário, seria o filho da senhora. Anteriormente à sua

chegada, v i viam todas em harmonia:

”... mtts. que d e p o i s da vinda da Costa d 'Africa do


filho da re f e r i d a Afra, de nome Leoncio, desde
essa época prá cá, são c o n t i n u a m e n t e mal tractad a s c
mal ali m e n t a d a s , p r o c e d i m e n i o este p r a t i c a d o por
L e o n c i o c o m a p o i o e c o n s e n s o da ref erida A f r a . ”

Le o n c i o teria assim rompido um pa ct o entr e as trés, no qual

não c a b i a m ess es ma us -tratos. f‫׳‬ara prov ar os a buso s cometid os , as

cr i oulas contaram com a solidariedade de am ig os e pa rentes.

De p u s e r a m em favor del as Lá za ro dos Santos, liberto, Augusto

Ignaci o dos Santos, marceneiro e José dos Reis, sapat eir o, tudo

gente mi úda das c amadas populares . I n felizme nte não s a b e mos a

co n d i ç ã o racial e social d estes doi s últimos. L á zaro revelou que as

crioula s já ha v i a m sido a n t e r i o r m e n t e r ec o l h i d a s à casa de c o r r e ç ã o

a pe dido de Afra. C o n h e c i a e era am igo de M a ria Luiza, a f r i c a n a mãe

de Ma ria do Carmo, justam e n t e uma das crioulas respons á v e i s pela

de m a n d a judicial. Mana Luiza, co mo vimos, havi a tam bém sido

escr a v a do casal S ab ino Franc i s c o Mu niz e Afra J o a quina Vieira,

tendo adquirido sua alforria em 1870 por 1: 40 0$0 00 réis(27).

Decerto. Maria Luiza, se ndo mãe de uma das criou las , a j udou na

seleção de t e s temunhas qu e f a v o r e c e s s e m as envo lvid as. De um mod o

geral, todos que d e p u s e r a m a c u s a r a m Afra e seu filho do tra t a m e n t o

d e s u m a n o a que s u b m e t i a m as duas mul her es.

83
Tendo sido depositadas em segurança enq u a n t o dura s s e o

inquérito, as c r ioulas reconheceram a obrigação fixada por Sabino,

mas rejeitavam s e rem tra ta das corno m e ras es cravas. Veja m o s o que

ar g u m e n t o u seu a d v o g a d o Vic t or de Araújo:

"(Jue as sup l i c a n t e s , d e s d e a m o r t e de seu bem feitor,


c o n s e r v a r a m - s e em c o m p a n h i a da s u p r a d 1 t a , até que,
pe l o s m a u s tratos e s e f v i c i a s que s o f r e r ã o r e q u e r e r ã o o
d e p ó s i t o a Iludido."

"Que em face da lei, tendo ellas estado livres - não


podião ser castigadas, e muito menos açoitadas como o
forão. "

O advogado argumentaria ai nda que Afra teria substituido o

sent i d o da palav ra " acompanha r", determinado em c l á usu la

testame nt al, por "servir", definindo o p r o c e d i m e n t o dos herd e i r o s

como c o n t r a d i t ó r i o s em r elação ao d e s e j o do fin ado ex- se nho r:

‫״‬A a l f o r r i a que lhes c o n c e d e u o m a r i d o da ré, em vez db


um b e n e f i c i o t e r m i n o u - s e - l h e em m a r t i r i o c o n s t a n t e w
qual talvez n ã o e s t i v e s s e m e x p o s t a s si a ré e seu
filho, d e s p e i t a d o s c o m o f i c a r ã o pela phi larit ropia do
finado, não se v i s s e m dest 'arte d e s p o j a d o s de p a rte da
h e r a n ç a que lhes p e r t e n c i a . "

Mãe c filho pareciam temer a pe rda talvez de seus únic os

bens e fonte de renda. In fel iz mente, não foi possível local iz ar o

t estamento de Sa b i n o F r a n c i s c o M on iz para c o n f i r m a r esta suposiç ão.

S e v e r i n a e Ma ria do C a r m o p r o c u r a v a m apoia r - s e na legislação

que p r o ibia os c a s tigos e x c e s s i v o s a d m i n i s t r a d o s pelos sen hor es . E,

ad em ai s, na co n d i ç ã o de s e m i - 1 i b e r t a s , não p odiam ser castigadas

como e s cravas, h a v endo e n tão motivo suficiente para requererem a

84
liberdade independent e das condi ç õ e s estabelecidas pelo testador.

Mas ap r o p r i e t á r i a procurou defender-se al e g a n d o que tudo não

pa ss ava de um pl ano por elas hab i l m e n t e arquitetado. ju nto com

amigos, para f ugirem da c l á usula testam en tal :

"Por que é falso que as a u t o r a s s o f r e s s e m da ré d epois


da m o r t e de seu m a r i d o m a u s tratos, serv i c i a s e
acoites. Por que não c o n t e s t a n d o a ré a liberdade
conferida, n e m p r e t e n d e n d o as a u t oras m a i s do que
i s e n t a r - s e da c o n d i ç ã o c o m que ella foi concedida, não
há q u e s t ã o de I i b erdade e é p o r t a n t o incompe t e n t e a
aç ã o que p r o p o e m .

Por que de m o d o nenhum, pode ser cons iderada como


p r e t e n d e m as au to r a s , i m p o ssível a con d i ç ã o do
t e s t a m e n t o p o r q u a n t o è por capricho, ínxrat idão ou
m a u s c o n s e l h o s que as a u t o r a s se r e c u s a m a p r e s t a r os
s e r v i ç o s a que e v i d e n t e m e n t e são obr ifiadas".

O ad v o g a d o da senho ra pr ocurou neutralizar as test em unh as ,

a r g u m e n lando:

" Sevicias - até pancadas, contusões, e ferimentos, não


se prova com p a l a v r a s : pois que se sabe que o m e i o
c o m p e t e n t e de c o r p o de delito, o era que nunca a elle
r e c o r r e r ã o as autoras... £ que t e s t emunhas forão as
que el l a s d e r ã o ? c e r t a m e n t e que não pod i ã o ser p i o r e s e
n e m como lá se d i z de m a i o r e n c o m e n d a -
c o n t r a d i c t o r i o s , parciais, e s u s peitas, em uma pala v r a
e m fim os p r ó p r i o s acoi tadores das m e s m a s autoras, e m
mãe, c o m o el l a s m e s m a o c o n f e s s a r ã o . "

A p esar de todo es fo rç o, as c r i o ulas perderam a ação e foram

obrigadas a retornarem para Afra, condenadas ai nda a pagarem as

custa s do proce ss o, o juiz ent e n d e u que não se tr at ava de um caso

de c o n s t r a n g i m e n t o de liberdade, pois livres já estavam. O que se

discutia era a obrigatoriedade de permanecerem com Afr a ou a

e x t i n ç ã o da claú^su la , pe los moti v o s al eg ado s. O juiz e n q u a d r o u - a s


/
no pri m e i r o caso. Ag ora r estava esperar pela mo rt e br ev e de Afra

85
Jo aquina, pois tendo desafiado publicamente a "s enhora negra", o

re to rno à sua casa po di a s i g n i f i c a r o a u m e n t o de se vícias.

Sendo libertas c o n d i c i o n a d a m e n t e , a r e p r esália não p o d e r i a ser

a venda ou o aluguel para s e r v i r e m c m lugares distante s, um tipo de

a titude mui t o comum co n t r a es c r a v o s que ousavam des a f i a r os

se nhores. A coerção provavelmente assumiria out ras formas, no

minímo trabalh ar para se m a n t e r e m e á própria s enhora e o filho, e

viver sob forte vigi lâ nci a.

Os e s c r a v o s a c o m p a n h a v a m a e v o l u ç á o da cri se da e s c r a v i d ã o e

t e n tavam tirar p r o veito da situa ção . No e m p e n h o para conqui s t a r a

liberdade, não mediam esfo rç os. A partir dos anos 50. e mai s

precisamente !os 70 do s éculo XIX, parecem ter aumentado as

investidas das mulheres u s ando dos re cu rso s da le gi sla çã o para

fazer valer seus interesses, Em 1871, como vimos, foi e s t a b e l e c i d o

que. lendo o e s c r a v o ob t i d o um pec ú l i o e q u e r e n d o tornar -se livre,

seu sen hor era obrigado a n e gociar seu valor. Baseando-se nesse

d i s p o s i t i v o da lei. mu i t a s esc r a v a s e n f r e n t a r a m senho re s c om a arma

do d i n h e i r o em troca da liberdade.

Com fr eq uên ci a, porém, os ca sos de "resg at e forçado" er a m

decididos na ju st iça co n t r a a vo nt ade sen hor ia l. E x e mplo d e ssa

s i t uaç ão aconteceu com a crio u l a Fel ic idade, em 1880, que aos 19

anos e ntrou com uma açã o de liberdade, j u s t i f i c a n d o que "por meio

de suas age n c i a s adquiriu a quantia de 600.000 réis com a qual

quantia pretende ob ter sua liberd ad e que lhe é p e r m i t i d a na forma

da lei n ? 2. 040 de 28 de setembro de 1871". O se nhor contrariou a

decisão da escrava, negando-se in cl usi ve a com p a r e c e r à audiência

86
onde ser ia julgado o caso. Ao tomar es sa atitude, o proprietário

permit iu que a escrava losse avaliada à sua revelia. Os

a v a lia dores, nes ses casos, d e v e r i a m obs e r v a r certos c r i t é r i o s como

a profiss ão, idade e saúde da q u e l e s que p r e t e n d e s s e m a l f o r riar-s e.

A essa a ltura do século, as idéias a b o l i c i o n i s t a s in f l u e n c i a v a m em

mui to as avaliações e de c i s õ e s finais dos juizes, o que talvez

ex p l i q u e as s u c e ssivas v i t órias de esc r a v o s que li ti giaram para se

to rn arem libertos.

A escrava Fel i c i d a d e foi deposi tada, para que não so fresse

rep re s á l i a s do senhor, e foi nomeado um cur a dor que lhe

re p r e s e n t a r i a no tribunal. A aç ão foi en tã o julgada por dois

perito s avaliadores que, dizendo "ter em vis ta som ent e suas

c o n s c i ê n c i a s e o es t a d o actual da empreit a n t e . sua idade provável,

sua c o n s t i t u i ç ã o e e n f e r m i d a d e p h i s icas ou cr ôni cas ", d e t e r minaram ,

una nim ent e. a quan t i a de 700 mil réis, "a seu ver mui just o e

rasoave 1". Fo i- lhe em s e g uida pas sa da ca rta de I ib e r d a d e .(28)

N em sem pre as opi n i õ e s dos juizes c oincidiam, se ndo n e c e s s á r i o

a avaliação de uma terceira pessoa. Em 1879, a escrava Fl orinda,

" q uerendo tract ar de sua li berdade e não pod e n d o fazer livre de

constrangimento por ac h a r - s e em poder do seo senhor", pe diu para

ser d e p o s i t a d a junto co m seu pec úlio (60 mil réis) até que h o u vesse

aco r d o no arbitr a m e n t o . No tribunal, a escrava foi avaliada

i n icialmente por do is peritos, representando cada um o intere ss e

dos diretamente e n v o lvidos. O prime iro , defendendo o intere sse do

proprie tário, a valiou a escr ava em 150 mil réis, o segundo,

buscando favorecer a li bertanda, avaliou-a em 60 mil réis. Foi

87
p reciso c o nvocar mais um aval iado r, que r a t ificaria os 150. 00 0 réis

defendidos pelo pro pri etário. Flo r i n d a era provavelmente idosa,

pois o pr eço m é d i o de a l f o r r i a de uma e s c r a v a ad ul ta era, em 1879,

583 mil réis, e o de um idoso. 375 mil réis. Nota-s e e n tão que os

150 mil réis pe didos pelo se nho r era um valor baixo, e m u i t o mais

baixo ainda os 60 mil do curador da escrava. Isso m ostr a que levar

o se nh or as bar ra s do tribunal podia ta mbém represen ta r uma tática

do e s c ravo para di m i n u i r o preç o que p a g aria pela liberdade. Ca s o

fi ze ss e as co nt as a penas com o senhor, t erminar ia p agan do mais.

O u t r o ca so de re s i s t ê n c i a do sen hor à li berdade de uma e s c rava

ocorreu, nesse m es m o p e r íodo (1879), com a africana Ge rm ana . 60

anos. Casada com Manoel Pi nt o de O liv eira, crioulo forro, a legou

ela que seu marido - "conseguindo re aliz ar a quantia de 180.000

réis, a d q u i r i d a com seu tr aba lho e que se d e s t i n a como p e c úlio para

a liberdae da s u p l i c a n t e sua mu lher" - pedia que fosse depositada ,

"visto que seu senhor, não tem quer i d o pre s t a r - s e a um ac o r d o

rasoavel sobre o justo val or da sup licante". Ap esa r da idade

a vança da , a escr a v a queixava-se de es tar "se mpr e em p e noso e

ri g oroso cativ ei ro ", e o se nhor negava-se a al forriá-la, "sem

attenção à avançada idade da supli ca nte , seus ach a q u e s p h isicos e

chro nicos. adquiridos na constancia do trabalho, de ter a

s u p l icante produzido q uinze crias, um dos qu ae s liberta, na idade

de seis meses, pela fab ul osa quantia de 500 mil réis e ser a

sup l i c a n t e c asada e viver s e p arada do seu ma rido, homem livre

também idoso e a c h a c a d o de m o l é s t i a s . "

88
Eis um ca so doloro so : 60 anos, mãe de 15 crias para o senhor,

doente, s e p a r a d a do ma r i d o pelo cati ve iro . Dura n t e o j u l g a m e n t o da

ação, a escr a v a c heg ou a ser avaliada em 250 mil réis pelo

re p r e s e n t a n t e do senhor, mas definitivamente Germana não valia

tanto: os juizes concluíram que sua liberda de c u s taria 150 mil

réis, em vi rtude da sua pouca saúde. Não podemo s informar que tipo

de tarefa executava Ge rma na, p o rém ela sa bia que sua liberda de

c u s tar ia caro. Por isso, d e p o s i t o u a q u a n t i a de 180.000 réis. Te n d o

sido avaliada a bai xo do valor previst o, e s c reveu á t esouraria

pedindo a d e v o l u ç ã o do e x c e d e n t e d e p o s i t a d o .(30 )

As m u l h e r e s não c u i d a v a m ape nas de sua p róp ria liberdade. Era

co m frequência que mães e s c ravas e libertas mobilizavam-se para

tornar livres filhos que ha v i a m p e r m a n e c i d o na escravi dã o. Em 1852,

Libãnia, crio u l a liberta, mãe de do is í 1 Ihos pardos, Cassiano e

Laudim ira , am bos es cra vos , querendo libert á- los m e d i a n t e o val or de

1 co nto de réis, que não possuía, dirigiu-se à Sociedade

A b o l i c i o n i s t a Do is de Julho, para que est a a s s u m i s s e i n tegralmente

a com pr a da libe rd ade ou contribuísse c om uma p a r t e . (31) Não

sabemos se ating iu seu objet iv o. Em 1859, M a r i a Ma gda lena, escrava

crioula, implor ou que o se nh or estabelecesse o valor da liber da de

do filho, "em atenção as circunstâncias da suplicante v i sto que

para es se fim as pes soa s que pr o c u r o u levá-lo a b atismo de entre si

e seus conhecidos t r abalhão para livrá-l o da degradante so rte de

e s c r a v o " .(32) Observe-se nes te caso que, ao invés de bu scar uma

in s t i t u i ç ã o (uma a s s o c i a ç ã o em an e ipac ion ista , por exemplo), a mãe

lançari a mã o de sua rede pessoal de soli d a r i e d a d e , que in cluía os

89
p a drinhos da cria nça e ou t r o s ami gos dela.

Em I860, Fe lic idad e, a f r i c a n a liberta, veio do Rio de Janeiro

alfo r r i a r sua filha, a crio u l a Maria da Concei ção . Tinha com

certeza alimentado por longos anos este projeto, enquanto

tr a b al hava no g a n ho na C o rte do Império. E pode ter e m i g r a d o para

o Sul precisamente em bu sca de um m e r c a d o de trab al ho maior, que

lhe permitisse mais rapidamente ob te r o dinheiro da liberdade de

sua filha. Con s e g u i u , emb ora p a s sas se d epois pelo su sto de não

poder reto rn ar para o Sul na data pr evi st a, por ter ado e c i d o e os

pa ssaportes, o seu e o de sua filha, e x t r a v i a d o s (33). H a via uma

preocupação das mães neg ras libertas. ou ain da escra va s, em

resg atar seus filhos da co n d i ç ã o escra va, no que dispendiam os

maiores esf orç os. Te mos assim evidencias de que o sentimento de

m a t e r n i d a d e negra, ap es ar das c i r c u n s t â n c i a s que a m e a ç a v a m sufo c á -

lo, existiu co m toda força e vigor. O cas o das crioulas S e v e r i n a e

Ma ria do Carmo co nt ra Afra Jo a q u i n a também exemplificam isso.

Le m b r a m o s que contaram co m a aj uda da mã e de M a ria do Carmo. O

inverso t ambé m podia aco n tecer: filhos que batalhavam pela

liberda de de mães. Em 1877, M a ria Si l v e r i a da Cunha, filha liberta

de a f r i c a n a esc ra va, d i r i g i u - s e ao P r e s i d e n t e da p r o v í n c i a p e d i n d o

" l icença para d a r-se um b e n e f í c i o no Passeio P ú b lico afim de

ob t e r e m - s e m e i os para a a l f o r r i a da mãe da su plica nte". Por

"b e n ef ício" entenda-se algum ev e n t o públ i c o visando a coleta de

do nativos. Pa ra isto c ont a v a ela com a a j uda de "pesso as g radas e

que se interessão pelo be m es ta r d e stas po bre s mãe e filha para

angariarem qualquer onus em seu beneficio para tào humanitário

90
fira". O pe d i d o foi d e f e r i d o <34).

Oulro i n teressante caso de escravidão contestada foi o

protagonizado pela africana Constantina, cor fula, filiaçã o

desconhecida e "cora pouca aptidão para o tr aba lho de g a n hadeir a",

p e r t e n c e n t e a A n t o n i o Al ves Fer nan de s. Em 1 8 8 6 , ra apenas do is anos

da ab ol içã o, a escr a v a deu entrada em seu ped ido de liberdade,

alegando ter sido impo rt ada após a p r o m u l g a ç ã o da lei de 1831, que

pr oi bia o trá fic o da Africa. Para isto, v a l eu-se dos dados pe s s o a i s

que constavam de sua ma tricula, efetuada em 6 de maio de 1872 ,

onde o se nhor d e c l a r a r a ter ela 40 anos. Po rt ant o, n ascera em 1832

e, sen do afr ica na , ficava provado que vier a para o Brasil após

1831.(35)

Originária de pr ess ões inglesas, a lei de 18 3 1 era

sistematicamente desrespeitada pelos t r a f icantes e senh ores de

es cr av os. E ficara esquec ida . Não pe los es c r a v o s e seus aliad os.

S e g und o es sa legislação, os escravos im por tad os após essa data

ser i a m c o n f i s c a d o s e c o l o c a d o s sob a tutela do gove r n o bras ileiro,

r espo ns áve l por seu des tin o. Permitia-se que eles servissem em

ob r as p úbli cas , i n s tituiçõ es pias, a Igreja e até mesmo a

p a rtic ulares. De mo d o geral, er a m submetidos ao mesmo t ra t a m e n t o

dispensado aos esc ra vos . Nessa condição mu i t o s permaneceram até

morte, pois o governo só decidiria sobre suas vidas em 1864,

emancipando-os finalme nt e. No ca so de C o n s t a n t i n a , após longos anos

de cativeiro ilegal, servindo a três se nhor es d i f erentes, aos 54

anos ela d e c i d i u tornar -se de livre. Procurou quem a representasse

legalmente, fa ze ndo val er a lei que g a r a n t i a o d i r e i t o à liberda de

91
dos africanos import ad os de po is de 1831, "tiran d o - a assim do

injusto c a p t i v e i r o em que vive".

A parti r do m o m e n t o em que deu e ntr a d a no processo, a escr av a,

por ordem da justiça, foi depositada em segurança até que a ação

fosse julgada. Tendo conhecimento da aç ão proposta pela es cr ava ,

seu senhor, A n t o n i o Fernan de s, cont r a t o u um a d v o g a d o para d e f e n d e r

seus interesses. Co m o argumento para inval ida r um ped ido de

liberdade base a d o naquela legislação, F ern a n d e s a lego u a

legiti mid ad e du posse de C o n s t a n t ina por tê-la comprado. Alegou,

ainda, o de s u s o da lei de 1831. Concluiu que a lei nu nca fora

cumprida, estando portanto re vog ada por e n v e l h e cimento.

Mas C o n s t a n t i n a es l a v a bem amp a r a d a lega lmen te e seu curado r

arro l o u uma série de j u s tificativas, b u scadas na própria

legislação, para provar o seu direito á liberdade, afirmando a

plena vi g ê n c i a da lei de 1831. Seus argumentos, em 1886, já eram

explicitamente de n t r o do e s p í r i t o a b o l i c i o n i s t a da época:

Que s e n d o a lib e r d a d e D i r e i t o n u t u r a i . . . e a e s c r a v i d ã o
c o n t r á r i a u lei Natural, n e n h u m p o der h umano p o s s u e
c o m p e t ê n c i a legitima para d e c r e t a r a última ou d e s t u i r
a pr ime ira...

Que, q u a n d o m e s m o v e r d a d e i r a fosse a a I legação do


a r g u i d o desuso, este em todo caso, nunca seria m o t i v o
de a b r o g a ç ã o ou d e r o g a ç ã o do m e n c i o n a d o Decreto...

o juiz, di a n t e das evid ências, julgo u p r o c ede nte a ação,

r e c o n h e c e n d o o d i r e i t o da escr a v a à liberdade, inclusive co m base

nu lei na qual ela se respalda va , e assim determinou a sentença:

" D e cla ro est a de condição livre e a s s i m ju lgando, mando que cesse

de sd e já o es t a d o de illegal c a t i v e i r o em que a m e sma se ac ha."

92
F inaliza v a - s e . corn êxito, esta ação de liberdade. P oderia

ag or a C o n s t a n t i n a di spor de sua vida como pref er iss e. P o d e - s e supor

que já tiv ess e um rumo traçado, contando com am ig os ou mesmo

parente s, qu e m sabe até uma ocupação ca paz de assegurar sua

s obr e v i v ê n c i a , ap esar dos seus 64 anos. Aliás, dad a a sua idade, já

podia ser f avor ecida pela Lei dos S e x a g e nários, de 1885, que p revia

a liberdade imediata para os es c r a v o s que c h e g a s s e m aos 65 anos.

Embora não te nh amo s conhecimento dos bens de An tonio Fe rna nd es,

tudo leva a crer que, ind epe ndent e do que pos sui ss e, Constantina

era im portante para ele. Ap elou, após a se n t e n ç a d esfa vorável, para

o S u p remo Tribunal da Relação , não se sabe n d o a resposta.

O r e c o n h ecimento, sem m a i o r e s embar aç os, da liberdade d es s a

escrava , permite considerar o c aráter politico daqu e l a decis ão.

D e f e s a e p r o m o t o r i a se un i r a m na c o n t e s t a ç ã o da nulidade da lei de

1831, enquanto o proprietário demonstrara i n c o m preen são quanto à

a titude da esc rav a, que demorara longo tempo para e x igir seu

direito . O a p elo à Lei de 1831 pode ria ter sido feito mui t o antes.

T udo indica que ela (ou seus p a t r o c i n a d o r e s ) só vi e r a m a d e s c o b r i r

as con tas de sua idade em 1886.Ne ste ano ela já era 1 ib e r t a ,

esta n d o p o rém servindo os três ano s estabelecidos pela lei

Sara iv a - C o t eg ipe pa ra os esc r a v o s menores de 65 anos. É provável

que, b u s c a n d o a b r ev iar seu tempo de servi ço, ju nto com os cura d o r e s

vi ri a a descobrir que por mai s de 50 anos v iv era ilegalmente

e s c rav izada. Deve ter sido uma descoberta c h o cante para ela,

do lo ro sa. Ta l v e z tivess e sido m e lhor mo r r e r sem sabê-lo.

Entreta nto, sua demora deve ser entendida de aco r d o co m sua

93
co m p r e e n s ã o do m u n d o em que est a v a inserida. Não tendo o p t a d o m u ito

antes por o utra s formas de re sist ênc ia , como a fuga, res tav a

ap r o v e i t a r o momento po lític o de cresc e n t e popular i d a d e da causa

abolicionista e u t i lizar as armas c o n f eridas pela própri a

le gislação em seu ben eficio. Naqu e l e p e r í odo (1886-87), a soci e d a d e

já mostrava g rande re c e p t i v i d a d e aos re clamos dos esc ra vos , as

idéias abolicionistas estavam amplamente di fun dida s, ganhando

simpatizantes inclusi ve entre os magistr a d o s . A julgar pela forma

como o juiz defendeu o direito de liberdade, ele tam bém se

ide n t i f i c a v a co m a ca usa abolici o n i s t a . Se ria espa n t o s o se a s s im

não ag isse àq u e l a altura. A existência d essas aç ões de li be rda des

protagonizadas por negras, demonstra percepção p o l ítica por parte

de la s ao a v a l i a r e m o m o m e n t o em que d e v e r i a m co nte s t a r u a u t o r i d a d e

dos senhore s. É ev i d e n t e que essa s atitudes não partiram de

in ic iativas isolada s das negras, elas c o n t a r a m com a o r i e n t a ç ã o e

in fl uênc ia de abolicionistas ou de pessoa s s o l i dárias c om suas

causas. Mas além da coragem de enfrentar os senhores legalmente,

elas conceberam "arma çõ es " para se li vrarem definitivamente do

cati ve ir o.

As neg ra s fo r ç a v a m a liberdade, q u e r i a m o d i r e i t o de ir e v i í ,

di sp or de suas vidas como be m en tendessem. A m a i o r i a p e r m a n e c i a nas

ruas p r o c u r a n d o nas pouca s o p o r t u n i d a d e s de t raba lho o m i n í m o para

so b r e viver em. Nas ruas ter iam que se de f e n d e r e lutar contra os

co n f l i t o s no seu p r ó pr io meio social.

94
NOTAS

1. Sobre alforrias na B a hia ver Stuart B. Sc hwartz, "A m a n u m i s s ã o

dos e s c ravos no Brasil coloni al : Bahia, 1684-1745", p p . 71-114;

M a t t o s o , ‫״‬A propósito de car tas de alf orr ia", pp. 23-52; MAT TOS O,

Ser e s c r a v o no B r a sil. São Paulo, B r a silíense , 1988, p p . 176-213;

Lígia Bellini , "Por amor e interesse", in João J. Reis( Org),

Escravidão e inven ç ã o da liber d a d e . São Paulo. 1988, pp. 73-86;

Oliveir a. O 1 ib e r to. p p . 21-30.

2. Ma tt o so. " A p r o p ó s i t o de Ca r t a s de Al fo rria", pp 34-36.

3. A. J. R. R u s s e 11- W o o d , T h e b l a c k ma n in s l av ery and freed o m in

c o Ion ia I B r a z i 1 . N ew york, St. M a r t i n Press, 1982, p . 31.

4. Karas ch , S 1a v es l ife in R io de J a n e i r o , p .515.

5. Manu e l a Carneiro da Cunha, N e g ros, e s tr an g e i ros: os e s c r avos

libert os e s ua v o lta à A frica, São Paulo. Brasi lí e n s e , 1985, p. 41.

6. Ka ras ch , S Iave life, p. 524 ; R u s s e 1 I - W o o d , The b l a ck m a n, p.

32. Ver t a mbém Verger, F l uxo e r e f l uxo, p. 486; Algra nti , O fe itor

ausente. pp. 99 ,100 -121; Te se de Ana de Lour d e s Costa, "Ekabó!

Trabalho escravo e condi ç õ e s de inoradia e r e o r d e n a m e n t o urb a n o ein

S a l vad or no sé c ulo XIX", Dissertação de m e s t r a d o em A r q u i t e t u r a e

u r b a n i s m o UFBA. 1988, p p . 43-57.

7 . Co 1e c à o d as leis d o Impé r 1 o do B r a s i 1 1 8 7 1. T i p o g r a f i a 1mperial ,

Rio de Janeiro , 1871, pp 147-151.

8. Eduardo S piller Pena, "Liberdades em arbít ri o". Revista p a d è.

no. 1, (1989), p . 52.

9. Ibdem, p. 55.

95
10. Anteriormente à lei de 1871, foi promul ga da, em 1850, a lei

que p roibia definitivamente o trá fic o at lân tic o, golpeando a

continuidade do regime escravista, que s o b r evi via gra ç a s à

renovaçã o constante de br aç os escravo s. Ver de ntr e o u tros Sue ly

Ro bl es R. de Queiroz , E s c r a v idão n e g ra no B r a s i l , São Paulo, Ática,

1987 .

11. Sch war tz , "A m a n u m i s s ã o de esc r a v o s no Brasil colon ia l", p. 81.

12. Mattoso . "A p r o p ó s i t o de ca rtas de alf or ria", p. 42.

13. Peter Eis en ber g, "As alforrias em Campinas no sécu lo XIX"

E s t u dos E c o n ô m i c o s , vol. 17, no 2 (1987), pp. 175-216.

14. Mattos o, Ser e s c r avo no _Bras il , p. 184. Ver também Reis,

R e b e l i ã o e s c r a v a, pp. 17-19.

15. Andrade , A m ã o - d e - o b ra e s crava, pp. 122-124.

16. Ma tto so , "A p r o p ó s i t o de cart as de alforri a", p. 40.

17. Belli ni , "Por amor e interesse", p . 75.

18. Matto so, "A p r o p ó s i t o de ca rt as de al fo rria", p. 42.

19. Ib ide m p. 43. Ver também Bellini, "Por amor e i n t e r e s s e ” .

20. So bre as rendas auferidas pelas libertas, cm 1849, c o nsultar

tese dc d o u t o r a m e n t o da P r o f e s s o r a Ma ria lnés oliveir a, " Retro uver

une identité: jeux so ci aux des Africains de Ba hia (vers 1750 -v ers

1890), d i s s e r t a ç ã o ap r e s e n t a d a a U n i v e r s i t e de P a r i s - S o r b o n n e (Par is

IV), O c t o b r e - 1992.

21. Verger, Fl uxo e r e f 1u x o . p. 514.

22. APEBA, pr o c e s s o no. 4, maço 2330, 1872.

23. Agradeço à Professora M a ria Inês Oliveira por ter ced ido

documentos por ela encontr a d o s , re la tivos aos bens dos libertos

96
S abino e Afra Joaquina.

24. Sobre a l f o r r i a condicional, ver Ma tto so , Ser e s c ravo no B r a s i l,

pp. 208-211.

25. P e r d i g ã o M alheiros , A e s c r a v i d ã o no B r a s i l : en sa io h i s t ó r i c o-

iur i d ic o , Rio de Janeiro, T y p o g r a h i a Nac io nal , 1944, Parte 1.

2b. Ver por exemplo Jocé l i o Teles dos Santos, " Ex-e s c r a v a

proprietária de escrava: um caso de sevícia na Ba hia do sé cu lo

XIX", Sal vad or, P r o g rama de Estudo do n e gro na B a hia-U FB A, 1991,

pp. 5 - )‫י‬

27 . APEBA, Sé r ie P r o c e s s o s -Crime. mu ço 0 9 / 2 9 8 / 1 3

28. APhBA. Sé rie P r o c e s s o s - C r i m e , maco 0 9 / 2 9 8 / 0 9

29. Ibdem, m aço 09/298/ 07 .

30. APEBA, Sé rie Polícia, maco 6264 (I860).

3 1 . APEBA, Sé rie Escravo s, maço 2894.

32. APEBA. J ud ic iár ia ■ p r o c e s s o n. 3, maço 5 329.

33 . APEBA. Série Po líc ia, ma ço 6134.

34 . Ibdem, maço 2885.

35 . Ibdem. Sé r ie Esc rav os, maço 2894, ( 1877 ) .

97
CAPÍTULO IV

NA RUA, OUTROS CONFLITOS

Como vimos no cap i t u l o sobre as ganhad ei r a s , as ne gr as

emp r e g a d a s nes sa ocupação tin ha m a utono mi a, que lhes p e r mitia

formar redes de amiz ade e solidariedade i ndispens áveis na

c o n s t r u ç ã o de um u n i v e r s o social próprio. Mas essas relaçõe s er a m

também caracterizadas por freq ue nte s conf l i t o s entre negras e

pess oas de outros gru pos marginalizados, ne ste sent ido seus

"iguais". O cotidiano comport ava , entáo, q ue r e l a s pessoais,

intrigas, peq uenos deli t o s e crimes, que são os temas des te

c a p i t u 1o .

Ro b e r t o DaMatta lembra que o e spaç o das ruas rep r e s e n t a o

princip al pal co da vida na cidade( 1). fcste enf o que pode ser

utilizado para pensar uma parte importa nte do uni v e r s o de no ss as

persona gens, já que s o b r e t u d o ne sses espaços é que se e x p r e s s a v a a

sociabilidade negra. As ruas er a m c o n s i d e r a d a s pelos br an cos como

ambiente perig os o, exatamente pela pr e s e n ç a maciça de neg ros e

demai s desclassificados sociai s, geralmente pessoas pobres e

pretas. As m u l h e r e s neg ra s que v i v i a m nas ruas e s t a v a m s u j eitas a

vio l ê n c i a s e agre s s õ e s rela cio n a d a s ao seu gênero, sua cor e

classe. A isso ias) elas respondiam co m comportamento ag uerrido,

enfrentando situa ç õ e s difíce is. Ousadia e agressividade eram

procedimentos necessários para enfrentar a opressão social, o

racismo, o p a t r iarca 1 i s m o , e n f i m as enor m e s dificuldades da vida,

podendo con t ar ou não com aju d a de aliados. A g iam em de f e s a próp r i a

98
e na tenta ti va de preservarem sua auto n o m i a nos espaços onde

a t u a v a m s o cia lmente. Por mu i t a s dessas ati tud es , foram c o n s i d e r a d a s

agen tes da d e s o r d e m e, como tal, p u n i d a s . (2)

M a r í l i a Muric y, e s t u d a n d o a c r i m i n a l i d a d e femin in a na Bah ia do

s é culo XIX, d e s t a c a que o m o t i v o da p risão de mulheres, incl us ive

das de cor, foram em gra nde parte as t r a n s gressões de p o s turas

m u n ici pais, p r i n c i p a l m e n t e da q u e l a s que l e g i slavam sobre a t i v i d a d e s

c o m e rciais e r e g u l a v a m a condut a moral das pe ss oas em s o c i e d a d e .(3)

Mas os re gis tros polic i a i s por ela estudado s, em geral, são

parci ai s quanto aos reais moti v o s que levar am à prisão. As

transgressoras não têm voz. ü que se evidencia é o cr ime no qual

foram e n q u a d r a d a s e punidas. Muitos dos inc ide nt es que levaram à

inter v e n ç ã o policial surgiram do descontentamento das mu l h e r e s

negr as co nt ra m e d i das de repressão e c o n trol e de suas formas de

vida, em esp eci al seu comportamento expansivo nas ruas. Por ou t r o

lado. os r e gistros e x p l i c i t a m os c o n s t a n t e s con fl i t o s no âm b i t o das

relaçõe s p e s soais das negras. N estes casos, figurariam ora como

vítimas, ora como a g e nte s das ch amadas "de so rdens" públi cas ,

d e l ito s c o r r i q u e i r o s e, às vezes, crim es ma is graves.

Os e x e m p l o s de confl i t o s entre ne gra s e seus "pares soc iais"

são mui tos. Em 1836, na fr egu e s i a da Sé, foi presa a pre ta Ru f i n a

por uma "desor dem ", da qual saí ra fe ri do na ca beç a um hom e m c h a m a d o

Pati ob a, nome que sug ere ser gente humilde também. Fic ou de t i d a

igu alm ent e a pre ta De lf ina , por q u e brar a cab eç a de uma o u tra

preta. No m es m o ano, foi detido, em São Pedro Velho, o pre to

Salvad or , por rou bar a uma preta. Já em 1837, Lui s X a v i e r foi pr eso

99
por ter a r r e m e s s a d o uma pe dra em uma preta, que caiu de imediato,

conseguindo com dificuldade po r-se de pé (4). Estes são ap ena s

alguns ex e m p l o s do tipo de o c o r r ê n c i a s mais frequen te s em que se

envolviam mulheres negras.

Po uc os são os casos em que o reg i s t r o policial descrevia

d et a l h e s sobre as circunstâncias das prisões. Mui tas ve zes era m

desordens e n v o l v e n d o várias pessoas. Foi a s s i m em 1837, d u r a n t e a

pr isão da preta Ma ria da C onceição, e n c o n t r a d a aos "gritos d ’ah 'q ue

d ’Elrei". Não fica cla ro o motivo da confus ão. Mas o incidente

evidencia a existência de a l i anças de pro t e ç ã o c ontr a a viol ê n c i a

policial. Quando os p o liciais t e n taram dctc-l a, dois pret os

es c r a v o s sc op use ra m, c h e g a n d o a ent rar em luta corpora l, a po nto

de ra s g a r e m a roupa de um dos p o liciais com "uma ca nivelada", üs

pret os c o n s e g u i r a m evita r a pr isão da preta e evadiram-se. Um d el es

saiu ferido na cabeça. De pois for am r e f u g i a r - s e na casa do senhor,

o ten ente coronel Ignacio Ac ci oli , au tor das famosas Mem ór ias

H i s t ó r icas da B a h i a .(5) Outros grit os de "aqui del rey" foram

o u v i d o s pelo inspetor da fre guesia do Pilar, em 1857. T r a t a v a - s e do

e s p a n c a m e n t o de um in div íd uo pela pa rda An na Mar ia Pere i r a do C a r m o

e mai s outras, associadas a q uatro marinheiros p o r tugues es. É

possivel que foss em pro stitutas, sempre às vo ltas com

mar in h e i ros . ( 6) A l g u m tem po depois, 1860. o soldado J o a q u i m M o r e i r a

Cale, em p at r u l h a pela rua da Vala, ouv iu também "gri to s de a h ' q u e m

d TElrey". Er a m os p edidos de soco r r o da ca bra livre, U r s u l i n a Mar ia

das Virgens , 25 anos, costureira, solteira, que gritava e c orria

perseguida pelo pa rdo Agostinho José, sargento da Companhia de

100
In vá li dos (pelo vis to não era tão inválido), que a espancava e

ameaçava bater-lhe co m uma ba rra de ferro (7).

M u itas das desordensenvolvendo m ul h e r e s e ho mens

naturalmente caracterizavam br ig as de casal cujos det a l h e s

des c o n h e c e m o s , com o pode ter sido o caso de Urs u l i n a e A gost inh o.

Desentendimentos amo r o s o s geravam se ri os c o nflit os e não raro

mortes. Selecionamos al gu ns e x e m plos que evidenciam esse tipo de

relação. Em 1850, foi de t i d o um hom e m c o n h e c i d o por Ant o n i o de Tal,

que ar m a d o com uma faca perseguia a parda Umbel ina, "a qu e m não

pode ndo ofende r, por fugi r- lhe das mãos, d era na porta var ia s

f a c a d a " . (8) Em 1871, na fregu es ia do Pilar, foi d e tido o cabra

Felippe San ti ago , por ser encontrado dentro de uma casa à rua do

Caes Dourado espancando a par da Angela M a r i a . (9) Ne ste m e smo ano

foi tamb ém detido o crio u l o Gregorio Argoll o, por e s p a ncar sua

mulher, a c r i ou la Izabcl da Co n c e iç ã o . ( 10) F. o p ort u g u é s José M a ria

e a crioula Ma ria Piedade, ambos em d e sordem, da qual sa i r a m

levemente f e r i d o s . (11) No ano de 1859, o c a bra Vicent e, escravo,

m atava co m um tiro de e s p i n g a r d a à e s c r a v a Josefa, do m e smo senhor,

suicidando-se cm seguida, um caso prová vel de c l á ssica tra gédia

amo r o s a .(12)

Essas a g r e s s õ e s r e v elam os maus tratos so frid os pelas negras,

p a r t i n d o de homens de d i v e r s a s cama d a s sociais, mas p r i n c i p a l m e n t e

de ho mens da m e sma condição social c perfil racial. Cl aro, as

negras po d i a m ser protegidas por ne gro s con tra poli c i a i s e out ros

negros, mas o co n f l i t o tam bém se da va de n t r o do grupo. É natural:

amor c ódio habitam a mesma casa, trans i t a m na mesma rua. Mas o

101
qu a d r o po dia sofr er alterações quando a mu lh er neg ra conseguia

ma n t e r - s e independen te f inance ira e afetivamente do homem. T e mos

aqui um e x e m p l o d e ssa situa ção . O pa rdo F r a n c i s c o Egino, c a s a d o com

uma preta, foi r e crutad o pela M a r i nha em 1839. O fato de ser chefe

de fa mília podia se rvi r para dispensa do serv i ç o mili ta r, por ém

F r a n c i s c o não vivia com sua m u lher n em a j u d a v a em suas despesa s, em

v irtude "de ter ella o d e i x a d o v o l u n t a r i a m e n t e " .(13) Apesar de não

conta r m o s com maiores informa çõe s sobre a vida da m ul her de

Fr an ci sco , acreditamos que uma d e c i s ã o co mo essa deve ter p artid o

de a l g u é m capaz de pro ve r sua própria s u b s i s tência, dispensando a

c o m p a n h i a do murido.

As d i f i c u l d a d e s o r i u n d a s do lugar social que o c u p a v a m p odia m

levar as neg ras a atos de des espero. Por fim à vi da pa re cia para

muitas a ún ica s olução para os prob l e m a s do c o t i d i a n o es cr avist a.

A c rioula l.ourença e uma a f r i c a n a cujo nome não foi possível saber,

ambas es cra va s, to ma ram es sa decisão . A pr i m e i r a ingeriu gra nde

q u a n t i d a d e de ven e no e a ou tr a a t i r o u - s e do va por de C a c h o e i r a nas

águas do rio Paragua çu, m o r r e n d o a f o g a d a . (14) Mu i tas d e c i d i a m pelo

s u icidio por quererem concretizar dec i s õ e s tomadas

independentemente da vont a d e senhori al como, por exemplo, o

ca sa me nto . Este pode ter sid o o motivo que levou um casal de

e s c rav os a o p tar pela morte. A ronda policial de 23 de maio de 1821

fez o s e g uinte registro:

I n f o r m e - s e o g r a v i s s imo dei icio, que c o m m e t e o na


no i t e de h o n t e m o p r e t o J o a q u i m e s c r a v o de A n t o n i o
F r a n c iseo U u i m a r a e n s , que d e p o i s de haver o m i z i a d o
huma pre t a de Jo z é da Co s t a no Caes de C a x o e i r a se
lançara c o m ella ao m a r ... vindo dessa forma a dita
preta a a f o g a r - s e . ( l 5 )

102
Não raro, a opressão social e as dificuldades de

sobrevivência levavam ne gr as a sé ri os distúrbios mentai s. Er am

m u itos os casos de loucura en tr e elas, c h e gando a preocupar as

au t o r i d a d e s por falta de locais a d e q u a d o s para recebê-las. Em 1831,

um juiz de paz de C a c h o e i r a es c r e v e u ao provedor da Santa Ca s a da

M i s e r i c ó r d i a c r i t i c a n d o o d e s c a s o para coin es sas pes soas e a falta

de segurança nos asilos. Ele ha via detido uma preta louca na

cadeia, para ev itar que esta c a u sa sse maiores da nos públicos. No

m e s m o ano. o juiz ai nda e s c r e v e r i a ao provedor d a q u e l a inst it uiç ão

p e r g u n t a n d o se po di a a ceitar Maria da Paixão, forra e so lteira, por

louca. E a c r e s c e n t a v a os s e guinte s detalh es : "Ela é cabra, pobre e

maniaca " (16). Em 1855 fo ra m r e c o lhidas e e n c a m i n h a d a s à Santa Ca sa

as pa rd as Roza Maria, M a ri a Kitta, Joan a e Josefa, al ém da crio u l a

Antonia, todas por "al ien a ç ã o m e n t a l ” . ( 17)

P ert u r b a r o sossego públ i c o e desacatar as autoridades er a m

procedimentos fem ini nos c o r r i queiros. A toda hora, mulheres er a m

d eti d a s por derespeito a p o s turas que r egu l a v a m ess es

co m p o r t a m e n t o s . u amb i e n t e da rua, portanto e spaço público,

pe r m i t i a de ce rta forma que as neg ra s dessem expansão a o usadas

atitu de s. Os insultos e comportamentos considerados extravagantes

e d e s v i a n t e s a j u d a r a m a com bat er , ao m e s m o tempo que refleti am , as

li mi ta çõe s de suas vidas, halar alto, dançar, beber em demasi a,

br ig ar eram procedimentos considerados crimes, p unid os c om cad eia

e mu lt as, mas er a m a forma de expressão des sas m u lhe res, um

aspecto de sua cultura. Aqui está um caso típico de derespeito à

o r dem pública c à autoridade po licial. Em 1831, o juiz de paz da

103
fre guesia da P e nh a e s c r e v e r i a in dignado ao Pre s i d e n t e da P r o v í n c i a

por ter o comandante milita r, "num procedimento repr eh ens i ve l e

me smo digno de puniç áo ", soltado a pr et a forra Maria Luiza, que

e s tava "na rua incomo dando os moradores d a q u elle lugar, com

pa l avras inde centes, e m e smo ins ultantes, o que ta mbe m pr aticou na

o c a s i ã o de ser presa com a p a t r u 1h a " (18). Esse m e smo exem p l o m o str a

que po dia haver d i v i s ã o ent re as a u t o r i d a d e s na q u e s t ã o do c o n trole

dos negros. O c o m a n d a n t e solta, o juiz protest a. Vê-se aí ta mbé m o

con f l i t o ent re o m u ndo da rua e o mundo do més tic o, en tre o

indecent e e o dec oro so : o juiz indica que a pr et a es ta va na rua

in su ltan do os que e s t a v a m em c a s a , os "mo ra dor es ".

As desavenças p e s soais merecem es pec ia l destaque. Os

desentendimentos podiam revelar asp e c t o s im port ant es da

sociabilidade da m ulher negra. Os proc e s s o s cri mes narram a

h i stória de di v e r s a s pessoas que inte gr a v a m seu u n iverso social,

suas rel açõ es de amizade e a f e tivida de, seu tr abal ho e m a n e i r a s de

e n f r e n t a r o poder. Rix as e neg ó c i o s mal resolv i d o s p o diam c u l minar

em agressões e até morte. Os incide nte s e nvolv ia m, al é m dos

p r o t a g o n i s t a s pri ncipais, a vizi nha nça, se mp re tes temunha ativa dos

acontecimentos e do car áte r dos d i r e t a m e n t e envolvid os . Um simpl es

bate-boca e troca de of en s a s podiam te rm ina r em lesões corporais

sérias. Uo is ca sos a esse r e s peito m e r e c e m registro:

O primeiro ocor r e u em 1875, na Freguesia da Sé, culminando

com o a s s a s s i n a t o do c r i o u l o Jo ão Manoel pela cr io u l a M a ria Joana

da C o n c e i ç ã o (19). O motivo teria sido a venda, à crédito, de uma

argola de ouro por João à Maria, sem que fos sem pa gos todas as

104
p rest aç ões . O crioulo con segu iu, a p a r e n t e m e n t e à força, reaver as

a rgolas de Joana, procurando de v o l v e r no entanto o dinheiro da do

como entrada. C h a m a d o pel a crio u l a para acer t a r as contas, a c a b a r a m

por en tr ar em luta corpora l, morrendo João de v i d o ao f er imento

pr o v o c a d o pela faca que Mar ia trazia. A acus a d a foi presa em

flagran te pelos circundantes e um so ld a d o do corp o de polícia.

Dura n t e o in terroga tó rio , ela dis se ter cerc a de 20 anos, ser

solteira, livre, natural de Salvado r, filha legítima da c rio u l a

Cristin a, mas não m e n c i o n o u o nome do pai. Por aí se vê que, me sm o

nas fam íli as dit as "l eg iti ma s", a mãe permanecia a re fe rênci a

princ ip al, pelo m e nos ne sse meio social que tratam os aqui. Mar ia

Joana era gan hadeira. Sua ve rs ão do cr ime foi a seguinte:

Que vinha v e n d e n d o jaca q u a n d o ao p a s s a r pela rua dos


C a p i t ã e s e n c o n t r o u c o m o c r i o u l o em q u e s t ã o que lhe d i r i g i u
uma gra ç a ; e como não q u i z e s s e ella a c e i t a r e o r e p e l i s s e ,
m a n d o u - l h e elle a mãe que pariu: e lendo ella lhe dito que
f osse elle, r e c e b e u do m e s m o c r i o u l o uma bordoada. Que foi
ne s t e i n t e r i m que a t r a c a r a m - s e e e s t a n d o ella acusada c om a
faca de cor t a r jaca na m ã o sobre a m e s m a faca feriu-se o
ref e r ido c r i o u l o que cahiu morto.

R e s p o n d e n d o a interr o g a t ó r i o s p o s ter iores, por vá ria s ve zes a

c rioula entraria em co ntradiç ão. Tr ês di as após o crime, M a ria

Joana fez a seg u i n t e dec laração:

Que p a s s a r a v e n d e n d o jaca na rua dos Capitães, qua n d o


e n c o n t r o u o c r e o u l o J o ã o M a n o e l que me teo-1he os p és e inda
c a h i o de costas, c a h i n d o elle João Manoel por cima delia
e s p e t a n d o - s e na faca com que ella r e s p o n d e n t e corta jaca e
que tinha na mão.

Neste segundo depoimento o mitiu ter ouvido g r a c ejos de João

105
Manoel c om i t i u ter este insu lt ado sua mãe. S u s p e i t a n d o da negra,

o delegado pr o c u r o u saber o porq ue da faca na mão, se não e st ava

co r t a n d o jaca na hora, ao que a neg ra espertamente respondeu que

"v inha brincando com a faca na mão". E o d e l egado continuou

investi g a n d o o tipo de rel ação que havia ent re os dois, sugerindo

que o m o rt o tivesse sido seu ainásio. Essa hipótese, ela logo

d e s c a r t o u d i z e n d o nu nc a ter tido qu a l q u e r tipo de relação a m o r o s a

c om ele. Tratava-se mesmo de uma rixa comerc ia l, c o ncluiu o

delega do . Maria Jo ana a cabou revelando que real me nte a intriga

iniciou por ter ela aj u s t a d o compr ar um par de argolas e não ter

feito o p a g a m e n t o a João Manoel.

Na verdade, o negó c i o foi reali zad o, mas ela não cu mprira o

combinado quanto ao pa ga men to , estabelecido em uma entr a d a e,

de pois de q uinze dias, o re stante do valor. Jo ão Manoel lhe fez

algumas a m e aças e ter minou por tomar- lhe de vol ta as argolas, o que

dece r t o d e s p e r t o u rancor en tre ambos. No dia do crime, ao d e s c e r a

ladeira de São Be nto á noite. Maria Jo ana viu um vul to que pareci a

João Manoel e pe ns ou consi go : "este ho mem anda intri gad o comigo,

deixe-me passa r por o u tro lado" .

Seis pessoas, en tre m o r a d o r e s e t r a b a l h a d o r e s nas imed ia çõe s

do local do crime, serviram co mo testem un has . Observando-se as

o c u p a ç õ e s e locais de re si dên cia, p e r c e b e - s e que era gen te do povo,

pessoa s da c o n v i v ê n c i a de João e Maria. Elas eram: um chapeleiro,

dois ca ix eiros, dois fu ni lei ro s, um encanad or. Tod os homens. Seus

relat os r e v e l a m vers ões po uco d i f e r e n t e s q u a n t o ao m o t i v o do crime

e as r e l açõe s man t i d a s por seus pe r s o n a g e n s ce ntr ai s, a l é m de ain da

106
evi d e n c i a r a visão de justiç a do grupo. Ve ja mos os depoime n t o s .

O p r i m e i r o a dep or foi A n t o n i o da Silva, 23 anos, cha p eleiro,

m orador nas im edi aç ões do local fatídico. Dis s e que na noi te do dia

2 de inarço, estando na jan cla de sua casa, viu passar a acusada e

pouco d epois a vítima, send o esta cham a d a por Joana. De p o i s de

a l gum tempo ouviu da rúa ura baque e urna voz que diz ia - " est á

morto". Saiu e aju dou a efetuar a p risã o da acusa da. Ou viu di zer

que cia há dias toc ai ava o criou lo af i m de a s s a s s i n á - 1o . C o n c l u i u

que fosse ela culpada, pois encontrou-a a i n da com a faca su ja de

sang ue na mão.

José Miiriii de Vasconcelos Kstella. 25 anos, solteiro,

c a i x e i r o po rtu gu ês, di ss e que residia no m e s m o pr édio que o cri oulo

e que sa bia da ve nda das a rgolas pela quantia de seis mil réis.

"por co nta dos qu a is já ha via dado a acus a d a a q u a n t i a de mil reis.

e há mai s de qu i n z e dias lhe havia p r o m e t i d o dar o resto, sem que

houvess e cum p r i d o a promes sa ". Vê -s e por aí que o port u g u ê s seria

confidente do crioulo, além de vizinho, o que mostra uma

in t eressante rela ção en tr e um pr et o e um branco. Ainda s e g u ndo ele,

as a r g ol as negociadas pertenciam a uma outra crioula, a escrava

Marlin ha, que as ha vi a dad o a João Manoel com a finalidade de

ve ndê-las. O crio u l o era livre e i n termediava um negó c i o da e s c r a v a

- observe-se a rede de s i g n i ficados. Teria a e scrava fur ta do o

br in co de sua senhora e usado espertamente João Manoel co mo um

a c e s s ó r i o do crime? Sej a com o for, este levou a sér io sua tarefa.

Que r i a impres s i o n a r Mart i n h a ? T e r i a uma rel ação a m o r o s a com ela?

No segundo inquérito, o p o rtuguês acrescentou mais det a l h e s

107
sobre o morto. Conhecia João Man oel, crioulo, pedreiro, 20 anos,

que m o r a v a de aluguel e m b a i x o da es c a d a da casa em que ele m o r a v a ‫־‬

com eça a r e v e lar-se que pret o e b ranco não er a m a s sim tão iguais.

E vejam be m que ser c a i x e i r o como o b r anco José Maria, er a o c upar

uma pos i ç ã o de pária entre os brancos. Pelo aluguel, o caixeiro

p o rtug uês recebi a do p e d reiro crio u l o mil e oi to centos réis

semanais. O portu g u ê s costumava dar co mi da ao crioulo, em

r e t r i b u i ç ã o por alg uns s e rviços de c ri ado que lhe prestava. Manoel

ta mbém t rabalhav a na fá br ica de c i g arros do N oviciado, de C e r q u e i r a

e Co mp anhia. ocupando-se em "deitar rotulo s nos m assos dos

cigar ro s". Assim, não tra b a l h a v a no of i c i o de pedreiro, em que era

e specia l i z a d o . Er am tempos difíci es , de d e p r e s s ã o ec onômi ca, q u a n d o

c er t a m e n t e dim i n u i u o ritmo de c o n s t r u ç õ e s .(20) Esse rela to do

p o r t u g u ê s sug ere que João Manoel vivia em d i f i c u l d a d e s ec onô micas,

um suje i t o pobre, ba ta lh ador, que não po dia arcar co m o pr e j u í z o

d aqu e l a prestação não paga. Para ele 6 mil réis não cru ninha ria .

R e p r e s e n t a v a m quase um mês de aluguel.

F r a n c i s c o da Matta, 18 anos. sol tei ro , funileiro, relatou que

sa bi a da ven da das argo l a s por seis mil réis, est a n d o já pagos

apenas dez to stões ao crioulo. Presenciou um encontro, dias ant es

do crime, en tr e Manoel e Joana, ouvindo-o p r e s s i o n á - l a a c on c l u i r

o p a g a m e n t o ou dev o l v e r as ar go las , por não serem dele. A crioula

respo n d e u que não p agari a o resto do di nhe iro , ne m devolveria as

argolas. Mai s tarde, à noite, ele e n c o n t r o u João Manoel e viu que

ele hav ia tomad o as argolas e devolvido o dinheiro da d o como

e ntr a d a na transação.

108
Ba s i l i o E l ízio da C o n c eiçã o, 18 anos, soltei ro. ta mbé m

funileiro, m o r a v a na Pregu iç a. Co n t o u que e stava na e s q u i n a do beco

onde se e n c o n t r a v a m a acus a d a e a v ítima discutin do, qu a n d o viu os

do is aos sopapos. De re pente vi u-a tirar da ci ntura uma faca e

partir para cima de João. Te n t o u se apro xi mar , mas foi ame a ç a d o por

ela de apan h a r também. A mu l h e r era br aba mesmo!

Aristides Lu ci o Tupinamb á. 15 anos, solteiro, caixeiro,

m orador no local, e stava em sua casa j a ntando qu a n d o ouv iu vozes na

rua, e sa indo viu Antonio e Basilio correndo at rás da acusada,

gr i t a n d o ter ela assassinado a João Manoel. Herminio de Souza

Porto. 30 anos. solte iro , e n c a d ernador, morador no local, ou vi u

també m vozes vin dus da rua, dizendo "não a d e i x e m escapar".

Uma testemu nh a. Marcelino dos Anj os Bahia, 28 anos,

trabalh ador de trapiche, mora d o r às port as do Carmo, revelo u que

dias an te s havia sido c o n f u d i d o pela crioula com João Manoel:

. . . tendo elle t e s t e m u n h a na cabeça um c hapeo de feltro


cór de c i m a . c h e g o u - s e a ré p r e z e n t e j u nto a elle e
t i r ou-lhe o c h a p e o e r e c o n h e c e n d o - o b a t e o - 1he no h ombro
e disse: n ã o é você q u e m eu procuro. Ma i s tarde, vendo
o c r i o u l o m o r t o o b s e r v o u que o c h a p e o e o ca s a c o que
vestia cor de barro, e r a m iguais a sua roupa .

Atra v é s dos rel atos per c e b e - s e que o d e s g o s t o de Ma ria Joana,

por lhe terem si do tiradas as argolas, a levara a prat ic ar o crime.

Aque las arg olas ba ra tas d e v i a m sig n i f i c a r m u i t o para a quela crio u l a

de 20 anos. talvez áv i d a por e x i b í - l a s com o gr an de tr iunfo ju nto a

amigas. Sentindo-se of en dida, ela quiz dar, inicialm en te, uma

lição. Pro v a v e l m e n t e , a d i s c u s s ã o ac i r r a d a t r a n s f o r m o u - s e em briga,

culminando co m o golpe mortal desferido por ela, uma m o rte talvez

109
ac id en tal , ime dia ta mente, viz i n h o s e a migos dos e n v o l v i d o s p a r t i r a m

para a c açada da acusada , ao lado do poli ci al, r e s p ondendo a ap elo s

dos gr itos que estimulavam a perseguição e captura. As

circunstâncias da prisão, tendo Maria nas mãos a faca

ensa n g u e n t a d a , constituiam a pr ov a p r incipal do crime. Ouvidas

todas as testem unhas e a p rópria acusa da, c o n f i r m o u - s e uma h i s tória

entre Ma ria Jo ana e o mor to m a r c a d a pe lo re sse ntim ento.

Os tes temunhos de Hermi ni o, Marcelino e Euc lides encerraram

com uma que stã o, levan ta da pelo advogado da crioula, sobre sua

san idade mental. Este argumento se ria utilizado para livrá-la da

cade ia ou no m i n i n o aliviar sua co nde nação . Sem dúvida, a cri oula

e stava em mau s lençóis, pois os t e s t emunho s t o rn aram ev id ente a

culpa de assassinato pr eme ditado. Rest a v a a p elar para o argumento

de insanidade. No ent ant o, o ex ame de s a n idade comprovaria sua

per f e i t a r e s p o n s a bili dade. Concluirán) os m é d i c o s que:

...as r e s p o s t a s d a d a s pela ré r e v e l a r ã o s i m u l a ç ã o mal feita


de a l i e n a ç ã o mental c o m o p r o p ó s i t o vizivet de
i m p o s s i b i l i t a r o exa m e p e l a s r e s p o s t a s negativas, ou por
o u t r a s d i s p a r a t a d a s , m a s que n e m s e m p r e as mes m a s o que
revelarão e s t u d o feito p a r a 11 ludir a observação... Em
r esu m o a ré m o s t r a em tudo não d e s a r r ranjo mental, mas
p o u c a h a b i l i d a d e p a r a s u s t e n t a r o papel de que se fez
carga. O a s p e c t o phisico, aliás, da ré não é a b s o l u t a m e n t e
o de alienado, as su a s funções p a r e c e m ser todas n o r m a e s e
está r e g u 1á r m e n t e trajada c o m aceio.

Portant o, nada demonstrava qualquer tipo de desequilíbrio

mental. M a r i a Joa n a não c o n s e g u i u enganar os médicos . Sua a p a r ê n c i a

era de uma p essoa normal, e stava limpa e asseada.

Fal h a r a a estratégia, certamente planejada pelo adv og ado ,

send o p edi da a c o n d e n a ç ã o de Mar i a Joana. A p esar das e v i d ê n c i a s de

1 10
culpa, a d e fesa s u r p r e e n d e n t e m e n t e c o n s e g u i u sua absolvição, mas a

promoto ria , in co nfo rm ada , a p el ou para a instâ nc ia superior, fic and o

decidido um segu n d o julgame nt o, o processo teve fim em 25 de

fevereir o de 1876, ce rc a de um ano de pois do crime. A crioula foi

conde n a d a no grau m i n í m o do C ó d i g o Penal, ou seja, a sete anos de

p r isão simples, se m trabalho.

A crio u l a Ma ri a Joana foi pun ida por ter rom pid o as regras de

s o c i abilid ade, a s s a s s i n a n d o p r o p o s it a lmente o crioulo João Manoel.

Essa foi a opinião de todas pessoas que testemunharam no caso, e

ajudaram a co mpo r a q ue la hi stória. Contraditoriamente, a justiça

inicialmente não compartilhou des sa opini ão. Mas por pressão da

promot or ia, que ba se ada nos testemunh os e xigia sua punição, acab ou

detrás das gra de s por sete anos.

Ima gi nam os os m o m e n t o s d i f í cies pa ss ados por Maria, no m u n d o

m a s c u l i n o que a julgou. To da s as tes temunhas er a m homens - será que

nenhum a m ulher test e m u n h a r a o fato? Onde e s t a v a m suas c o m p a n h e i r a s

no ganho, que não partiram para sua d efesa? Maria revelou sua

filiaç ão mater na , mas em nenhum momento sua mãe aparece no

inquérito. Ela e stava completamente só e d espr otegida.

Se a his t ó r i a re al mente se pa ssou como contada, aí temos uma

mul her g r a n d e m e n t e ag u errida, que por a l g u m m o tivo ach ou que tinha

sido ludi bri ada ou ins ult ad a pelo crioulo, o fato é que nã o era

insana, ra zão po rq ue é improvável que tivesse mat a d o o outro só

po rq ue este tomara de vo lt a a ar gola com a delicadeza que os

t este m u n h o s sugerem. Deve ter havi do insultos e talvez até a g r e s s ã o

física por parte do crioulo , como ela contara.

11 1
O u t r o ca so de con f l i t o pessoal, d e sta vez entre duas mu lh eres,

e n v olv eu M a r i a V i c t o r i n a e a c rio u l a H e n r i q u e l a Por cin a Alves, 45

anos, solt ei ra, lavadeira, conhecida pelo c h armos o apelido de

Be 1 l o s - O 1hos (21).

Tudo aconteceu numa noite de se xta-f eira, em julho de 1870,

qu a n d o o filho de uma vizi nha de Vi ctorina, acostumado a com p rar

c arvão na casa desta, disse-lhe que havia co m p r a d o mais barato em

ou t ro lugar. Nest e mom en to, o papel em que este c o n duzia o car vã o

rasgou- se e o menino lhe pediu ajuda, ao que Victo r i n a

i m edia tamente re sp ondeu co m um di t a d o popular: "Vá se aguenta r com

as unhas que tem". A expressão es tava carregada de raiva, pois

V i c t o r i n a cer t a m e n t e sen tiu seu ne gó c i o a m e a ç a d o pela con c o r r ê n c i a

de o u tro vendedor de carvão. Só que o tiro saiu pela culatra. Deu-

se por o f e n d i d a uma sua v izinha chamada H e n riq uela, que já e stava

por algum motivo in tr iga da com Vi ctorina. Supo n d o que aquelas

palavra s fo ss em para ela, contra-atacou com palavrões e, não

satisfe ita , arremessou de sua janela uma q u a r t i n h a de bar ro sobre

o rosto da vizinha, r e s u l t a n d o em d i v e r s o s e sér io s cortes.

Ne st e ca so também for am o u v idas algu m a s tes te munhas. Foi

interro gada Hercila M a ria das Virge ns , mai or de 50 anos,

vendede ira , so lte ira , moradora no ca nt o de João Trul as . D i ss e que

e s tava ven de ndo , sent a d a a rua d i r e i t a do Col égi o, e nada viu, mas

ao retor nar pa ra casa parou junto de uma crioula que começou a

co nt ar o ocorr ido . Com o o a s s u n t o não lhe interessava, "retirou-se

deixando a co nta r a um que es t a v a em m angas de camisa, que ela

te s tem u n h a não conhe ce ". C o m e ç a v a a funcion ar a c u l t u r a do fuxico.

1 12
Clemente Ramos, 24, caixei ro, soltei ro , mora d o r na rua d i r e i t a do

Colég io , di sse saber do falo a través da cunhada da acusada . Já

Manoel O l iv eira, 26, armador, so lt eir o, m o r a d o r as Portas do Carmo,

contou que pass a v a ali qu a n d o Henriqueta p r o feria xi n g a m e n t o s e

atir ou um o b j e t o que ele não pôde distingui r. Não lhe in ter essando

a dis cus são, seg uiu seu caminho, vi ndo mais tarde a saber do

o c o r r i d o atrav és de terceiros. O depoi men to de An ton io M a r q u e s , 4 2

anos. pintor, m ora d o r na ladeira do Aljub e, con clui o pr imeir o

bloco dos int err ogat órios. Di sse ape nas que encontrou a o f e ndida

ferida e suja de sangu e .

Novos p e r s o n a g e n s tomaram parte na história. For a m chamados a

prestar depoimento, no dia 9 de agosto. José Marque s, 34 anos,

tipógrafo, so lt eir o, morador à rua direita do Colégio. Di ss e ter

ouv i d o da comadr e de Henrique ta, chamada Ursula, a narração do

ocor ri do. Segundo esta te stemunha, a comad re "se in te r essava por

colher todos os dados para a punição do c r i m e ” . A tes te munha And ré

Fer nandes Gal lisa, 41, barbei ro, viúvo, morador na f r eguesia de

S antana e com tenda à rua direita do C o m é r c i o ,nada rev elo u de

importante, r e p r o d u z i n d o as falas das l e s tcmunhas anterio re s. Co m o

b a r b e i r o que era, ou v i r a a notí c i a de f r egueses e n q u a n t o co r t a v a -

lhes o ca b e l o ou fazia barbas. Os boatos, ru mor es e fuxicos ti nham

na tenda do bar b e i r o um e x c e l e n t e pos to de difusão.

Podemos e xtrair de todos es se s d e p o i m e n t o s a e x i s t ê n c i a de um

impo rt ant e fator de i ntegraçã o da comu ni d a d e em que viviam as

envolvidas no conflito: o luxico. 0 "d isse -m e - d i s s e " estabelecia

uma rede de comunicação e divulgação do conflit o, gerando

1 13
comentários de boca en! boca e permitindo d i v e rsas conc lusõ es,

capaze s de influencia r no d e s f e c h o do processo.

Ouvidas todas as teste m u n h a s f ornecidas por Vict ori na, foi

co n ce d i d a a pala v r a ao advogado de H e n riquel a, que cont e s t o u os

t e s tem unhos al e g a n d o que todos ti nham uma relaç ão es t r e i t a co m a

vít1 m a .

. ..J o s é M a r q u e s é m u i t o i n t e r e s s a d o nesta causa,


pelas re l a ç õ e s e s t r e i t a s (para não d i z e r ilícitas)
que tem com a a u t o r a . . . a s e g u n d a se acha cm conflita
c o n t r a d i ç ã o e a l é m d i s t o é a m i g o íntimo da
testemunha.

A conduta moral de V i c t o r i n a foi pa ss ada a limpo pub lic amente.

E 1a mantinha re laç õe s amo r o s a s com vá ri os homens, inclu in do os

selecionados para deporem em seu favor, s egundo argumentava a

defesa de De 1 Io s - O 1h o s . Aqui o fuxico vira a r g u m e n t o de advogado.

Porém, a prova de lesão corporal , a t e stad a em laudo médico, vi ri a

ratifi ca r a viol ê n c i a p e r p e t r a d a por Henr iquela. Da p e r s p e c t i v a da

justiça, valiam me no s os argumentos m o r a listas, po rq ue se

considerava generalizado o tipo de comportamento de Victorina

naqu ele m u ndo das ciasses populares. S e ria o caos se o poder

per m i t i s s e a agressão ind i s c r i m i n a d a co n t r a qu e m tivesse con d u t a

s e x u a 1 indev id a .

Enquanto c o rria o proces so, o a d v o g a d o de de fesa pr e f e r i u se

prevenir, p e d indo a avaliação da fiança de Hen ri quela, para que

esta pud es se cont i n u a r se defendendo em liberdade. Doi s dias

depois, 10 de agosto, a fi ança foi estipulada em 300 mil réis.

C o n c l u i d o o ju lgam ent o, foi c o m p r o v a d a a cul pa da crioula , incursa

no crime de injúria c om a g r e s s ã o que pre v ia a prisão, al é m de ter

1 14
que pagar as cu sta s do processo. Ap e s a r desse resultado, sem que se

saiba o mo tiv o, Victorina d eci d i u re ti rar a ac u s a ç ã o c ontra

Henr ique ta. Ju s ti 1 icou-se dizendo ser por con sider ação. Ta l v e z

avali a s s e Victorina que o fato de ter conseguido na ju stiça

incrimi nar sua v i z i n h a fosse suficiente para puní-la. al6m de ter

no arquivamento do processo uma ar ma ef icaz cm futuros

desentendimentos com Be 1 1o s - 0 1h o s . O u , quem sabe, tenha ha vi do

algum tipo de a cordo den t r o da próp r i a comunidade de vizinhos.

C o n f l i t o s com o este, e n v o l v e n d o p e r s o n a g e n s como as aqui tratadas,

podiam ter dois tribunais, um na co mu ni dade, out r o de a cordo com as

leis do tstado. Ne ste caso pa re ce que a decisão ficou com a

comunidade onde viv i a m Victorina e Be 1 1o s - 0 1h o s . Diferente do

ocorrido com Mar i a Joana, quando a comunidade se uniu para exi gir

sua conde nação, aqui a comunidade pode ter desfeito a decisão da

just iça exercendo algum tipo dc pre s s ã o sobre as en vo lvidas,

levando certamente à s o l ução do conflito.

Esses episódios permitem perceber a representação do que é

justo e do que de ve ser re pro v a d o nas relações soci ai s da negra.

Podem re pre s e n t a r ta mb ém uma res posta frente ao c o n trole exercido

pelas a u t o r i d a d e s e de um mo d o geral às n ormas soc ia is pr escritas.

As "desordens" a p a r e c e m como de svio, mas para as negr as p o d i a m ser

ex p r e s s õ e s de sua afirmação num universo ond e prevalecia a força

das ati t u d e s individuais.

1 15
NOTAS

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a. APEBA,
APEBA, Série
Série Policia.
Policia, maço 6184 .
ma ço 6184.

9. APEBA, Série
APEBA, S é r ie_Pp a . maço
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Po 1 i c i 6265 .
ma ço 6265.

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14. APEBA, Série P o l i c i a , ma ço 6191.

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21. APEBA, Série J u d iciária, ma ço 5513, (Auto de p risão 2.3.1875) .

22. lbdem. A u t o de per gu n t a s (05.0 3. 187 5).

I 16
CONCLUSÀO

O objetivo princip al de st e e studo foi tentar revelar al gun s

aspecto s e s s e n c i a i s da e x p e r i ê n c i a das m u l h e r e s negras no trabalh o


/ V ‫י׳‬
doméstico e d o ’ ganho, nas suas aç õe s para c o nse guir alforria e

finalme nte mostrar as tensões e confl i t o s que enfrentavam no

cotidiano das ruas. Foi impo rt ant e perceber quai s ocupações que

favoreciam ma ior i n dependência e possibilidade de a s censão

económica 11a cidade.

Perc ebemos, de um lado, as ne gr as no trabalho sob o control e

social de s e n hores e po lic ia is, de um ou t ro lado, ne gr as lutando

para dob rar seus proprietários ou ocup ar lugares na eco n o m i a onde

atuavam.

As d o m é s t i c a s era m o c o n t r a p o n t o das negr as no ganho. Sua vida

ao lado dos proprietários impunha uma série de restr içõ es ,

inclusive 1 i m i t a v a - 1hes o convívio entre os seus pares e as

po s s i b i l i d a d e s de al for ri a. Se a m a - d e - l e ite , n e g a v a - s e - 1he o

direito à m a t ernidade. Além disso, a pa rt ir de mea dos do s éculo

XIX. disseminaram-se concepções higienistas de que as amas ne gra s

era m p e r n i c i o s a s no co n v í v i o da fa míl ia b ranca e seu leite ra zão de

doen ç a s nos recém-nasci dos.

As ganhadeiras tiveram maior autonomia e chances de

c o n q u i s t a r e m uma vida mai s d i g n a no c o n t e x t o escravista, inc lu siv e

obtendo a alfor ria . Mas isso as la nçava no mu n d o incerto, e mbora

fascin an te, das ruas.

Nos m e r c a d o s p ú b licos ou de m a n e i r a intin era nt e. realizavam

117
as m u l heres n e gras papéis b a s tante pró x i m o s às tr adições da África,

onde er a m ami úde resp o n s á v e i s pelo comér ci o. A lgum as atividades

eram mais l ucrat iv as que outras, comi) vi mos em pági na s a nter ior es .

Entret and o, os tal en tos individ ua is i n fl uiam bas tante para o

sucess o de alg umas libertas. É pr ec iso enfatizar que no ga nh o de

rua predominavam sobretudo as libertas afr ica nas. As escrav as

brasileiras e s t a v a m mel hor r e p r e s e n t a d a s em a t i v i d a d e s domést ic as .

Os espaços públi cos , para aquelas cujo t r a balho era quase

se mpre na rua, p e r mitia a ampliaçào dos c o n tatos socias. Ali era

possível tecer redes de rel aç ões com pess oas dos div e r s o s gr upos

socia is e étnico s, mas ao lado das al iança s se acumulavam os

confl it os. Estar nas ruas im plicava numa co nduta completamente

d i f e r e n t e do estar nas casas. A negra de rua tí pica era a q uela "de

pavio curto", o usa da e até vi olenta, mas ta mbém hábil na arte de

negociar, principalmente qua n d o o a ssu n t o era sua próp ria

1ibe r d a d e .

Com a efetivação das medidas emane ip a c io n i s l a s , o sonho de

liberdade par ec eu mais per to para m uitas midieres. Com base na lei

de 1871, tentavam ne goci ar sua alforr ia . Isto era re l a t i v a m e n t e

mais fácil para aque las que se d e d i c a v a m a ga nha r a vida no ganho,

pois era dif ícil cons e g u i r padri n h o s e parentes que doassem

dinheiro para a c o mpra da liberdade. O d e sejo de liber da de levou

muita s vezes e s cravas e s e n hores a se e n f r e n t a r e m no tribunal, para

que chegassem a um acordo sobre o valor da alforr ia . Essas

situ a ç õ e s dão bem uma amostra da diversidade de luta da escrava

para rompe r c om o jugo dos p roprietá rios. Atitudes com o essas

118
r e v elu m o seu lado rebelde. Ne ste tr abalho não procurei cria r e

en a l t e c e r her o í n a s negras, nem tão pouc o ver as ne gras como ví ti mas

in de fe sas do sistema. A penas tentei id en ti ficar que, mesmo na

escravidão e na pobreza, mu i t a s puderam construir um uni v e r s o com

regras e significados próprios.

119
FON T E S E R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

ARQ U I V O S E BIBLIOTECAS

A R Q U I V O P Ú B L I C O DO E STADO DA BA HIA

- Série "Escra vos ".

- série "Po Ií c i a " .

‫ ־‬Série "Ações do cível".

AR Q U I V O M U N I C I P A L DE SAL V A D O R

- Li vro de Po sturas Mu ni c ipais.

- Li vro de O f í c i o s Recebid os .

- Li vr o de L i c enças du Camara.

JORNAIS

- C o r r e i o Me rca ntil ( 1836-1839, 1840-1841, 1854-1857, 1881).

- D i á r i o da Bah i a (1870-1881).

120
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