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Primeiro Manifesto Ecossocialista

Secretaria Nacional de Movimentos Populares

Subsecretaria Nacional dos Ecologistas do PT

Introdução:

O Primeiro Manifesto Ecossocialista, foi elaborado e lançado em 1991 no Brasil,


durante o segundo Encontro Nacional dos Ecologistas do Partido dos Trabalhadores -
PT, na cidade de Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, organizado pela
então Subsecretaria Nacional dos Ecologistas do Partido dos Trabalhadores.

Já as primeiras reflexões, documentos e princípios sobre o Ecossocialismo,


surgiram entre 1989 e 1991, durante reuniões que alguns ecologistas do PT realizaram,
durante cursos de formação política organizados pelo próprio Partido, na cidade de
Cajamar, no Estado de São Paulo e em atividades políticas realizadas pelos militantes
do então Núcleo dos Ecologistas do PT, nas cidades de São Paulo, Recife, Porto Alegre,
Brasília e Rio de Janeiro. Estes fatos ocorreram logo após importantes processos
políticos; a queda do muro de Berlim seguido da desagregação do bloco soviético e a
primeira derrota eleitoral sofrida pelo Partido dos Trabalhadores no Brasil.

A primeira versão preparada para uma divulgação mais massiva e publica do 1º


Manifesto Ecossocialista, foi impressa pelos Ecologistas do PT, às vésperas da Eco-92,
onde o Manifesto foi amplamente divulgado. Inclusive, durante a Eco-92 na cidade do
Rio de Janeiro, foi realizada a primeira reunião publica e suprapartidária sobre o
Ecossocialismo no Brasil. Esta atividade foi efetivada por iniciativa de uma parceria
entre militantes do núcleo de ecologistas do PT, da ONG Aspan de Pernambuco e do
núcleo de meio ambiente da CUT. Nesta atividade surgiu a proposta de se organizar
durante a própria ECO-92, uma atividade política de massas, que fosse tanto um
chamamento da opinião publica para as injustiças sociais e os problemas políticos e
ambientais do planeta, quanto um ato de protesto contra a lógica de consumo, de
exploração econômica e de degradação ambiental e social, inerentes a globalização e ao
sistema capitalista.

Para tal, este grupo de entidades, com o apoio também da Famerj -Federação das
Associações de Moradores do Rio de Janeiro, do Fórum de Organizações
Ambientalistas da América Latina e de outras organizações ambientalistas e
movimentos sociais, presentes no Fórum Global Paralelo durante a própria Eco-92,
acabaram conseguindo organizar uma histórica passeata denominada de “Eco dos
Oprimidos”, realizada ao final da Eco-92, no centro da cidade do Rio de Janeiro, que
contou com presença de mais de 40 mil pessoas.

Em seguida, no âmbito do Partido dos Trabalhadores, a sua então subsecretaria,


passou a se estruturar como uma Secretaria Nacional de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável - a SMAD/PT, buscando incorporar contribuições e
diretrizes de cunho ecossocialista nos programas do partido. Paralelamente, ecologistas
petistas que também atuavam como militantes em organizações não governamentais, as
denominadas ONGs ambientalistas -, procuravam difundir os conceitos Ecossocialistas,
junto aos movimentos populares e nos próprios Fóruns Sociais Mundiais.
Posteriormente, o primeiro manifesto só voltou a ser impresso em 2001, agora no
apêndice do livro ”O desafio da Sustentabilidade”, editado pela Fundação Perseu
Abramo.

A partir do inicio do século XXI, principalmente quando dos Fóruns Sociais


Mundiais, os preceitos ecossocialistas passaram a ser mais debatidos e divulgados,
expandindo-se mais rapidamente para diversos segmentos políticos e sociais, tanto no
continente americano como europeu, assim como internamente no Brasil, onde hoje já
existem grupos em outros partidos políticos e em entidades e ONGs, comprometidas
com a luta ecossocialista.

Primeiro Manifesto Ecossocialista

1) Os ecossocialistas procuram resgatar a herança histórica de luta da humanidade pela


justiça social, pela democracia como valor essencial e pelo direito à diferença (de
gênero - Homem-Mulher -, da diversidade cultural dos povos e de opções sexuais,
religiosas). Afirmam que, como parte dos movimentos que entram em luta por novas
formas de relações sociais (socialistas), entram em luta também por novas formas de
relação do ser humano com a natureza. Nesse sentido, não somos nem socialistas no
sentido estrito, nem ecologistas em sentido estrito: somos ecossocialistas.

2) O "socialismo realmente existente", ao propor a primazia do desenvolvimento das


forças produtivas em detrimento de novas relações sociais que permitissem o livre
desenvolvimento do ser humano e a proteção do meio ambiente, reproduziu na prática
características da sociedade capitalista que pretendia superar.
3) A crise na qual está imersa a humanidade não se restringe ao campo do econômico,
mas abrange todo um processo civilizatório com suas crenças e seus valores, inclusive a
crença de que a economia é a base da felicidade humana. Daí a necessidade de se
repensar os fundamentos filosóficos para a construção de uma nova utopia. Entre esses
valores que precisam ser repensados e que fazem parte, inclusive, da herança filosófica
de grande parte da esquerda está o antropocentrismo.

4) Para os ecossocialistas, as especificidades do homem como espécie biológica que,


por exemplo, tem a propriedade de criar cultura e história não são suficientes para
autorizar a visão da natureza como objeto a ser submetido. Para os ecossocialistas, o
Homem é parte da natureza, aquela que, inclusive, desenvolveu a consciência. Se
vivemos numa sociedade em que a espécie humana perdeu essa consciência da sua
naturalidade, esta é mais uma dimensão do processo de alienação a que se chegou.

5) Para os ecossocialistas, a defesa da vida não se restringe à defesa da vida humana,


mas se estende a todas as formas de vida.

6) O chamado "socialismo científico", construído a partir das visões científicas do


século passado (positivismo, evolucionismo, determinismo), da lógica cartesiana e da
física newtoniana (mecânica), deve ser dialeticamente superado. Uma nova visão de
mundo, holística, não-compartimentalizada, que reconheça que aquilo que a ciência
convencional chama de "LEI" e "ORDEM" é apenas uma parte da realidade, da qual o
ACASO também faz parte, constitui-se em novo paradigma sobre o qual poderíamos
reformular nossa utopia.

7) Os ecossocialistas recusam a tese de que o homem está destruindo a natureza. Essa


tese, ao tratar da questão genericamente, dilui as responsabilidades pela atual
devastação do planeta. Numa sociedade fundada no lucro e na propriedade privada, a
natureza não está igualmente à disposição do ser humano. A propriedade privada da
natureza tira, por exemplo, de grande parte da humanidade o direito de decidir o que
dela vai ser feito. Assim, vivemos numa sociedade que gera riqueza (questionável) para
poucos, miséria para muitos e degradação ambiental para todos, pondo em risco,
inclusive, a própria sobrevivência do planeta.
8) Desse modo, os recursos naturais do planeta não podem ser apropriados sob o regime
da propriedade privada com poderes absolutistas do proprietário, mas sim de forma
coletiva, democrática, em sintonia com o meio ambiente, e solidária com as gerações
futuras.

9) Nesse sentido, é necessário mudar a relação ser humano-natureza, buscando uma


relação harmoniosa preocupada com o futuro do planeta. Os interesses dos segmentos,
grupos classes, povos e nações têm que ser compatibilizados com o meio ambiente. Para
os ecossocialistas, os interesses dos explorados e oprimidos devem ser pensados para
além do corporativismo, e para isso é preciso que incorporemos um projeto que seja do
interesse de toda a humanidade e de defesa da(s) vida(s) e do planeta. A visão holística
inerente aos ecossocialistas é fundamental na superação efetiva do corporativismo, pois
implica reconhecer o outro como outro na sua diferença.

10) Para os ecossocialistas, um meio ambiente saudável é incompatível com o


capitalismo nas suas duas vertentes, a neoliberal e a social-democrata. A preocupação
com o enriquecimento imediato, inerente à lógica do MERCADO e do LUCRO, deve
deixar de constituir a base dos valores da humanidade. A separação do homem da terra
está na origem e no cerne da sociedade capitalista. Só assim foi possível a
mercantilização generalizada dos homens (proletarização) e da natureza. A lógica do
mercado, que pressupõe a divisão do trabalho, levou a uma extrema especialização tanto
produtiva como do conhecimento. A lógica da concorrência impôs ritmos intensos ao
processo de produção, incompatíveis com os fluxos de matéria e energia de cada
ecossistema (que ficaram dependentes de insumos energéticos externos), com o
equilíbrio psicoafetivo do trabalhador (vide Chaplin em Tempos Modernos) e com os
ritmos próprios à vida de cada povo e cultura. Nesse sentido, capitalismo e
desenvolvimento auto-sustentável são incompatíveis.

11) A queda do Muro de Berlim e da burocracia com suas políticas secretas sepultou o
modo coletivista do Estado autoritário e centralizado, mas não os princípios e os
fundamentos de um igualitarismo socialista democrático.
12) No entanto, para a opinião pública mundial ficaram abalados os princípios da
supremacia do coletivo sobre o individual e do plano sobre o mercado. Impõe-se a
necessidade de repensarmos a relação entre o individual e o social, entre o público e o
privado. A luta contra a desigualdade, por exemplo, não é uma luta pela igualdade no
sentido estritamente econômico-social. É uma luta para que todos tenham condições
iguais para afirmar suas diferenças. Os ecossocialistas recusam uma visão do social que
anule o indivíduo. Queremos um social que incorpore a visão de que cada indivíduo é
singular, tem a sua originalidade. Queremos um social que permita o desabrochar da
criatividade que existe em cada ser humano. Queremos um socialismo (e não um social-
ismo) que seja assinado na primeira pessoa, em que cada um se sinta estimulado e
responsável individualmente pela sua construção. Não confundimos afirmação da
individualidade com individualismo, como, de certa forma, a esquerda até hoje veio
fazendo. Como a questão do indivíduo era confundida com o individualismo burguês,
ela foi negligenciada e recalcada. No entanto, como ela é parte constitutiva do homem
moderno e não era explicitada no seio da esquerda, a questão do indivíduo veio se
manifestando de uma maneira perversa por meio dos diversos cultos à personalidade.
Aquilo que era negado à maioria sob o pretexto de que se constituía num princípio
burguês passou a ser privilégio de alguns poucos (quase sempre do secretário-geral).

13) No entanto, os ecossocialistas propugnam por ampliar radicalmente os espaços das


liberdades coletivas e individuais, não restringindo as especificidades do
desenvolvimento afetivo, psicológico e cultural.

14) Em uma sociedade em que o poder e a economia estão extremamente centralizados,


monopolizados - como a que vivemos, tanto em nível nacional como internacional -,
não é possível deixar exclusivamente às forças do mercado a formação dos valores, dos
gostos e dos preços. O mercado não gosta dos miseráveis e a justiça social não é
mercadoria que dê lucros imediatos. Não queremos trocar o ESTADO TOTAL pelo
MERCADO TOTAL. É preciso mesmo indagar-se se existe mercado numa economia
oligopolizada.

15) Afirmamos que os princípios da autogestão, da autonomia, da solidariedade


(inclusive com as gerações futuras), da defesa da(s) vida(s) e das liberdades, do
desenvolvimento espiritual e cultural dos indivíduos e dos povos e das tecnologias
alternativas, libertos das amarras do produtivismo e do Estado autoritário, ajudarão a
semear e robustecer a utopia transformadora ecossocialista e libertária.

16) Uma das decorrências do antropocentrismo (na verdade, do homem europeu, logo
do eurocentrismo) foi (e é) o produtivismo. A crença num homem TODO-PODEROSO
que tudo pode submeter está na base da idéia de progresso do mundo moderno. O
PROGRESSO entendido como aumento da riqueza material, medido por meio do PIB,
impregnou as consciências, inclusive a de muitos que se pensam críticos da sociedade
dominante. Para os ecossocialistas, o capitalismo não é somente um modo de produção.
É também um modo de vida, um determinado projeto civilizatório, um modo de ser para
o ser humano. Não cabe simplesmente questionar o modo de produção-distribuição do
capitalismo. Se o capitalismo não permite que todos tenham automóveis, nós, os
ecossocialistas, não lutamos para que todos tenham um, pois isso só socializaria o
congestionamento. Assim, não questionamos somente o modo como se produz e para
quem. Incorporamos à nossa crítica também o BEM-ESTAR. Queremos um BEM-
VIVER, que vai além do conforto material. SEM MEDO DE SER FELIZ.

17) Assim, os ecossocialistas questionam os padrões culturais de consumo que são


condicionados pelo modo de produção. Diferenciamo-nos dos demais ecologistas, pois
não ficamos na crítica ao consumismo, uma vez que esta é a face aparente de uma
sociedade que, no fundo, é produtivista. O produtivismo-consumismo é, por sua vez,
filho direto dos valores antropocêntricos que a sociedade capitalista leva ao paroxismo
com sua visão da riqueza imediata, do lucro e da extrema fragmentação/especialização
da produção, inclusive da produção do conhecimento.

18) A crítica ecossocialista da matriz produtivista-consumista dos atuais modelos de


desenvolvimento predatórios, embotantes e desumanos se dirige também à proposta de
"crescimento zero" ou do anticonsumismo monástico para o Terceiro Mundo.
Propomos, sim, um redirecionamento da produção-consumo que vise prioritariamente a
superação da miséria, tanto material como espiritual, e uma gestão democrática dos
recursos. Para os ecossocialistas, a produção não é um fim em si mesma, mas um meio
para a efetivação de uma sociedade igualitária baseada na radicalização democrática
(que combina democracia direta e representativa).
19) A tese do "crescimento zero" demonstrou toda a sua fragilidade sobretudo na última
década de recessão e desemprego, com queda do PIB. Mesmo nesse contexto, a
degradação ambiental só fez progredir. Nada temos contra o crescimento se ele for
baseado na proteção da natureza e na gestão democrática dos recursos. O crescimento
do ser humano não pode ser reduzido ao consumo de bens materiais. Não queremos
substituir o SER pelo TER. Essa é a utopia capitalista.

20) Para os ecossocialistas, o trabalhador não se define como "mão-de-obra" ou "força-


de-trabalho", mas como um ser humano pleno e complexo, com direitos integrais de
cidadania. Não reduzimos o ser humano ao mundo da produção, nem tampouco à sua
dimensão econômica. A economia é apenas um instrumento a serviço da sociedade, e
não o contrário, como acontece no capitalismo, e, portanto, deve estar subordinada
democraticamente aos cidadãos.

21) Os ecossocialistas não entendem que os proletários fabris e rurais sejam os únicos
agentes da transformação social. Há um movimento real, constituído por diferentes
movimentos sociais, que procura suprimir o estado de coisas existentes. São pessoas que
pelas mais diferentes razões rompem a sua inércia e vêm para o espaço público construir
novos direitos.

22) Os ecossocialistas propõem novos critérios para a elaboração da contabilidade


nacional, em que sejam computados os custos da degradação do meio ambiente, como,
por exemplo, a perda da biodiversidade, do fundo de fertilidade da terra (e da água), dos
mananciais. A poluição é um claro exemplo de socialização dos prejuízos e da
privatização dos benefícios. Para nós são indicadores do desenvolvimento o tempo livre
e o avanço cultural do povo e, para isso, é fundamental retomar a luta pela diminuição
da jornada de trabalho. Não existe nenhum limite natural para a jornada de trabalho. Ele
é claramente político e é o resultado das lutas de classes. Entendemos que o trabalho é
uma necessidade e, como tal, deve ser democraticamente gerenciado e reduzido para
que o homem possa ser livre.

23) A sociedade americana, paradigma de desenvolvimento na ótica dominante, no seu


afã produtivista-consumista, chegou à insana condição de, com apenas 6% da população
mundial, consumir 25% da produção mundial do petróleo. Desse modo, se 24% da
população mundial tivesse o padrão cultural da sociedade norte-americana, consumiria
100% do petróleo mundial. Esse modelo se mostra, assim, definitivamente, não só
devastador-poluidor como também excludente socialmente. Se na utopia capitalista a
felicidade deve ser alcançada por meio do consumo de bens materiais com todas as
conseqüências já apuradas, nós, ecossocialistas, propugnamos a luta por um
redirecionamento do que seja riqueza que incorpore, inclusive, a dimensão ética, pois
deve ser estendida a todos os seres humanos e se pautar no direito à vida de todos os
seres vivos. A sociedade moderna surgiu apoiada numa ética do trabalho, que, no
entanto, vem sendo substituída pela ética do consumo. É preciso superarmos,
dialeticamente, a ambas.

24) a ciência e a tecnologia são indispensáveis para a construção da sociedade


ecossocialista, em que haja a superação do desperdício e da devastação e a diminuição
da jornada de trabalho (o tempo livre). Todavia não podemos cair no mito nacionalista
de que a ciência e a tecnologia são os únicos motores para se alcançar tal fim. É a
própria noção de riqueza e trabalho que precisa ser reelaborada. Outras sociedades,
menos complexas tecnologicamente do que a nossa, foram capazes de subordinar o
trabalho e não se escravizar a ele.

25) A luta pela construção do ecossocialismo passa, necessariamente, pela invenção de


novas tecnologias e por uma apropriação crítica do complexo tecnológico hoje à
disposição da humanidade. Nesse sentido, devemos estar atentos e abertos a todo o
complexo científico-tecnológico que o conhecimento humano produziu e, sobretudo,
saber adequá-lo às particularidades socioculturais de nosso povo, tanto para recusá-lo
como para dele nos apropriar.

26) Até agora o movimento popular e sindical tem se preocupado com a questão
tecnológica basicamente por seu impacto no (des)emprego, com ênfase nas
conseqüências da robótica e da informática. Esse é um aspecto importante e por
intermédio dele é possível perceber com clareza que a redução da jornada de trabalho se
constitui numa bandeira extremamente moderna e atual. No entanto, há um outro lado
da questão que precisa ser aprofundado: em muitos casos o trabalhador tem vendido a
sua saúde (insalubridade como adicional no salário) em vez de lutar pela despoluição
das fábricas e dos processos de produção, deixando intacta a matriz tecnológica do
capital. Os ecologistas lançam junto aos sindicatos e à classe trabalhadora a luta política
pelas tecnologias limpas e um ambiente de trabalho saudável, tanto no aspecto bio-
físico-químico como no psicossocial. Devemos, pois, assumir a luta por tecnologias que
minimizem o impacto agressivo sobre a saúde e a vida de quem produz e o meio
ambiente, patrimônio da população e base de sua qualidade de vida. A luta pela
substituição das tecnologias sujas que usam o benzeno, o mercúrio, o ascarel, o asbesto,
os agrotóxicos e o jateamento de areia (nos estaleiros, por exemplo), entre outros, supõe
o aumento da consciência de classe e, por incorporar a dimensão ecológica, torna-se
uma questão de interesse de toda a humanidade, contribuindo para superar o
corporativismo. Ambientes de produção ecologicamente seguros são condição
preliminar para que todo o ambiente seja despoluído. O segredo comercial,
normalmente invocado pelo capital para não revelar a composição química de seus
produtos, não pode estar acima da vida.

27) As chamadas tecnologias limpas não se resumem ao tratamento da saúde, dos


efluentes e dos despejos, mas implicam a despoluição de todo o processo de produção
em todas as suas fases. O ecossocialismo não quer limpar a atual organização do
processo produtivo sem alterar seus princípios e sua lógica de funcionamento. Não
queremos pintar de verde a fachada do prédio do capitalismo predatório, mantendo
inalterada sua lógica de exploração, exclusão e desigualdades. Assim, a bandeira das
tecnologias limpas deve se associar às transformações na estrutura da propriedade, de
distribuição e da natureza do consumo final.

28) Para efetivar esta bandeira torna-se fundamental uma articulação entre a
comunidade científica, o movimento ambientalista e o movimento popular e sindical.
Isolados estes, as teses ficam nas gavetas e a chantagem patronal joga trabalhadores e
ecologistas uns contra os outros. São os trabalhadores que vivem cotidianamente
submetidos às piores condições ambientais, tanto no seu local de trabalho como em sua
moradia. É preciso, no entanto, romper com o corporativismo que opõe trabalhadores de
um lado e ambientalistas e cientistas de outro. Se os trabalhadores, por exemplo, não
têm onde morar e, constrangidos, invadem áreas de interesse público, como mananciais,
é preciso afirmar que nesse caso a questão habitacional torna-se de interesse público e
haveremos de buscar alternativas para que os trabalhadores tenham um teto e o
manancial seja preservado. Assim, é preciso reverter o corporativismo e a alienação a
ele vinculada, aprofundando a luta política, cimentando a concepção de uma nova
sociedade fundada em um outro tipo de desenvolvimento tecnológico.

29) Os ecossocialistas propugnam pela reciclagem dos resíduos e materiais, pela


descentralização geográfica da economia e da política, pelo combate ao desperdício e à
obsolescência precoce planejada do produto. A durabilidade deve se constituir num
critério de qualidade do produto. Estas são bandeiras que devem estar associadas à luta
contra a pobreza (material e simbólica), contra a concentração de terra e renda e contra a
dependência externa.

30) A conversão gradual do complexo militar e industrial para uma economia voltada
para um desenvolvimento autogerido, democrático e sustentável deve ser acompanhada
pela transformação radical dos critérios de investigação de ecotécnicas, tecnologias
economicamente eficientes, poupadoras de energia, descentralizáveis (tanto no plano
técnico como no político), ecologicamente seguras e capazes de serem apropriadas e
geridas pelo trabalho coletivo.

31) A tendência atual do capitalismo de diminuir cada vez mais o número de


trabalhadores do processo de produção material, aumentando enormemente a
capacidade de produção, tem como um dos sustentáculos a manipulação do desejo, a
fabricação capitalista da subjetividade por meio da mídia, sobretudo da televisão. Este
tem sido um poderoso instrumento político dos grandes monopólios. A democratização
dos meios de comunicação torna-se essencial. Pela "Reforma Agrária do AR".

32) A defesa do ensino público, gratuito e de qualidade em todos os níveis é


fundamental para que criemos um complexo científico-tecnológico que contribua para
um desenvolvimento ecologicamente seguro, voltado para o interesse comum e a
soberania dos povos. Só com um estreitamento profundo da universidade com os
interesses da grande maioria do povo será possível quebrar o mito da neutralidade das
forças produtivas. A busca de um paradigma filosófico e científico não-reducionista é
parte da luta por uma universidade de qualidade e voltada para o interesse comum.

33) Um projeto ecossocialista pressupõe as reformas agrária e urbana, que devem ser
pensadas na sua articulação com a matriz energética. O incentivo às formas de geração
de energia descentralizadas como miniusinas, biodigestores, eólica (vento) e solar é
importante no sentido de democratizar o acesso à energia sem aumentar a pressão sobre
a atual matriz energética, esta sim excludente, com vistas a possibilitar o
desenvolvimento de pequenas e médias cidades. Essa preocupação não deve nos omitir
das responsabilidades referentes aos problemas das grandes cidades, exigindo a
proteção das encostas, dos mananciais e fundos de vales, a primazia do transporte
coletivo sobre o individual, o uso do gás como combustível, as ciclovias, a reciclagem
do lixo urbano e outras propostas.

34) Na sociedade atual há um verdadeiro culto à centralização, à concentração e ao que


é grande (ao maior) sob o pretexto de que seriam mais eficientes. Combatemos
radicalmente esse princípio, não por um culto ingênuo ao pequeno, ao menor, mas sim
pela hierarquização e centralização do poder que os MEGAPROJETOS comportam. O
limite de tamanho é desigual para as diferentes atividades e sociedades e não é uma
questão de ordem exclusivamente técnica, embora comporte, como tudo, um lado
técnico do fazer. Como tal, o limite do tamanho é sobretudo do campo político e, assim,
deve ser estabelecido a partir de uma base democrática e autogestionária. Não é difícil
perceber a íntima relação entre os MEGAPROJETOS no Brasil (Tucuruí, Jari, Carajás,
Angra I e II, Itaipu...) e o suporte autoritário que os criou. E aqui não devemos
confundir o autoritarismo com sua fachada aparente que foi a ditadura militar, mas,
sobretudo, ver os vínculos profundos que mantém com o capital monopolista.

35) Os ecossocialistas lutam pelo desenvolvimento de formas democráticas e


participativas de gestão em todos os níveis, desde o local de trabalho até o Parlamento,
por meio da combinação da democracia direta e da representativa. Acreditamos ser esta
uma forma evoluída de gestão política e administrativa. Os cidadãos trabalhadores
devem ter uma noção geral dos problemas e participar criativamente das soluções,
substituindo a visão fragmentária por uma visão holística (que se preocupa com a
relação das partes entre si, das partes com o todo e com a relação do TODO retroagindo
sobre as partes). Para isso são necessários tanto um processo educacional que, ao
mesmo tempo que estimule o senso crítico e a criatividade, vise o interesse público
como uma radical democratização dos meios de comunicação. Sem essas condições as
mudanças no regime de propriedade e nas formas de gestão, que estão associadas, ficam
comprometidas.
36) Para os ecossocialistas uma nova ética revolucionária é precondição de uma nova
política: os FINS não justificam os MEIOS. As práticas autoritárias, machistas, elitistas,
militarizadas e predatórias só fundamental uma falsa transformação, sem a afirmação de
novos valores para uma nova sociedade.

37) Essa nova ética ecológica planetária é incompatível com a exportação de lixo
químico dos países ricos para os países periféricos e inconciliável com os testes
nucleares que transformam o planeta em laboratório e a população em cobaia.
Sobretudo agora, quando caiu o Muro e com ele toda a lógica da Guerra Fria e sua
corrida armamentista, torna-se necessária a desnuclearização do mundo para que a
política não fique submetida àqueles que têm o poder de definir a morte. A queda da
burocracia no Leste Europeu, saudada por todos os verdadeiros socialistas, deixou, por
outro lado, o imperialismo de mãos livres para apertar o botão.

38) Defendemos uma nova divisão internacional do trabalho radicalmente diferente da


atual, em que os países ricos se reservam as tecnologias de ponta, como a robótica, a
biotecnologia, a química fina e o laser, e relocalizam no Terceiro Mundo as indústrias
sujas, altamente degradadoras do meio ambiente e consumidoras de energia, inclusive
do próprio homem. Uma nova ética ecológica planetária supõe intercâmbio, cooperação,
paz, solidariedade e liberdade no lugar da hipocrisia do nacionalismo chauvinista que
justifica as próprias agressões praticadas por cada governo e empresas contra suas
próprias populações e seu meio ambiente. O direito à autodeterminação dos povos não
pode ser invocado para destruí-los, assim como suas fontes naturais de vida. Um novo
conceito de soberania é necessário, incorporando uma ética ecológica.

39) O ecossocialismo não se constrói num só país nem numa só direção. A solidariedade
entre todos aqueles que são negados em sua humanidade, por serem explorados e
oprimidos, se faz pelo reconhecimento de que formamos uma mesma espécie, cujo
maior patrimônio é nossa diferença cultural. Uma posição verdadeiramente
revolucionária, ecossocialista, reconhece que habitamos uma mesma casa, o planeta
Terra, que, por sua vez, vem sendo ameaçado por um internacionalismo fundado no
dinheiro e no lucro e por um poder altamente concentrado: o IMPERIALISMO.
40) Os ecossocialistas entendem que é necessário romper com a idéia restrita de
revolução, originária da mitológica tomada de assalto do poder, militarizada e, por sua
vez, derivada de uma restrita visão do Estado. Afirmamos que inexiste o tal corte
absoluto mistificado na história, uma vez que o processo de transformação social é
composto não por uma, mas por várias rupturas, descontinuidades, desníveis e
disfunções. No entanto, numa sociedade em que o poder está hierarquizado, do
cotidiano familiar ao aparelho de Estado, passando pelos locais de trabalho, as diversas
rupturas nos diversos níveis têm contribuições diferenciadas, embora todas essenciais
num verdadeiro processo de transformação, aliás em curso. Aqui se faz necessária, mais
uma vez, uma visão que dialetize a relação entre as partes e o todo. Os debates acerca
dessa questão vêm ganhando maior profundidade no seio da esquerda. Mesmo aqueles
que procuram afirmar a idéia de uma ruptura têm apontado que ela implica o
estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade civil, entre partidos e
sindicatos e demais movimentos populares. Apontam que o socialismo se torna uma
necessidade reconhecida pela população quando no processo de luta evidenciamos os
limites de desenvolvimento capitalista. Esses limites são evidenciados, por sua vez,
quando a burguesia rejeita propostas humanização em geral, em particular no tocante à
socialização da propriedade. Desse modo, a ruptura deve ser entendida como o resultado
prático e teórico da dialética reformas / revolução. Nesta dialética é fundamental,
portanto, entender que a teoria e a prática para uma sociedade socialista devem existir já
a partir do capitalismo, embora condicionada pelos limites e barreiras dessa sociedade.
Aí são fundamentais, por exemplo, os Conselhos Populares. Estes devem ser
organizações da sociedade civil autônomas em relação ao Estado e aos partidos, atuando
como verdadeiros laboratórios de construção de hegemonias. Assim, a democracia
socialista não é simplesmente a negação da democracia capitalista, mas sim a sua
superação. Se a democracia é um valor estratégico, como acreditamos, e não tático, e o
poder não se localiza em um lugar restrito, como no aparelho de Estado, por exemplo,
devemos instituir práticas democráticas em todos os lugares de interesse público,
inclusive nas unidades de produção (empresas / locais de trabalho), o que implica
repensar o regime de propriedade. Afinal, assim como os fluxos de matéria e energia
dos ecossistemas e mesmo da sociedade transcendem as fronteiras nacionais, o mesmo
ocorre com as cercas e fronteiras da propriedade privada.
41) Por fim, a atual crise que afeta a humanidade expressa na descrença com relação ao
futuro, no hipocondrismo, no alcoolismo, na violência cotidiana, no estresse, na apatia e
no consumo indiscriminado de drogas em geral mostra a decadência do atual modelo de
desenvolvimento. Repudiamos a militarização do combate às drogas que vem
substituindo a antiga caça aos comunistas. A militarização no combate às drogas acaba
por escamotear a verdadeira questão: o esvaziamento do sentido da vida, a
instrumentalização mercantilizada do desejo, a vida sem direito a fantasias típicas da
sociedade que transformou a liberdade "numa calça velha, azul e desbotada", conforme
um anúncio publicitário. Nós, ecossocialistas, reconhecemos que, se é, num certo
sentido, verdadeiro que ninguém vive de fantasia, também é verdadeiro que a dimensão
da fantasia é inerente à vida. Assim, repudiamos a sociedade que reduz a fantasia à sua
por intermédio da droga.

Sem medo de ser feliz!

1991

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