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Introdução:
Para tal, este grupo de entidades, com o apoio também da Famerj -Federação das
Associações de Moradores do Rio de Janeiro, do Fórum de Organizações
Ambientalistas da América Latina e de outras organizações ambientalistas e
movimentos sociais, presentes no Fórum Global Paralelo durante a própria Eco-92,
acabaram conseguindo organizar uma histórica passeata denominada de “Eco dos
Oprimidos”, realizada ao final da Eco-92, no centro da cidade do Rio de Janeiro, que
contou com presença de mais de 40 mil pessoas.
11) A queda do Muro de Berlim e da burocracia com suas políticas secretas sepultou o
modo coletivista do Estado autoritário e centralizado, mas não os princípios e os
fundamentos de um igualitarismo socialista democrático.
12) No entanto, para a opinião pública mundial ficaram abalados os princípios da
supremacia do coletivo sobre o individual e do plano sobre o mercado. Impõe-se a
necessidade de repensarmos a relação entre o individual e o social, entre o público e o
privado. A luta contra a desigualdade, por exemplo, não é uma luta pela igualdade no
sentido estritamente econômico-social. É uma luta para que todos tenham condições
iguais para afirmar suas diferenças. Os ecossocialistas recusam uma visão do social que
anule o indivíduo. Queremos um social que incorpore a visão de que cada indivíduo é
singular, tem a sua originalidade. Queremos um social que permita o desabrochar da
criatividade que existe em cada ser humano. Queremos um socialismo (e não um social-
ismo) que seja assinado na primeira pessoa, em que cada um se sinta estimulado e
responsável individualmente pela sua construção. Não confundimos afirmação da
individualidade com individualismo, como, de certa forma, a esquerda até hoje veio
fazendo. Como a questão do indivíduo era confundida com o individualismo burguês,
ela foi negligenciada e recalcada. No entanto, como ela é parte constitutiva do homem
moderno e não era explicitada no seio da esquerda, a questão do indivíduo veio se
manifestando de uma maneira perversa por meio dos diversos cultos à personalidade.
Aquilo que era negado à maioria sob o pretexto de que se constituía num princípio
burguês passou a ser privilégio de alguns poucos (quase sempre do secretário-geral).
16) Uma das decorrências do antropocentrismo (na verdade, do homem europeu, logo
do eurocentrismo) foi (e é) o produtivismo. A crença num homem TODO-PODEROSO
que tudo pode submeter está na base da idéia de progresso do mundo moderno. O
PROGRESSO entendido como aumento da riqueza material, medido por meio do PIB,
impregnou as consciências, inclusive a de muitos que se pensam críticos da sociedade
dominante. Para os ecossocialistas, o capitalismo não é somente um modo de produção.
É também um modo de vida, um determinado projeto civilizatório, um modo de ser para
o ser humano. Não cabe simplesmente questionar o modo de produção-distribuição do
capitalismo. Se o capitalismo não permite que todos tenham automóveis, nós, os
ecossocialistas, não lutamos para que todos tenham um, pois isso só socializaria o
congestionamento. Assim, não questionamos somente o modo como se produz e para
quem. Incorporamos à nossa crítica também o BEM-ESTAR. Queremos um BEM-
VIVER, que vai além do conforto material. SEM MEDO DE SER FELIZ.
21) Os ecossocialistas não entendem que os proletários fabris e rurais sejam os únicos
agentes da transformação social. Há um movimento real, constituído por diferentes
movimentos sociais, que procura suprimir o estado de coisas existentes. São pessoas que
pelas mais diferentes razões rompem a sua inércia e vêm para o espaço público construir
novos direitos.
26) Até agora o movimento popular e sindical tem se preocupado com a questão
tecnológica basicamente por seu impacto no (des)emprego, com ênfase nas
conseqüências da robótica e da informática. Esse é um aspecto importante e por
intermédio dele é possível perceber com clareza que a redução da jornada de trabalho se
constitui numa bandeira extremamente moderna e atual. No entanto, há um outro lado
da questão que precisa ser aprofundado: em muitos casos o trabalhador tem vendido a
sua saúde (insalubridade como adicional no salário) em vez de lutar pela despoluição
das fábricas e dos processos de produção, deixando intacta a matriz tecnológica do
capital. Os ecologistas lançam junto aos sindicatos e à classe trabalhadora a luta política
pelas tecnologias limpas e um ambiente de trabalho saudável, tanto no aspecto bio-
físico-químico como no psicossocial. Devemos, pois, assumir a luta por tecnologias que
minimizem o impacto agressivo sobre a saúde e a vida de quem produz e o meio
ambiente, patrimônio da população e base de sua qualidade de vida. A luta pela
substituição das tecnologias sujas que usam o benzeno, o mercúrio, o ascarel, o asbesto,
os agrotóxicos e o jateamento de areia (nos estaleiros, por exemplo), entre outros, supõe
o aumento da consciência de classe e, por incorporar a dimensão ecológica, torna-se
uma questão de interesse de toda a humanidade, contribuindo para superar o
corporativismo. Ambientes de produção ecologicamente seguros são condição
preliminar para que todo o ambiente seja despoluído. O segredo comercial,
normalmente invocado pelo capital para não revelar a composição química de seus
produtos, não pode estar acima da vida.
28) Para efetivar esta bandeira torna-se fundamental uma articulação entre a
comunidade científica, o movimento ambientalista e o movimento popular e sindical.
Isolados estes, as teses ficam nas gavetas e a chantagem patronal joga trabalhadores e
ecologistas uns contra os outros. São os trabalhadores que vivem cotidianamente
submetidos às piores condições ambientais, tanto no seu local de trabalho como em sua
moradia. É preciso, no entanto, romper com o corporativismo que opõe trabalhadores de
um lado e ambientalistas e cientistas de outro. Se os trabalhadores, por exemplo, não
têm onde morar e, constrangidos, invadem áreas de interesse público, como mananciais,
é preciso afirmar que nesse caso a questão habitacional torna-se de interesse público e
haveremos de buscar alternativas para que os trabalhadores tenham um teto e o
manancial seja preservado. Assim, é preciso reverter o corporativismo e a alienação a
ele vinculada, aprofundando a luta política, cimentando a concepção de uma nova
sociedade fundada em um outro tipo de desenvolvimento tecnológico.
30) A conversão gradual do complexo militar e industrial para uma economia voltada
para um desenvolvimento autogerido, democrático e sustentável deve ser acompanhada
pela transformação radical dos critérios de investigação de ecotécnicas, tecnologias
economicamente eficientes, poupadoras de energia, descentralizáveis (tanto no plano
técnico como no político), ecologicamente seguras e capazes de serem apropriadas e
geridas pelo trabalho coletivo.
33) Um projeto ecossocialista pressupõe as reformas agrária e urbana, que devem ser
pensadas na sua articulação com a matriz energética. O incentivo às formas de geração
de energia descentralizadas como miniusinas, biodigestores, eólica (vento) e solar é
importante no sentido de democratizar o acesso à energia sem aumentar a pressão sobre
a atual matriz energética, esta sim excludente, com vistas a possibilitar o
desenvolvimento de pequenas e médias cidades. Essa preocupação não deve nos omitir
das responsabilidades referentes aos problemas das grandes cidades, exigindo a
proteção das encostas, dos mananciais e fundos de vales, a primazia do transporte
coletivo sobre o individual, o uso do gás como combustível, as ciclovias, a reciclagem
do lixo urbano e outras propostas.
37) Essa nova ética ecológica planetária é incompatível com a exportação de lixo
químico dos países ricos para os países periféricos e inconciliável com os testes
nucleares que transformam o planeta em laboratório e a população em cobaia.
Sobretudo agora, quando caiu o Muro e com ele toda a lógica da Guerra Fria e sua
corrida armamentista, torna-se necessária a desnuclearização do mundo para que a
política não fique submetida àqueles que têm o poder de definir a morte. A queda da
burocracia no Leste Europeu, saudada por todos os verdadeiros socialistas, deixou, por
outro lado, o imperialismo de mãos livres para apertar o botão.
39) O ecossocialismo não se constrói num só país nem numa só direção. A solidariedade
entre todos aqueles que são negados em sua humanidade, por serem explorados e
oprimidos, se faz pelo reconhecimento de que formamos uma mesma espécie, cujo
maior patrimônio é nossa diferença cultural. Uma posição verdadeiramente
revolucionária, ecossocialista, reconhece que habitamos uma mesma casa, o planeta
Terra, que, por sua vez, vem sendo ameaçado por um internacionalismo fundado no
dinheiro e no lucro e por um poder altamente concentrado: o IMPERIALISMO.
40) Os ecossocialistas entendem que é necessário romper com a idéia restrita de
revolução, originária da mitológica tomada de assalto do poder, militarizada e, por sua
vez, derivada de uma restrita visão do Estado. Afirmamos que inexiste o tal corte
absoluto mistificado na história, uma vez que o processo de transformação social é
composto não por uma, mas por várias rupturas, descontinuidades, desníveis e
disfunções. No entanto, numa sociedade em que o poder está hierarquizado, do
cotidiano familiar ao aparelho de Estado, passando pelos locais de trabalho, as diversas
rupturas nos diversos níveis têm contribuições diferenciadas, embora todas essenciais
num verdadeiro processo de transformação, aliás em curso. Aqui se faz necessária, mais
uma vez, uma visão que dialetize a relação entre as partes e o todo. Os debates acerca
dessa questão vêm ganhando maior profundidade no seio da esquerda. Mesmo aqueles
que procuram afirmar a idéia de uma ruptura têm apontado que ela implica o
estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade civil, entre partidos e
sindicatos e demais movimentos populares. Apontam que o socialismo se torna uma
necessidade reconhecida pela população quando no processo de luta evidenciamos os
limites de desenvolvimento capitalista. Esses limites são evidenciados, por sua vez,
quando a burguesia rejeita propostas humanização em geral, em particular no tocante à
socialização da propriedade. Desse modo, a ruptura deve ser entendida como o resultado
prático e teórico da dialética reformas / revolução. Nesta dialética é fundamental,
portanto, entender que a teoria e a prática para uma sociedade socialista devem existir já
a partir do capitalismo, embora condicionada pelos limites e barreiras dessa sociedade.
Aí são fundamentais, por exemplo, os Conselhos Populares. Estes devem ser
organizações da sociedade civil autônomas em relação ao Estado e aos partidos, atuando
como verdadeiros laboratórios de construção de hegemonias. Assim, a democracia
socialista não é simplesmente a negação da democracia capitalista, mas sim a sua
superação. Se a democracia é um valor estratégico, como acreditamos, e não tático, e o
poder não se localiza em um lugar restrito, como no aparelho de Estado, por exemplo,
devemos instituir práticas democráticas em todos os lugares de interesse público,
inclusive nas unidades de produção (empresas / locais de trabalho), o que implica
repensar o regime de propriedade. Afinal, assim como os fluxos de matéria e energia
dos ecossistemas e mesmo da sociedade transcendem as fronteiras nacionais, o mesmo
ocorre com as cercas e fronteiras da propriedade privada.
41) Por fim, a atual crise que afeta a humanidade expressa na descrença com relação ao
futuro, no hipocondrismo, no alcoolismo, na violência cotidiana, no estresse, na apatia e
no consumo indiscriminado de drogas em geral mostra a decadência do atual modelo de
desenvolvimento. Repudiamos a militarização do combate às drogas que vem
substituindo a antiga caça aos comunistas. A militarização no combate às drogas acaba
por escamotear a verdadeira questão: o esvaziamento do sentido da vida, a
instrumentalização mercantilizada do desejo, a vida sem direito a fantasias típicas da
sociedade que transformou a liberdade "numa calça velha, azul e desbotada", conforme
um anúncio publicitário. Nós, ecossocialistas, reconhecemos que, se é, num certo
sentido, verdadeiro que ninguém vive de fantasia, também é verdadeiro que a dimensão
da fantasia é inerente à vida. Assim, repudiamos a sociedade que reduz a fantasia à sua
por intermédio da droga.
1991