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RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

1. Considerações gerais
. O direito penal limita-se a regular a atividade humana (parte dela), uma vez que os
demais processos naturais não podem ser objeto de regulação pelo Direito, porque
são forças ou energias cegas, enquanto a atividade humana é uma energia
inteligente;
. E relação de causalidade, enquanto categoria geral, é elemento da ação, visto que
toda ação utiliza-se do processo causal, de natureza ôntica;
2. Teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non
. Dentro da parcela da atividade humana que o Direito Penal valora negativamente,
como conduta indesejada, somente uma parcela menor- os crimes de resultado-
apresenta relevância à questão da relação de causalidade. Nesse delitos, deve-se
indagar a respeito da existência de um ​nexo de causalidade e ​ ntre a ação do agente
e o resultado produzido;
{CP, art. 13°: “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é
imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a
qual o resultado não teria ocorrido”};
. A primeira parte do dispositivo está afirmando que a relação de causalidade
limita-se aos crimes de resultado (materiais). A segunda parte- considera-se causa
a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido- consagra a adoção da
teoria da equivalência das condições, também conhecida como teoria do ​conditio
sine qua non, ​para determinar a relação de causalidade; causa para essa teoria, é a
soma de todas as condições, consideradas no seu conjunto, produtoras de um
resultado;
. Para que se possa verificar se determinado antecedente é causa do resultado,
deve-se fazer o chamado juízo hipotético de eliminação, que consiste no seguinte:
imagina-se que o comportamento em pauta não ocorreu, e procura-se verificar se o
resultado teria surgido mesmo assim, ou se, ao contrário, o resultado desapareceria
em consequência da inexistência do comportamento suprimido. Se se concluir que o
resultado teria ocorrido mesmo com a supressão da conduta, então não há
nenhuma relação de causa e efeito entre um e outra, porque mesmo suprimindo
esta o resultado existiria. Ao contrário, se, eliminada mentalmente a conduta,
verificar-se que o resultado não se teria produzido, evidentemente essa conduta é
condição indispensável para a ocorrência do resultado e, sendo assim, é sua causa;
3. Limitações do alcance da teoria da conditio sine qua non
3.1. Localização do dolo e da culpa no tipo penal
. A relação de causalidade entre a conduta humana e o resultado, que interessa ao
Direito Penal, é sempre aquela que pode ser valorada por meio do vínculo subjetivo
do agente; a cadeia causal, aparentemente infinita sob a ótica puramente
naturalística, será sempre limitada pelo dolo ou pela culpa. Toda conduta que não
for orientada pelo dolo ou pela culpa estará na seara do acidente, do fortuito ou da
força maior, não podendo configurar crime, situando-se fora, portanto, do alcance do
Direito Penal material;
. Uma pessoa pode ter dado causa a determinado resultado, e não ser possível
imputar-se-lhe a responsabilidade por esse ato, por não ter agido nem dolosa nem
culposamente, isto é, não ter agido tipicamente; essa atividade permanece fora da
esfera do Direito Penal, sendo impossível imputá-la a alguém pela falta de dolo ou
culpa, a despeito da existência de uma relação causal objetiva, constituindo, por
conseguinte, a primeira limitação à teoria da ​conditio sine qua non;
3.1. Causas (concausas) absolutamente independentes
. Qualquer que seja a concausa- preexistente, concomitante ou superveniente-,
poderá produzir o resultado de forma absolutamente independente do
comportamento que examinamos. Nesses casos, fazendo-se aquele juízo hipotético
de eliminação, verificamos que a conduta não contribuiu em nada para a produção
do evento. Nessas circunstância1s, a causalidade da conduta é excluída pela própria
disposição do art, 13, caput, CP;
3.2.1. Causas relativamente independentes
. Quaisquer que sejam as concausas- preexistentes, concomitantes ou
supervenientes- podem atuar de tal forma que, poderíamos dizer, auxiliam ou
reforçam o “processo causal” iniciado com o comportamento do sujeito. Há,
portanto, aquilo que se diria uma soma de esforços, uma soma de energias, que
produz o resultado;
. Por exemplo, a vítima de um determinado ferimento, que, pela sua natureza ou por
sua localização, não é ferimento mortal, é portadora de hemofilia, que, no caso, é
uma condição preexistente, pois já existia antes da conduta do sujeito, podendo vir
a morrer em consequência de hemorragia. Não se pode afirmar que, suprimindo
hipoteticamente o ferimento, a morte teria ocorrido da mesma forma. Na hipótese, o
ferimento foi, portanto, condição indispensável à ocorrência do resultado.
Evidentemente que esse resultado foi facilitado pela deficiência da vítima, que era
hemofílica. Mas a hemofilia sozinha, isoladamente, não teria causado a morte da
forma como ocorreu. Há, nessa hipótese, uma causa preexistente, hemofilia, que se
soma à conduta do sujeito, e ambas, juntas, vão determinar o evento. O mesmo
ocorre quando se tratar de causa concomitante ou superveniente;
. Temos até agora duas alternativas: ou excluímos a causalidade do comportamento
humano, porque um juízo hipotético de eliminação nos permite essa exclusão, e
atribuímos a causação do resultado a um fator estranho à conduta, hipótese, uma
concausa absolutamente independente; ou não excluímos esse vínculo de

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Ex, concausa preexistente, totalmente independente da conduta- ocorre quando alguém,
pretendendo suicidar-se, ingere uma substância venenosa, e, quando já está nos estertores da
morte, recebe um ferimento, que não apressa sua morte, que não a determina nem a teria causado.
Essa segunda conduta, a do ferimento, não é a causa, portanto, do resultado morte, porque, se a
eliminarmos, hipoteticamente, o resultado morte ocorreria da mesma forma e nas mesmas
circunstâncias, e por uma condição estranha e independente dessas segunda condição. O mesmo
raciocínio aplica-se a uma causa concomitante ou superveniente.
causalidade, porque, pelo juízo hipotético de eliminação, a conduta foi necessária à
produção do evento, ainda que auxiliada por outras forças, na hipótese, uma
concausa relativamente independente;
3.3. Superveniência de causa relativamente independente que, por si só, produz o
resultado
. Quando estamos, portanto, diante de uma causa superveniente, e queremos
verificar se a conduta anterior é causa ou não, devemos partir, obrigatoriamente, do
juízo hipotético de eliminação: excluímos mentalmente a conduta anterior e
verificamos se o resultado teria ocorrido. Se a resposta for não, podemos afirmar
que há uma conexão causal entre a conduta anterior e o resultado;
. Mas, em se tratando da ocorrência de causa superveniente, teremos de suspeitar
da possibilidade de tratar-se de causa superveniente nos termos do § 1º do art. 13.
Por isso, temos de formular uma segunda pergunta: essa causa superveniente se
insere no fulcro aberto pela conduta anterior, somando-se a ea para produção do
resultado, ou não? Se a resposta for afirmativa, não excluirá o nexo de causalidade
da conduta anterior, porque a causa posterior simplesmente somou-se à conduta
anterior na produção do resultado. Ao contrário, se respondermos que não, isto é,
que a causa superveniente causou isoladamente o evento, estaríamos resolvendo a
situação com base no § 1?, afastando a relação de causalidade da conduta anterior.
Nesse caso, o autor da conduta anterior responderá pelos atos praticados que, em
si mesmos, constituírem crimes, segundo seu elemento subjetivo;
4. Outras teorias da causalidade
. A teoria da causalidade adequada fundamenta-se originalmente no juízo de
possibilidade ou de probabilidade da relação causal, formulado por Von Bar e Von
Kries. Ela parte do pressuposto de que causa adequada para a produção de um
resultado típico (aspecto objetivo) não é somente a causa identificada a partir da
teoria da equivalência das condições, mas sim, aquela que era previsível ​ex antes,
de acordo com os conhecimentos experimentais existentes e as circunstÂncias do
caso concreto, conhecidas ou cognoscíveis pelo sujeito cuja conduta se valora
(aspecto subjetivo);
. Já para a teoria da causa juridicamente relevante, referida por Mezger, a
relevância jurídica de uma determinada conduta, considerada inicialmente como
causa de um resultado nos termos ser abordada pela interpretação do tipo penal de
que se trate;
. Em qualquer caso, ambas as teorias representaram um importante passo para a
posterior consolidação do seguinte entendimento: as questões acerca da
causalidade não devem ser confundidas com o juízos valorativo de imputação de
um resultado típico;
5. A relevância da omissão
. Na doutrina predomina o entendimento de que na omissão não existe causalidade,
considerada sob o aspecto naturalístico. Como já afirmava Sauer, sob o ponto de
vista científico, natural e lógico, “do nada não pode vir nada”. No entanto, o próprio
Sauer admitia a causalidade na omissão, concluindo que “a omissão é causal
quando a ação esperada (sociologicamente) provavelmente teria evitado o
resultado”. Na verdade, existe tão somente um vínculo jurídico, diante da
equiparação entre omissão e ação. E toda a equiparação feita pelo Direito, quando
não se fundamenta na realidade, nada mais é do que uma ficção jurídica;
. Na verdade, o sujeito não o causou, mas como não o impediu é equiparado ao
verdadeiro causador do resultado. Portanto, na omissão imprópria não há nexo de
causalidade, há o nexo de “não impedimento”. A omissão relaciona-se com o
resultado pelo seu não impedimento e não pela sua causação. E esse não
impedimento é erigido pelo Direito à condição de causa, isto é, como se fosse a
causa real. Dessa forma, determina-se a imputação objetiva do fato;
. O nexo de causalidade é um primeiro passo na indagação da existência de uma
infração penal que, finalmente, para poder ser atribuída a alguém, precisa satisfazer
os requisitos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade;
6. A teoria da imputação objetiva e âmbito de aplicação
. Como lembra Mir Puig, todo tipo doloso requer certos requisitos mínimos na
conduta externa, que devem ser estudados na teoria geral do tipo doloso- e que
geralmente são comuns a todo tipo objetivo, inclusive aos crimes culposos. Porém,
a imputação do tipo objetivo somente é um problema da parte geral quando o tipo
requer um resultado no mundo exterior separado, no tempo e no espaço, da ação
do autor. Nos crimes de mera atividade, como o de falso testemunho, de ameaça,
de injúria, a imputação do tipo objetivo se esgota na subsunção dos elementos do
tipo respectivo, que deve ser tratado na Parte Especial;
. ​A teoria da imputação objetiva não tem, contudo, a pretensão de resolver a relação
de causalidade, tampouco de substituir ou eliminar a função da teoria da conditio
sine qua non. Objetiva não mais que reforçar, do ponto de vista normativo, a
atribuição de um resultado penalmente relevante a uma conduta. Em outros termos,
não pretende fazer prevalecer um conceito jurídico de imputação sobre um conceito
natural (pré-jurídico) de causalidade, mas acrescentar-lhe conceitos normativos
limitadores de sua abrangência;
. Para a teoria da imputação objetiva, o resultado de uma conduta humana somente
pode ser objetivamente imputado a seu autor quando tenha criadora um bem
jurídico uma ​situação de risco juridicamente proibido (não permitido) e tal risco se
tenha concretizado em um resultado típico. {somente é admissível a imputação
objetiva do fato se o resultado tiver sido causado pelo risco não permitido criado
pelo autor} {determinado resultado somente pode ser imputado a alguém como obra
sua e não como mero produto do azar};
. A teoria objetiva estrutura-se, basicamente, sobre um conceito fundamental: o risco
permitido. Permitido o risco, isto é, sendo socialmente tolerado, não cabe a
imputação; se, porém, o risco for proibido, caberá, em princípio, a imputação
objetiva do resultado;
. Para Roxin, “um resultado causado pelo agente somente pode ser imputado ao
tipo objetivo se a conduta do autor criou um perigo para o bem jurídico não coberto
pelo risco permitido, e se esse perigo também se realizou no resultado concreto;
. Na concepção de Roxin, a teoria da imputação objetiva estabelece três requisitos
básicos para a imputação objetiva do resultado, que representam, em realidade, três
grandes grupos de problemas: a) a criação de um risco jurídico-penal relevante, não
coberto pelo risco permitido; b) a realização desse risco no resultado; e c) que o
resultado produzido entre no âmbito de proteção da norma penal;
. Por outro lado, Jakobs propõe um desenvolvimento da teoria da imputação objetiva
também distinto. Atribui, em princípio, uma finalidade similar à formulada por Roxin
para a teoria da imputação objetiva. Com efeito, na concepção de Jakobs, essa
teoria tem a missão de identificar “as propriedades objetivas gerais da conduta
imputável”. Entretanto, opta por uma via metodológica diferente à de Roxin, para
determinar os critérios de imputação objetiva, estreitamente vinculada à sua
concepção funcional normativista do sistema penal;
. A teoria da imputação objetiva, a nosso juízo, tem grande utilidade para a
delimitação da tipicidade nos crimes de resultado, isto é, para aqueles casos em
que a descrição dos elementos do tipo exige que a consumação do delito somente
ocorra com um resultado no mundo exterior separado, no tempo e no espaço, do
comportamento que o precede (os denominados crimes materiais). Nesse âmbito,
os critérios de imputação objetiva servem tanto para a delimitação da (s) conduta (s)
penalmente relevante (s) como para a atribuição do resultado típico àquela (s)
conduta (s) que se identifiquem (m) como relevante (s) para o Direito Penal, e apta
(s) para a produção do resultado. {com essa configuração, estamos de acordo com
Roxin, Jakobs, Martínez Escamilla, Mir Puig, entre outros, no sentido de que a teoria
da imputação objetiva encerra um duplo juízo de imputação: (i) um juízo ex ante
sobre a relevância típica da conduta, e (ii) um juízo ex post, sobre a possibilidade de
atribuição do resultado típico àquela conduta;
6.1. Considerações críticas
. Juarez Tavares, “a teoria da imputação objetiva, portanto, não é uma teoria para
atribuir, senão para restringir a incidência da proibição ou determinação típica sobre
determinado sujeito. Simplesmente, por não acentuarem esse aspecto, é que
falham no exame do injusto inúmeras concepções que buscam fundamentá-lo. E,
nessa mesma linha, afirma Paulo Queiroz que ela “é mais uma teoria da ‘não
imputação’ do que uma teoria ‘da imputação’”. Na verdade, ​a teoria da imputação
objetiva, mais que imputar, tem a finalidade de delimitar o âmbito e os reflexos da
causalidade física.

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