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1.

CONCEITO DE FATO PUNÍVEL


I. Definição de crime
. A teoria do fato punível é o segmento principal da dogmática penal, o sistema de conceitos
construídos para descrever o ser do Direito Penal, esse setor do ordenamento jurídico que
institui a ​política criminal ​do Estado, como programa oficial de retribuição e de prevenção do
crime;
A dogmática penal é a sistematização de conceitos extraídos de um programa de
política criminal formalizado em lei, e todo programa legislado de política criminal
depende de uma dogmática específica para racionalizar e disciplinar sua aplicação;
. A dogmática penal contemporânea coincide na admissão de duas categorias elementares
do fato punível: o tipo de injusto e a culpabilidade;
a) o conceito de tipo de injusto é constituído pelos conceitos de ação, de tipicidade e de
antijuridicidade; b) o conceito de culpabilidade é constituído pelos conceitos de capacidade
penal, de conhecimento de antijuridicidade (real ou potencial) e de exigibilidade de
comportamento diverso (ou normalidade das circunstâncias da ação);
II. Os sistemas de fato punível
. O ​sistema bipartido ​de fato punível afirma a unidade conceitual de tipicidade e
antijuridicidade, como elementos integrantes do tipo de injusto, que admitem
operacionalização analítica separada, mas não constituem categorias estruturais diferentes
do fato punível;
O tipo legal é a descrição da lesão de bens jurídicos e a antijuridicidade é um juízo
de valoração do comportamento descrito no tipo legal, formando o conceito de tipo
de injusto;
Também a teoria dos elementos negativos do tipo: tipo legal e antijuridicidade são,
respectivamente, as dimensões de descrição e de valoração do conceito de tipo
geral de injusto e, na verdade, as causas de justificação estariam separadas dos
tipos legais apenas por motivos técnicos, porque todo tipo de injusto deveria ser lido
assim: matar alguém, exceto em legítima defesa, em estado de necessidade, em
estrito cumprimento de dever legal etc; um homicídio em legítima defesa seria uma
ação atípica- e não uma ação justificada
. O ​sistema tripartido ​de fato punível também admite os conceitos de tipo de injusto e de
culpabilidade como categorias elementares do fato punível, mas afirma a autonomia do
conceito da tipicidade em relação à antijuridicidade no âmbito do injusto, sob o argumento
de que tipicidade e antijuridicidade não se esgotam na tarefa de constituir o tipo de injusto,
mas realizam funções político-criminais independentes: o tipo legal descreve ações
proibidas sob ameaça de pena e, portanto, realiza o princípio da legalidade; a
antijuridicidade define preceitos permissivos que excluem a contradição da ação típica com
o ordenamento jurídico- mas a permissão concreta de realizar proibições abstratas do tipo
legal não autoriza identificar ações atípicas com ações típicas justificadas, como ocorre no
sistema bipartido: matar alguém em legítima defesa não parece o mesmo que matar um
inseto;
Define crime como ação típica, antijurídica e culpável, um conceito formado por um
substantivo qualificado pelos atributos da adequação ao modelo legal, da
contradição aos preceitos proibitivos e permissivos e da reprovação de
culpabilidade;
- MODELOS: ​Clássico, conhecido como modelo de LISZT/ BELING/ RADBRUCH- a
ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior; a
tipicidade é a descrição objetiva do acontecimento; a antijuridicidade é a valoração
de um acontecimento contrário às proibições e permissões do ordenamento jurídico;
a culpabilidade é um conceito psicológico, sob as formas de dolo e imprudência, que
concentra todos os elementos subjetivos do fato punível-; ​neo-clássico, f​ undado no
método neo-kantiano de observação/ descrição e de compreensão/ valoração é o
produto de desintegração do modelo clássico de fato punível- a ação deixa de ser
naturalista para assumir significado valorativo, redefinida como comportamento
humano voluntário; a tipicidade perde a natureza descritiva e livre-de-valor para
admitir elementos normativos (motivo torpe, p.e) e subjetivos (a intenção de
apropriação, no furto, p.e); a antijuridicidade troca o significado formal de infração da
norma jurídica pelo significado material de danosidade social, admitindo graduação
do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado; a culpabilidade psicológica
assume, também, significado normativo, com a reprovação do autor pela formação
de vontade contrária ao dever: se o comportamento proibido pode ser reprovado,
então pode ser atribuído à culpabilidade do autor-; ​finalista1,​desenvolvido por
WELZEL- a ação é o conceito central do fato punível, a psicologia demonstra a
estrutura final da ação humana e a lei penal não pode desconhecer estruturas
ontológicas independentes do direito; a ação humana é exercício de atividade final
ou, como objetivação da subjetividade, realização do propósito; a ação final consiste
na proposição do fim, na escolha dos meios de ação necessários e na realização da
ação no mundo real;
​ ação final consiste na proposição do fim, na escolha dos meios
. Ainda sobre o ​finalista: a
de ação necessários e na realização da ação no mundo real; o conceito de ação final
introduziu o dolo (e outros elementos subjetivos) no tipo subjetivo dos delitos dolosos, como
as seguintes consequências sistemáticas: a) separação entre dolo, como vontade de
realização do fato, e consciência da antijuridicidade, como elemento central da
culpabilidade, que fundamenta a reprovação do autor pela formação defeituosa da vontade;
b) disciplina do erro em correspondência com essas mudanças sistemáticas: na área do
tipo, o erro de tipo excludente do dolo e, por extensão, excludente do tipo; na área da
culpabilidade, o erro de proibição, que exclui a reprovação de culpabilidade (se inevitável),
ou reduz a reprovação de culpabilidade (se evitável); c) subjetivação da antijuridicidade,
constituída pelo desvalor de ação, como injusto pessoal representado pelo dolo e outros
elementos subjetivos, e pelo desvalor de resultado, como lesão do objeto da ação
expressiva do dano social produzido; d) normativização integral da culpabilidade, como
reprovação de um sujeito capaz de culpabilidade, pela realização não justificada de um tipo
de crime, com consciência da antijuridicidade (real ou possível) e em situação de
exigibilidade de comportamento diverso;
A frustração da expectativa de uma ação determinada constitui a ​omissão de ação​,
uma construção sistemática inversa aos tipos de ação; a ​imprudência ​é redefinida
como evitável lesão do bem jurídico pela realização defeituosa de uma ação, com

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influenciou diretamente a nova parte geral do Código Penal brasileiro, de 1984; por isso, o texto
trabalha com um modelo de fato construído pelo finalismo- depois acrescentada por novos conceitos:
imputação objetiva do resultado e elevação do risco.
lesão do ​dever de cuidado ​ou do ​risco permitido n ​ o âmbito do tipo de injusto, e
​ ela falta de cuidado, no âmbito da culpabilidade;
reprovação pessoal p
. O modelo de fato punível desenhado no C.P (84) poder ser assim resumido: a) ​tipo
objetivo, ​como realização do risco, é compreendido pelas categorias da causação do
resultado e da imputação do resultado; o ​tipo subjetivo, ​como realização do plano, é
constituído pelas categorias do dolo e outros elementos subjetivos especiais- e da
imprudência (como defeituosa realização do plano); b) a ​antijuridicidade, ​afirmada nas
proibições e excluída nas permissões, é a categoria dogmática compreensiva das
justificações, estudadas nas dimensões correspondentes de situação justificações e de
ação justificada, subjetiva e objetiva; c) a ​culpabilidade, ​como juízo de reprovação pela
realização não justificada do tipo de injusto, compreende (1) a imputabilidade (excluída pela
menoridade e por doenças mentais), (2) a consciência da antijuridicidade (excluída ou
reduzida em hipóteses de erro de proibição) e (3) a exigibilidade de comportamento diverso
(excluída ou reduzida em situações de exculpação legais e supralegais);

2. TEORIA DA AÇÃO
I. Introdução
.Meio século de controvérsia dos modelos causal e final sobre o conceito de ação;
.O modelo social de ação, uma espécie de tentativa de conciliação dos modelos causal e
final, define ação como comportamento humano socialmente relevante; o modelo negativo
de ação define ação como não evitação do comportamento proibido; o modelo pessoal de
ação define ação como manifestação da personalidade humana;
II. Definições do conceito de ação
a) O modelo causal de ação
A teoria causal da ação, elaborada basicamente por LISZT, BELING e RADBRUCH- os
fundadores do sistema clássico de fato punível, define ação como produção causal de um
resultado de modificação no mundo exterior, hoje conhecido como modelo clássico de ação;
A ação humana, mutilada da vontade consciente do autor, determinaria o resultado
como uma forma sem conteúdo, ou um fantasma sem sangue2; a voluntariedade da
ação indicaria, apenas, ausência de coação física absoluta; o resultado de
modificação no mundo exterior seria elemento constitutivo do conceito- e, assim, não
existiria ação sem resultado. Como afirmaria, mais tarde, WELZEL, a teoria causal
da ação desconhece a função constitutiva da vontade dirigente para a ação e, por
isso, transforma a ação em simples processo causal desencadeado por um ato de
vontade qualquer;
.O modelo clássico de ação estrutura o sistema clássico de crime, baseado na separação
entre processo causal exterior (causação do resultado) e relação psíquica do autor com o
resultado (conteúdo da vontade, sob as formas de dolo e imprudência), que fundamenta a
concentração dos elementos causais/ objetivos na antijuridicidade típica, e dos elementos
psíquicos/ subjetivos na culpabilidade;
. A desintegração do sistema clássica de fato punível do modelo causal de ação originou o
atual sistema neo-clássico de fato punível, um produto da reorganização teleológica do
modelo causal de ação segundo fins e valores do D.P: o conceito de ação deixa de ser
apenas naturalista para ser, também, normativo, redefinido como comportamento humano

2
BELING.
voluntário; a tipicidade perde a natureza livre-de-valor para incluir elementos normativos,
como documento, motivo torpe etc., e elementos subjetivos, como a intenção de
apropriação no furto e, até mesmo, o dolo na tentativa; a antijuridicidade indicia não apenas
a infração formal da norma jurídica, mas o significado material de dano social, admitindo
graduação do injusto conforme o valor lesionado; a culpabilidade, sensível a juízos de valor,
se estrutura como conceito psicológico-normativo, com a reprovação do autor pela
formação de vontade contrária ao dever; somente comportamentos reprováveis podem ser
atribuídos à culpabilidade do autor;
b) O modelo final de ação
.A teoria final da ação, desenvolvida por WELZEL com contribuições de MAURACH-ZIPF,
ARMIN KAUFMANN, STRATENWERTH, HIRSCH e outros, surge como crítica ao modelo
causal e define ação como realização de atividade final. WELZEL: “​ação humana é
exercício de atividade final. Ação é, por isso, acontecimento final, não meramente causal. A
finalidade ou o sentido final da ação se baseia no poder humano de prever, em
determinados limites, por força de seu saber causal, os possíveis efeitos de sua atividade,
propor-se diferentes fins e dirigir, planificadamente, sua atividade para realização destes
fins. (...) Porque a finalidade se baseia na capacidade da vontade de prever, em
determinados limites, as consequências da intervenção causal, e através desta, dirigi-la
planificadamente para a realização do fim, a ​ vontade consciente do fim, que dirige o
acontecer causal, é a espinha dorsal da ação fina​l”
.O ponto de partida do modelo final de ação é a distinção entre fato natural e ação humana:
o fato natural é fenômeno determinado pela causalidade, um produto mecânico de relações
causais cegas; a ação humana é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim;
Na ação humana, a vontade é a energia produtora da ação, enquanto a consciência
do fim é sua direção inteligente: a finalidade dirige a causalidade para configurar o
futuro conforme o plano do autor;
Na teoria de WELZEL a vontade consciente do fim é a espinha dorsal da ação,
enquanto o acontecimento causal é a resultante casual de comportamento causais
preexistentes. ​A finalidade é, por isso, figurativamente falando- v​ idente​, a
causalidade, ​cega;
.A unidade subjetiva e objetiva da ação humana é o fundamento real da estrutura subjetiva
​ ção
e objetiva do tipo de injusto. ​A homogenia entre teoria da ação e teoria da ação típica (a
concreta adequada a um tipo legal, portal, substantivo adjetivo) ​é um dos méritos do modelo
final;
Vontade consciente do fim: ​1) ​a proposição do fim, como conteúdo principal da vontade
consciente, que unifica e estrutura a ação (no tipo subjetivo, constitui o dolo direto de
primeiro grau); 2) ​a seleção dos meios de ação para realizar o fim, d ​ eterminados
regressivamente pela natureza do fim proposto (no tipo subjetivo, integram o dolo direto de
segundo grau, se configuram resultados típicos);
.A teoria final da ação contribuiu, decisivamente, para identificar o fundamento
psicossomático do conceito de crime: a unidade subjetiva e objetiva da ação humana,
qualificada pelos atributos axiológicos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade,
como base real do conceito do fato punível; a estrutura final da ação seria pressuposta na
função atribuída às normas penais, que se dirigem à vontade humano como proibições ou
como determinações de ação: a estrutura final da ação humana seria constitutiva para o
D.P, cujas proibições ou mandados não se dirigem a processos causais cegos, mas a
ações humanas que configuram finalisticamente o futuro.;
A validade dessa tese parece reconhecida por setores significativos da doutrina
moderna. MAURACH/ ZIPF definem a estrutura final da ação humana como o
componente antropológico da responsabilidade penal;
EBERT destaca a concordância entre o conceito final de ações e a função das
normas penais, como proibições e determinações de ação dirigidas à vontade
humana, acrescentando que a inclusão do conteúdo da vontade no conceito de ação
permite compreender o seu significado como ação típica e como ação injusta;
A teoria final da ação permite compreender as ações dolosas como execução de
ações proibidas, as ações imprudentes como execução defeituosa de ação perigosa
e a omissão de ação como inexecução de ação mandada, dolosa ou imprudente;
c) O modelo social de ação
.A teoria social da ação, fundada por EBERHARD SCHMIDT e desenvolvida por
JESCHECK e WESSELS, representa posição de compromisso entre os modelos causal e
final de ação e, talvez por causa disso, parece ser a mais difundida teoria da ação humana-
assim como parece ser, também, o modelo com maiores problema de definição de
conceitos e de uniformização de linguagem. Nesse sentido, HAFT destaca a múltipla
diversidade de definições do conceito social de ação, ora apresentado como ​fenômeno
social, ora como comportamento humano ​socialmente relevante, s​ em esclarecer,
imediatamente, em que consiste o fenômeno social ou a relevância social da ação; essa
relativa imprecisão do conceito parece inevitável, porque as teorias sociais da ação seriam
teorias conciliadoras, que excluem, mas incluem as teorias causal e final da ação;
EBERT: a teoria social da ação seria uma moldura preenchível, às vezes, pelo
conceito causal de ação, como causação de resultados socialmente relevantes e, às
vezes, pelo conceito final de ação, como fator formador de sentido da realidade
social, ambos incluídos na teoria social da ação;
. A ação é comportamento humano de relevância social;
. Conceitualmente, o atributo da relevância social introduzido pelo modelo social de ação
não integra a realidade descritível pela observação sensorial: é uma qualidade da ação
atribuível por juízo de valor próprio dos conceitos axiológicos que qualificam a ação como
crime- e, desse ponto de vista, relevância social é atributo do tipo de injusto, responsável
pela seleção de ações e de omissões de ação no tipo legal; como esclarece ROXIN, o
conceito de relevância social designa, apenas, uma propriedade necessária para valorar o
injusto, porque existiriam ações socialmente relevantes e ações socialmente
não-relevantes, ou seja, a relevância social é uma propriedade que a ação pode ter ou pode
não ter e, ausente essa propriedade, não desaparece a ação, mas somente sua significação
social;
.A única diferença entre os conceitos social e final da ação, fica por conta daquela atribuída
relevância social, uma característica normativa buscada para construir um conceito superior
unitários compreensivo da ação e da omissão de ação;
Na verdade, não existe nenhuma razão científica para rejeitar o modelo social de
ação, que utiliza as mesmas categorias conceituais e adota os mesmo princípios
metodológicos do modelo final de ação para construir o conceito de fato punível: as
teorias social e final de ação não diferem em relação à natureza e à ordenação dos
elementos conceituais do fato punível, especialmente em relação à posição do dolo
e da imprudência no tipo de injusto;
d) O modelo negativo de ação
.A teoria negativa de ação, integra a categoria da ação na categoria do tipo, excluindo
qualquer definição ontológica ou pré-jurídica do conceito de ação;
.O modelo negativo de ação tem como núcleo fundamental o princípio da evitabilidade,
segundo o qual um resultado é atribuível ao autor se o direito ordena sua evitação e o autor
não evita, embora possa evitá-lo;
.Fundamento do conceito negativo de ação é a possibilidade de direção da vontade em
comportamentos contrários ao dever socialmente danosos: o autor deve ter a possibilidade
de cumprir o dever, mediante evitação do comportamento proibido, por ação ou omissão de
ação, ou seja, deve ter o poder de influir sobre o curso causal concreto determinante do
resultado;
.O ponto de partida do conceito negativo de ação, portanto, seria o exame da ação dentro
do tipo de injusto, para saber se o autor teria a possibilidade de influenciar o curso causal
concreto conducente;
.Em conclusão, o princípio da evitabilidade que fundamenta o conceito negativo de ação,
integra todas as categorias do conceito de crime, constituindo, portanto, um princípio geral
de atribuição que não pode ser apresentado como característica específica do conceito de
ação;
e) ​O modelo pessoal de ação
.​A teoria pessoal de ação, que identifica o substrato material do sistema de fato punível de
ROXIN, define ação como manifestação da personalidade, um conceito compreensivo de
todo acontecimento atribuível ao centro de ação psíquico-espiritual do homem;
.A definição de ação como manifestação da personalidade permitiria exclui, por um lado,
todos os fenômenos somático-corporais insuscetíveis de controle do ego e, portanto, não
dominados ou não-domináveis pela vontade humana pela vontade: força física absoluta,
convulsões, movimentos reflexos etc., não constituem manifestação da personalidade; por
outro lado, exclui pensamentos e emoções encerrados na esfera psíquico-espiritual do ser
humano, porque não representam manifestação da personalidade;
.Muito geral na definição;
III. Funções do conceito de ação
.O conceito de ação realiza, no sistema de fato punível, funções teóricas, metodológicas e
práticas de unificação, de fundamentação e de delimitação das ações humanas, que não
podem ser cumpridas no âmbito das categorias constitutivas do conceito de crime;
1. A função teórica de ​unificação ​do conceito de ação refere-se à sua capacidade de
compreender a ação e a omissão de ação, sob as formas dolosa e imprudente, como
espécies de comportamentos humanos; a ação realizada ou omitida é o núcleo positivo ou
negativo de todos os tipos de crimes dolosos e imprudentes, e ,portanto, constitui o objeto
material exclusivo da pesquisa jurídico-penal;
2. A função metodológica de ​fundamentação ​do conceito de ação refere-se ao poder de
constituir a base psicossomática real do conceito de crime, como unidade subjetiva e
objetiva qualificável pelos atributos de tipicidade, de antijuridicidade e de culpabilidade;
A ação representa a substância capaz de portar os predicados valorativos do
conceito analítico de crime, fundamentando o fato punível como adequação ao tipo
legal, como contradição com o conjunto de proibições e de permissões do
ordenamento jurídico e como objeto da reprovação de culpabilidade sobre um sujeito
que realiza, sem justificação, um tipo de crime, com consciência real ou possível da
antijuridicidade, em condições de exigibilidade de conduta diversa;
.A teoria da ação é a chave para compreender a teoria do fato punível, como ação dolosa
ou imprudente, proibida ou mandada, descrita sob as formas positiva ou negativa do tipo
legal;
3. A função prática de ​delimitação ​do conceito de ação refere-se às tarefas complementares
de incluir objetivações da subjetividade humana que apresentam os requistios do conceito
de ação, e de excluir fenômenos, movimentos ou comportamentos que não apresentam
esse requisitos, como situações de ausência;
3.1 ​Não constituem ação: ​a) acontecimentos da natureza; b) ataques de animais ferozes; c)
atos de pessoas jurídicas; d) pensamentos, atitudes e emoções como atos psíquicos sem
objetivação; e) movimentos do corpo como massa mecânica- estados de inconsciência;
força física absoluta (A empurra B sobre um vitrine, quebrando-a);
IV. Conclusão
.Considerando as funções teóricas, metodológicas e práticas do conceito de ação, definido
causalmente ​como causação de resultado exterior por comportamento humano voluntário,
finalisticamente ​como realização de atividade final, socialmente como comportamento
socialmente ​relevante dominado ou dominável pela vontade, ​negativamente ​como a evitável
não-evitação na posição de garantidor e ​pessoalmente ​como manifestação da
personalidade, é possível concluir que a definição capaz de identificar o traço mais
específico e, ao mesmo tempo, a característica mais geral da ação humana, para ser a
definição ​final ​de ação;

3.​ ​TEORIA DO TIPO


I. Conceito e funções do tipo
.O conceito de tipo, introduzido por BELING na dogmática penal, pode ser definido de três
diferentes pontos de vista: a) como tipo legal constitui a descrição do comportamento
proibido, com todas suas características subjetivas, objetivas, descritivas e normativas,
realizada na parte especial do CP (e leis complementares); b) como tipo de injusto
representa a descrição da lesão do bem jurídico, compreendendo os fundamentos positivos
da tipicidade (descrição do comportamento proibido) e os fundamentos negativos da
antijuridicidades (ausência de causas de justificação) c) como tipo de garantia (tipo em
sentido amplo) realiza a função político-criminal atribuída ao princípio da legalidade (art. 5º,
XXXIX, CR), expressa na fórmula ​nullum crimen, nulla poena sine lege, ​e compreende
todos os pressupostos da punibilidade: além dos caracteres do tipo de injusto (tipicidade e
antijuridicidade), também os fundamentos de reprovação do autor pela realização do tipo de
injusto (culpabilidade), e assim como as condições objetivas de punibilidade e os
pressupostos processuais;
II. O desenvolvimento do conceito de tipo
.O conceito de tipo definido por BELING como ​Tatbestand (situação de fato),​ fundado no
modelo causal da filosofia naturalista do século XIX, é objetivo e livre-de-valor: objetivo,
porque todos os elementos subjetivos integram a culpabilidade; livre-de-valor, porque a
tipicidade é neutra, e toda valoração legal pertence à antijuridicidade;
.Depois, com o advento da teoria final da ação, preparada por WEBER e GRAF ZU DOHNA
e desenvolvida plenamente por WELZEL, completa-se a subjetivação do conceito de tipo: a
vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade
para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal, como dolo de tipo;
.O tipo legal é uma complexa estrutura de elementos pertencentes às categorias
neokantianas do ser e do valor, conforme demonstrou MEZGER: ​“o ato de criação
legislativa do tipo (...) contém imediatamente a declaração de antijuridicidade, a
fundamentação do injusto como injusto especialmente tipificado. O legislador cria, através
da formação do tipo, a antijuridicidade específica: a tipicidade da ação não é, de modo
algum, a mera ratio cognoscendi, mas a própria ratio essendi da (especial) antijuridicidade.
A tipicidade transforma a ação em ação antijurídica, sem dúvida não por si só, mas em
vinculação com a ausência de fundamentos especiais excludentes do injusto.”
III. Adequação social e exclusão de tipicidade
.A teoria da adequação social, formulada por WELZEL, exprime o pensamento de que
ações realizadas no contexto da ordem social histórica da vida são ações socialmente
adequada- e, portanto, atípicas, ainda que correspondam à descrição do tipo legal;
.As lesões corporais ou homicídios compreendidos nos limites do dever de cuidado ou do
risco permitido na circulação de veículos, no funcionamento de indústrias, ou na prática de
esportes, não preenchem nenhum tipo legal de lesão, por força de sua adequação social;
igualmente, ações abrangidas pelo chamado princípio da insignificância, não são típicas;
.A opinião dominante compreende a adequação social como hipótese de exclusão de
tipicidade, mas existem setores que a consideram como justificante, como exculpante, ou
como princípio geral de interpretação da lei penal;
IV. Elementos constitutivos do tipo legal: elementos objetivos, subjetivos, descritivos e
normativos
.O tipo de conduta proibida constitui uma unidade subjetiva e objetiva de elementos
descritivos e normativos;
.O estudo do tipo legal como tipo objetivo e tipo subjetivo, integrado por componentes
descritivos e normativos, hoje generalizado na ciência do D.P, parece uma necessidade
metodológica para compreensão de conceitos fundados em relações de congruência
subjetiva e objetiva, como dolo e erro de tipo, por exemplo;
.É importante destacar que os elementos constitutivos do tipo se entrecruzam, de modo que
elementos objetivos podem ser descritivos (coisa), ou normativos (alheia); igualmente,
elementos subjetivos também podem ser descritivos (o dolo) ou normativos (a intenção de
apropriação, na expressão para si ou para outrem, no furto);
V. Modalidades de tipos
1. T​ ipos de resultado e de simples atividade. ​Segundo a relação entre ação e resultado,
os tipos podem ser de resultado ou de simples atividade: a) os tipos de resultado
compreendem uma separação espaço-temporal entre ação e resultado, ligados por uma
relação de causalidade, com o homicídio (art. 121), o furto (art. 155), o estelionato (art. 171)
etc; uma categoria especial de tipos de resultado é formada pelos tipos qualificados pelo
resultado, em que a realização de um tipo-base (lesão corporal simples, roubo etc) produz,
adicionalmente, pelo menos de forma imprudente, determinadas consequências
especialmente graves, como a morte da vítima (129, § 3º e 157, § 3º);
b) os tipos de simples atividades se completam com a realização da ação, sem qualquer
resultado independente, como a violação de domicílio (art. 150), o falso testemunho (art;
342) etc;
A distinção possui interesse prático, porque relação de causalidade (entre ação e
resultado) somente existe nos tipos de resultado, não nos tipos de simples atividade;
2. ​Tipos simples e compostos. ​Segundo a quantidade de bens jurídicos protegidos os
tipos podem ser simples e compostos: a) os tipos simples protegem apenas um bem
jurídico, como o homicídio (vida), a lesão corporal (integridade ou saúde corporal), o dano
(patrimônio) etc; b) os tipos compostos protegem mais de um bem jurídico, como o roubo, a
extorsão mediante sequestro etc., que protegem o patrimônio e a liberdade individual, assim
como a integridade corporal e a vida, nas modalidades qualificadas pelo resultado (art. 157,
§ 3º e 159, § § 2º e 3º);
3. ​Tipos de lesão e tipos de perigo. ​Conforme o tipo descreva uma lesão do objeto de
proteção, ou um perigo para a integridade do objeto de proteção, distingue-se entre tipos de
lesão e tipos de perigo: a) os tipos de lesão- a maioria dos tipos legais- se caracterizam pela
lesão real do objeto da ação, como o homicídio, a lesão corporal etc., b) os tipos de perigo
descrevem somente a produção de um perigo para o objeto de proteção, distinguindo-se,
por sua vez, em tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato;
Perigo concreto,​ a realização do tipo pressupõe a efetiva produção de perigo para o
objeto da ação, de modo que a ausência de lesão do bem jurídico pareça
meramente acidental, como o perigo do contágio venéreo (art. 130), o perigo para a
vida ou a saúde de outrem (art. 132), o incêndio (art. 250), a exclusão (art. 251) etc.
Segundo a moderna ​teoria normativa do resultado do perigo, d ​ e SCHUNEMANN, o
perigo concreto se caracteriza pela ausência casual do resultado, e a causalidade
representa circunstância em cuja ocorrência não se pode confiar;
Perigo abstrato, ​a presunção de perigo da ação para o objeto de proteção é
suficiente para sua penalização, independente da produção real de perigo para o
bem jurídico protegido, como o abandono de incapaz (art. 133), a difusão de doença
ou praga (art. 259) etc;
4. Tipos instantâneos (ou de estado) e permanentes (ou duráveis). ​Do ponto de vista da
conclusão imediata ou da manutenção temporal da situação típica, os tipos podem ser: a)
instantâneos ​se completam com a produção determinados estados, como o homicídio (art.
121), a lesão corporal (art. 129), o dano (art. 129); b) ​permanentes ​não se completam na
produção de determinados estados, porque a situação típica criada se prolonga no tempo
conforme a vontade do autor, como sequestro ou cárcere privado (art. 148), a violação de
domicílio (art. 150) etc., em que a consumação já ocorre com a realização da ação típica,
mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo
tipo legal;
O interesse prático da distinção relaciona-se à autoria e participação, assim como ao
concurso de tipos: nos tipos permanentes é possível a co-autoria e a participação
por cumplicidade após a consumação, porque o tipo não está, ainda, terminado ou
exaurido; igualmente, durante a realização de um tipo permanente podem ser
realizados tipos instantâneos, em concurso material, como, por exemplo, estupro da
vítima do sequestro ou da violação de domicílio;
5. Tipos gerais, especiais e de mão própria. ​a) os tipos gerais podem ser realizados por
qualquer pessoa, como homicídio, lesão corporal, furto etc; b) os tipos especiais somente
podem ser realizados por sujeitos portadores de qualidades descritas ou pressupostas no
tipo legal, como a qualificação de funcionário público no peculato (art. 312), na concussão
(art. 316);
.Complementarmente, distinguem-se os tipos especiais em próprios- se a qualidade
especial do autor fundamenta a punibilidade, como os crimes do funcionário público contra
a administração em geral-, e impróprios- se a qualidade especial do autor apenas agrava a
punibilidade, como a qualidade de funcionário público na falsificação de documento público
(art. 297, § 1º) ou na falsificação ideológica (art. 299, parágrafo único);
. Tipos de mão própria somente podem ser realizados por autoria direta, como a sedução
(art. 217), o falso testemunho (art. 342);
6. Tipo básico, variações do tipo básico e tipos independentes. ​O tipo básico
representa a forma fundamental do tipo de injusto, contendo os pressupostos mínimos de
punibilidade que determinam seu caráter de injusto típico, como a lesão corporal (art. 129),
o furto (art. 155) etc;
.Frequentemente, vinculadas ao tipo básico, aparecem variações típica qualificadoras ou
privilegiantes do tipo básico, pelo acréscimo de características ligadas ao modo de
execução, ao emprego de certos meios, às relações entre autor e vítima ou a circunstâncias
de tempo ou de lugar, que agravam ou atenuam a punibilidade do fato, como o homicídio
qualificado (art. 121, § 2º) ou privilegiado (art. 121, § 1º) em relação ao homicídio simples
(art. 121);
A dependência das variações típicas, qualificadoras ou privilegiantes, em relação ao
tipo básico, significa, por um lado, que as características do tipo básico permanecem
inalteradas nas formas qualificadas e privilegiadas e, por outro lado, que essas
variações típicas constituem ​lex specialis e ​ m relação ao tipo básico, excluído como
norma geral;
Em caso de existÊncia simultânea de características de formas qualificadoras e de
formas privilegiantes reciprocamente excludentes, prevalecem as formas
privilegiantes, como, por exemplo o homicídio por motivo de relevante valor social ou
moral (art. 121, § 1º), realizado com emprego de veneno (art. 121, § 2º);
.Os tipos independentes não se confundem com variações típicas qualificadoras ou
privilegiantes, porque possuem seu próprio conteúdo típico: o roubo (art. 157) em relação
ao furto (art. 155) e ao constrangimento ilegal (art. 146), contém as características destes
últimos dois tipos, mas através da combinação dessas características constitui um tipo legal
próprio e independente; igualmente, o infanticídio (art. 123) em relação ao homicídio (art.
121);
7. Tipos de ação e de omissão de ação. ​a)os tipos de ação correspondem a
comportamentos ativos, descritos em forma positiva no tipo legal, como furto (art. 155). o
estupro (art. 213) etc; b) os tipos de omissão de ação correspondem a comportamentos
passivos que podem se apresentar como omissão própria ou como omissão imprópria: a
omissão própria é descrita de forma negativa do tipo legal e se caracteriza pela simples
omissão da ação mandada, que infringe o dever jurídico de agir, como a omissão de
socorro (art. 135), ou a omissão de notificação de doença (art. 269); a omissão imprópria
(ou comissão por omissão) constitui o reverso dos tipos de ação e se caracteriza pela
atribuição do resultado típico a sujeitos em posição de garantidor do bem jurídico que, com
infração ao dever jurídico de agir, omitem a ação mandada para impedir o resultado, como o
pai que, podendo salvar o filho que caiu na piscina, conscientemente não impede sua morte
por afogamento;
Por outro lado, a ação e a omissão de ação podem ser classificadas em dolosas e
imprudentes. a)tipos de ação dolosas; b) tipos de ação imprudentes; c) tipos de
omissão de ação, dolosas e imprudentes.

4. O TIPO DOS CRIMES DOLOSOS DE AÇÃO


I. Introdução
. ​Os crimes dolosos cometidos por ação representam o segmento principal da criminalidade,
compreendendo a violência pessoal, sexual e patrimonial (sem falar de fraude, em geral),
que exprime a imagem estereotipada de crime da psicologia social, pois as formas de
comportamentos imprudentes e omissivos não impressionam o sentimento popular, e,
afinal, são punidos por exceção;
. O estudo da estrutura típica dos crimes dolosos utiliza as categorias de tipo objetivo e tipo
subjetivo introduzidas pelo finalismo na moderna sistemática dos fatos puníveis;
II. O tipo objetivo
. Nos tipos dolosos de resultado, a atribuição do tipo objetivo pressupõe dois momentos
essenciais, constituídos pela causação do resultado, explicada pela lógica da determinação
causal, e pela imputação do resultado do resultado, fundada no critério da realização do
risco, examinados nesta sequência: primeiro, verificar se existe relação de causalidade
entre ação e resultado; segundo, decidir se o resultado é definível como realização do risco
criado pelo autor e, assim, imputável ao autor como obra dele;
.A distinção entre causação e imputação do resultado, fundada na diversidade dos
processos naturais de determinação causal (causação do resultado) e dos processos
valorativos de atribuição típica (imputação do resultado), já está incorporada ao sistema
conceitual da dogmática penal contemporânea;
.A imputação do resultado deve ser decidida pelo critério da realização do risco, formulado
pela teoria da elevação do risco de ROXIN, cada vez mais difundida na moderna literatura
jurídico-penal como critério de atribuição do tipo objetivo: a relação de causalidade é o
primeiro, mas não o único pressuposto de imputação objetiva do resultado típico;
1. A causação do resultado. ​No Direito Penal, as duas mais importantes teorias sobre
relação de causalidade são a teoria da equivalência das condições e a teoria da adequação;
Teoria da equivalência ​das condições. ​A teoria da equivalência das condições,
dominante na literatura e jurisprudência contemporâneas, pode ser reduzida a dois
conceitos centrais: a) todas as condições determinantes de um resultado são necessários e,
por isso, equivalentes, b) causa é a condição que não pode ser excluída hipoteticamente
sem excluir o resultado. Nesse sentido, causa é uma ​conditio sine qua non d ​ o resultado, ou
seja, a condição sem a qual o resultado não pode existir: se um motorista embriagado dirige
na contramão e provoca uma colisão, a ingestão de álcool deve ser definida como causa do
acidente, porque excluída mentalmente esse condição, o motorista teria dirigido na correta
mão de direção, e o acidente não teria ocorrido;
.A crítica de ser excessiva- no caso do regresso ao infinito- ou de ser insuficiente- no caso
das causalidades hipotéticas- foram refutadas por SPENDEL e, depois, por WELZEL, ao
mostrarem que a teoria da equivalência trabalha somente com condições concretas: o
resultado é o produto concreto de condições reais, e não de condições hipotéticas possíveis
ou prováveis, que não são ações reais, nem integram processo históricos concretos; além
disso, a alteração de qualquer condição implicaria mudança do resultado concreto, que
jamais seria igual, como observa SCHLUCHTER sobre o exemplo de ENGISCH: B utilizaria
a arma A, se não tivesse utilizado a arma fornecida por C, para agredir D; por outro lado, a
fórmula aperfeiçoada da teoria resolve o problema das causalidade alternativas, como
demonstrou também WELZEL: se o resultado não desaparece com a exclusão alternativa,
mas desaparece com a exclusão cumulativa das condições, então ambas condições são
causas do resultado;
.No Direito penal brasileiro o critério da condição regular poderia funcionar apenas como
critério auxiliar, porque o legislador adotou, no art. 13, do Código Penal, a fórmula da
exclusão hipotética da condição para determinar a relação da causalidade- embora critérios
científicos devam ser elaborados pela doutrina e pela jurisprudência, nunca pela lei;
Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a
quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido.
.1. O resultado é o produto real de todos os fatores que constituem: no limite, a ação do
médico que protela a morte inevitável do paciente é condição do resultado de morte deste,
porque influi na existência real do acontecimento concreto; contudo, como a causalidade
não é o único critério de atribuição, a mera existência da condição não permite atribuir o
resultado de morte ao médico;
.2. A relação de causalidade é interrompida somente por curso causal posterior absoluto
independente, que produz diretamente o resultado, anulando ou destruindo os efeitos do
curso causal anterior: antes de qualquer ação do veneno colocado por A na comida de B,
este morre em acidente de trânsito ao sair do restaurante, ou varado pelo projétil disparado
por C. MAS a independência do novo curso causal deve absolutam não basta
independência relativa: se, por causa do mal-estar produzido pela ação do veneno, o
acidente ocorre no trajeto para o hospital onde B procura socorro médico, então a ação de
A é fator constitutivo do resultado concreto e, desse modo, causa do resultado;
.É importante notar que a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso
causal como excludente da imputação do resultado- e não como excludente da relação de
causalidade- admitindo, portanto, a moderna distinção entre causação e imputação do
resultado (art. 13, § 1º);
.3.Consequentemente, não se interrompe a relação de causalidade nas seguintes
situações: a) por encadeamentos anormais ou incomuns de condições: 1) A fere B, que
morre no hospital por consequência da anestesia, de erro médico ou intoxicado pela fumaça
de incêndio no hospital; 2) A dá um murro em B, que morre ao bater a cabeça,
fortuitamente, contra o meio-fio do passeio. b) por ações dolosas ou imprudentes de
terceiros entre a ação e o resultado: 1) se o marido mata a mulher com veneno entregue
pela amante, a ação dolosa daquele não interrompe a relação de causalidade entre a ação
da amante e a morte da esposa, mesmo que aquela desconheça a finalidade do veneno; 2)
se o hóspede entrega ao camareiro casaco com revólver no bolso, e este mata o colega de
serviço ao pressionar, por brincadeira, o gatilho da arma em direção deste, a ação
imprudente do camareiro não interrompe a relação de causalidade entre a ação do hóspede
e a morte da vítima. c) por mediação do psiquismo de outrem entre ação e resultado, como
indicam as hipótese de instigação, ou de lesão patrimonial fraudulenta por erro da vítima,
independente por erro vítima, independente do ponto de vista sobre determinação ou
liberdade dos atos psíquicos: a possibilidade de outra decisão, que poderia ter existido mas
não existiu, não exclui a causalidade, porque a decisão concreta é sempre motivada por
este ou por aquele fator;
.4.Ações que impedem ou excluem curso causais de salvação da vítima são causa do
resultado, se aqueles cursos causais possuem, com probabilidade próxima da certeza,
eficácia (hipotética) para evitar o resultado típica: B morre porque A retém ou desvia a bóia
lançada para salvá-lo, ou porque C destrói o frasco do único medicamento capaz de impedir
sua morte;
Teoria da adequação. ​A teoria da adequação considera causa a conduta adequada para
produzir o resultado típica, excluindo condutas que produzem o resultado por acidente;
.A condição adequada eleva a possibilidade de produção do resultado, segundo uma
prognose objetiva posterior, do ponto de vista de um observador inteligente colocado antes
do fato, como os conhecimentos gerais de um homem informado pertencente ao círculo
social do autor, além dos conhecimentos especiais deste: persuadir alguém a uma viagem
de avião, que cai no mar pela explosão de uma bomba, não constitui condição adequada
para a morte da vítima, porque um observador inteligente consideraria esse evento, antes
da viagem, como inteiramente improvável- exceto se tivesse conhecimento da existência da
bomba;
2. Imputação objetiva do resultado. ​A imputação do resultado constitui juízo de valoração
realizado em dois níveis, segundo critérios distintos: primeiro, a atribuição do tipo objetivo,
conforme o critério da realização do risco; segundo, a atribuição do tipo subjetivo, conforme
o critério da realização do plano, especialmente relevante em relação aos desvios causais;
.A imputação do tipo objetivo consiste na atribuição do resultado de lesão do bem jurídico
ao autor, como obra dele. A atribuição do resultado de lesão do bem jurídico pressupõe,
primeiro, a criação de risco, para o bem jurídico pela ação do autor e, segundo, a realização
do risco criado pelo autor no resultado de lesão do bem jurídico;
.Em regra, a relação de causalidade entre ação e resultado representa realização do risco
criado pela ação do autor e constitui fundamento suficiente para atribuir o resultado ao
autor, como obra dele- mesmo na hipótese de desvios causais cuja verificação concreta
amplia o risco de lesão do bem jurídico: a) a vítima é lançada do alto da ponte para se
afogar nas águas do rio, mas morre ao esfacelar a cabeça na base de concreto de um dos
pilares daquela; b) a vítima não morre por efeito dos disparos de arma de fogo, mas por
infecção determinada pela assepsia inadequada dos ferimentos. Nessas hipóteses, o
resultado não é um produto acidental, mas a realização normal do perigo criado pelo autor
e, portanto, obra dele;
.Cursos causais hipotéticos também não excluem a imputação do resultado ao autor: a
atribuição do tipo objetivo não excluída porque, na hipotética falta do autor real, supostos
autores substitutos teriam realizado a ação (homicídios injustificados na guerra, sob o
pressuposto de que, em qualquer caso, outros os executariam; furtos cometidos sob a
alegação de que outros o realizariam e, portanto, a coisa seria subtraída ao proprietário,
deste modo ou daquele). Igualmente, não se exclui a atribuição do resultado nos casos em
que o autor substituto teria agido em situação justificada (por exemplo, o particular que liga
a energia da cadeira elétrica, ou liberta as cápsulas de cianureto na câmara de gás,
executando a pena de morte): somente as pessoas autorizadas pelo legislador podem
realizar a ação típica, permanecendo a proibição em relação aos demais;
O princípio de atribuição do tipo objetivo, definido como realização de risco criado
pelo autor, significa que a atribuição é excluída se a ação de autor não cria risco do
resultado, ou se o risco criado pelo autor não se realiza no resultado;
Ausência do risco criado. ​A hipótese de ausência de risco do resultado abrange as
situações em que a ação do autor não cria risco do resultado, ou reduz o risco preexistente
de resultado, assim exemplificados: a) A envia B à floresta durante tempestade, na
esperança de que um raio o fulmine: a causal ocorrência desse resultado não constitui risco
criado pelo autor e, portanto, o resultado não atribuído ao autor como obra dele (embora
causalmente relacionado à sua ação), porque acontecimentos baseados na mera
causalidade não criam risco juridicamente relevante de lesão do bem jurídico;
Risco não realizado no resultado. ​O resultado não pode ser atribuído se não constitui
realização do risco criado pelo autor, embora relacionado causalmente com este: A fere B
com dolo de homicídio, que morre em incêndio no hospital após bem sucedida intervenção
cirúrgica. Neste caso, a ação do autor cria risco de lesão do bem jurídico, mas esse risco
não se realiza no resultado concreto, que não pode ser atribuído ao autor como obra dele
(apenas, tentativa de homicídio): afirmar a realização do risco criado pelo autor no resultado
de morte da vítima significaria admitir que o ferimento da vítima teria aumentado o risco de
seu perecimento em incêndio, o que absurdo;
.O resultado também não pode ser atribuído ao autor como realização do risco de lesão do
bem jurídico nos casos de substituição de um risco por outro e em hipóteses de contribuição
da vítima para o resultado; o risco de ação posterior substitui ou desloca risco anterior: a
vítima ferida pelo autor com dolo de homicídio, morre (a) com crânio esmagado no célebre
acidente de trânsito da ambulância que o transporta para o hospital;
. No caso de contribuição da vítima para o resultado, a atribuição desse resultado obedece
ao seguinte: se o resultado é realização exclusiva de risco criado pela vítima, então é
atribuível à vítima (por exemplo, resultado produzido pela troca despercebida de
medicamentos; se o resultado é produto de transformação ou desenvolvimento do risco
criado pelo autor (gangrena ferimento, p.e), então é atribuível ao autor- exceto em caso de
conduta inteiramente irresponsável da vítima (no caso da gangrena, se a vítima recusa
socorro médico, apesar da evidência dos sintomas)
III. Tipo subjetivo
.O elemento subjetivo geral dos tipos dolosos é o dolo, a energia psíquica fundamental dos
crimes dolosos, que normalmente preenche todo o tipo subjetivo; frequentemente, em
conjunto com o dolo aparecem elementos subjetivos especiais, sob a forma de intenções ou
de tendência especiais, ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do
crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos,
que também integram o tipo subjetivo
O estudo do tipo subjetivo dos crimes dolosos tem por objeto (a) o dolo, como
elemento subjetivo geral, excluído nas hipóteses de erro de tipo, e (b) as intenções,
tendências ou atitudes pessoais, como elementos subjetivos especiais em conjunto
com o dolo em determinados delitos;
1. Dolo. ​É a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, o tipo objetivo
de um crime, também definível como ​saber e ​querer ​em relação às circunstâncias de fato
do tipo legal; o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de
representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir),
como fatores formadores da ação típica dolosa;
.O componente ​intelectual d ​ o dolo consiste no ​conhecimento atual d ​ as circunstâncias de
fato do tipo objetivo, como representação ou percepção real da ação típica: não basta uma
consciência potencial, capaz de atualização, mas também não se exige uma consciência
refletida, expressa pela verbalização {se o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal
exclui o dolo, então o conhecimento das circunstâncias do tipo legal é componente do dolo};
.O componente ​volitivo ​do dolo (indicado na definição legal de crime doloso, art. 18, I, CP)
consiste na vontade, informada pelo conhecimento atual, de realizar o tipo objetivo de um
crime. A vontade, definida como ​querer realizar ​o tipo objetivo de um crime, deve apresentar
duas características para constituir elemento de dolo: primeiro, a vontade deve ser
incondicional, no sentido de constituir uma decisão de ação já definida (se A pega uma
arma sem saber se fere ou ameaça B, não há, ainda, vontade como ​querer realizar ​o tipo
objetivo de um crime); segundo, a vontade deve ser ​capaz d ​ e influenciar o acontecimento
real, de modo que o resultado típico possa ser definido como ​obra do autor, ​e não mera
esperança ou simples desejo deste (se A envia B à floresta, durante a formação de uma
tempestade, na esperança de que um raio o fulmine, não existe vontade como elementos
do dolo, ainda que, de fato, B seja fulminado por um raio, porque o acontecimento concreto
situa-se além do poder de influência do autor);
.O conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo deve abranger os
elementos presentes (a vítima, a coisa, o documento etc.) e futuros (o curso causal e o
resultado) do tipo objetivo, mas não precisa apreender as condições objetivas de
punibilidade (que não são circunstâncias de fato), nem o resultado qualificador dos tipos
qualificados pelo resultado (na hipótese de resultado qualificador imprudente);
A delimitação do objeto do conhecimento- e, portanto, do alcance do dolo-, requer
alguns esclarecimentos relacionados à natureza desse objeto: a) os elementos
descritivos do tipo legal (homem, coisa etc), como realidades concretas perceptíveis
pelos sentidos, devem ser apreendidos na forma de sua existência natural; b) os
elementos normativos do tipo legal (coisa alheia, documento etc.), como conceitos
jurídicos empregados pelo legislador, devem ser apreendidos conforme seu
significado comum, segundo uma valoração paralela ao nível do leigo ​(MEZGER), e
não no sentido da definição jurídica respectiva, porque, então, somente juristas
seriam capazes de dolo;
.​A vontade definida formalmente como ​decisão incondicionada de realizar a ação típica
representada pode ser concebida materialmente como projeção de energia psíquica lesiva
de objetos protegidos no tipo legal;

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