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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

O SONHO DO MORAR COLETIVO


Ideologias e projetos modelares

Julio Camargo Artigas

O SONHO DO MORAR COLETIVO


Ideologias e projetos modelares

São Paulo
2007

2007
Julio Camargo Artigas

O sonho do morar coletivo


Ideologias e projetos modelares

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana


Mackenzie
para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e
Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Rafael Antônio da Cunha Perrone

São Paulo 2007

I
Resumo O primeiro objeto de estudo é “O Familistério de Guise”

O presente trabalho estuda as ideologias que envolvem – a união cooperativa entre o capital e o trabalho - idéia -

a arquitetura desde o Século XIX, no que contempla a proposta da “utopia social” de Charles Fourier, seguido pelo

habitação de valor de mercado compatível com o salário das grande período especulativo “construtivista” da arquitetura

classes proletárias, como contribuíram e de que forma para moderna na URSS no curto período entre 1925 e 1932, que

estabelecer a intensidade e a amplitude das suas variadas buscava também a construção de um novo homem, que no

soluções. As idéias sobre as cidades e a Urbanização, campo da produção arquitetônica teve muitas de suas

através de uma, perspectiva materialista, permite realizações reproduzidas em outros contextos por serem

compreender a relação entre o conteúdo político expressos soluções de qualidade e interesse. Em seguida a forma de

através do poder da classe hegemônica de uma dada expressão da cidade, das intervenções sobre estas,

sociedade e seus continentes espaciais implantados, o modo representadas pelos conceitos de economicidade social

de localizar o habitat, formas diferentes de habitação e de implantados nas cidades de Frankfurt e Berlin no período da

equipamentos de infraestrutura, um modo de apropriação do República de Weimar, na Alemanha entre 1926 e 1933,

espaço e de implantação nesse espaço de atividades voltadas secundado pela Áustria e a política residencial na Viena

à produção e para a existência humana. Socialista de 1919 até 1933, concluído-se com a proposta da

Unidade Habitacional de Tamanho Adequado de Marselha,

II
por Le Corbusier epítome da reconstrução da França no pós

guerra, a partir de 1945.

A segunda parte do trabalho discute a repercussão

desse ideário no Brasil a partir da década de 50

concentrando-se as discussões sobre a solução proposta

para as superquadras de Brasília, enquanto proposta

urbanística de Lúcio Costa e o Conjunto Habitacional de

Cumbica de Vilanova Artigas, Fábio Penteado e Paulo

Mendes da Rocha, destinado após operários sindicalizados

da região metropolitana de São Paulo.

Ao longo do trabalho, desenvolvido em duas partes,

serão estudados e discutidos alguns projetos modelares que

representam os conteúdos ideológicos estudados e como

estes transparecem na vida social e nos espaços edificados

na busca da realização arquitetônica do sonho do morar

coletivo.

III
Abstract The first object under scrutiny is “The Familisterio de Guise” –

This monograph studies dwellings built and inhabited by a cooperative union of capital and labour – an idea proposed

their users and the ideologies involved in their architectural in Charles Fourier’s “social utopia”, followed by the great

concept since the XIX century are discussed. Housing which speculative period of the “constructivism” of modern

have market value compatible with the proletariat’s income is Architecture in the USSR during the short period between

also considered and how these works contributed to the 1925 and 1932, which also idealized the construction of a new

establish social contact and the variety of interpretation of the man. Many of these architectonic products have been

extent of various solutions. reproduced in other contexts due to the their quality and

Firstly we endeavor to understand, from a materialistic point of universal interest.

view, how ideas of cities and urbanization help to understand Next, the form of expression of the city and interventions,

of the relationship between the political concepts expressed in represented by the social economicity implanted in Frankfurt

the power of the hegemonic social class and its implanted and Berlin during the Weimar Republic in Germany between

special continents, the habitat sites, different forms of 1926 and 1933, supported by Austria and the housing policy in

habitations and infrastructure facilities, the appropriation of the Socialist Vienna from 1919 to 1933, finalising with the

space and implantation in these spaces of collective living and pioneer proposal “Housing Unit of Adequate Size in Marselha”

productive activities.

IV
designed by Le Corbusier, the epitome of the rebuilding of

post-war France, from 1945 onwards.

The second part of this work discusses the repercussion of

these European ideas and their interpretations in Brazil,

starting in the 1950’s, concentrating the analysis on the

solutions proposed in the “superquadras” in Brasilia, Lucio

Costa’s urban proposal, and the Housing complex of Cumbica

in Guarulhos, São Paulo, designed by Vilanova Artigas, Fábio

Penteado and Paulo Mendes da Rocha for the housing of

trade union member workers living in the São Paulo

metropolitan area.

Throughout this work, written in two parts, we will discuss

some archetypal projects which represent the ideological

contents and how they are expressed in the social life and

build spaces, in search of the architectural realization of the

dream of collective living.

V
Agradecimentos

São muitos os amigos a quem devo o apoio, a ajuda a


orientação e muita compreensão, me auxiliando na
consecução deste trabalho. Agradeço sinteticamente a:

Rafael Antônio da Cunha Perrone, meu amigo terno e eterno,


desde o bonde 101 que nos levava ao Colégio Estadual Prof.
Alberto Conte, depois chegando até a FAUUSP e que é o
meu orientador neste trabalho.

Edgar Gonçalves Dente, meu amigo cáustico e guru suave,


que fez de tudo para que eu me doutorasse na FAUUSP com
este trabalho.
Não conseguimos, graças a CPG de lá!

Rosa Camargo Artigas, minha doce irmã, pelas leituras deste,


as ótimas conversas e as valiosas orientações ideológicas.

Carlos Egídio Alonso, Carlos Guilherme Mota, Cândido Malta


Campos, Roberto Righi e Wilson Flório, meus caros colegas e
professores do Curso de Pós Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da UP Mackenzie pelas aulas e orientações Dedico
sempre valiosas e pertinentes.
Aos que virão, na pessoa de Adriana Niño Artigas minha
Alfredo Gunther Domschke e Manfred Speidel pelas adorada e única neta, por enquanto.
traduções de textos em alemão e pelas revisões e
reformulações de minhas traduções dessa língua, esforçadas, Aos meus queridos filhos, Pedro, Manuela e Gabriel e
mas ainda imprecisas. sobrinhos Laura e Marco que me alegram muito, sempre.

VI
SUMÁRIO

Introdução 07

Parte 1 Experiências européias

Capítulo 1 O Familistério de Guise – A união cooperativa entre o capital e o trabalho 27

Capítulo 2 Arquitetura Moderna na URSS e Habitação Proletária 40

Capítulo 3 Alemanha - Habitação nos anos da República de Weimar 87

Capítulo 4 Áustria e Viena Vermelha 172

Capítulo 5 França - Le Corbusier e a Arquitetura da Reconstrução 1945-1953 189

Parte 2 Experiências Brasileiras

Capítulo 6 Habitação Operária no Brasil 203

Capitulo 7 Brasília e as superquadras habitacionais 226

Capítulo 8 O Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado Guarulhos 1966/1967 244

Conclusões e Posfácio 276

Bibliografia 282

Glossário 285

Anexos: Relação e fonte das imagens - Diagramas 287

VII
“A causa a que devotei boa parte de minha vida não
prosperou. Eu espero que isto tenha me transformado num
historiador melhor, já que a melhor história é escrita por
aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a
história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo
que os perdedores perguntam porque tudo foi diferente e esta
é uma questão muito mais relevante”.

Eric Hobsbawn
Introdução ao valor de mercado compatível com o salário das classes

Este trabalho tem por objetivo analisar e discutir proletárias? Como e de que forma esses modelos

conteúdos reflexivos e críticos sobre a habitação e o habitar, contribuíram para estabelecer a intensidade e a amplitude das

”traço fundamental da condição humana”. Segundo suas variadas soluções.

Heidegger, o habitar é a ocupação pela qual o homem tem Nessa abordagem procuraremos contemplar a

acesso ao seu ser, deixando surgir as coisas em torno de si, compreensão da habitação dentro de seus valores, desde os

fixando-se, continuando como consciência, construindo a culturais até os de mercado, compatíveis com as múltiplas

vida. Privilegiar-se-á nesta pesquisa a documentação das situações da vida das classes proletárias, em determinadas

condições nas quais a habitação destinada a abrigar o sociedades e situações históricas e, de que forma as

proletariado, a imensa maioria de nosso planeta, construtor propostas implantadas contribuíram, para estabelecer a

das sociedades industriais, foi considerada e concretizada e intensidade e a amplitude das variadas soluções estudadas.

em que condições históricas. Quais são as soluções de As soluções exemplares, objeto deste estudo, serão tratadas

habitação, no campo da produção arquitetônica, que uma vez como “propostas modelares”, termo que pretende ter a força

implantadas vieram a ser reproduzidas como soluções que de expressar seu valor transcendente, enquanto construção,

expressam interesse de estudo e qualidades de uso que realização, proposta. Essas proposituras por seu caráter

merecem serem reproduzidas? Como se adequou a habitação reprodutível são passíveis de interpretação que conduzem à

9
concretização de novas condições criadoras, novos projetos. As ideologias

A inserção correta no contexto político-social e temporal em Nesse processo as questões ideológicas envolvidas

que foram realizados, é fundamental para que se compreenda serão parte integrante das interpretações elaboradas. Quais

esses modelos. ideologias estiveram presentes e como e de que forma

O objeto da pesquisa também busca apresentar e contribuíram para estabelecer a intensidade e a amplitude das

discutir os projetos realizados representativos de moradias variadas soluções implantadas? As ideologias, desenvolvidas

para as classes proletárias, com quais qualidades foram a partir do pensamento europeu, notadamente na França,

elaborados e concretizados e qual a contribuição desses Alemanha e Inglaterra, que tratam da crítica da grande cidade

empreendimentos para a democratização e modernização dos industrial apresentam-se mais intensamente organizadas a

espaços das cidades industriais, destacando as soluções partir dos três últimos decênios do Século XIX, expressando-

exemplares descrevendo-as, considerando os recortes se através de duas abordagens diferentes e um modelo de

temporais nas sociedades específicas nas quais foram crítica política à sociedade.

inseridos, estudando-se particularmente a produção européia Num aspecto inicial e embrionário, descritivo e

entre as duas guerras mundiais e a produção brasileira após a estatístico, pretendeu-se situar a questão urbana numa rede

destituição da ditadura Getulista no país desde 1945 até de causas e efeitos que incorporou, inclusive, sentimentos

1984. humanitários que buscavam denunciar as condições de vida

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do proletariado urbano, conduzindo às ordenações, alienação do seu habitante, através do racionalismo, a ciência

regulamentos e legislações que resultaram no e a técnica, na busca de soluções dos problemas colocados

estabelecimento de normas que atendiam às condições de pelas relações entre a humanidade com o meio e entre si

higiene, regulamentações do trabalho e da habitação. Em própria. Uma visão otimista “a priori”, que carrega a idéia de

contraponto a esses sentimentos que tratam a cidade como progresso em sua plenitude e amplidão, que recusa qualquer

um processo patológico e estipulam profilaxias, constituem-se herança artística do passado e se propõe a garantir o

os pensadores políticos e polemistas que instruem as progresso social onde lógica e a beleza, convirjam. A utopia é

primeiras precisões sobre as questões urbanas desde o fim o progresso técnico.

do século XVIII e início do XIX. Essa poderosa segunda O segundo modelo, nostálgico ou culturalista busca

vertente, segundo classificação de Françoise Choay na sua compreender e propor a vida urbana para o agrupamento

obra de referência “O Urbanismo, Utopias e Realidades”, humano, descartando a situação do indivíduo habitante,

explicita-se em dois modelos que incorporam o passado e o considerando cada membro da comunidade um elemento

futuro cada um à sua maneira, expressando nostalgia ou insubstituível desta, em oposição à noção de tipo e suas

progresso. extensões externadas pelo modelo progressista. Busca-se

O primeiro modelo interpreta o urbanismo e a cidade recompor a unidade orgânica da cidade, em processo de

através de uma solução progressista propondo-se a evitar a fragmentação pela nova condição de espaço da produção

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industrial em escalas crescentes. As necessidades materiais impotências ante as realizações concretas, ainda que

são diluídas pelas espirituais, menos rigorosamente expresse sentido e razão histórica, ao se propor como

determináveis. A sua utopia subordina-se à sua escala, as alternativa às condições correntes.

cidades e a vida passam a ter limites materiais e A produção industrial de então engendra com suas

determinações espaciais. fábricas, os alojamentos operários, os bens destinados ao

Ambas vertentes de pensamento apresentam consumo de massa e os reinos existenciais nos quais a

conteúdos comuns, o destaque aos espaços comunitários, criação arquitetônica não pode se expressar e só exprimem a

culturais em sobreposição à moradia individual. Outra miséria social dos primórdios do capitalismo, que ultrapassa

condição compartilhada por esses pensadores é imaginar e seu horror formal. Os problemas que coloca mobilizam o

propor a cidade em forma de modelo, objeto reprodutível, sem Estado, incitam o reformismo social burguês e por fim

um tempo concreto e em qualquer lugar, ou nenhum, em deságuam no movimento operário revolucionário, mas pouco

suma uma utopia a construir em sua totalidade. ou quase nada, estimula a imaginação dos arquitetos.

A tensão entre a teoria e a prática nas condições A crítica, “sem modelo”, de Engels e Marx, às grandes

expressas pelos modelos interpretados, pode induzir a certas cidades industriais estabelece uma “supressão das

rupturas, quando a teoria distancia-se da concretização dos diferenças” colocando-se como a primeira interpretação

objetos buscados, tornando-se “ideologia” das frustrações e ideológica do espaço urbano e inicia o processo da

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construção de uma nova forma política para a sociedade, no seja para tornar-se clássica e fundar uma tradição que

plano ideológico - filosófico, ainda que não se expresse por ultrapassou de roldão as fronteiras nacionais.

uma projeção espacial (daí “sem modelo” embrionariamente), Os conteúdos culturais, sociais e estéticos dos fatos

mas critique profundamente as disparidades de classe relativos ao habitar abordados na dissertação procuram

produzidas no âmbito do capitalismo que se apresentavam de estudar suas razões, as raízes que os motivaram, e os

forma cada vez mais evidente. Quem daria forma e objetos pelos quais se expressam. Descrevem-se e

incorporaria conteúdos à sociedade, às cidades, a burguesia interpretam-se esses fenômenos ligados ao habitar e a partir

ou o proletariado? das idéias que forneceram as bases para a sua concretização

Apresentam-se assim, os princípios morais que iriam espacial, arquitetônica. O sentido dessa analise crítica é

regular a futura arquitetura moderna, a primeira e única digna comentar e verificar como esse conjunto de realizações

deste nome, a estabelecer-se no Século XX. Essa arte de geradas na Europa em processo de industrialização, foi

construir, nos seus primórdios, orgânica, impregna-se da vida compreendido, como foi absorvido e como foi reproposto nas

cotidiana e do espírito da vanguarda do início do Século XX, nossas condições nacionais, através da melhor produção

dá continuidade à tradição racionalista ocidental, revelando-se arquitetônica brasileira, o que por si só incorpora um sentido

suficientemente vigorosa para criar seus próprios modelos, ou de eleição do que se considera relevante, significativo em fim,

obras seminais, na extensão do estudado.

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Interpretações sistematizada, permite compreender a relação entre o

Não se pretende elaborar uma história da produção de conteúdo político (econômico, social e ideológico) do poder da

habitação nas grandes cidades industriais. Pretende-se classe dominante de uma dada sociedade e seus continentes

destacar soluções no campo da arquitetura que representam espaciais Constata-se que a uma ideologia de classe, uma

critérios implantados que foram absorvidos ao longo do forma de poder e de propriedade, um tipo de tecnologia e de

tempo, expressando avanços sociais e técnicos com valores recursos energéticos tende a corresponder um tipo de

incorporados a produções marcantes, que se relacionam. O urbanização, ou melhor um modo de localizar o habitat,

que se considera marcante é uma eleição de nossa parte que formas diferentes de habitação e de equipamentos de

será explicitada no bojo do trabalho, através dos objetos infraestrutura, um modo de apropriação do espaço e de

estudados. As ideologias que envolvem a arquitetura desde o implantação nesse espaço de atividades voltadas à produção.

Século XIX, no que contempla a habitação de valor de Primeira Parte – Experiências Européias

mercado compatível com o salário das classes proletárias, O primeiro objeto de estudo que busca explicitar as

como contribuíram e de que forma, para estabelecer a origens da habitação coletiva operária e que se materializou

intensidade e a amplitude das suas variadas soluções, são num modelo construído e ocupado é “O Familistério de

questões centrais da dissertação. As idéias sobre as cidades Guise”. O espaço da união cooperativa entre o capital e o

e sua urbanização, através de uma perspectiva materialista trabalho, uma idéia - proposta da “utopia social” de Charles

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Fourier (1772 – 1837) e seus seguidores. Essa concepção resultado da apropriação particular dos meios de produção

começou a formatar-se no bojo de uma tentativa de garantir pela burguesia e da miséria à qual estava submetida a classe

no contexto de um particular empreendimento fabril de escala trabalhadora, condenada a vender sua força de trabalho.

destacada a implantação de uma co-gestão, que preconizava Opulência e miséria eram inscritas, desenhadas, construídas

a participação acionária (no plano financeiro) de seus no espaço. Expressavam-se nas desigualdades das formas

operários, com distribuição dos lucros gerados pelo universo de moradia, dos meios de comunicação, do usufruto dos

do empreendimento. Tal pretensão era secundada pela busca equipamentos, condições essas que eram garantidas pela

de uma organização das atividades não lucrativas na esfera presença de forças repressivas ideológicas e militares com a

produtiva. Busca que visava incorporar esta condição num responsabilidade de manter as condições de dominação, que

amplo programa educativo para o segmento da classe reforçam e reproduzem o antagonismo entre as classes. A

operária envolvida nesta empreita. divisão entre o trabalho manual e o trabalho intelectual se

À época já se tinha consciência dos graves problemas equipara, em nível global, na oposição entre cidade e campo.

que se passavam nas e com as cidades. Estes expunham as A concorrência e a concentração de capital conduzem à

contradições próprias do modo de produção capitalista. A centralização e sua conseqüência espacial, o

contradição entre capital e trabalho criava para o espaço congestionamento das “cidades centrais”, as metrópoles e no

urbano a segregação entre os bairros pobres e ricos, plano geral na deterioração do ambiente natural e humano.

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Como segundo e mais extenso objeto de estudo, Austro Húngaro num ambiente de desenvolvimento industrial

abordaremos a habitação proletária coletiva edificada em incipiente.

dois universos que se gestam a partir de situações políticas A revolução soviética, em paralelo às mudanças

distintas. Inicialmente a nascente sociedade socialista radicais dos conteúdos da sociedade a partir da tomada do

soviética, pós-revolução de outubro de 1917 na Rússia. A poder pelos bolcheviques, propunha-se a realizar profundas

seguir os programas sociais propostos pela também recém modificações no que contempla o espaço e seus conteúdos.

instituída República de Weimar, na Alemanha, ao fim da 1ª. O socialismo representava um novo conteúdo ideológico,

Guerra Mundial, a partir da hegemonia política e das político e econômico que possibilitava introduzir modificações

propostas do Partido Social Democrata Alemão, desde 1919. quantitativas e qualitativas tanto na cidade como no campo. O

A Alemanha de então já era um país com expressivo poder socialista tomou então, efetivas e rápidas medidas

processo de industrialização. Como extensão temporal e essenciais para a construção de um novo ambiente, através

política ao vigoroso universo alemão anteriormente exposto, da coletivização do solo e a estatização dos principais meios

comentar-se-á sinteticamente, as soluções habitacionais de produção bem como medidas – algumas insuficientes

desenvolvidas para a cidade de Viena, à mesma época, sob a inicialmente – buscando destruir a separação entre os

administração socialista conduzida pelo Partido Social trabalhadores e o aparelho de poder recém instituído, ainda

Democrático Operário - SPO, após a dissolução do Império que os novos conteúdos espaciais não se apresentem

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imediatamente, A Revolução de Outubro além de propor a vez que no campo da produção arquitetônica, muitas

transformação das estruturas políticas, econômicas e sociais implantações concebidas nessa época vieram a ser

da secular sociedade feudal Czarista, apropriando-se de reproduzidas em outros contextos, certamente por

todos os meios de produção e distribuição de bens e serviços, expressarem soluções de qualidade e interesse universais.

propunha-se a instituir uma revolução cultural na vida A forma de expressão da cidade, a forma da cidade

cotidiana dos cidadãos da nascente União Soviética, em será objeto de estudo através das intervenções sobre estas,

harmonia com a revolução política e econômica. A cultura do representadas pelos conceitos de economicidade social

modo de vida, da reconstrução do modo de vida, foi o implantados nas cidades de Frankfurt e Berlim, no período da

leitmotiv das pesquisas que visavam romper com as tradições República de Weimar, na Alemanha entre 1926 a 1933. A

e com os objetivos além do campo das artes, nos primeiros salubridade dos bairros residenciais, a política de uso do solo,

anos da década de 1920 na URSS. A arte deve ser um as novas soluções de seu parcelamento e as habitações

instrumento de transformação social, um instrumento da construídas, inclusive com as preocupações com a economia

revolução, um meio de transformar as relações entre as doméstica, o sol e a luz, dimensionamentos, produção serial,

consciências humanas e por corolário a própria humanidade. normatização e princípios basilares técnico-construtivos e

O grande período da arquitetura moderna na URSS situa-se econômicos para utilização em massa, serão recuperados, no

entre 1925 e 1932. Esse período será objeto de estudo, uma estudo.

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No curto período entre os anos de 1926 até 1930 a essa questão social na medida em que, por serem ilimitados

administração da cidade de Frankfurt, governada por maioria em princípio, trariam a base da construção da nova cidade

social-democrata, buscou modernizar de forma abrangente a extirpando as situações de sofrimento.

sociedade e a cidade. Estruturas antiquadas tiveram que dar O conceito de forma de vida e tipologia habitacional na

lugar às novas que procuravam oferecer maior justiça social. “Nova Frankfurt” foi influenciado por antigas demandas do

Essa modernização ocorreu sobre a trama urbana pré- movimento operário alemão, que exigia acomodações

existente das propriedades particulares. Trama já individuais para suas famílias. Necessidade advinda dos

sedimentada na cidade desde há muito tempo, sob a égide de conflitos inerentes à superação das situações da exploração e

estatutos e normas municipais. Ao mesmo tempo em que se das imposições disciplinares impostas pelos empregadores -

interferiu de forma modificadora sobre o tecido consolidado proprietários. Necessidades advindas do questionamento de

assumiu-se a hipótese de que apenas com o desenvolvimento condições habitacionais das diversas gerações anteriores

de um processo de industrialização poder-se-ia atender ao condenadas a viver sob o mesmo teto dos cortiços vizinhos às

interesse coletivo e assim se criariam as condições para o áreas de produção fabril ou rural. O oposto, o direito a

progresso social. Acreditava-se, portanto, que a habitação em boas condições de uso deveria ser alcançado

industrialização participaria de forma preponderante na através de uma habitação de baixo custo. Uma casa para

solução desses problemas. Os meios técnicos resolveriam cada família. Moradias para famílias com dois ou três filhos

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deveriam ser projetadas para que atividades tão simples, dessa última pretensão, uma “cozinha laboratório”,

repetitivas e humanas como o dormir, alimentar, lavar e vestir incorporando conceitos de um carro-restaurante ferroviário, foi

pudessem ocorrer de forma suave e cotidiana (atividades projetada, testada e produzida em massa para dar mais

rotineiras diárias da família nuclear) o que incluía a suposição tempo livre à “dona de casa”. Essa “Cozinha de Frankfurt” na

de que o chefe da família estivesse empregado. O produto, qual refeições podiam ser preparadas no menor e mais

um apartamento compacto em superfície, que apesar, ou eficiente espaço necessário e numa fração do tempo

graças a sua uniformidade, ofereceria espaço e tempo para o anteriormente exigido, foi desenhada pela arquiteta vienense

exercício de relativa variedade de necessidades e atividades. Margaret Schütte-Lihotzky, considerando aspectos práticos e

A fim de oferecer melhorias na relação espaço e tempo, ergonômicos, projetando-a como uma linha industrial de

aprofundou-se o saber sobre tal preocupação, que foi trabalho / montagem, equipando-a com uma série de

particularmente atendida pelas interpretações funcionalistas utensílios variados, desenhados e desenvolvidos

desenvolvidas através de métodos científicos. Nesses exclusivamente para esses ambientes.

estudos, dos planos de laje aos equipamentos das unidades, Em seguida e em paralelo, a cidade de Berlim e os

a invasão da privacidade deveria ser evitada a todo custo, as seus conjuntos operários projetados pelo arquiteto Bruno

demandas emocionais satisfeitas e o esforço da faina Taut, complementam este estudo das ideologias progressistas

doméstica maternal e feminina, reduzido. Como exemplo na construção da cidade e da habitação operária. Os projetos

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de espaços habitacionais para a classe operária concebidos a partir da década de 1930 e após a superação dos eventos

pelo arquiteto demonstram uma peculiaridade e uma da 2a. Guerra Mundial considerar-se-á comentar sobre a

qualidade de desenho urbano então, revolucionário, pois os arquitetura da reconstrução na França entre 1945 e 1953,

valores dos espaços edificados se estendiam além das enfocando-se exclusivamente o exemplo, então único, da

necessidades “biológicas” primárias de seus habitantes. “Unidade de Habitação de Tamanho Adequado de Marselha”,

Buscavam expressar a construção de uma nova sociedade projeto de Le Corbusier, seus antecedentes históricos e seus

sem privilégios, socialista, na qual morar seria um direito, o desdobramentos e interpretações subseqüentes, seminais

tempo em que todos compartilhavam o sonho da convivência. para a arquitetura mundial e particularmente para a produção

Concluindo esta etapa de estudos serão abordadas de brasileira.

forma sintética a produção habitacional e seus conteúdos

ideológicos nas situações vigentes na Áustria e sua capital a

então, “Viena Vermelha”. A política habitacional na Viena

Socialista entre 1919 e 1933.

Encerrando os estudos de propostas urbanísticas e

arquitetônicas para a habitação coletiva, bem como das

peculiaridades do ideário europeu que foi absorvido no Brasil

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Segunda Parte - Habitação Operaria no Brasil a casa. Com a consolidação do processo, de industrialização,

No limiar do processo de industrialização do Brasil, gradativamente, a obtenção de moradia deslocou-se de um

notadamente nas primeiras décadas do século XX, acessório do contrato de trabalho dos operários, para o

apareceram novas determinantes para expansão da cidade mercado o qual passa a responder pela oferta destinada às

de São Paulo. Se as ferrovias foram elemento de atração camadas de baixa renda.

para a implantação de fábricas, estas acabaram por atrair em


À medida que os centros industriais passaram a se
sua proximidade as casas dos operários. Bairros como o Brás
desenvolver num ritmo mais dinâmico, as necessidades
e a Mooca, foram formados pelas indústrias e as moradias
básicas perseguidas por suas crescentes populações se
operárias. Originariamente, a casa era construída para o
defasavam em relação à possibilidade de seu atendimento
trabalhador, pelo empresário industrial, que a alugava a seus
pelos gerentes do crescimento econômico. Ampliou-se o
operários. A moradia era um fator de atração para os
descompasso entre a produção de mercado e as moradias
escassos trabalhadores qualificados, demandados pela
disponíveis para as classes populares.
indústria nascente e, ao mesmo tempo, enraizava-o a uma
No período Vargas acentuadamente e, desde então,
dada empresa evitando a rotatividade de mão de obra, e
até 1964, o setor público criou e desenvolveu apenas 120 mil
provavelmente, reduzindo suas possibilidades de lutar por
unidades para famílias de baixa renda em todo o país por
seus interesses. Perder o emprego significava perder também
meio de diversos institutos, empresas públicas e outras

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instituições como a Fundação da Casa Popular, Institutos de que desta forma seria possível evitar o que se entendia ser o

Previdências (IAPI, IAPETEC, IAPB, IPESP.) e as Caixas grande inconveniente das tentativas anteriores a 1964: a

Econômicas Federais e Estaduais, até 1964. Conclui-se que erosão do valor real do retorno dos recursos aplicados na

pesados déficits e desequilíbrios entre oferta e demanda construção de habitações, em conseqüência da redução do

acumularam-se ao longo do período que culminou, em 1964, poder aquisitivo do tomador do empréstimo por causa da

com a implantação do B.N.H. pelo governo federal. A lei no. inflação. A principal dotação do Banco foi ter seu crescimento

4.380 de 08/64 instituiu o Sistema Financeiro da Habitação e assegurado pela arrecadação compulsória de 1,0 % (um por

criou o B.N.H. – Banco Nacional da Habitação, com a missão cento) da massa de salários do país, sujeita ao recém criado

de “promover a construção e a aquisição da casa própria, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

especialmente pelas classes de menor renda”. Seus Já em 1967, contudo, o B.N.H., assumiu a gestão de

objetivos, ligados à indústria da construção civil, política de depósitos do FGTS ao mesmo tempo em que era implantado

saneamento, erradicação de favelas, melhoria do padrão o SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, o

habitacional, regulagem do mercado regional, aumento de que faria afluir para seu controle recursos que acabaram por

oferta de emprego, estímulo à poupança privada e outros, torná-lo a segunda potência financeira do País e a maior

baseava-se na instituição da correção monetária (Lei 4.360), entidade mundial voltada para a questão da habitação.

nos contratos habitacionais de empréstimo, acreditando-se

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A meta original do B.N.H. era construir 10 milhões de para a arquitetura e urbanismo mundiais, através de recortes

casas num período de 10 anos. No entanto, o Banco financiou temporais em sociedades específicas comparando-se a

não mais que 1,1 milhão de casas das quais somente 280 mil produção européia entre as duas guerras mundiais, conforme

para o trabalhador pobre, na sua primeira década de explicitado na parte primeira e a produção brasileira após a

existência. Realizou, portanto, menos que 3,0 % de seu plano democratização de 1945 até os anos 80. Por meio dos

original Segundo o relatório de 1977 do B.N.H., cerca de recortes temporais da primeira e segunda parte foi possível

1.738 mil moradias, haviam sido financiadas até então pela estabelecer relações que permitissem avaliar quais as

instituição, das quais 896 mil produzidas, tendo em vista o soluções que, mesmo considerando a expansão e o

atendimento das necessidades de interesse social – até 10 agravamento ao longo do Século XX dos problemas relativos

salários mínimos de renda familiar. à habitação de baixo custo atingiram alguma qualidade e

O objeto do estudo desta segunda parte, é apresentar suficiência para enfrentá-los e que qualidades expressavam.

e discutir os projetos representativos de moradias para as O que significou e significam programas de implantação de

classes proletárias, com quais qualidades foram elaborados e moradias para o desenvolvimento adequado das cidades

concretizados e qual a contribuição desses empreendimentos brasileiras contemporâneas considerando-se as condições e

para a democratização e modernização dos espaços das situações de desenvolvimento sócio-econômico e cultural

cidades industriais brasileiras e por extensão sua contribuição dessas cidades.

23
As condições restritivas e excludentes impostas às No decorrer do século XX, enquanto se desenvolvia a

populações de menor poder aquisitivo no decorrer de sua urbanização do país, sempre se constituiu preocupação dos

história e em seu processo de urbanização e industrialização, arquitetos brasileiros, elaborarem respostas para o problema

não impediram que alguns projetos desenvolvidos por da habitação do trabalhador. A partir do início da segunda

arquitetos brasileiros demonstrassem qualidades inegáveis e metade do século XX, que as propostas passam a adquirir

preocupações corretas, enquanto proposta de habitar. Às substância, criando soluções e apresentando critérios. Do

sucessivas tentativas fracassadas de se obter quantidades, período entre 1945/70 deve-se destacar, pelo menos por sua

frustradas pela incapacidade de se controlar os déficits, se representatividade e critérios ligados ao viver na metrópole, o

antepõem propostas eivadas do maior rigor técnico e projeto do conjunto de Pedregulho de Affonso Eduardo Reidy,

expressão cultural, que ultrapassaram o seu tempo e suas as superquadras de Brasília, enquanto proposta urbanística

condicionantes iniciais, vindo a se constituir em modelos a de Lúcio Costa e o Conjunto Habitacional de Cumbica, por

serem considerados em qualquer discussão ou analise crítica Vilanova Artigas, Fábio Penteado e Paulo Mendes da Rocha

que se desenvolva sobre a habitação proletária. Não faltaram, considerando seu desenho urbano, sua proposta habitacional

os arquitetos brasileiros, quando solicitados, a responder por e seu programa de industrialização da construção em massa

meio de suas idéias, às questões relativas as condições de e avanços tecnológicos pretendidos.

moradia da nossa sociedade.

24
O ponto comum, presente principalmente nas duas de um conceito de habitabilidade mais amplo que aliasse

últimas propostas, é o fato de serem projetos que tratam a riqueza plástica e conteúdos sociais.

habitação como um dos muitos subsistemas do sistema

urbano, preservando sua importância, libertando-se e

negando a proposta da habitação na casa isolada, propondo o

habitar dentro de uma visão mais ampla que inclui,

necessariamente, o viver na cidade. Tal compreensão

expressa-se de forma mais contida no projeto de Pedregulho

pois, este foi implantado em um lote de razoáveis proporções

mas que oferecia possibilidades de ocupação restringidas

pelo entorno: a difícil topografia com relevo parcial, as

limitações físicas quanto ao aproveitamento do terreno e,

principalmente, o fato de ser uma implantação isolada numa

vizinhança anárquica já existente. No entanto, foi o avanço

necessário que norteou as melhores experiências na procura

25
Parte 1 - Experiências européias

26
Capitulo 1 - O Familistério de Guise Familistério contentor de uma disposição igualitária com

cozinhas coletivas e células individuais para núcleos


A união cooperativa entre o capital e o trabalho
familiares, concebidos para trabalhadores1.

Durante o sec. XIX na cidade de Guise, no


A paisagem cidade campo
departamento de Aisne na França, uma experiência baseada
O desenvolvimento econômico e seus incidentes passam a
na idéia - proposta da “utopia social” de Charles Fourier e
condicionar a paisagem urbana tipológica e formalmente. A
seus seguidores começou a formatar-se. Foi uma tentativa de
reação à essas transformações sócio-culturais irá constituir-se
garantir no contexto de um empreendimento fabril de escala
na gênese de duas vias do urbanismo proveniente dos paises
estacada de implantar a co-gestão, a participação acionária
industrializados , a utopia radical de ideologia socialista e a
(no plano financeiro) de seus operários com distribuição dos
cidade higienista.
lucros gerados pelo universo do empreendimento. Tal
Para construir a casa ideal seus idealizadores
pretensão era secundada pela busca de uma organização das
afastam-se da cidade real e elegem o campo para implantar
atividades não lucrativas na esfera produtiva, de incorporar
suas intenções. São os nascentes sistemas de pensamentos
esta condição num amplo programa educativo para o
filosóficos, arquitetônicos e sociais de Robert Owen(1771-
segmento da classe operária envolvida nesta empreita.
1858), Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourrier ( 1772-

1837) e Jean-Baptiste Goudin (1817-1888)Surgiu assim o 1


Benevolo, L., Storia della città, Ed.Laterza, Roma It., 1975. pgs. 757,759.

27
Voltaire e Rousseau2. Preocupado com questões sociais e um

aprendiz das teorias socialistas nascentes decide implantar

um estabelecimento fabril de fundição de ferro (com altos-

fornos desenvolvidos e patenteados a partir de sua

concepção) sob sua direção e que nos anos seguintes a 1840

se constituiriam como a plataforma essencial de seu sucesso

industrial. Em conjunto com essa base comercial, Godin não

se descuidou de seu aprimoramento intelectual e, em 1842,

tornou-se um seguidor de Fourier, falecido há poucos anos.

Entusiasmado pelas idéias do filósofo, no ano seguinte adere

à sua escola intelectual liderada então por Victor Considerant.

As intenções dessas escolas societárias consistiam no

Pátio central da habitação coletiva cobertura com telhas de vidro desenvolvimento das teorias e práticas do ideário fourierista,

Filho de um proprietário de metalúrgica, Jean Batiste buscando sua implementação, mesmo que experimental.

André Godin, de insuficiente formação escolástica, entre os Godin apóia essa tarefa inclusive no plano material e

seus 17 e 22 anos (1834/39) tornou-se um estudioso de


2
Ver: Honegger, Hans, Godin und das Familistère in Guise, Zurich, 1919 e Kool, Krause, Die
fruen Sozialisten, Munich,1972

28
financeiro, não obstante as condições adversas, fruto dos Victor Considerant. Godin considera nessa oportunidade

confrontos revolucionários então nascentes na Europa em abandonar a gestão de seus empreendimentos, a França e a

processo de industrialização. A empresa de Godin prospera Europa a fim de secundar essa implantação pioneira. Com o

(180 empregados em 1850, implantação de uma filial em progressivo desmantelamento dessa experiência nos Estados

Schaerbeeck, Bélgica em 1853), participa adjacentemente Unidos redireciona seus parcos sucessos e decide implantar

dos movimentos revolucionários de 1848, na França e busca, por sua própria conta essa forma de experimento na França,

em 1849, uma candidatura à Assembléia Nacional em 1859. Graças a alguns melhoramentos processuais no

Constituinte - com uma plataforma contra o desemprego – âmbito da produção que se constituíram em sucesso para sua

sem obter sucesso eleitoral. Sua política é obstaculizada de empresa, reúne capital para construir um “palácio social” - por

todas as formas pelo governo burguês central e termina por ele denominado “Familistério” (onde cada família tem seu

ser denunciado como “perigoso socialista”, escapando por alojamento particular) assimilado do grande palácio barroco

pouco do exílio imposto a esses ativistas e pensadores de que era o “Falangistério”, absorvendo as propostas de

então (após os movimentos de 1848). Charles Fourier. Inaugura, então, uma série de intervenções

Em 1854, apóia com vultuosos recursos financeiros um políticas e sociais em conformidade com a teoria fourierista de

empreendimento operário – coletivista, desenvolvido com “economia doméstica”. O objetivo de Godin é a construção de

conteúdos fourieristas, nos Estados Unidos da América, por uma comunidade social, cultural e ideológica de alto nível de

29
conscientização entre seus membros, incorporando o conceito notável de seu capital transferido para os trabalhadores e

teórico do equivalente da riqueza. nomeia-os seus herdeiros majoritários. Entretanto em 1880

Em 1871 é eleito deputado provincial pelo Godin falece. Nos anos da I Guerra Mundial entre 1914-1918

departamento de Aisne à Câmara da França (Parlamento), o empreendimento é invadido pelo exército germânico e tem

bem como Prefeito de Guise. Em 1876 renuncia à sua parcialmente destruída sua área industrial bem parte dos

reeleição para dedicar-se intensamente à concretização do pavilhões residenciais, posteriormente reconstruídas.

“Familistério”. Há poucos anos havia publicado sua obra

sociológica mais importante “Soluções Sociais” que acrisolava

os fundamentos para a realização de suas idéias principais,

tais como a criação de uma “associação entre o capital e o

trabalho, incluindo o talento”. Por fim em 1880, após longos

preparativos que, contudo, não pretendiam atingir aqueles

originalmente concebidos, passa a por em prática suas

intenções. Os estatutos publicados através de sua obra


Implantação
“Mutualidade Social” são o suporte para a concretização de

uma cooperativa de produção, financiados por uma soma

30
Através da experiência adquirida ao longo de anos de oligárquico nunca foi implantado, A participação era mínima e

atividades como industrial e socialista, Godin, desenvolveu apenas um terço dos membros elegíveis do coletivo dos

estatutos e regulamentos que conformaram a base de sua trabalhadores participavam de forma ativa, sendo por fim

“associação”. Devido a forte competição interna manteve abandonada tal sistemática. Em 1880 a “associação” foi

sempre a condução dos projetos sob seus critérios diretivos, reimplantada com base nos estatutos e regulamentos

permitindo e fomentando uma estrutura opinativa externa que emanados da “Mutualidade Social”, abdicando de parte de

envolvia os operários. O princípio gerencial era construído seus preceitos democráticos, apoiando-se principalmente nos

através de um conselho administrativo hierárquico eleito conceitos autocráticos de administração da companhia, com o

democraticamente a partir do coletivo de operários. A menor proprietário administrador centralizando as decisões. A

célula constituída a partir de 162 grupos de trabalhadores com participação era permitida em níveis diversos:

especializações exclusivas, expressando direitos x Associados: membros efetivos da “associação”. Os

determinados (de base). Tais grupos elegiam outros 27, trabalhadores da companhia e moradores do

representando a companhia e mais 12 o Familistério. Familistério. A totalidade de associados

Membros do ”conselho administrativo” eram nomeados nessa compreendia, na teoria, a assembléia geral e eram

instância. A autoridade administrativa principal era composta os representantes majoritários do Familistério.

por duas comissões de três membros. Tal conceito teórico- Dividiam entre si o capital e o lucro da empresa.

31
x Membros: Trabalhavam na companhia e habitavam No momento da transferência da unidade fabril aos operários

o Familistério, participavam da distribuição de Godin preocupou-se em manter o bem estar geral e particular

lucros. destes. Os associados e membros viviam nas habitações

x Participantes: Trabalhavam na companhia e coletivas desenvolvidas a partir dos conceitos fourieristas do

participavam da distribuição de lucros. Falangistério. Para facilitar e racionalizar o trabalho

x Acionistas: participavam exclusivamente através da doméstico, vários serviços eram prestados de forma coletiva

dotação de capital com direito a uma taxa anual de como a lavanderia, os banhos e as compras cooperativadas.

lucro de 5%. A educação era planejada de maneira cuidadosa com a

x Auxiliares: Trabalhadores assalariados, apenas com implantação de escolas específicas. O conceito predominante

direitos ao seguro social provido pela companhia. do programa era o da “educação integral”, segundo as teorias

Todos os trabalhadores da empresa tinham direito aos de Fourier, ou seja, educação e desenvolvimentos que

seguintes benefícios sociais: considerem a capacidade humana como um todo amplo,

gratuita e com ênfase no desenvolvimento pessoal e social no


x Caixa de pensão e assistência
contexto da comunidade. Dos recém nascidos à instrução dos
x Caixa de saúde e auxílio doença
adultos.
x Garantia de emprego no caso de maternidade

x Fundo para remédios

32
Nesse período vários projetos foram desenhados para o

alojamento comunal e as propriedades cooperativadas dos

trabalhadores. Visto a luz de seu tempo o fato de Godin ter

realmente construído seu ”palácio social”, interpretando e

modificando as doutrinas de Fourier a fim de abrigar as

famílias de forma individualizada e realmente marcante. Este

modelo, nascido do repúdio e do protesto contra as condições

inaceitáveis das cidades industriais existentes, o contrário

teórico da cidade liberal, procura pela primeira vez expressar

os seus vínculos com a classe operária, impondo e

acentuando a liberdade individual no bojo das organizações

coletivas, visando solucionar na forma pública todos, ou

quase todos, os aspectos da vida familiar e social, recorrendo

a analises e programações racionais. São máquinas

calculadas para aliviar a humanidade da organização física

tradicional, que retarda as transformações políticas e defende


Escola e Teatro, planta - Vista - Escola Primária
Alunos no pátio - Aula de costura - Creche planta
Interior - Berçário - Atividades - Crianças no jardim

33
os interesses vigentes. Por isso antecipam, mesmo como condição familiar, desvinculada das antecedentes e

tentativa isolada, a pesquisa coletiva da arquitetura moderna, tradicionais, deveriam transformar-se em indivíduos felizes e

que se revelará no século seguinte. viver conjuntamente numa comunidade harmônica.

O desenho do Familistério é uma interpretação quase


O edifício do Familistério e a economia doméstica
exata, pelo menos, muito próxima do projeto do Falangistério
Intenções e Realizações
de Fourier. Sua ordem, seus arranjos, propõe os três
Ao final da década de 1850, após anos de ensaios,
pavilhões habitacionais, com o pavilhão central recuado em
Godin implanta em Guise o primeiro estágio do seu novo (sob
relação ao alinhamento dos demais, delineando um espaço
certos pontos de vista) conjunto habitacional para operários,
aberto, um pátio central.
idéia essa ligada a participação direta na administração de

empresa por parte de seus operários. No âmbito da moradia

busca-se diminuir o desperdício de tempo e energia de cada

família na gestão de seu cotidiano. A vida comunitária deveria

ser cuidadosamente ordenada. A comunhão de pessoas

visava não apenas a consecução de um trabalho, que se

pretendia mais atraente, mas também para se agregar em

ocasiões de atividades comunitárias e festivas. Em uma nova


Páteo Central e cobertura, restaurados após a primeira guerra mundial

34
Os três pavilhões habitacionais do Familistério

35
Projeto do familistério

36
Em frente à praça aberta situam-se as lojas, a escola e o

teatro. Os edifícios foram construídos na seguinte ordem:

1859-62 o primeiro bloco habitacional, 1862 o bloco

habitacional central, 1866 a enfermaria e o jardim da infância,

1869 o teatro e a escola, 1870 o balneário e a lavanderia,

1877 o terceiro bloco habitacional, 1882-83 adição de mais

dois edifícios para moradia separados dos blocos centrais.


Galerias, apartamentos vistos do pátio

A característica marcante dos blocos habitacionais era


Mães e filhos no pátio
o fato de ser agrupada em torno de um pátio central, com um 1876

teto construído com telhas de vidro, uma cobertura

translúcida. No nível do solo o pátio era acessível para todos

os habitantes para suas atividades coletivas, festas, folguedos

das crianças e tudo mais. Os apartamentos eram arranjados aberturas para o exterior e para as galerias e o pátio interno.

em três pavimentos acessíveis por escadarias implantadas Os ambientes sanitários coletivos conformavam dois

nos ângulos dos pátios e galerias em toda sua extensão, ao conjuntos por pavimento. As facilidades comuns e serviços

longo dos pavimentos. Todos apartamentos possuíam consubstanciavam-se em lojas que ofereciam uma larga

37
variedade de alimentos, roupas, mobiliário, etc, um serviço de considerada pelas vanguardas históricas, apenas meio século

cantina, uma lavanderia e um balneário (banheiros, chuveiros depois, nos conceito de comunidades autônomas projetados e

e uma piscina) ambos com água quente fornecida pelas construídos por Moissei Guinzbourg no Dom Comuna

caldeiras da fábrica adjacente. Serviços médicos e obstétricos Narkomfin e Le Corbusier nas suas Unités. A rua interior

na enfermaria e corpo de bombeiros, vigilância e faxina proposta por esses arquitetos é o espaço de mediação entre o

noturna para os moradores. Educação para todas as idades público e o privado e um exterior configurado pela arquitetura

como complemento da economia doméstica, bem como do edifício.

creche, jardim da infância e o teatro para inúmeras ações

culturais. Nesta estrutura de vida comunal as mulheres eram Vista


aérea do
valorizadas e aliviadas dos longos e cansativos afazeres
Familistério
domésticos e maternais.

O edifício apresentava-se na ampla paisagem rural

dominando-a, concretizando uma aspiração higienista então Vista


interna do
inatingível pelo proletariado urbano. A rua da cidade é
Jardim da
transportada para o interior do conjunto de moradia, função Infância

ordenadora e sistematizadora que seria novamente 1870

38
Bloco residencial do Familistério
Planta e corte

39
Capitulo 2 Arquitetura Moderna na URSS e se tanto a experimentação artística concomitante com a

investigação sobre as funções da linguagem e seus reflexos,


Habitação Proletária
como nas cidades de São Petersburgo e Moscou. O

sustentáculo dessas atividades era a escola teórica do


Vanguardas artísticas e literárias na Rússia (1910-
formalismo lingüístico3 (do literário ao plástico) nascido da
1917)
convivência e debates de artistas dessas metrópoles sobre
A Rússia dos primeiros a anos do Século XX
sua produção. Boa parte das técnicas analíticas criadas pela
representava uma sociedade de contrastes agudos, atraso e
escola do método formal, surge através das inovações
opressão. A rebelião cultural e política é contínua e cheia de
teorizadas pelo futurismo russo4, como “só se afirma um novo
enfrentamentos, quase sempre violentos. É extremista e
conteúdo quando se realizam novos procedimentos
confusa permitindo tanto experiências individuais mais
expressivos, uma nova forma”.5 O que está então, em
refinadas, às vezes contraproducentes e absurdas, às vezes
discussão, é a funcionalidade da arte, arte enquanto
esclarecedoras e eficazes, tudo sempre em comum, a
construção, dotada de leis e estruturas específicas e
hostilidade ao passado, vazio, comprometido, arcaico, de
irredutíveis a outras. Buscava-se “emancipar a palavra poética
pouco valor para as mutantes artes figurativas e praticamente

nulo, para o caso da produção arquitetônica. Em nenhum


3
Gullar, Ferreira in Etapas da Arte Contemporânea, São Paulo, Nobel, 1985. pgs.136 e 137.
4
outro lugar ou contexto europeu, por tudo isso, desenvolveu- v. Idem,ib. e Schnaiderman, Boris e alii. Poesia Russa Moderna, São Paulo, Brasiliense,
1987.
5
Kruchenyk, A, in Novos caminhos da palavra, in Almanaque Troi, 1913

40
das tendências filosóficas e religiosas que atraem cada vez da expressão da sensibilidade, só em si mesmo e por si
6
mais os simbolistas” e da insistência constante sobre o mesmo, prescindindo assim do objeto, ou a coisa, como tal,

caráter convencional, artificial, supra pessoal da obra de arte estes sempre a serviço da religião, do Estado e dos costumes.

enquanto objeto poético isolado, procurando-se de forma É o suprematismo, enxertado no corpo do futurismo. O

pioneira investigar sobre a autonomia absoluta a respeito de abstracionismo é oferecido de forma pioneira, como marco

sua estrutura evolutiva interna, os modos de funcionamento e para toda arte européia e ocidental, com carga emotiva eslava

as instituições lingüísticas. Os intelectuais e artistas mais e intuição poética russa.De acordo com Malévich.7 “A nova

progressistas unidos pela urgência de libertação de qualquer arte do suprematismo, que criou formas e relações de formas

forma de conformismo são ligados ao movimento denominado novas, baseadas em percepções constituídas por figuras,

cubofuturismo, Vladimir Maiakovsky é o principal animador quando estas formas e relações de formas se transmitem do

radical, por seus compromissos com a revolução social e plano da tela para o espaço, convertem-se em nova

popular, de pacifismo e antiimperialismo e Sergei Diaghilev, arquitetura...O suprematismo tanto em pintura como em

com seu balé de movimento, som e cenografia representam a arquitetura é liberto de qualquer tendência social ou

síntese do ponto de concordância da nova arte. Kasimir material...ao romper com a consideração pela

Malévich inicia o processo da pintura até uma abstração total correspondência com o fim, é possível transportar para o

repudiando a representação natural e propõe a exclusividade


6 7
Eikenbaum, Boris in Literatura (Teórica, kritika, polemika) Leningrado, 1927 Malevich, Kasimir. The Non-objective World, (Trad. Ed. Alemã) Chicago, 1960.

41
espaço uma percepção plástica reproduzida no plano de uma irrefreáveis sucedem as agitações de massa e mais de 13.000

pintura”. movimentos de camponeses agitam o país entre 1910 e 1914.

As vanguardas pré-revolucionárias tentavam criar Começa a Guerra Mundial e a oligarquia do Czar Nicolau

fundamentalmente um novo tipo de domínio sobre o real busca manter uma estrutura feudal anacrônica apoiada na

reconhecendo-o como casual não sujeito a nenhuma forma violência e na valorização das inerciais tradições seculares.

apriorística. Reconheciam porem que já não é o sujeito que Impõe-se a República liberal, afasta-se a oligarquia feudal, O

cria a realidade, mas é esta que cria o sujeito, a ação coletiva presidente Kerensky tenta um golpe de Estado que fracassa e

como nova realidade é descoberta bem como sua verdade a Revolução de Outubro de 1917 se instaura. Estabelece-se a

oculta. O movimento consagra toda sua atenção ao homem paz em separado, com a Alemanha. Os bolcheviques,

futuro, mais que ao contemporâneo, pois este ainda não sabe imediatamente após a revolução, elegem o futurismo como a

se comportar corretamente como as maquinas. O homem arte do Estado favorecendo seu desenvolvimento em todas as

deve fazer-se máquina para expiar sua culpa frente ao formas.

universo da produção por ele criado. Palavras de Lênin “...Nós os socialistas desmascaramos

A Rússia czarista passa a ser sacudida por movimentos a falsa liberdade da arte burguesa, não para atingir uma

de massa como o fora em 1905, o processo revolucionário literatura e uma arte sem classes, mas para contrapor a uma

operário-camponês. Com a adesão dos soldados, greves

42
arte aparentemente livre, ligada em realidade a burguesia, uma Arquitetura moderna na URSS

arte escancaradamente livre ligada ao proletariado”8 O grande período da arquitetura moderna na URSS

A Revolução de Outubro além de propor a situa-se entre 1925 e 1932. No período anterior, de 1920 a

transformação das estruturas políticas, econômicas e sociais 1925, a arquitetura como atividade e ofício, se encontra em

da secular sociedade feudal Czarista, apropriando-se de todos uma confusão de tendências, à procura de programas

os meios de produção e distribuição de bens e serviços característicos para os novos tempos, a história da corrente

propunha-se a instituir uma revolução cultural na vida essencial desse período, a do construtivismo em arquitetura,

cotidiana dos cidadãos da nascente União Soviética, em encontra-se quase que inteiramente, nesses sete anos. O ano

harmonia com a revolução política e econômica. A cultura do de 1925 é o auge da NEP (Nova Política Econômica)9, criada

modo de vida, de reconstrução do modo de vida será o em 1921, logo após o final da guerra civil e das medidas

leitmotiv das pesquisas que visam romper com as tradições e rigorosas do comunismo de guerra. A “Nova Política

com objetivos além do campo das artes, nos primeiros anos Economica” teve em 1925, os primeiros resultados esperados.

das décadas de 1920 a 1930 na URSS. A arte deve ser um Em 1926 aconteceu o debate sobre o “socialismo em um só

instrumento de transformação social, e da revolução, um meio país” e as medidas globais e concretas que deviam assegurar

de transformar as relações entre a humanidade e, por a edificação do regime foram decididas. Em 1927, no XV

corolário, a própria humanidade.


9
Di Leo, Rita. De la NEP al Plan, pgs. 21 a 43, in Comunicación 23, Alberto Corazon Ed.
8
Ver Introduçãoin, Comunicacion 23, Alberto Corazon Ed. Madrid, 1973. Madrid, 1973, v. tb. Strumilin, S.G. L’économia Sovietica, Ed. Riuniti Roma, 1961.

43
Congresso do PCURSS, já tendo Stalin como seu secretário desenvolvimento e da vida soviética. É claro que sem

geral, implantou-se o primeiro plano qüinqüenal e, em 1933, o indústria da construção não era possível haver produção

segundo. Naquele momento a produção material de todos os arquitetônica num país onde a arquitetura não tinha mais

setores da União Soviética ultrapassava o nível do pré-guerra. como objetivo essencial o projeto único e excepcional e sim

No âmbito da construção, ao lado das empresas do Estado, resposta a solicitação social. Mas não é menos claro que a

as empresas privadas – algumas constituídas com auxílio do prioridade dada à indústria pesada teve tendência a reduzir a

capital estrangeiro, outras sob forma de sociedades mistas parte do investimento do Estado consagrado aos bens e

nas quais o Estado e os particulares forneciam capitais - equipamentos, ainda que a construção de imensos complexos

participavam cada vez mais da produção edificatória. industriais, em regiões antes desertas, tenha obrigado a

Utilizando seguidamente conhecimento e insumos edificação de cidades inteiras, precárias na sua maioria.

estrangeiros, elas aportam à indústria da construção a técnica Em 1924, foi editado em Moscou, o livro do arquiteto

indispensável que então faltava. Algumas das primeiras Moissei Guinzbourg “Estilo e Época” (todos os comentários

realizações importantes da arquitetura da URSS foram reproduzidos a seguir, ao longo deste capítulo são um resumo

devidas ao fato de que tais sociedades e o contexto da tradução francesa, editada na Algéria, a partir da edição

econômico tiveram uma enorme influência tanto sobre a

própria arquitetura, como sobre todos os outros aspectos do

44
precisamente, as inglesa dessa obra).10 Nesse ano a situação

da URSS era possibilidades técnicas para a renovação da

arquitetura e do urbanismo.

A obra de Guinzbourg, que foi a partir de 1926, um dos

principais líderes do movimento de arquitetura

contemporânea, é a primeira manifestação de uma teoria da

arquitetura, na URSS. Através dessa obra e de um artigo

publicado num dos primeiros números da revista SA

(Arquitetura Contemporânea) que se pode discernir os traços

comuns e as diferenças entre a nova arquitetura que se

iniciava na URSS e aquela que durante muito tempo vinha

traçando seu caminho na Europa ocidental e nos EUA. O

ponto comum entre elas era, sobretudo o que se referia ao


Capa Le Style et l’ Époque
termo funcionalismo, novo na época, que se tornou universal.

muito diferente daquela em que viviam os arquitetos da Mas esse funcionalismo que, na Europa se apoiava sobre as
10
Europa Ocidental. Na URSS, o que não existia eram, Guinzbourg, Moissei, Style and Epoch, introdução e tradução de Anatole Senkevitch, Ir.
MIT, Cambridge, 1982, Le Style et L’Époque, Problemes de l’Architecture Moderne, intr.
Kenneth Frampton, Pierre Mardaga Editeur et Office des Publications Universitaires, Alger,
1982

45
realidades técnicas, na URSS estava somente na vontade de histórico, descreveu a “investigação arquitetônica” como uma

seus partidários e não nas experiências reais. Segundo as investigação que tem “orientação dupla, na direção dos

palavras de Lênin, citadas nos periódicos construtivistas, os aspectos sociais e espaciais da arquitetura” e, que essa

arquitetos soviéticos acreditavam que “para conhecer orientação dupla, se “repete em uma diferenciação entre os

realmente um objeto, é necessário compreender, estudar parâmetros de um edifício e suas propriedades”13.

todos os seus aspectos; todas as suas conexões internas e As análises sistemáticas dos soviéticos dessas duas

externas”.11 Referia-se ao problema do desenho como um dimensões do problema do desenho e de suas infinitas

complexo integrado e tendia a resolver o problema enquanto relações têm origem diretamente no pensamento

totalidade, escreveu Moissei Guinzbourg: “A forma é uma construtivista da década de 1920. “Os parâmetros”, de

função X, que o arquiteto tem que voltar a avaliar segundo as Savchenko, “são as medidas diretas de uma construção de

precondições em constante mudança determinantes do fazer seus espaços, dos consumidores envolvidos e das atividades

da forma”.12 No jargão moderno, que não está distante dos que abriga. As propriedades são as medidas das reações dos

construtivistas, diríamos que aspiravam a modelar toda a consumidores diante dessa mesma construção. Portanto,

resolução do espaço que envolve a forma. M. R. Savchenko, tanto são medidas obtidas por meio de um ”intermediário”,

arquiteto e teórico soviético em 1980, retomando o debate medidas de decisões tomadas, de situações simbólicas

11
Sovremennaya Arkhitektura (SA) 1928, n° 6, pág. 170.
12 13
M. Guinzbourg, «Konstruktivizm kak metod laboratornoi i pedagogicheskoi raboty", SA, MR.Savchenko,”The Nature and Methods of Applied Research in Architecture",Enviroment
1927, n° 6, págs. 160-6. and Planning, 1980, voI. 7, n° 1, págs. 31-46.

46
16
postas, na medida em que o usuário “penetre” o edifício real... lugar apropriado” . O construtivismo se distinguiu pela sua

As propriedades e os parâmetros refletem o objeto como um negação em deixar os problemas metodológicos a mercê da

todo, mas o fazem através do prisma das atitudes sociais intuição.

diante da arquitetura no contexto de certos corpus de valores Os construtivistas acreditavam que o modo de trabalhar

arquitetônicos “14. Guinzbourg insistia que “De nenhuma do arquiteto soviético devia exibir a mesma tendência de

maneira o artista perde sua criatividade simplesmente porque construir totalidades que os mundos materiais e cognitivos

sabe com clareza o que quer, o que busca e em que consiste nos quais esse arquiteto estava “construindo”. Precisamente

o sentido de sua obra. A criatividade subconsciente, para “garantir” que no trabalho de desenho se preservasse

impulsiva, deve ser substituída por um método clara e uma integração monística dos aspectos materiais e cognitivos

distintamente organizado, que economize energia do arquiteto do mundo, formalizaram seu “método de criatividade

e que transfira o excedente dessa energia à invenção e à funcional”, ou, mais abreviado posteriormente “método

força do impulso criador”15. Nas palavras de outro membro funcional”. 17 Este consistia em um conjunto de procedimentos

fundador e mais jovem do grupo, Nikolai Krassilnikov: “A por meio dos quais a totalidade dos fatores que, em sua

intuição não se elimina; simplesmente tem que ocupar seu opinião, incidem em um projeto seriam apropriados

objetivamente, “passando da primeira para a segunda

14
Ibid., pág. 39.
15 16
M. Guinzbourg, «Tselevaia ustanovka v sovremennoi arkhitekture", SA, 1927, n° 1, págs. N. Krasilnikov, «Problemy sovremennoi arhitektury", SA, 1928, n° 6, págs. 170-6.
17
4-10. Em SA, 1926, n° 1

47
prioridade”, gerando um “organismo espacial básico” com trabalho de ensino”, esse artigo era um “plano esquemático

grande refinamento técnico e formal. O corpo de para o curso de teoria da arquitetura que o autor ensinava nos

conhecimentos concomitantes era objeto de “trabalho de departamentos de arquitetura do VKHUTEMAS (Instituto

laboratório”. Como explicava Guinzbourg em 1927: Técnico Artístico de Moscou) e MTVU (Escola Técnica
19
“Metodologicamente, para submeter tudo à avaliação, o Superior de Moscou)”.

construtivismo recorre a muitas outras disciplinas científicas e Assim os construtivistas ensinavam a projetar. Era

utiliza o método de laboratório, isolando uma reação, ou seja, como eles mesmos operavam o projeto e o padrão por meio

tomando um processo na sua integridade” – nos termos do qual as diferentes “investigações de laboratório” realizadas

atuais, um subsistema – “em isolamento temporal em relação por eles e por outros – em ciência da construção, em

aos outros, para obter as condições mais favoráveis de aspectos sociais, em psicologia visual, em desenvolvimento

análise”. 18 de linguagens formais, etc – eram organizadas dentro do

A exposição completa do método de trabalho dos processo de projeto de novos edifícios para catalisar o

arquitetos construtivistas foi divulgada no auge de sua processo de “construir o novo modo de vida”.

atividade, em fins de 1927, em um artigo que Guinzbourg Esse plano esquemático de cinco partes foi depois

publicou em sua revista Arquitetura Contemporânea (SA). publicado no Diagrama 2. (ver anexo). O Diagrama 1 (ver

Intitulado “O Construtivismo como método de laboratório e anexo) apresenta o desenvolvimento das idéias desse
18 19
Guinzbourg, Opus cit., pág. 160. Ibid., pág. 160.

48
esquema através dos primeiros escritos de Guinzbourg que estilista. Já os racionalistas russos do século XIX, usavam o

datam dos anos anteriores à publicação da SA, 1927 e 1926, adjetivo konstruktivnyi como um grande elogio sobre uma

da formação do grupo arquitetônico construtivista OSA, em arquitetura claramente “construída”. O verbo konstruirovat

fins de 1925 até o “manifesto original” de Guinzbourg sobre apresenta-se com muitas alternativas: “construir, desenhar,

arquitetura construtivista no livro Estilo e Época de 1924. formar, organizar” e os construtivistas eram Konstruktivisty.

Antes, em 1922 quando os primeiros artistas Estavam preocupados em como um arquiteto organiza ou

construtivistas como Alexei Gan e Alexander Rodchenko estrutura seu pensamento; como organiza o trabalho

formularam o perfil desse “artista-construtor” que aspiravam Também estavam muito interessados na stroitelstvo.

formar por meio das disciplinas que ensinavam no em todas as suas dimensões. Tanto para construção social

VKHUTEMAS, (ver em seguida), não estavam falando de um como para construção de um edifício a palavra russa é

khudozhnik-stroitel – um artista construtor, um herdeiro da stroitelstvo, produzidos num espaço e um tempo reais; o

tradição de Artes e Ofícios. Pensavam em um khudozhnik- stroitel é o construtor de um sitio real com as botas cheias de

konstruktor - um artista desenhista. O konstruktor é um barro. “Construção social”, nesse sentido pode ser um

especialista, um desenhista altamente qualificado na indústria, conceito estranho para nós, mas esta compreensão da

na engenharia ou na eletrônica, enfim quem projeta, concebe. expressão (construção social) ilumina a forma pela qual o

Para ele, dizainer seria insultante, como considerá-lo um pensamento soviético enfoca as possibilidades nessa área.

49
Como soviéticos leais, a construção social, e em particular a O Construtivismo

“construção do socialismo”, eram a razão de ser, Alexei Gan desenvolveu esses temas mais

inquestionável, de seu trabalho. A construção material é o integralmente em seu livro de 1922, Construtivismo, com os

meio físico pelo qual a arquitetura pode existir; o materialista, pontos de vista radicais do Primeiro Grupo Operativo, sobre a

em particular, deve ter sempre em conta os obstáculos e as “arte” no passado e no futuro.20 Constrói uma argumentação

possibilidades que oferecem todos os meios, mesmo que nos mais explicitamente marxista-materialista para fundamentar

problemas de konstruktsiia as escolhas se baseiem mais em seus pensamentos.

princípios filosóficos ou estéticos do que em princípios físicos. “A presente publicação é um livro de agitação com o

O princípio estético define as escolhas entre os sistemas qual os construtivistas começam a lutar contra os partidários

possíveis de construção formal. Os problemas filosóficos da da arte tradicional. Os inimigos são incapazes de

konstruktsiia são: o enfoque geral da tarefa de projetar; o compreender o “fato” que sua própria lógica marxista torna

ordenamento dos dados e a prioridade dos objetivos; os inevitável, de que não pode haver uma tradição evolutiva

métodos de síntese e os critérios de avaliação. pacífica no conceito de arte na Rússia se houve uma

Revolução violenta em sua política”.

Os artistas que trabalharam “deste lado do outubro de

] 1919”, diz Gan, “não deveriam pensar, pintar e interpretar a


20
Alexei Gan, Konstruktivizm, Tver, 1922.

50
realidade. Deveriam construí-la praticamente e expressar os No “sistema definitivo” de Gan encontramos nossa

objetivos planificados de uma classe operária nova e ativa... primeira indicação do que seria o “método”. Seus

que está cimentando a sociedade futura... com uma força componentes eram essas novas disciplinas sintéticas -

organizada de posse de um plano. O mestre da cor e da linha, tektonica, faktura e konstruktsiia - agora com definições mais

ou aquele que combina sólidos volumétricos - espaciais..., completas.

todos devem se tornar construtivistas”.21 Mas isso também Com a tektonica como sua primeira disciplina, os

significava organização.“ Para produzir teóricos e práticos do Construtivistas pretendem suprimir a ignorância e a tirania que

construtivismo que estejam qualificados, no sentido marxista”, exerceram arquitetos e construtores no capitalismo. A

adverte,” é essencial canalizar [nosso] trabalho em um tektonica, o estilo tectônico emerge “organicamente” e está

sistema definitivo; criar disciplinas através das quais possa ser formado por uma parte das características do próprio

dirigido todo o trabalho experimental dos construtivistas”.22 comunismo e por outra parte pela utilização apropriada do

Todos os construtivistas trabalharam como professores, material industrial. A palavra tectônica foi tirada da geologia,

especialmente no novo VKHUTEMAS e “a formação de onde significa violentas reestruturações provenientes do

construtivistas qualificados” – de construtores-artistas – se centro da terra. Tektonica é sinônimo de organicidade, de uma

converteu no objetivo de seus programas de estudo. “erupção da essência interior”.

21
Ibid págs. 20; 53.
22
Ibid., pág. 55.

51
A Tektonica deve levar o construtivista, na prática, a “como meramente o manejo de uma superfície”. No exemplo

uma síntese do novo conteúdo com novas formas. O do ferro fundido, implica “o caráter de todo o processo”, ou

construtivista deve ser uma pessoa educada no marxismo, seja, fundir, coar e tornear, “pelo qual se converte em um

que eliminou de sua vida todos os vestígios da “arte” e que objeto. Enquanto “uso apropriado do material” a faktura

começou a progredir no conhecimento do material industrial. A “significa a seleção e processamento a partir da matéria

tektonica é a estrela que o guia, o cérebro de sua atividade prima”. Também, “mais especificamente, a faktura é a

experimental e prática. “Construtivismo sem tektonica é como condição orgânica do material processado ou a nova condição

pintura sem cor”.23 Dos três conceitos talvez este seja o mais de seu organismo”. “É o material, conscientemente escolhido

obscuro: a frase final que parece criar essa obscuridade, na e apropriadamente utilizado de uma maneira, que não limita a

realidade nos oferece a chave. Todo ato profissional do tektonica nem obstrui a konstruktsiia.” 24

construtivista deve estar contido, ou formado, pela À luz do que foi dito anteriormente, deveria ficar claro o

compreensão de que uma violenta reestruturação das significado da konstruktsiia nas palavras de Gan:

relações subjacentes modificou profundamente a forma em “A konstruktsiia deve ser compreendida como a reunião

que a indústria modela e distribui o material no espaço. e ordenamento enquanto função dentro do construtivismo”.

A faktura é mais simples. Esta palavra enfaticamente Enquanto a tektonica implica uma interconexão do ideológico

“não deve ser compreendida do ponto de vista do pintor”, e do formal e como resultado produz uma unidade de
23 24
Ibid., pág. 61. Ibid., págs. 61e 62.

52
concepção, e a faktura leva em conta o Estado do material, a estudos de formas geométricas similares do período de 1920-

konstruktsiia revela o processo real de união. 21, que são bem conhecidas.

“De modo que a terceira disciplina inclui dar forma ao Rodchenko escreveu: “Pensei estas últimas

conceito através do uso do material processado”. 25 construções espaciais com experimentos para fazer com que

Em resumo a konstruktsiia era o projeto, mas, até o desenhista (konstruktor) fique dominados pela lei da

aquele momento, essas novas disciplinas sintéticas em propriedade das formas aplicadas, para obrigá-lo a reunir

expansão ainda excluíam as ciências do espaço real. Ao essas formas de acordo com leis e também para mostrar seu

desafiar o “combinador de sólidos espaço-volumétricos” e o universalismo; como a partir de formas idênticas se pode

“mestre da cor e da linha” em que se tornaram construtivistas, reunir (konstruirovat) todas as construções possíveis de

Gan não sugeria que abandonassem aquelas habilidades. sistemas, tipos e aplicações diversas.”26 Aqui já encontramos

Pelo contrário. “Um sistema também deve ser trabalhado no “arte” conscientemente executada como trabalho de

campo da produção de formas”, e explicava como esse laboratório para projetar. As fotografias da época indicam que

sistema seria desenvolvido citando seu colega “o esses exercícios eram fundamentais nos ensinamentos de

construtivista Rodchenko”, “elucidando um de seus Rodchenko e de Stepanova. 27

experimentos em construtivismo espacial”. As obras à quais

se referia seriam momentos de seu “inventário espacial”, ou


26
Ibid., pág. 65.
25 27
Ibid., pág. 62. CL D. Elliou, comp., Alexander Rodchenko, Oxford, 1979, pág. 46.

53
Rodchenko e seus colegas mais próximos não levaram as fases de seu futuro desenvolvimento a partir do período de

essas idéias à arquitetura. Foram outros que avançaram ruínas atual”.29

nessa direção que Gan indicava inequivocamente. Ainda que vagamente, já está contida a idéia que logo

“O trabalho planificado sobre toda a área do território será central na arquitetura construtivista, de que a forma deve

urbano, de seus distritos particulares e também a solução acomodar-se ou responder à evolução social. Mas o mais

adequada na dimensão vertical, na tektonica de suas massas importante, é que Gan introduz a noção de que arquitetura

e volumes, na faktura de seus materiais e a konstruktsiia de influi ativamente sobre essa evolução por meio de sua

suas estruturas – estas são as tarefas básicas de nosso organização espacial.

construtivismo, que surge em novos campos da revolução Gan coloca a questão por meio da negação: “Enquanto

proletária e que está ativo e conscientemente lutando pelo ‘órgãos’ materiais, tecnológicos da sociedade, as cidades

comunismo”28, dizia Gan. Desenvolvendo seu “sistema capitalistas que herdamos são firmes aliadas da contra-

definido”, o objetivo primeiro dos construtivistas deve ser revolução. O comunismo soviético já advertiu que a cidade

“estabelecer um fundamento cientifico para a construção de capitalista não só não pode aceitar sequer as mais tímidas

edifícios e serviços que satisfaçam as exigências da cultura medidas de organização revolucionária, mais ainda, se opõe

comunista em seu Estado de transição, considerando todas obstinadamente a essa organização. Seus pequenos e

estranhos edifícios foram totalmente incapazes de satisfazer


28 29
Gan, Opus cit, pág. 64. Ibid., pág. 53

54
as necessidades operativas das diversas organizações positivo. Nos anos seguintes, essa concepção da arquitetura

soviéticas. Estão muito amontoados, assim como as ruas e seria motivação central dos arquitetos construtivistas, ao

praças que herdamos não cumprem as condições espaciais mesmo tempo em que perseguiam, com maior profundidade

que necessitamos para os desfiles e assembléias das grandes as implicações de outra intenção de Gan, “desenvolver um

massas”.30 sistema para formar objetos em geral”.32

“Devemos organizar a consciência humana”, declara. Estilo e Época

“Devemos forçar os grupos revolucionários ativos e as Estilo e Época foi uma obra fundamental para todo o

massas trabalhadoras para que vejam essa deformidade, que desenvolvimento do pensamento construtivista em arquitetura.

vejam tão claramente, como vêm uma inadequação quando Também traz um importante ponto de comparação com o

uma reorganização leva uma desordem às suas próprias pensamento ocidental, em particular com o de Le Corbusier,

casas.”31 A implicação lógica está presente aqui, ainda que que para os Soviets sempre ocupou o primeiro plano.

Gan não a desenvolva: se um entorno inadequado pode A partir das observações iniciais sobre a honestidade

obstruir a mudança social, um entorno adequado pode da forma dos silos para grãos, os automóveis e os aviões,

propiciá-lo. Se a organização espacial pode ser um Guinzbourg construiu uma pequena e consistente obra teórica

catalisador negativo, também pode ser um catalisador marxista que faz com que Vers une architecture pareça uma

peça superficial de jornalismo. Ainda que Le Corbusier, um


30
Ibid., pág. 63
31 32
Ibid., pág. 63 Ibid., pág. 63

55
pouco mais tarde, tenha feito muitos comentários sobre a

arquitetura histórica, nunca chegou a reuni-los em uma teoria

do desenvolvimento geral das arquiteturas. Gan havia

insistido em que “A teoria do materialismo histórico, com a

qual os construtivistas estão assimilando a história em geral e

as leis básicas da sociedade, deve servir-lhes, igualmente,

como um método para estudar a história da arte, para

desenvolver uma

ciência da história de seu desenvolvimento formal”.33

Capa original Estilo e Época

33
Gan,Opus cit, pág. 54.

56
Guinzbourg produziu, nessa obra, a primeira análise para o pensamento arquitetônico em todo o mundo, não há

dessa arquitetura a partir de sua formação politécnica, era o dúvida de que a obra de Guinzbourg é mais útil e reflexiva e,

protótipo de sua própria visão do arquiteto. Seu mestre nesse sentido, serviu mais à prática da arquitetura. Para

Alexander Kuznetsov afirmara no último Congresso de aqueles que pesquisavam as implicações do construtivismo

Arquitetos Russo antes da guerra, uma década antes do livro, para a arquitetura, trouxe tanto uma legitimidade histórica

sobre esse tema, que “O arquiteto segundo a definição do como um ponto de partida operativo para sua aproximação

congresso de Londres é um artista com uma educação com o projeto de edifícios.35

científica”.34 Insistindo, como Guinzbourg fazia, em que a Para Le Corbusier o “estilo” nunca foi muito mais que

criação arquitetônica é um processo monístico e uma um atributo dos artefatos. Para Guinzbourg era “uma espécie

atividade diferenciada (ainda que nela se sintetizem de regularidade, uma semelhança através da conformidade

elementos de muitas outras) percebeu que só aqueles cuja das mesmas leis”36 que inexoravelmente caracteriza cada

preocupação central era a arquitetura, podiam construir uma ramo e produto da vida de um período histórico. “Só pode ser

ligação com uma engenharia que lhe resultava útil. Ainda que identificado através de uma compreensão íntima das

as circunstâncias tenham convertido o livro fundamentalmente

romântico de Le Corbusier em uma inspiração fundamental

35
Ver Cook, Catherine, in Construtivismo Ruso Ed. Del Serbal, Barcelona, Espanha, 1994
34 pgs. 54, 55.
A.V. Kuznetsov, «Arkhitektura i zhelezobeton», Zodchii, 1915, n° 19-20; versão de um
36
discurso no 5° Congresso de Arquitetos Russos, Moscou, 1913. Guinzbourg, Opus cit. pág. 13.

57
‘particularidades sociais, econômicas e nacionais’ assim como econômica exigia o máximo possível de economia do material

de seu ‘ambiente artístico”.37 e uma maximização do trabalho construtivo que integravam os

Guinzbourg chamou à primeira fase de um ciclo elementos em jogo. Mas também sucedia que os princípios

arquitetônico típico de konstruktivni ou em português, nos quais cada ramo da vida contemporânea estava

construtiva. Em uma fase construtiva, diz Guinzbourg, se dão organizado, ou mais precisamente aspirava estar organizada,

respostas, sem pré-julgamentos, à massa do que são, eram precisamente os que se ligavam por excelência à

axiomaticamente, novos problemas sociais e técnicos. Nesses máquina: os princípios de honestidade. Sensibilidade

períodos, a tarefa principal em cada campo do desenho é estrutural, objetividade, organização precisa e assim,

“idear os tipos plásticos característicos para a época” e a economia de todos os meios. Segundo Guinzbourg: ”A

coincidência atual das revoluções social e técnica fez com que essência da máquina que está começando a ter um papel

seu próprio tempo tenha sido, indubitavelmente, construtivo. 38 psicológico tão excepcional em nossas vidas, consiste na nua

Nesses períodos, “o novo estilo sempre será esteticamente construtividade de seus organismos e componentes... A

forte e organicamente lógico”.39 Sem dúvida, nesse primeiro máquina é criatividade em seu grau máximo de organização,

período soviético, Guinzbourg percebeu fatores que o a maior clareza e poder na formação da idéia criadora... Na

tornavam “duplamente construtivo”. A excepcional dificuldade máquina não pode haver nada supérfluo, acidental,

37
Ibid., págs. 13-20. ‘decorativo’, e não há como esquecer a história da arquitetura:
38
Ibid, págs. 78, 73-89, 121.
39
Ibid., pág. 121.

58
“Em essência encontramos na máquina, sobretudo a arquitetura”41. “Como estabelecer uma ligação entre estes

expressão mais clara desse ideal de criatividade harmoniosa conjuntos contemporâneos e os monumentos arquitetônicos,

que há tempos formulou o primeiro teórico italiano, Alberti”40. uma vez que nos demos conta de que isto só é possível por

Nesse sentido á máquina foi o símbolo de sua época. Como meio dos princípios de criatividade e não pelas formas

poderia, então, o estilo arquitetônico correto da jovem União atuais?”42 concluindo que a máquina era em princípio um

Soviética ser outro que não o construtivismo? modelo apropriado para a organização de todo conjunto

Esse argumento seria a fonte original da autoconfiança funcionalmente interconectado de atividades especializadas e

que tinham os arquitetos construtivistas. Dava-lhes a diversas, tanto dinâmicas com estáticas. Aqui aparece um

convicção de que sua posição era historicamente “correta”: conceito metodológico muito sofisticado que deixa a simples

uma convicção bastante forte, quase como aquela que imagem da casa de Le Corbusier como “máquina de morar”

motivava seus líderes políticos. As características particulares no terreno dos aforismos.

e protótipos de métodos de organização modernos lhes A partir dessa idéia geral da máquina como um

davam o ponto de partida para seu método de desenho. protótipo organizativo, Guinzbourg desenvolveu uma analogia

Enquanto formas, dizia Guinzbourg em Estilo e Época, de dois estágios. O primeiro era uma analogia entre a

“nem a estrutura de engenharia, nem a máquina, nos dão uma máquina e a fábrica que “É um coletivo de máquinas;...todas

solução espacial expressiva que constitui a marca distintiva da


41
Ibid., pág. 131
40 42
Ibid., pág. 93. Ibid., págs. 128-9.

59
unidas pela desejável necessidade assim como estão as foram geradas organizadamente e muito independentemente,

partes de cada máquina individualmente...e ao mesmo tempo mesmo que reflitam a mesma contemporaneidade através de

também é uma, ”morada” para máquinas e não suas próprias e peculiares características, também aqui, da

fundamentalmente para pessoas, mas de uma forma que a mesma maneira, é questão de construirmos uma analogia.”
45
converte em um objeto arquitetônico, com todas as suas A partir da analogia básica estabelecida em Estilo e Época,

conexões espaciais” 43 Guinzbourg e seus colegas desenvolveram conceitos e

“A arquitetura industrial” portanto, “serve como vínculo de procedimentos centrais de seu método de desenho.

conexão... mas as fábricas e os silos podem não podem ser o A Sociedade de Arquitetura de Moscou (ASNOVA)46

único conteúdo da moderna arquitetura.”44 tornara-se inadequada como plataforma para expor idéias

De modo que, em segundo lugar: “Precisamente assim como estéticas novas. Também era dominante sua opinião exposta

estabelecemos uma analogia entre a máquina e o edifício em Arquitetura, em 1923, de que a arquitetura não podia

industrial, pode-se estabelecer uma analogia entre o edifício servir à sociedade até que estivessem cristalizadas formas

industrial e a arquitetura da casa ou do edifício comunitário. sociais claras a partir do momento de transição por qual

Precisamente assim como o edifício industrial não é imitação passavam. O trabalho psico - formal de Nikolai Ladovski, e

consciente de uma máquina, porque compreende formas que seus colegas da ASNOVA, diziam os construtivistas, “Só

45
Ibid., pág. 134.
43 46
Ibid., pág. 132 ASNOVA Associação dos Novos Arquitetos, fundada em 1923, Muitos membros da OSA
44
Ibid., pág. 133. saíram de suas fileiras.

60
poderia adquirir uma base materialista genuinamente transição da pesquisa de formas expressivas às buscas mais

científica, se deixasse claro quais os problemas reais da obra complexas de um conteúdo novo para a arquitetura e o

teórica que encarava… e se os métodos que se aplicavam urbanismo. Nessa pesquisa, como em qualquer realização

para resolver as tarefas eram fundamentalmente do arquiteto, que foi sua conseqüência, o papel principal foi interpretado

de que modo podiam colocá-los na prática na obra do por um grupo de arquitetos (Guinzbourg e os irmãos Vesnin

arquiteto de hoje com organizador de uma construção. “47 inicialmente, com muitas e importantes adesões posteriores)

Novo modo de vida e nova arquitetura recém criado: a Associação dos Arquitetos Contemporâneos,

Foi essa busca de um “novo modo de vida”, a Obchtchestvo Sovremennykh Arkhitectorov - OSA. Primeiro

aspiração a uma vida nova e as tentativas concretas de formaram o grupo, em seguida deram início a uma publicação

reconstrução que serão as características essenciais dos da revista SA (Sovremennaya Arkhitektura - Arquitetura

anos 1925-1932. Para muitos arquitetos não se tratava mais Contemporânea).

de inventar uma arquitetura-manifesto, de criar formas que

experimentassem idéias, mas sim de inventar e criar o

invólucro de um novo modo de vida que fosse como sua

imagem e que, ao mesmo tempo, contribuísse para criá-lo.

Assim, o período de 1925 até 1932 foram os anos de


47
SA "ASNOVA, 1926, n° 2, pág. 59.

61
A faculdade de arquitetura do VKHUTEMAS 3. Estúdios Livres do Estado, criados a partir de 1918.

Os professores N. Ladovski48 e A. Dokoutchaïev são os O Instituto mantinha relações com a maioria dos grupos

artesãos infatigáveis da renovação do ensino de arquitetura e artísticos e culturais, a destacar o Comissariado do Povo para

não é exagero dizer que eles o revolucionaram, introduzindo a Educação (IZO) e o Instituto da Cultura Artística (INHOUK).

métodos que, ainda hoje, são essenciais para o ensino das Controvérsias a respeito da orientação pedagógica surgiram

escolas de arquitetura dos Estados Unidos, fundadas sobre os no âmago da escola e estouraram em 1924 contra a “reação

princípios da BAUHAUS e também em parte adaptados pela artística que tinha retomado vigor no interior do

Hoshchule für Gestalt de Ulm. A faculdade de arquitetura do VKHUTEMAS”, confronto, a rigor, entre os produtivistas e os

VKHUTEMAS (Instituto Técnico Artístico de Moscou) foi formalistas, a contradição entre forma e objeto firmava-se,

criada em 1920. O Instituto é uma unificação de três escolas mas desconectada das questões inerentes entre planificação

pré-existentes: e produção artística e arquitetura. O empirismo produtivista

1. Escola de Arquitetura de Moscou, uma academia que não bastava para estabelecer uma condução política e social

existia desde 1865 que sintetizasse as relações entre objeto-casa-cidade e plano

2. Seção de Arquitetura da Escola de Pintura e Escultura, econômico e social.

fundada em 1918 O Instituto, contudo, contribuiu de uma forma positiva

para a formação de artistas e para a discussão de vários


48
Autor do primeiro projeto de uma “comuna de habitação” com pátio - morada central
cercado de ambientes com formas diferentes e diversos níveis.

62
problemas destacados a partir da arquitetura e em seguida O curso fundamental oferecia uma formação que se

pelo urbanismo. A crítica dos meios tradicionais e estendia por diversos domínios complementares como:

principalmente a supressão da dualidade artificiosa arquiteto- sociologia, política, físico-química, matemática e geometria, e

engenheiro contribuíram para desenvolver uma problemática principalmente uma formação de desenho e suas técnicas,

mais adequada para o construir. A preocupação didática de uma iniciação ao domínio dos materiais. O curso de

fazer com que seus estudantes absorvessem uma prática de arquitetura estendia as cadeiras político-sociais ao mesmo

canteiro, constituíram um enorme avanço sobre o passado. O tempo em que aprofundava os estudos sobre a tecnologia e

ensino sociológico e político também contribuíram para os materiais. A se destacar que o curso compreendia estudos

ampliar o campo de visão dos alunos, incorporando a precisão sobre urbanismo, o que era raro na época. Pesquisava-se as

econômica ao fazer artístico e cultural coerente. A formação questões do ambiente, das influências da forma arquitetônica

dispensada nos cursos estribava-se em : sobre o psíquico. Perseguia-se o saber nas questões relativas

1. Um curso fundamental de dois anos, no sentido de a organização econômica e a padronização na produção da

formar construtores e técnicos em edificação. arquitetura. Por fim as pesquisas no domínio das

2. Um curso voltado para arquitetura de três anos que metodologias pedagógicas da arquitetura constituíam-se por

buscava formar arquitetos - artistas. si só num terceiro setor de investigação na escola. Encontra-

3. Uma área de pesquisas. se nas preocupações e abordagens pedagógicas do

63
VKHUTEMAS, e mesmo em suas realizações, paralelos e métodos da BAUHAUS, também aberta em 1919, são

pontos comuns com a BAUHAUS, tendo efetivamente evidentes: criação de um ensino comum introdutório para

ocorrido um certo intercâmbio entre a vanguarda européia e todas as disciplinas artísticas; curso concebido não como um

os arquitetos soviéticos nos anos 20. As experiências ensino didático, mas como uma série de experiências que

conduzidas pelos arquitetos e urbanistas nos países orientavam o aluno para a pesquisa pessoal e a descoberta,

capitalistas industrializados, tiveram repercussões sobre as rejeitando totalmente o academismo e suas receitas;

idéias de seus confrades na URSS, não se deve subestimar tendência marcante para uma síntese das artes; abandono da

esta questão, mas se o “L’Éspirit Nouveau” na França, o “Stijl” pintura de cavalete em proveito de meios de expressão

na Holanda e a BAUHAUS na Alemanha, marcaram os integrados à arquitetura, etc. Mas a BAUHAUS instituiu-se

arquitetos contemporâneos soviéticos, a influência destes definitivamente como uma escola de artes aplicadas adaptada

últimos sobre todos esses grupos não foi menos importante. à era industrial e o ensino de arquitetura só foi introduzido ali,

Resultado da fusão em um só organismo de diferentes em 1927, por Hannes Meyer nomeado como professor de

estabelecimentos que, até a revolução, ensinavam arquitetura arquitetura pelo diretor da BAUHAUS, Walter Gropius. No

em Moscou, segundo os métodos tradicionais baseados sobre VKHUTEMAS a arquitetura era ensinada desde 1920. Nesse

a cópia do antigo e a habilidade do traçado que resultava em ensino, os métodos psicotécnicos denunciados como

claro-escuro, suas semelhanças, particularmente, com os “idealistas” pelos críticos da ASNOVA têm um papel quase

64
essencial. Como na BAUHAUS, os alunos são incentivados a Diante do entusiasmo da implantação desses métodos,

estudar o papel da cor, dos volumes, das texturas etc, e então inteiramente novos, alguns imaginaram um sistema no

estudar os fenômenos ligados à visão e à percepção. Escola e qual seria possível provocar voluntariamente uma ou outra

academia livre ao mesmo tempo, o Instituto mantém estúdios emoção pelo uso racional do vocabulário formal da

dos melhores artistas modernos e é freqüentado por cerca de arquitetura. Mas não é menos verdade que o VKHUTEMAS

4.000 estudantes nos cursos de arquitetura, artes gráficas e será uma das duas únicas escolas de arte do mundo fundada

tipografia, escultura, obras de madeira e metal, obras têxteis e sobre métodos de ensino novos e a única a ensinar uma nova

pintura. Em 1924 é reorganizada, conforme explicitado acima, arquitetura, até a abertura da seção de arquitetura da

com a implantação de um “ensino fundamental” dividida em BAUHAUS, em 1927.

dois cursos: um para o estudo da “disciplina do espaço e seus Os Arquitetos

problemas abstratos”, obrigatório para todas as oito áreas de Foi sem dúvida nenhuma Kasimir Melnikov que, de

concentração de conhecimento da escola e outro todos os membros da ASNOVA, desempenhou o papel mais

exclusivamente orientado para as questões essenciais da importante na prática arquitetônica dos anos 20. Pouco afeito

criação arquitetônica. Este método de ensino foi em seguida a teorias, Melnikov foi antes de tudo um realizador que

adotado e desenvolvido no âmbito da BAUHAUS. preferiu a realidade do canteiro de obras em vez de

manifestos e posições doutrinárias. E foi na sua série de

65
realizações cuja amplitude surpreende para a época, que ele transformar em movimento a estaticidade espacial rompendo

expressou sua concepção de arquitetura. Essa concepção o pequeno volume através de perspectivas em diagonal,

refletia a doutrina da ASNOVA despindo-a da rigidez própria

de toda a teoria arquitetônica não realizada. A obra construída

de Melnikov foi o resultado lógico do novo romantismo

arquitetônico que, através das formas novas que se queriam

industriais, tentaram exprimir o dinamismo da revolução. O

reconhecimento por parte da Europa da nova arquitetura

soviética ocorreu na Exposição de Artes Decorativas de Paris

(1925), onde o pavilhão soviético, de linguagem construtivista,

obteve um Grande Prêmio, competindo com a arquitetura

internacional de então.
Kasimir Melnikov - Projeto do Pavilhão Soviético Paris, 1925
A obra premiada, uma pequena estrutura provisória,

projeto de Melnikov, então no grupo ASNOVA, evita toda inesperadas, para isso contribuíram os jogos de escada, a

retórica excessiva e inútil. É atingida a intenção do autor de estrutura leve de madeira e as cores puras.

66
A construção comprova não só a capacidade do “Tratava-se de pesquisas que deviam abordar um novo

arquiteto, mas um amadurecimento e uma cristalização das tipo de edifício público, relações sociais de novo tipo,

idéias do grupo, então se distanciando das simplificações e pesquisas sem tradição, sem programa claro. O tema do

dos esquemas declaratórios originais.

Melnikov é célebre, sobretudo, por seus “clubes

operários”. Entre 1927 e 1929 ele desenvolveu sete projetos

de clubes, dos quais seis foram efetivamente realizados num

período de 10 anos, o que era um desempenho

impressionante para uma época na qual do projeto ao

realizado se demandava muito tempo. Nos clubes afirmava a

síntese entre as formas novas com os programas novos.

O papel influente de Melnikov na definição desses Projeto de Melnikov, clube Burevestnik, Moscou

programas negam as afirmações dos que querem ver nos clube, essencial na época, vinha imediatamente após a

membros da ASNOVA somente formalistas inveterados. Os questão da habitação. Se escreveu muito a respeito dos

programas e suas características inovadoras: clubes , em particular sobre aqueles de Melnikov. Eles

excitavam a imaginação. Melnikov procurou as múltiplas

67
variantes possíveis desse tema sem se prender a nenhuma salas pomposas e mortificantes edificadas mais tarde, à

delas. Não canonizou nenhuma, recomeçou sempre quase do época do realismo socialista. Por meio de suas pesquisas de

início.“49 As pesquisas de Melnikov trazem mais contribuições um novo tipo de edifício público, Melnikov mostrou que ele

sobre o aspecto funcional do que sobre o resultado plástico não era um formalista, mas ao contrário, um arquiteto cuja

dessas funções. Ele introduziu nesses edifícios os princípios obra, como toda obra de arquitetura, é um esforço de síntese

dos espaços mutáveis, as salas de dimensões variáveis, entre a pesquisa formal e o conteúdo novo. Esse conteúdo

segundo o uso, que são definidas no plano livre e flexível, novo é o “catalisador social”, depois, no olhar dos arquitetos

considerando que a função do clube está em perpétua da OSA, o “condensador social”. Os clubes operários seriam

evolução e modificação. E se é verdade que Melnikov lugares de criação e difusão da nova cultura, der novos

mantinha a tradição do romantismo arquitetônico dos hábitos e comportamentos, enfim o ambiente onde se

primeiros anos da Revolução, se é verdade que em seus gestariam as novas relações sociais da humanidade,

edifícios, pelo jogo de planos e volumes ele procura exprimir o majoritariamente proletária.

movimento e a febre revolucionária, deve-se apreender mais A ASNOVA era essencialmente um grupo que lutava

do que a expressão plástica nesses clubes que, hoje, se contra as sobrevivências do antigo e contra aquilo que, para

encontram ainda adequados às suas funções, mais do que as ela, representava um desvio esquerdista, tratava-se de uma

organização menos doutrinária, menos unida no plano das


49 o
Sovetskaïa Arkhitektura, 1966, n 8

68
idéias em virtude da diversidade de sua composição. O que Finalmente, se a OSA considerava a arquitetura nova da

unia seus membros era a consciência que eles tinham de URSS como inseparável do contexto do país, ela não se

serem os “novos arquitetos”. O único membro da ASNOVA interessava menos pelas realizações estrangeiras. Assim, a

que foi verdadeiramente um realizador, K. Melnikov, era mais revista SA conta entre seus colaboradores com os mais

uma individualidade brilhante do que um representante de ilustres arquitetos europeus: Victor Bourgeois (Bruxelas),

uma tendência. Ele, como Lissitsky, Ladovski e outros, fazem Walter Gropius, Hannes Meyer e Mies van der Rohe (da

com que a história da arquitetura moderna na URSS, a partir BAUHAUS de Dessau), André Luçart e Robert Mellet Stevens

de 1926, se confunda cada vez mais com a história da OSA. (Paris). A revista publicava numerosos artigos consagrados a

Na OSA e entre os membros do comitê de redação da SA, Le Corbusier com o qual M. Guinzbourg manteve sempre

encontramos todos aqueles que tornaram o empenho pela contato, mesmo que sobre as questões relativas ao

renovação da arquitetura inseparável das questões do urbanismo eles estivessem em total desacordo. (1931 -

socialismo na URSS. A OSA, contrariamente a outros grupos correspondência trocada por ambos e publicada na SA).

culturais, não recrutava seus membros somente em Moscou. Esses arquitetos de um novo tipo eram também militantes da

Teve importantes membros em Leningrado, Kiev e nas arquitetura e polemistas, o que não era admitido numa

longínquas províncias na Sibéria, os quais escreviam profissão cujas regras fraternais de adesão ao meio

periodicamente sobre suas opiniões sobre a ação da OSA. interditavam toda crítica. Nas páginas de SA eles

69
denunciavam violentamente a sobrevivência de uma respondem passivamente às demandas, porque era a

arquitetura que eles consideravam condenada pela história. passividade do arquiteto uma das causas dos absurdos

Desde o primeiro número de SA, em 1926, a polêmica se arquitetônicos denunciados pelo grupo OSA. O arquiteto na

engajou, promoveram enquetes, pesquisas e questionários, sociedade nova não era um simples executor, o “colocador

consultando os colegas soviéticos e os mestres estrangeiros na fôrma” de antes. Não mais satisfazendo uma encomenda

sobre temas da produção tectônica e situações sócias, enfim individual, e sim uma encomenda social, ele devia participar

agitaram. Assim aparecia na URSS um novo tipo de arquiteto de todas as etapas da elaboração, tomar parte enquanto

como o mundo jamais havia visto; um arquiteto que se sentia arquiteto e enquanto cidadão da gestação complexa de um

encarregado de uma missão que avançava as fronteiras do mundo novo. Essa nova definição da missão do arquiteto é M.

trabalho comum do arquiteto, tal como hoje ela é definida pela Guinzbourg que a exprimiu na primeira conferência da OSA,

maioria das associações de arquitetos, na maior parte dos em 1928.

países. Essa missão era concebida como a participação na “Eu desejo mostrar como nós abordamos o problema

obra comum da qual Outubro de 17 foi a primeira pedra: a da META50 (da criação arquitetônica). Pode-se responder que

transformação da sociedade. Nada de tecnocracia na sua a meta sempre existiu, que cada arquiteto persegue sua meta,

atitude. Eles não pretendiam pensar no lugar dos é certo. Mas para os construtivistas a meta se define em

governantes, mas pensavam mais do que arquitetos que


50
Leia-se incluído na noção de META, OBJETIVO, PROGRAMA, INTENÇÃO, nota do texto
original

70
função de critérios inteiramente diferentes. Se para os velhos EXECUÇÃO DE UMA ENCOMENDA ENQUANTO TAL, MAS

arquitetos, a meta é o encomenda que lhe é confiada e, para SIM O TRABALHO COMUM COM O PROLETARIADO, A

ele, trata-se de lhe dar uma forma, para nós, a meta é destruir PARTICIPAÇÃO NA EMPREITADA DA EDIFICAÇÃO DE

até a raiz as concepções antigas habitualmente codificadas UMA NOVA VIDA, DE UM NOVO MODO DE VIDA”.51

pelo programa que fixa os limites até onde o arquiteto pode Para definir a doutrina fundamental da OSA, usar como

exercer sua atividade criativa. Um exemplo: a habitação do referência a resolução consagrada aos problemas ideológicos

trabalhador. A meta parece bastante clara. Mas a sua adotados em sua primeira (e última) conferência realizada em

concepção elementar, que é a da maioria dos arquitetos, tem Moscou em 25 de abril de 1928:

o efeito de abordar os problemas da habitação do proletário “A primeira conferência da Associação dos arquitetos
Contemporâneos reafirma sua unidade profunda e adota a posição
da mesma maneira que é abordado o apartamento burguês.
ideológica do programa de trabalho do construtivismo em arquitetura. A
Tal procedimento se resume em diminuir o tamanho dos conferência estima que para fazer entrarem na vida os novos valores
materiais e artísticos da cultura de classe da sociedade que constrói o
espaços. Os construtivistas abordam o problema tendo em
socialismo e para obter uma orientação mais metódica do trabalho
conta as diferenças, as mudanças que se produzem nos empregado nesse sentido, é indispensável uma escola fundada sob os
princípios ideológicos sólidos e sobre bases científicas.
hábitos que resultam do nosso modo de vida e criam
A conferência reconhece esta escola no construtivismo. (...) Nós
premissas de um novo tipo de habitação completamente novo. nos opomos aos tipos arquitetônicos pré revolucionários: o imóvel de
temporada; o hotel particular; a assembléia da nobreza, etc que resultam
ISSO QUER DIZER QUE, PARA NÓS, A META NÃO É A
51 o
SA, 1928, n 5, Destaques em maiúsculas, no original, mantidos.

71
das condições sociais, técnicas e econômicas de antes da revolução, mas 5. Os trabalhos executados no “novo estilo” que utilizam os elementos da
que, até nossos dias servem de modelos à arquitetura que se edifica na nova arquitetura como elementos de “contemporanização” e de
URSS. Afirmamos novos tipos de habitação comunitária, um novo tipo de embelezamento dos edifícios fundamentalmente antigos na sua
clube, de comitê executivo, de fábricas novas etc, que devem mudar o concepção.
quadro da vida. Eles são o CONDENSADOR DA CULTURA SOCIALISTA. A todos eles nós opomos, o desenvolvimento orgânico da arquitetura
Á utilização passiva dos materiais, das técnicas e dos meios de soviética que nasce da particularidade específica da nova estrutura social
construir obras antigas e arcaicas nascidas num contexto sócio-econômico e os meios tecnicamente perfeitos da produção industrial
que para nós hoje está morto, que eram resultado da nossa miséria Quanto aos problemas de influência sobre os usuários (influência
material e da obtusidade de nossas vistas, que freavam o ritmo da ideológica, emocional, etc. da arquitetura) nós os resolvemos, não por
qualidade do desenvolvimento de uma nova cultura socialista, nós opomos meio de elementos decorativos sobrepostos, mas:
a luta obstinada contra nossa subjugação, a familiarização ativa e 1. Pela criação de uma tipologia nova, pela atenção dada à satisfação de
científica com todas as aquisições da técnica mundial no domínio dos todas as funções da vida social e pela unidade de todo organismo
materiais mais recentes, os métodos construtivos, a mecanização, a arquitetônico.
estandardização da construção e sua introdução planificada, considerando 2. Pela qualidade máxima encontrada em todos os elementos e partes,
as particularidades específicas da URSS na nossa prática construtiva. sem exceção, do edifício em função de sua destinação social e
No plano das formas nós rejeitamos categoricamente: técnica.
1. A ignorância dos construtores e dos engenheiros, estranhos aos 3. Pela utilização de todas as particularidades específicas das
problemas da qualidade artística da arquitetura. superfícies, volumes, relações dos espaços, escala textura, cor, etc,
2. O ecletismo sem princípio dos “embelezadores” da arquitetura, que considerando os diversos aspectos não isoladamente, mas ligados
vestem com igual sucesso não importa qual conteúdo social nas entre si nas relações eternamente em mudança dos objetivos
roupas do prêt-à-porter dos estilo do passado. perseguidos, como das possibilidades concretas de realização.
3. As pesquisas abstratas em direção às novas formas, destacadas de Aos trabalhos de todo um conjunto de arquitetos, nas diversas repúblicas
toda a função social, que tornam indiferentes as possibilidades reais nacionais na União Soviética, que se ligam a uma tentativa de ressurreição
de realização. dos estilos nacionais da antiga cultura burguesa, nos opomos a pesquisa
4. O diletantismo primitivista que tenta simbolizar, por meio de uma de uma arquitetura social nova que levará em conta as particularidades
arquitetura decorativa, tal ou qual concepção ideológica. nacionais, de modo de vida, clima, técnicas e econômicas de cada

72
república, levando em conta a modificação radical das relações de classe x Pesquisa de uma plástica arquitetônica fundada sobre a
existentes anteriormente.
expressão da construção e sobre a “verdade construtiva”
No que concerne à nova arquitetura do Ocidente, nós notamos os
elementos de CONVERGÊNCIA com o nosso trabalho nas obras dos da obra.
arquitetos mais progressistas do oeste, lá onde encontramos os avanços
mais destacados da ciência mundial e dos meios técnicos modernos no
x Atitude racionalista e funcionalista diante dos programas
domínio da construção. E uma DIVERGÊNCIA ABSOLUTA no plano da propostos e tentativa de introdução de métodos científicos
arquitetura que revela a diferença entre o modo de vida da sociedade
burguesa do ocidente capitalista e as relações sociais e os novos modo de num âmbito onde a subjetividade reinava sem
vida do país do proletariado construindo o socialismo.
contestação.
ABAIXO AS ESPECULAÇÕES ARTÍSTICAS DOS ESQUERDISTAS E
DIREITISTAS. E sobretudo
ABAIXO O DILETANTISMO E O AMADORISMO DOS DOMÍNIOS DA
ARTE...
x Concepção nova do programa (meta-objeto) da
VIVA A ESCOLA MATERIALISTA DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA: O
arquitetura como de seu papel. Não se tratava mais
52
CONSTRUTIVISMO!“
Pode-se sintetizar a doutrina dos construtivistas nos simplesmente de executar uma encomenda, mas de

seguintes pontos: participar, enquanto homem político responsável e

cidadão, da elaboração de programas concebidos


x Atenção aos problemas construtivos tendo em conta a
como o quadro da vida nova, concebidos como “os
situação particular da URSS (de então) nesse aspecto.
novos condensadores sociais” dessa sociedade.

52
La arquitectura del siglo XX-Textos. Documentación/Debates, 1974 Madrid, págs. 239,
243. Destaques em maiúsculas, no original, mantidos.

73
Na doutrina dos construtivistas, membros da OSA, esse moldável da sociabilidade, socialização e vida comunitária da

ponto será essencial. Somente os membros da OSA farão de prática marxista-leninista. Isto trazia como conseqüência

sua ação e de suas obras essa concepção dialética que é

característica essencial da arquitetura da época. Para eles, a

arquitetura tem por objeto a edificação de um quadro de vida

novo que reflete as aspirações da sociedade em si mesma.

Também para compreender verdadeiramente a arquitetura

dessa época é, antes de tudo, necessário compreender o

significado dessa “vida nova” de que falam os arquitetos, os

urbanistas e também os dirigentes políticos e o conjunto da

população. Dom Narkomfin Condensador Social e passarela

Essa “vida nova” expressava-se através de um novo imediata a facilitação da vida diária e, principalmente liberar

comportamento no espaço do “condensador social”, as mulheres dos trabalhos domésticos e rotineiros da sua

equipamentos de convívio relacionado à vida cotidiana que existência. Além desses objetivos buscava-se a médio e

tinham por objetivo concentrar o vapor da individualidade, longo prazo a ampla transformação da condição e natureza

incapaz de se restringir ao continente, ao Estado líquido e humana e da vida social.

74
vida, se consubstanciaria no essencial das pesquisas e

propostas construtivistas sendo a expressão da transformação

social. Finalmente, já nos anos 30 tais conceitos expandiram-

se para alem da somatória dos edifícios modelares e a

expressão era de que todo o ambiente humano deveria ser

um ”condensador social”, um único. A arquitetura estava

superada, o “ordenamento espacial” era a causa coletiva.

O melhor exemplo desse tipo de imóvel foi o edifício

Dom Narkomfin Condensador Social - Elevação clube e refeitório construído entre 1928/30 com projeto de M. Guinzbourg e I.

Os “condensadores” destinavam-se pioneira e primor - Milinis, em Moscou, para os funcionários do Comissariado do

dialmente à primeira infância, lavanderias e cozinhas Povo para as Finanças, chamado de edifício do "Narkomfin".

coletivas, oficinas de reparos de vestuário, e tudo que


Dom Narkomfin perspectiva 1927
significasse ganho de tempo para a vida das mulheres. Os

clubes operários, ligados a fábricas e bairros, foram a frente

de batalha primeira, e em seguida, na medida em que a

habitação, com novas formas de concepção de moradia e

75
Dom Narkomfin Vista frontal

Dom Narkomfin Terraço

O edifício do Narkomfin e sua vizinhança – Moscou, 2006

Composto de uma lâmina habitacional de cinco pavimentos

sobre pilotis, com clube, solário e alojamentos na sua

cobertura articulado através de passarela que permitia acesso

a uma rua elevada, no primeiro pavimento da lâmina e de um

“condensador social” um bloco anexo de quatro pavimentos

mais uma cobertura-terraço que oferecia aos seus

76
OSA/STROIKOM - Estudos de cozinha em apartamentos racionais

77
moradores serviços de creche, lavanderia, refeitório, salão de séries de propostas de seqüências projetuais e operacionais,

festas e cozinha coletiva. Esse edifício se compunha de vem a se transformar em referência e modelo metodológico

células habitacionais de tipo F, implantadas nos dois para a arquitetura universal. A habitação de "tipo transitório"

primeiros deveria, no espírito de seus autores, incitar à vida coletiva

pavimentos, destinadas a famílias com poucos membros ou a sem entretanto tornar esse modo de vida obrigatório. Era

casais sem filhos e de células de tipo K, implantadas nos três concebido como um instrumento de educação e de

últimos pavimentos, compostas de 3 cômodos em dois preparação para a vida coletiva do futuro, na medida em que

andares alternados (superior e inferior, sua sala compacta não havia obrigação de utilizar os equipamentos comunitários

situava-se no quarto andar intermediário entre os anteriores, previstos nesses imóveis que subsistiam nos dois tipos de

com o corredor/rua de acesso a essas células tipo F. Essa células arremedos de cozinhas individuais que desaparecem

célula F é uma quitinete e como a célula K tem uma cozinha totalmente, mais tarde, nas "Residências-Comunitárias".

de 4,20 m2; comportava dois cômodos, ocupando dois A célula de tipo F

1. No país que constrói o socialismo os problemas da habitação


pavimentos, alternadamente. Projetos esses e como muitos
econômica estão indissociavelmente ligados aos do incremento da
outros, da área habitacional, foram elaborados pelos qualidade e da produtividade do trabalho, da revolução cultural
que se conduz sob o signo da transição para formas superiores de
arquitetos dos “Estúdios de Tipificação” do “Comitê para
vida social.
Edificação da URSS”, o "STROIKOM", que através de suas

78
2. Um planejamento racional do apartamento de tipo antigo, a 4. Nossas condições sociais e econômicas são as que priorizam a
redução da superfície dos ambientes de curta permanência deve questão da realização de uma habitação pequena mais
conduzir a uma economia de área da ordem de dez por cento. econômica, mais vantajosa.
3. Com a utilização dos ambientes de curta permanência (cozinha,
banheiros, corredores, etc) o coeficiente (relação superfície /
volume) de economia ainda pode ser aprimorada, mesmo nas
habitações tradicionais.

Dom Narkomfin - As células habitacionais. À esquerda plantas tipo K de 56 m2. e à direita três plantas do tipo F de 27 m2.

79
5. É possível conceber um apartamento de 27 m2. de superfície
habitável com um coeficiente econômico igual ao de um
apartamento de 54 m2. É possível obter-se inclusive um resultado
melhor. Para tanto é preciso uma nova concepção de espaço da
habitação.
6. A célula de tipo F é importante como etapa para a transição para
um modo de “habitat” comunitário. Ajuda na diferenciação entre as
funções sociais e familiares. É um estímulo para o uso dos locais
de convivência coletiva.
7. Da solução do problema da célula de habitação depende a solução
das unidades moradia e do bairro.
8. Na habitação buscamos as seguintes qualidades
o Luz natural em todos os cômodos da casa
o Ventilação transversal e dupla orientação Dom Narkomfin
o As dimensões e as formas das habitações devem resultar Vistas das
do estudo atento dos processos funcionais passarelas e
o Maior qualidade possível do equipamento técnico. varandas
9. A construção das habitações deve seguir em consonância com a
normatização promovida para todos os elementos da construção
53
com a industrialização de todo o processo.

53
La arquitectura del siglo XX-Textos. Documentación/Debates, 1974 Madrid, pág 248,249

80
Para incitara coletivização do modo de vida, o imóvel que, como a atividade intelectual, deixou de ser privilégio de

do "Narkomfin" comportava, como as outras obras do mesmo alguns para tornar-se atividade de todos.

tipo, os seguintes equipamentos, colocados à disposição dos Assim, as formas arquitetônicas desenvolvidas pelos

habitantes: cozinha e sala de jantar coletivas, lavanderia, construtivistas e pelo movimento "moderno" em geral

serviço de limpeza dos alojamentos, jardim de infância, adequam-se perfeitamente ao conteúdo sócio-político da

ginásio esportivo, biblioteca e sala destinadas ao "trabalho "residência comunitária". Elas freqüentemente serão, tanto na

intelectual", sala de jantar de verão sobre a cobertura -terraço, URSS quanto no exterior, identificadas com o socialismo em

etc. Essa concepção de vida combinava-se com o ascetismo geral, até que, no decorrer dos anos trinta, as teses do

arquitetônico característico do trabalho dos construtivistas. Os "realismo socialista em arquitetura" venham a anular essa

projetos dessa época desejam encontrar apenas a resposta idéia. Esses projetos e essas raras realizações de

exata, matemática e funcional para o problema colocado pelas "residências-comunitárias" estabelecidos pelos arquitetos

necessidades de construção social. Tudo é nu, claro, limpo e construtivistas segundo programas elaborados pelos políticos

fácil de manter. O ar, a luz e o sol entram abundantemente e pelos militantes do setor social.

nas "células individuais" assim como nos locais destinados ao

uso coletivo. Eles se abrem para a natureza verdejante, para “O fracasso da maior parte das experiências tentadas

gramados e espaços programados para a atividade esportiva na época é incontestável. Mas o fracasso não é arquitetônico.

81
Se a imensa maioria dos projetos de "residências -

comunitárias" ficaram no papel, a falha não é dos autores dos

projetos. A arquitetura sozinha nunca pode (nem pretendeu)

transformar a sociedade ou construir essa "vida nova" da qual

tanto se falou na década de vinte. Se a vida anterior triunfa

sobre as tentativas da "vida nova" sem dúvida é porque as

condições políticas e sociais necessárias não estavam

reunidas”.54

Dom Narkomfin axonométrica

54
Kopp, Anatole, Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. Nobel/Edusp, São
Paulo 1990, pg.99

82
Vladimirov/OSA Articulação de volumes habitacionais múltiplos

83
Pode-se afirmar, contudo que o “moderno” ou o

“construtivismo”, este na URSS dos anos 20 será sempre uma

causa que incorpora e busca exprimir objetivos arquitetônicos

e sociais, compreendendo a “estreita adequação entre a

arquitetura dos construtivistas e o projeto de sociedade de

então... essa vontade de participar da construção social que

fez do construtivismo soviético dos anos vinte uma causa e

não um simples estilo como afirmaram, durante os anos trinta,

seus detratores.55 O equilíbrio entre demanda social e

resposta técnica em relação às questões da moradia e do

alojamento, não podiam permitir vazios conceituais e

ambigüidades operacionais nos processos produtivos.

Guinzburg ao apresentar projetos do STROIKOM em SA no.1,

de 1926, declara “...Está claro que nosso trabalho não pode

ser considerado definitivo...e mesmo quando estamos

decididos a apresentar a fase inicial de nossos esforços é


Dom Narkomfin Projeto Arquitertônico
55
Idem,ibid. pág.111

84
para submeter à discussão os nossos métodos” e sobre a

transformação do “modo de vida”... “consideramos

indispensável criar um certo número de elementos que

estimulasse a paisagem em formas de vida superiores. Que a

estimulasse, não que a decretasse.”

O produtivismo ideológico dos primeiros anos da NEP,

nos quais a produção arquitetônica foi capaz de expressar

imagens de concebidas como símbolos de uma nova cultura,

através dos “condensadores sociais”, será substituído por um

produtivismo real, baseado na generalização dos meios de

produção industrial, na produção em massa, e na tipificação

dos produtos, acompanhada da redução drástica dos custos. O

concreto, o aço e o vidro, foram redirecionados como materiais

estratégicos para as “grandes obras” dos planos qüinqüenais

na busca de alcançar os níveis produtivos prefixados.

Dom Narkomfin Vista frontal 1987

85
Dom Narkomfin Vista fundos 1984

86
Capítulo 3 Alemanha início do século XX outras monarquias germânicas de menor importância foram

varridas da história e enterradas para sempre. A revolta


As contradições estabelecidas pela política interna
iniciou o processo de educação do povo alemão nas
repressiva e estabilizadora sob o reinado do Kaiser Guilherme
negociações da prática política, condição que nunca lhe havia
II, aliado a sua política expansionista que culmina com a
sido concedida. O grande equivoco político foi em primeiro
deflagração da 1ª. Guerra mundial,conduziu a uma grande
lugar a manutenção do velho exército germânico tornado
desorientação em estratos e estamentos sociais da
indispensável em 10 de novembro de 1918, dia seguinte da
Alemanha, não só entre o proletariado mas também na
proclamação da República e que passou a exercer papel de
própria burguesia e, em especial, nas camadas mais
polícia na manutenção da ordem interna do país, reprimindo a
sensíveis e eruditas, os intelectuais e artistas. O período de
classe operária sempre, por força dos compromissos com o
1908 a 1914 é marcado pela desorientação, é a época da
conservadorismo alemão. O outro equívoco, certamente o
insegurança. Após a guerra mundial e a capitulação
mais assombroso, foi o chamamento dos juízes do Império,
germânica e austro-húngaro, o ano de 1918 é encerrado com
praticamente todos escolhidos dentre os estamentos
a revolução socialista alemã de novembro, em seguida
privilegiados, com estreitas relações com os aristocratas e
reprimida pela reação contra-revolucionária da república
políticos conservadores que continuaram a prestar seus
burguesa de Weimar. Não se pode negar algumas
serviços mesmo após a promulgação da nova constituição
realizações da revolta, a casa real, a governante Prussiana e

87
republicana, considerados irremovíveis, sua atitude ao longo A alternativa histórica da revolução socialista serviu ao

da década de vinte veio a demonstrar a pouca piedade para menos como fator de convulsão para a cultura contestatória

com os Comunistas acusados, mas indulgência suave para do nascente expressionismo, por uma dezena de anos, numa

com os ex-oficiais e suas “freikorps” (milícias armadas). As coincidência híbrida entre vanguarda política progressista e

conseqüências são notórias: entre 1919 e 1922, os processos vanguarda arquitetônica. Os projetos arquitetônicos no

contra assassinatos programados pela extrema esquerda período estão ligados intrinsecamente à situação político -

somam vinte e dois com dez punições com a pena de morte. social e econômica e refletiam a distancia abismal entre a

Os extremistas da direita sempre contaram com as simpatias sociedade futura e a realidade sem ilusões, de um povo

evidentes dos tribunais, dos 354 assassinatos dividido e castigado pela crescente repressão Weimariana.

comprovadamente cometidos por seus seguidores, somente Embora certos projetos expressionistas da época cultivem a

um foi rigorosamente punido, mas nem mesmo esse com a utopia e não se preocupem nem um pouco com o desenho do

pena capital. Cultivou-se o cinismo entre os beneficiários da ambiente sobre uma estrutura utópico-social, que não é nem

direita e as vítimas da esquerda, até 7 de maio de 1933, a reformista, socialista ou comunista, ao menos expressam uma

data da eleição de Adolf Hitler, a partir daí, tudo expressou-se força da fantasia artística. Algumas novas propostas, contudo,

sem temores e farsas liberais. chegam até nossa época, atravessando o Século XX e

tiveram sua gestação nesse tempo, nessas condições. Era a

88
intenção de liberar a humanidade através de melhores outras, juntamente com experiências holandesas e as pouco

condições materiais, a criação de um ambiente conhecidas no Brasil, em Viena, Áustria, são esforços de criar

descomprometido com todos os cânones de forma e, sintonia entre os programas construtivos voltados para a

principalmente, a admissão de um utilitarismo como algo habitação por parte de administrações progressistas dessas

tolerável e a espera por uma arquitetura para o amanhã, a cidades em sintonia com seus programas político-sociais

consecução de experiências no aguardo da construção de um correspondentes. Converteram-se nos feitos mais

novo homem com uma essência sensível, social e estética, importantes, nas cidades, da arquitetura da social democracia

em seu sentido original. organizada. Os “Hof” vienenses são alheios, inclusive, às

O Problema da casa e da cidade Os “Siedlungen” diversas metodologias e tipologias desenvolvidas pelo

Contemporâneos e vinculados aos descobrimentos movimento moderno, nem consideram o cerne das questões

topológicos da vanguarda construtivista soviética entre os levantadas na Alemanha, por exemplo, que se expressa pelo

anos 1920 e 1930, desenvolvem-se na Alemanha56 uma série caráter de criação de um conteúdo ambiental generalizável

de experiências e tentativas orientadas para a questão da desde a célula habitacional até a dimensão urbana. A

habitação e da cidade. As experiências alemãs em Berlin, consideração e o estudo de seus resultados são sempre

Frankfurt, Hamburgo, Hannover, Stuttgart, Magdeburgo e crescentes, contudo.

56
As principais cidades ou concentrações urbanas onde as implantações foram
desenvolvidas tinham predominantemente administrações social democratas, socialistas ou
comunistas minoritariamente e, em alguns casos, uma coligação desses partidos.

89
A tipologia do Siedlung 57 , sua conformação espacial, mecânica desses modelos, que ainda apresentam qualidades

ambiental, é o resultado de soluções setoriais promovidas superiores aos que vemos implantados contemporaneamente.

por grupos humanos esclarecidos ligados ao “capitalismo As Experiências em Frankfurt em Main

democrático” e as citadas administrações progressistas e sua Nos primeiros vinte anos do século XX, Frankfurt se

política tímida de desapropriações, por um lado e de torna uma grande cidade. O Burgomestre entre 1891 e 1912,

avançada experimentação formal racionalista por outro. Franz Adickes, estabelece legislação que permite ao poder

Foram criticados, de forma apressada e maniqueísta, por sua público desapropriar para fins de desenvolvimento urbano e

inorganicidade e sua insuficiência como modelo de implanta um novo código municipal de edificações. Havia

intervenção espacial, e malgrado sua pretensões tímidas criado as bases para uma cidade descentralizada e uma

enquanto avanço social e reformista, seu caráter e solução. É planificação em escala regional. Através de contratos e

muito suspeito, contudo, o silêncio da maioria da crítica, após concessão de terras públicas, a municipalidade podia interferir

a segunda guerra mundial e ao longo do restante do século nos preços de arrendamento e aquisição da terra urbana e

XX, sobre esta etapa do desenvolvimento da arquitetura dos empreendimentos implantados nesses terrenos.

moderna. Não se deve, contudo, considerar a reaplicação A primeira guerra mundial agravou a demanda por

habitações. A paralisia da construção civil, o incremento dos


57
O termo “Siedlung” pode ter o significado em português de: bairro operário, bairro, vila índices de matrimônio, natividade, o afluxo de populações
operária, bairro residencial, conforme o conteúdo do discurso. Evidentemente esta palavra
teve seu significado ampliado, na língua original, com o passar dos anos, sempre carregando
o sentido do morar coletivamente.

90
deslocadas da Alsácia, ocupada pelos franceses, fez objetivo após sua eleição em Frankfurt, confiando a um

aumentar de forma exponencial a necessidade por novos arquiteto aí nascido, Ernst May, a tarefa de desenvolver e

apartamentos na cidade, que se empenhou em conferir a um realizar o amplo programa urbanístico.

assessor o encargo de resolver problemas dessa ordem. Em No curto período entre os anos de 1926 até 1930 a

1924 foi eleito prefeito o político Ludwig Landmann que administração da cidade, governada por maioria social-

anteriormente, sob a administração Adickes, já havia democrata, buscou modernizar de forma abrangente a

gerenciado as questões relativas às construções sociedade e a cidade. Estruturas antiquadas tiveram que dar

habitacionais e como responsável pelo Escritório de lugar às novas que procuravam oferecer maior justiça social.

Economia Urbana, havia transformado Frankfurt em uma

metrópole comercial, sede de feiras e ponto nodal de

transportes, inclusive com a implantação de um aeroporto

central para a Alemanha de então. Em 1917 havia proposto a

criação de um escritório técnico para implantação de

Siedlungen que “...se prestasse a resolver de modo unitário

as questões do desenvolvimento urbano nos seus aspectos

econômicos, jurídicos, culturais e artísticos”. Consegue este


Evolução do quarteirão urbano em Frankfurt

91
Essa modernização teve de acontecer sobre a trama Mundial e a subseqüente escalada inflacionária, que trouxe

urbana das propriedades particulares pré-existentes desde uma estagnação sobre todos os setores produtivos, puderam

há muito tempo, na cidade bem como sob a égide de ser retomados a partir da implantação de uma taxa nacional

estatutos e normas municipais, ao mesmo tempo em que se sobre o aluguel doméstico instaurada em 1925.

assumiu a hipótese de que apenas com o desenvolvimento de

um processo de industrialização que atendesse o interesse

coletivo se criariam as condições para o progresso social.

Acreditava-se portanto, que a industrialização participaria de

forma preponderante na solução desses problemas. Os meios

técnicos resolveriam essa questão social na medida em que,

por serem ilimitados em princípio, trariam a base da

construção da nova cidade retificando situações de

sofrimento. Em Frankfurt preexistia uma antiga tradição de

iniciativas filantrópicas, destacando-se iniciativas de Stutgardt o Weissenhof recém concluído em 1927

habitações para despossuídos que se iniciaram ao fim do

século XIX. Empreendimentos habitacionais, após a I Guerra

92
Planta de Frankfurt, implantação dos Siedlung em azul 1932
93
O plano diretor geral assemelhadas, na Holanda. Seus princípios foram codificados

Ernst May foi o instigador da expansão da área da só na “Carta dos CIAM” de Atenas, em 1933, em março de

cidade através da construção e incorporação de novos bairros 1930, May escreve na revista Das Neue Frankfurt .

auto-suficientes, de dimensões definidas, implantados sobre

terrenos desocupados. Novos pólos residenciais, em

conformidade com a natureza circundante passaram a se

desenvolvidos à oeste sobre as suaves encostas do vale do


Implantação Praunheim e Römerstadt
rio Nidda. As construções se iniciaram em 1926 com a

implantação do bairro de Praunheim, seguido pelos conjuntos

de Römerstadt e Ginnheim. A distancia dos novos núcleos de

apartamentos do centro da cidade implicou em dotá-los de

todos os serviços : oficinas, ambulatórios médicos e de

saúde, escolas, centros comunitários, creches e pré-escolas e “

inclusive distribuidoras centralizadas de água fria e quente. A postura contra ou a favor da implantação de metrópoles é

Na época, empreendimentos da escala dos de Frankfurt tem opção que precede determinação da forma da cidade ou,

equivalentes apenas em algumas intervenções

94
tratando-se hoje, sobretudo, da extensão do núcleo urbano

existente, o momento é de definir o método de ampliação”.

Sua convicção era que em se construindo habitações,

obtinha-se resultados satisfatórios apenas, concentrando-se

inicialmente, num projeto urbanístico geral.

“Luz, ar e sol” era o motivo programático dessa nova

teoria construtiva, os edifícios deveriam surgir ao longo das

ruas, com aberturas para uma boa aeração, ruas e casas

orientadas de modo a serem ensolaradas.

Das Neue Frankfurt

A primeira e principal atividade para a construção da

“Nova Frankfurt” foi a implantação de um programa

habitacional que pretendia suprimir as emergências e

Praunhaim Isométrica habitação carências materiais e culturais relativas ao tema e que


e natureza
permitiu que só nos cinco anos subseqüentes, 10% da

95
população da cidade, realmente passasse a morar em comerciais e chácaras, tudo isto interligado por um sistema

conjuntos habitacionais e comunidades, não apenas novas, em rede de bondes elétricos e auto-estradas.

mas que propunham e imprimiam uma nova forma de Procurou-se incorporar, ajustar, valorizar e incentivar o

relações humanas entre seus moradores. comportamento popular do pós-guerra, como tendência social

Conjuntamente se implanta uma nova ordenação do majoritária, no qual a classe proletária, antes da I Guerra,

território urbano - novo uso do solo - nas quais as propostas, privada da vida urbana, pode pela primeira vez, ser envolvida

em vigor até hoje, determinavam no tecido existente a por esta nova condição de convivência. Música, teatros, a

ocupação das áreas industriais e as redes ferroviárias, ao crescente popularização do cinema e do rádio, amplas

longo do rio Main, por espaços culturais e administrativos no escolas tanto em termos de currículo como em espaço,

centro histórico, buscando-se uma redução populacional bibliotecas (inclusive móveis), esportes olímpicos, cursos

nessa área, determinando também o assentamento, nas sobre “novas visões” e criatividade, artistas internacionais e

áreas rurais circundantes de novos empreendimentos intercâmbio, publicações, nudismo e operários eram os

habitacionais, cidades satélites e cinturões verdes, áreas nas elementos estruturadores dessa nova política. Dificuldades e

quais buscava-se estruturar as novas ocupações através de sofrimentos devidos à depressão recente tiveram que ser

ambientes para pedestres, parques e passeios públicos, superados de forma comunitária e cooperativa, como a

locais para a prática de esportes, bem como espaços produção de artefatos e mobiliário doméstico para as novas

96
apartamentos em oficinas implantadas para desempregados, filhos deveriam ser projetadas para que atividades tão

projetos de agricultura comunitária para suprir as cozinhas simples, repetitivas e humanas como o dormir, alimentar,

coletivas e refeitórios escolares. lavar e vestir pudessem ocorrer de forma suave e cotidiana,

O Programa Habitacional - Conceitos atividades rotineiras diárias da família nuclear, o que incluía a

O conceito de forma de vida e tipologia habitacional na suposição de que o chefe da família estivesse empregado. O

“Nova Frankfurt” foi influenciado por antigas demandas do produto, um apartamento compacto em superfície, que

movimento operário alemão, que exigia acomodações apesar, ou graças a sua uniformidade, oferecia espaço e

individuais para suas famílias. Necessidade advinda dos tempo para o exercício de relativa variedade de necessidades

conflitos inerentes a superação das situações da exploração e e atividades. A fim de oferecer espaço e tempo, preocupação

imposições disciplinares impostas pelos empregadores- que foi particularmente atendida pelo funcionalismo

proprietários, condições habitacionais das diversas gerações desenvolvido com métodos científicos. Dos planos de laje aos

anteriores, condenadas a viver sob o mesmo teto dos cortiços equipamentos das unidades, a invasão da privacidade deveria

vizinhos às áreas de produção fabril ou rural. O oposto, o ser evitada a todo custo, as demandas emocionais satisfeitas

direito a habitação com condições humanas deveria ser e o esforço da faina doméstica maternal e feminina, reduzida.

alcançado através de uma habitação de baixo custo, para Como exemplo dessa última pretensão, uma “cozinha

cada família. Apartamentos para famílias com dois ou três laboratório”, incorporando conceitos de um carro-restaurante

97
ferroviário, foi projetada, testada e produzida em massa para diminuto. Todos os ambientes eram expostos à insolação

dar mais tempo livre à “dona de casa”. Essa “Cozinha de adequada para o paralelo setentrional da cidade – dormitórios

Frankfurt” na qual refeições podiam ser preparadas no menor pela manhã e salas de estar à tarde.

e mais eficiente espaço necessário e numa fração do tempo Um Interlúdio Margarete Schütte-Lihotzky

anteriormente exigido, foi desenhada pela arquiteta vienense Um nome relacionado a um tema de projeto específico,

Margaret Schütte-Lihotzky, (ver em seguida) considerando o da cozinha, contudo também relacionado com nomes de

aspectos práticos e ergonômicos, projetando-a como uma mestres dos quais foi aluna e colega como os de Oscar

linha industrial de trabalho / montagem, equipando-a com Strnad e Adolf Loos, a equipe de Frankfurt dirigida por Ernest

uma série de utensílios variados, desenhados e May, inclusive ao próprio May, o que a coloca no plano de

desenvolvidos exclusivamente para esses ambientes. uma grande personalidade feminina. A primeira arquiteta

Contíguo a essa cozinha e acessível por uma porta de correr austríaca protagonista da arquitetura social do entre guerras,

apresenta-se a sala de estar, elemento até então estranho ao testemunha de um século, que carrega um percurso

arranjo doméstico da classe operária – o maior e mais amplo historiográfico convergente entre o da arquiteta e o da mulher,

e mais importante espaço do lar, destinado à vida social. percursos que se enriquecem e se completam

Além do mais à cada membro da família, quando possível, reciprocamente. Nascida em Viena em 1897, diploma-se na

estava destinado um dormitório, mesmo que singelo e Escola Superior de Arte Aplicada com especialização em

98
Arquitetura atividade que empreende pela totalidade de sua Recém formada deve confrontar-se com problemas

vida. Entusiasmo e determinação se confundem numa econômicos e sociais de seu país por conta dos eventos

escolha incomum para uma estudante, não é bem vista, nem militares e da passagem político - administrativa da monarquia

favorecida, nos ambientes familiar e escolástico. A biografia à República. Na capital Viena, existe uma grande massa

da jovem Lihotsky inicia-se com uma decisão corajosa e populacional totalmente indigente e desprovida de habitação o

progressista rompendo com a tradição burguesa da família que obriga a categoria dos arquitetos ao estudo de soluções

que torna-se mais substancial com a atividade profissional habitacionais de emergência com o mínimo de investimento e

centrada na arquitetura social : “por fim resolvi ocupar-me prazos possíveis. Projetam-se tipologias muito simples de

sempre e somente da edificação habitacional e de tudo que a edificar, com materiais singelos, facilmente reparáveis e

envolve...em síntese da edificação social .”58 sobretudo com dimensões mínimas. O banco de prova é

Os temas e a problemática que a partir deste momento aquele de satisfazer com o mínimo de superfície e volume a

passam a preocupá-la estão entre os mais importantes e exigência habitacional da família que na maior parte dos

fundamentais para uma sociedade civil, sobretudo à luz dos casos na Áustria, à época, não são do tipo nuclear. É preciso

objetivos sócio-políticos orientados ao feminino que em várias superar o modelo habitacional tradicional e realizar um novo

ocasiões se exprime explicitamente. partindo-se da base, na realidade do exame e estudo da

exigência singular da funcionalidade em espaços mínimos


58
Ver Minoli, Lorenza e outros, Della cucina allá città – Margarete Schütte-Lihotzky. Franco
Angelli srl. Milão, Itália, 1999, pgs. 29 a 32

99
como solução acabada. Dedica-se a essa empreita através de Com grande perspicácia compreende e assim sintetiza

profunda e minuciosa análise bem documentada dos a estreita correlação da forma da estrutura habitacional e a

desenhos e dos esboços tanto em seu período em Viena, condição da mulher. Criticamente se interroga sobre a

como no de Frankfurt. A racionalização das funções (que no possibilidade do instrumento técnico operativo em seu poder e

projeto precede a definição dos espaços, enquanto no real às sobre a sua própria capacidade profissional.

vezes, nem é considerada) é o instrumento do fazer para que Na história da arquitetura não se encontra claramente

a as superfícies mínimas tornem-se racionalmente utilizáveis explicitada a relação entre esse dois fatores. Todavia estudos

e habitáveis. aprofundados, a seu ver, permitem individualizar

O objetivo de toda a vanguarda arquitetônica dessa interpretações diferentes das exclusivamente disciplinares,

época é o de mera sobrevivência: existenz minimum. Para (tais como as de caráter religioso, pedagógico, literário, etc.),

Margarete isso é muito limitativo. A pesquisa projetual deve se uma série de recomendações orientações e normas relativas

qualificar principalmente de forma a responder a acessibilidade e ao comportamento no espaço público a

articuladamente aos diversos aspectos problemáticos estrutura arquitetônica da habitação e a seu interior,

identificados. Um é aparentemente prioritário pela urgência e sintetizando-se na ordem projetual do objeto em si. Tratam-se

importância “como se pode construir corretamente, reduzindo de prescrições voltadas especificamente para mulheres ou

o trabalho das mulheres” por via direta através da figura de seus mentores (marido,

100
professor, guia espiritual). O caráter dessas normas é, em sobre a linguagem formal e estilística das casas para os

geral de proibição e de limitação territorial (para alguns trabalhadores.

estudiosos trata-se, ao contrário, de “proteção”) e ao fim e ao A elaboração contemporânea, politico-cultural do que

cabo emana a marca, com atributos espaciais, do papel se apresentava concluída na construção do “homem novo”.

feminino. São os não ditos e não escritos da tratadística e Com os instrumentos profissionais e a energia de que

manualísticas arquitetônicas que, contudo contribuíram com dispunha a arquiteta esforçava-se para concretizar algumas

valores de princípios gerais, regras mesmo, enquanto situações físicas que permitem o desenvolvimento de uma

refletiam o desejos e os valores da cultura masculina “mulher nova”. O objetivo de criar melhores condições de vida

dominante. para a população feminina em Viena, Frankfurt, Moscou e em

A primazia e a insistência do foco no feminino do outros lugares nos quais trabalhou durante seu exílio que

trabalho de Margarete Schütte-Lihotsky caracteriza-a e a antecede a Segunda Guerra Mundial, é sempre alinhado com

distingue, conotando-o em relação aos trabalhos dos seus a possibilidade para as mulheres realizarem-se através de um

colegas Vienenses e de seus contemporâneos. Todos ganho de tempo no qual podem dedicar-se a sua vida

estavam empenhados na realização dos programas da social pessoal, a saúde, ao repouso, aos esportes, ao lazer,

- democracia, no debate entre Hof - pátios, tipologias portanto, não tão somente aos filhos e a vida matrimonial e ou

unifamiliares a eleger e cidades jardim e nas discussões familiar. Para concretizar isto começa aprendendo a partir dos

101
interiores, dos espaços tradicionais da vida e do trabalho das apropriadamente sintetiza-se como o método de projeto para

mulheres e, antes, o da cozinha, local da produção doméstica Margarete Schütte-Lihotsky, que procede indutivamente do

e mais precisamente da lareira do fogão, centros não apenas interno para o externo, do particular para o geral “... a

metafóricos do lar “... são o centro e devem transformar-se no construção habitacional deve ser a expressão dos atos das

ponto de referência formal da casa. Não importa se trata-se pessoas e nós arquitetos, a partir desta vivência devemos

de estufa, forno ou chaminé. ”59 projetar do interior para o exterior e não das formas externas

Daqui se impulsiona sua pesquisa meticulosa para para o interior”.60 O projeto, como solução que lhe imprime

acompanhar as pegadas e os movimentos domésticos entre Lihotsky, se apresenta como um instrumento teórico “a priori”

fogão, pia e despensa e para destacar a s características para reduzir a realidade e enfocar um processo de dedução

geométrico espaciais incorporadas a vivência. O dispêndio de certamente como a prática resultante de sucessivas

energia e tempo e a fadiga que se enfrenta penetrando-se somatórias funcionais e dimensionais dos atos cotidianos. À

nas “grandes e velhas“ cozinhas de Viena transforma-se na qualificação formal do projeto concorre anteriormente

sua tarefa que irá permear seus projetos sucessivos na considerações de tipo funcional. Assim se: “não é verdade,

intenção de reduzi-los. como se diz de nós funcionalistas, que quando num projeto a

“Da cozinha à cidade” aforismo que alardeia a função é alcançada o trabalho terminou”.61

proposição global do movimento moderno bem


60
Opus cit. Introdução.
59 61
Opus cit. pg. 22 Opus cit. Introdução

102
Projeto realizado da cozinha de Frankfurt 1927

Protótipo 1927

É o caso da pia curvilínea do protótipo da “cavidade

(nicho) para cozinhar e/ou lavar” exemplo antecipatório do

desenho tecnológico apresentado na 4a. Exposição Vienense

de artigos familiares (1922).

Cozinha na habitação

103
A sinuosidade, quase sempre presente como forma das taylorista” tampouco o espaço do motor na “máquina de

bordas cilíndricas do mobiliário e dos pavimentos, seja em morar” cujo rendimento se procura maximizar.

Viena como em Frankfurt, representa um exemplo de uso Em Frankfurt, ao tempo da república de Weimar, as

correto do instrumento projetual que precede e previne o mulheres contavam com suas e seus representantes políticos,

problema - neste caso a acumulação da sujeira - para facilitar bem como nas associações de categorias que eram ativos

a sua eliminação, facilitando o trabalho de limpeza e ao porta vozes das exigências femininas, sobretudo, quanto a

mesmo tempo permitindo maior higienização do ambiente. estes tipos de cozinhas.

A luz destas considerações a racionalização na obra da Ressalte-se que pela primeira vez, no campo do

arquiteta Vienense se apresenta cada vez mais claramente conhecimento arquitetônico e do projeto se criam espaços

como uma meta com soluções “em linha”, simplificações e com uma espécie de genealogia inteiramente feminina, desde

leveza que trazem alívio às atividades domésticas e da a tomada de consciência do problema até sua colocação

organização familiar em um contexto que é restituído ao crítica, a caracterização de alternativas, concluindo-se com a

escopo. Não é, inversamente, um sistema metodologicamente concretização das soluções através de protótipos. O objetivo

coercitivo para o profissional, nem a gaiola preconcebida do de contribuir para a melhoria das condições da vida feminina

comportamento familiar e em particular das mulheres. Não se através de projetos de edifícios desejados que contemplavam

trata de interpretar uma linha de montagem “fordista ou este novo escopo, conduz a arquiteta a preocupar-se não

104
apenas com as “donas de casa”, ou mulheres “capela,
62
cozinha e criança”, mas de forma includente e ampla com

as operárias, estudantes, mulheres solteiras e anciãs que

viviam sozinhas. Já habituada a manipular as áreas mínimas

com proficiência, chega a oferecer soluções habitacionais às

mulheres solteiras de Frankfurt. “A individualidade e

independência de moradia através de unidade com ambiente

diminuto”. À sua funcionalidade e habitabilidade é acrescida

uma cuidadosa oferta de serviços de fruição privada e usos

centralizados coletivos tanto no nível de estabelecimentos

como de bairros. Desta forma, restitui-se a configuração de

uma possibilidade e ocasião que permite a ocorrência de


Perspectiva 1927
relações sociais com outras mulheres que partilham os

mesmo serviços. opção de evitar edifícios adaptados, exclusivos ou “especiais”

A integração com a comunidade urbana é obtida pela para mulheres, projetando-se em contrapartida unidades de

moradia individuais, com características tipológicas


62
“kirchen, kuchen und kinder” do discurso cultural machista e alemão, da época.

105
especialmente estudadas visando sua inserção nos conjuntos igual determinação, dedicação e coragem, com extremas

habitacionais para núcleos familiares diversos. As lavanderias conseqüências. Detida e encarcerada pela GESTAPO63 em

centralizadas, previstas na escala do bairro, seja para as 1942 é condenada a vinte anos da prisão, sendo libertada

mulheres operárias ou para as de vida doméstica, as escolas pelo Exército Vermelho apenas em 1945.

profissionalizantes onde se aprendia a nova economia


O trabalho de Margarete Schütte-Lihotsky não remanesce
doméstica e, principalmente, as escolas e parques infantis
como lição teórica. Materializou-se em muitas construções, só
são os elementos que conformam a estrutura do tecido
para citar os projetos de cozinhas, nos dez mil exemplares
urbano que a arquiteta organiza em favor das mulheres, das
inseridos nos “Siedlungen” projetados sob a direção de Ernest
mães.
May, em Frankfurt. Hoje, seus conceitos, idéias e objetivos
Com tal espírito ético, de serviço e empenho, Lihotsky
alcançados continuam a ser incorporados na própria idéia de
percorre sua existência. Atividade profissional e vida privada
casa e particularmente da cozinha. São, por isso, algo com o
não são aspectos e situações diversas, são uma continuidade
que nos confrontamos na experiência doméstica cotidiana.
de um personagem feminino abrangente. O empenho nas

questões sociais face às dramáticas conseqüências do

expansionismo e hegemonia nazistas ao tempo da II Guerra

Mundial, conduziu à seu maior empenho político, visto com


63
Geheime Staatspolizei

106
Foto de época passa pratos e armários Foto de época planos de trabalho, armários e
equipamentos

107
O Programa Habitacional Implantação custava 37% do salário padrão de um trabalhador da indústria

O programa tinha a pretensão de construir 10.000 da construção civil, o que implica em grandes sacrifícios por

habitações em dez anos foi de fato, largamente superada, sua parte para se permitir tal tipo de moradia.64

pela construção de cerca de 12.000 em cinco anos, As metas e resultados só foram alcançados e

considerando-se apenas recursos públicos e 15.474 se superados porque as autoridades estabeleceram de maneira

somados os produzidos por proprietários privados. prioritária: implantar novas usinas estatais de produção de

A solução de moradia predominante então proposta elementos construtivos, definição de novas normas

era uma casa com banheiro, “cozinha de Frankfurt”, uniformizadas para a produção habitacional, finalmente

aquecimento central, com jardim e terraço para uma família. custos de produção e financiamento foram diminuídos. Tal

Apenas 28% delas compreendiam esse padrão, incluindo-se intervenção atingiu três esferas.

sobrados para duas famílias. As demais eram apartamentos, A Produção Habitacional

nesse mesmo padrão, com 78% das unidades equipadas com A contratação de grandes empreiteiras para a

sistemas de calefação por ambientes. consecução do programa de apartamentos, não significava

O aluguel de uma unidade de moradia não podia que a construção através de esforços comunitários

exceder um salário semanal ou 25% do pagamento mensal (communalizationen) também não fossem considerados, na
64
obtido. De fato o aluguel de uma casa média para uma família 2
A reforma fundiária permitiu à municipalidade desapropriar terras ao preço de 3,5 DM/m .
2
em vez dos 12/15 DM/m . impostos pelo mercado. O imposto municipal sobre o valor de
locação destinava 44,5% do arrecadado era empenhado exclusivamente na construção de
alojamentos e 55,5% nos custos administrativos.

108
forma de instituição de empresas municipais de serviços de terraço por dia, ou dezoito operários erigiam uma casa em 1,5

construção. A municipalidade tinha a sua disposição toda dia de trabalho!

sorte de material bruto (pedra, madeira, tijolos...) suas No total 1.600 unidades foram produzidas com esse

próprias oficinas e meios de transporte. Foram constituídos processo, sob a supervisão do “Companhia Nacional de

grupos de trabalhadores municipais para a construção ou o Pesquisa para a Eficiência Econômica nas Questões de

acabamento de empreendimentos. Estes tiravam vantagem Construção de Edifícios e Habitações”. O sistema de pré–

da racionalização agregada e desenvolvida pelo movimento fabricação foi interrompido em 1931 devido a crescente

organizado do Partido Comunista Alemão, os “Bauhütte” – gravidade da crise econômica (1929/30) e os efeitos dos

Cooperativas Organizadas de Trabalhadores Desempregados métodos de industrialização da construção sobre o mercado

da Construção Civil – e principalmente da “Fabrica de Painéis de trabalho, então considerados indesejáveis, pela pouca

de Frankfurt”, onde unidades pré-fabricadas para posterior utilização de mão de obra sem especialização.

montagem com auxílio de guindastes pequenos, em canteiro, No período de sua utilização a padronização de

de painéis de paredes, lajes e balcões em concreto com elementos construtivos permitiu a produção em massa, com

escória de pedra-pomes e baixo consumo de aço. A produção eficiência, qualidade e desempenhos crescentes e custos

diária dessa usina era de 2,5 casas assobradadas com decrescentes de portas, janelas, telhados planos,

equipamentos, mobília, fogões, etc, foram desenvolvidas e

109
discriminadas na “prancha padrão” do “Departamento custos de produção. As implantações, elaboradas a partir de

Municipal de Construção de Frankfurt” - o Hochbauamt. critérios funcionais e providas de equipamentos redutores de

O desenvolvimento de tipos de casas-terraço e espaço, tais como calefação central e armários-parede,

apartamentos e seus agrupamentos buscavam atender as permitiam a redução das áreas internas dos apartamentos. O

demandas de diferentes classes sociais com produtos apartamento típico com três dormitórios agregava área interna

similares e de igual qualidade, buscando a redução de de 65m2.

Concretagem de painel industrializado 1926 Montagem de painéis portantes

110
Canteiros e produção

A pressão por menores custos aumenta a partir da

crise mundial de 1929, o que conduziu a uma redução da

área de vivência para 40 a 43 m2 para 4 pessoas, alcançada

graças à incorporação de novos elementos móveis, tais como

portas de correr, camas escamoteáveis e dobráveis, mesas

com rodízios, desenhadas exclusivamente para essas

habitações. Foi estendida aos compradores a possibilidade de

111
construir sua própria mobília, a fim de baixar custos de Financiamentos e Organizações de Apoio

compra e aluguel. O programa habitacional foi conduzido, na sua escala

Aquisição da Terra Urbana produtiva, em 25% pela autoridade municipal (Departamento

A escala das construções, o número de unidades Municipal de Construção), 30% por companhias municipais e

habitacionais, exigia a ocupação de extensas superfícies da 45% por cooperativas e companhias privadas de construção.

cidade. Onde os empreendedores não pudessem oferecê-las O financiamento provia 50% dos valores através de

a municipalidade as adquiria por compra a preços de hipotecas através da taxa de aluguel de casas (juros mensais

mercado, com possessão futura ou mesmo expropriação. Em em 1926: 1%, em 1929: 3%), empréstimos complementares

muitas situações essa condição foi imposta, de acordo com do Banco Municipal de Poupanças (7 a 8% de juros ao ano) e

poderes outorgados por legislação e decretos nacionais de de 20% por taxas de mercado. (taxas em 1929: 11,5 % ao

1920, o que permitiu compras abaixo do valor usual de terra ano para uma hipoteca suplementar) Essas condições

urbana para construção. Desta forma os preços da terra eram relativamente razoáveis para a época, permitiram a

baixos e a densidade dos conjuntos não era determinada construção de 3.000 unidades de baixo custo por ano. De

pelos seus preços (pelo menos no início da implantação 1929 em diante, o capital escasseia cada vez mais e tornam-

dessa política). se bem maiores as taxas de juros, alie-se a isso o baixo fluxo

de retorno das taxas de aluguel que foram drenadas para os

112
investimentos. Isso restringiu os empreendimentos e o desejo ser simples e duráveis, construídas de forma isolada e

de manter a longo prazo uma renovação independente da assobradada com no máximo dois pavimentos habitáveis e

cidade e da sua sociedade industrializada, teve de ser, um jardim ou parcela de terra adjunta a cada casa. Eram as

literalmente, abandonado, face à dependência dos negócios chamadas “colônias”, destinadas aos trabalhadores

econômicos internacionais. desempregados que deveriam construir suas próprias casas,

Política Habitacional no Terceiro Reich através de subsídio do Estado, administrados por autoridades

Em seguida a 1933, já sob o regime nacional socialista ou cooperativas, que após edificadas passariam à

do terceiro Reich, os programas de habitação, de caráter propriedade do Estado Nazi. Para ocupá-las, os usuários

Nazi, para os trabalhadores, foram concebidos como uma seriam passíveis de cobrança de aluguel. Outros programas

medida de alívio para o Estado, das pressões sociais devidas de menor vulto consistiam na readequação de imóveis antigos

ao desemprego. Ficou estabelecido que somente operários ou obsoletos, convertidos em edifícios que abrigariam

desempregados poderiam participar desses programas. Em pequenos apartamentos. Casas antigas e maiores, fábricas e

1937, a Alemanha planejava reduzir um déficit de dois espaços de atividades burocráticas inservíveis foram

milhões de casas, das quais um milhão constituíam-se em incorporadas parcialmente ao patrimônio do Estado através

unidades de reposição de habitações instaladas em cortiços. da redução de taxas fundiárias e convertidas em habitação

As novas casas para os extratos de menor renda deveriam para extratos operários urbanos de baixa renda ou

113
trabalhadores desempregados, habitações estas então instituíssem compulsoriamente o peso do aluguel habitacional

consideradas menos desejáveis, por todos usuários, do que na composição de gastos da renda familiar a não mais do

novas casas. Esses programas também incluíam as que 30$DM. por mês. A meta primordial tornou-se “atrelar o

erradicações de cortiços e favelas que, uma vez suprimidos trabalhador alemão ao solo” e assegurar-lhe: sobrevivência

do tecido urbano, deveriam oferecer espaço para novas sem subsídios do Estado em caso de desemprego, melhoria

moradias no futuro. O maior esforço político do Estado, crescente de seu padrão alimentar, sempre, através do

contudo, dirigiu-se para a implantação dos “kleinsiedlungs”, ou programa nacional “Fome Nunca” (sugestivo, n.g.), promover

“colônias com casas de subsistência”, implantadas no o orgulho nacional da constituição da família e da construção

perímetro rural das cidades, o que significava não só uma do lar, promover hábitos familiares de trabalho doméstico,

mudança radical na política habitacional da época weimariana inclusive incutir na educação das crianças a cultura de hortas

de ordenação do desenvolvimento urbano através da e granjas no seu habitat.

qualificação das áreas habitacionais da cidade industrial. Era


O programa visava “possibilitar ao maior número de
também uma mudança na condição econômica nacional e a
trabalhadores tornarem-se proprietários de suas casas,
imposição de uma nova cultura social. A posição do Estado
transformando-se em cidadãos não-comunistas leais e
nazista, impermeável e refratária aos aumentos salariais da incrementar os processos de implantação de meios de
classe operária, conduziu à imposição de programas que subsistência da classe trabalhadora (sic) da nação, ao mesmo

114
tempo em que estes se mantinham como reserva de mão-de- força de trabalho exclusivamente à empresa a qual estivesse

obra, de prontidão, suprimento de força de trabalho para a vinculado, que era a promotora de seu assentamento. Existia,

indústria nacional”. A população operária que vendia sua nesse contrato, cláusula que atrelava seu trabalho ao longo

força de trabalho para a indústria germânica, era encorajada a de sua vida ativa de atividade à industria, sua contratante,

viver nos espaços rurais adjacentes ou próximos às linhas de estendendo a um filho seu a responsabilidade de assumir

produção fabril que as contratava. As fábricas, sob suas obrigações, quando de sua aposentadoria, junto a essa

regulamentos e normas do Ministério do Trabalho, adquiriam empresa promotora e o Estado, o Reich que deveria durar mil

terra rural e implantava o parcelamento do solo das “colônias” anos. A seleção dos pretendentes a proprietários, nessas

de seus servidores contratados. Em 1937 o único subsídio condições, era rigorosa e seu trabalho deveria ser a

estatal oferecido ao proletariado constituía-se apenas no expressão da melhor produtividade. Após três anos de testes

aluguel da terra ocupada, desde que cada parcela fosse e só a partir dessa carência temporal, o contratado poderia

cultivada de forma lucrativa, sob orientação das autoridades. ser considerado “ligado ao solo”. Inicialmente, para cumprir o

Tais assentamentos eram repassados aos operários através processo de qualificação, o operário tomador recebia do

de pagamento em longo prazo, garantidos através de Ministério do Trabalho, sementes para culturas específicas,

contratos com o Estado e o empregador que obrigavam o mudas de árvores frutíferas e arbustivas produtivos, quatro

operário tomador deste a se comprometer a oferecer sua

115
No Terceiro Reich, panfleto da
habitação nacional-socialista semi-
urbana ‘’Minha casa é meu castelo’’
1935

116
galinhas e um casal de coelhos. No decorrer do tempo desenho de uma cidade-jardim, prevista para 8.500 unidades

recebia autorização para plantar batatas (sugestivo ou compostas por casas com dois pavimentos e com todos os

irônico? n.g.) para suportar o inverno e ao longo do processo equipamentos urbanos auxiliares e suplementares incluídos,

trienal, se demonstrasse ter sido eficiente, recebia mais foi a partir de 1934 redestinada a se tornar uma área de

animais, de porte médio, para granjear, tais como porcos, aproveitamento da crescente mão de obra desempregada,

cabras, ovelhas e gansos, considerados suprimentos de aproveitada como servidores auxiliares, sem qualificação, na

carne, leite, lã e penas, tudo de acordo com prescrições do construção de um empreendimento de 800 unidades, Os

sempre presente Ministério do Trabalho, regredindo-o à operários eram organizados para cumprir tarefas de meio-

condições que lhe impunham os afazeres da fazenda e da período, em grupos de auto-ajuda, para os quais a terra era

fábrica simultaneamente, oferecendo-lhe a condição de arrendada, oferecendo-se um subsídio máximo de 3.000$DM.

ambíguo (servo ou senhor?) pioneiro medieval e o lema que Na forma de uma parcela em dinheiro, material de
65
então se propugnava : “minha casa é meu castelo”. Um construção. Implantou-se o projeto de um único tipo de casa,

exemplo típico das condições expostas é o do conjunto com orientações dos poderes públicos aos moradores, para

habitacional de Goldstein, uma cidade satélite de Frankfurt. implantação de uma horta e uma granja animal para

Projetada originalmente incorporando os conceitos e o provimento de seus alimentos. Uma completa regressão em
65
Referências bibliográficas deste texto encontram-se nos Relatórios do “Congresso
Internacional de Habitação e Urbanismo, Paris 1937”, capítulos do Ministério do Trabalho do
Reich Alemão. Autores: Von Schenk, D, Heberhard, “Financing House Building for the Lower
Classes” e Preuss, Ebel R. und, “Rents for the working class”.

117
relação às conquistas dos anos 20, casas isoladas, sem água O esforço original pelo ganho de espaço e tempo para

corrente, sem apoio de equipamentos sociais e urbanos, sem atividades culturais e políticas foi sacrificado em favor da

ruas pavimentadas. agricultura. Parece mutirão!

No Terceiro
Reich,
conjunto de
casas
construídas
em sistema de
mutirão 1934

118
Projeto Arquitetônico e projetos exclusivos para a construção da “Neue Frankfurt” e

“Neue Frankfurt” tem sua mais completa expressão mesmo com esse envolvimento pessoal é possível determinar

através de seus edifícios que exprimem uma intransigência alguns significativos e repetitivos elementos de projeto tais

projetual e construtiva em relação aos seus espaços, como:

equipamentos e artefatos ligados à vida cotidiana, que x Volume simples, como o cubo, com a incorporação de

marcavam e pretendiam sinalizar uma ruptura com o lajes pré-fabricadas em balanço, varandas / balcões,

passado. As poucas soluções edificadas, até então, nos anos paredes divisórias.

20, expressavam-se pela ornamentação e sua consecução x Os tetos planos, os solários.

por meio de mão de obra artesanal e pouco instrumentada, x Edifício criando longa lâmina habitacional.

que foi gradualmente substituída pela produção em massa de x A proporção de cheios e vazios verticais. As passagens

componentes, simbolizando a igualdade entre todos os de pedestres.

indivíduos. Formas puras despojadas de ornamentos, sem x As aberturas horizontais marcadas nas casas
monumentalidade e com alto grau de funcionalidade assobradadas e, no caso de edifícios com mais
incorporada aos espaços, que deviam representar a verdade. pavimentos, as tiras de janelas em alternância com as
Verdade de produção e de forma de vida. Nesse processo, fendas verticais das escadas de circulação coletiva.
muitos arquitetos contribuíram com suas soluções particulares

119
x O projeto paisagístico e suas massas e ornamentação

por meio de flores, grama, arbustos e árvores.

Bruchfeldstrasse, terraços vistos do páteo comum e lago Foto

Bruchfeldstrasse, isométrica pátio comunitário das ‘’casas zigue- zague’’

Bruchfeldstrasse, terraços vistos do pátio comum, 2002


120
Tais conceitos podem ser estendidos para o desenho esquina, uma fileira de balcões e janelas em alternância, ou

urbano e áreas públicas onde se procurava implantar meios mesmo a implantação nesses conjuntos de uma unidade

para atender demandas cotidianas, áreas exclusivas para única, especial. Isto aplica-se ao período entre 1925/29,

tráfego, lazer e jardins públicos, suas forrações e alamedas, quando questões de métodos construtivos econômicos e de

como signos visíveis à distância. A alternância entre simetria projeto urbano tinham equivalência. Após esse período e por

e assimetria é patente na combinação dos elementos. curto tempo o dogma da economia de custos e da

Simetria e imobilidade, na escala de uma ou duas casas, é uniformidade absoluta de soluções foi imposto.

complementada pela assimetria e a dinâmica das ruas e do

território ordenado pela paisagem criada. Vistas e seqüências

de espaços são coordenadas com perícia. A casa isolada é,

como numa composição clássica, sempre parte de um terraço

-um conjunto urbano de 2, 3 ou 4 andares. Edifícios altos ou

isolados foram desconsiderados por não criarem espaços

intersticiais. Com pequenas variações às soluções gerais, às

fileira de casas foi incorporado um ritmo, quebrado ou

interrompido por uma passagem, uma entrada no ângulo, na Burgfeld, jardim comunitário foto 1928

121
civilizatória dos projetos, outros explicitavam sua intensa raiva

condenando o “trabalho inferior de bolchevismo”. Para os

arquitetos modernos desse período, entretanto, Frankfurt

transformou-se numa espécie de “Mecca” visitada por todos

arquitetos praticantes da época. Apreciava-se o grande

esforço da execução de um programa habitacional

progressista dentro de uma sociedade capitalista, embora

intelectuais mais radicais,à esquerda do programa social-

democrata, criticavam com razões a exclusão dos mais

pobres por força de seus princípios financeiros de realização,

como o pagamento de juros e os parcos subsídios. Os


Burgfeld, isométrica jardim comunitário
comunistas repudiavam e condenavam os aspectos

As reações dos contemporâneos à essa arquitetura e reformistas e estabilizatórios da sociedade existente, que o

aos conjuntos habitacionais foi muito díspar, As críticas programa incorporava, a direita dos nacional-socialistas aos

estendiam-se da aceitação entusiástica à condenação conservadores liberais, principalmente por tática política de

absoluta. Alguns louvavam a promessa humanista e minoria, desprezava a sua arquitetura “não germânica” e o

122
coletivismo dos conjuntos. Na realidade buscavam destruir as passado, muradas e desenvolvidas concentricamente, raramente se
percebe as conseqüências diste fato. Sempre se sobrepõe a mentalidade
práticas e os princípios democráticos de uma vida econômica de estilo antigo, que se referia a cifras nuas, sem levar em
conta elementos muito mais importantes mesmo que mais difíceis de
comunitária, embora a maioria dos que conseguiram obter um
definir relativos à exploração da terra e a concentração de pessoas
apartamento projetado por May tenham se deliciado com os baseadas em “considerações de natureza econômica” que comportavam
uma piora da saúde pública. Reconhecemos como economicidade
novos confortos de convivência ofertados. A ridicularização
somente as que a que se fundamente sobre o princípio da manutenção
inicial da arquitetura incomum logo deu lugar a uma veemente dos homens: a economicidade social. Esta exige com urgência o
restabelecimento de condições de vida naturais para os homens que
defesa de seus princípios e resultados, defesa que ainda hoje vivem nas metrópoles, através de uma construção racional extensiva da
cidade e mediante a criação de amplas áreas verdes em áreas centrais. A
é sustentada pelos seus usuários contemporâneos.
revolução dos sistemas de transporte permite estender os limites do
Em 1930, após cinco anos de intensa atividade município concretizando pelo fato uma extensão relativa. Não é mais
necessário desenvolver os bairros de forma concêntrica ao redor do
construtiva na criação e implantação de novos bairros na
centro urbano. Hoje, depois dos centros urbanos terem sido ampliados
cidade, May escreve o seguinte balanço conclusivo: além do confinamento, podemos construir no campo livre circundante
conjuntos residenciais autônomos, não obstante os limites administrativos
municipais impedem a realização dessa idéia na medida do desejável. No
“Urbanística. A forma da expansão da cidade. A forma da cidade. curso das próximas décadas devemos nos limitar a promover um
A decisão mais importante com respeito a maior ou menor desenvolvimento sistemático orgânico, dos subúrbios. Estes estarão
validade da construção residencial de uma cidade grande se expressa na dotados de todas aquelas instalações das quais seus habitantes possam
determinação da forma da cidade, ou melhor, dado que atualmente trata- ter necessidade na sua vida cotidiana.
se, sobretudo da ampliação das cidades existentes, na definição dos Em primeiro lugar procurar-se-á reagrupar os postos de trabalho
sistemas de expansão. Embora não seja conhecida de todos a miséria relativos a essas instalações satélites, as pequenas e médias industrias
provocada pela concentração de massas humanas na cidade grande do serão reagrupadas em grandes complexos industriais como objetivo de

123
alcançar gradualmente as condições ideais, ou seja, a do mais rápido Uma distribuição unitária e um sistema ordenador do verde
percurso possível entre a residência e o trabalho, como ocorre nas conferirá a estas estruturas um caráter de ordem, de fusão orgânica da
cidades pequenas. Onde já existem os complexos industriais essenciais, cidade em seu conjunto. As áreas verdes oferecerão campos de esporte e
no que diz respeito a Frankfurt, principalmente nos que situam-se na jogos, piscinas, e áreas de repouso. Já há algum tempo temos conseguido
partes oriental e ocidental da cidade às margens do rio Main poderemos liberar nossas escolas, até então situadas em ruas de grande movimento,
construir essas cidades satélites com função residencial exclusiva. Assim no meio da sujeira e do ruído da vida urbana, com sistema construtivo
se pode obter de modo mais natural e econômico uma redução do tráfego fechado e inseri-las nos espaços verdes da cidade como escolas
no centro urbano, que hoje se encontra muito congestionado, se dispostas livremente sobre o terreno. No ar puro, cercadas por uma
desenvolvermos articulações oportunas com as linhas de ônibus, bondes paisagem mais bela poder-se-á criar centros educativos ideais. Um
e ferrovias, entre estes centros satélite com o centro urbano, no caso de resultado fundamental da extensão no sentido horizontal das metrópoles,
também nos propormos a criar infra-estruturas primárias, como institutos como nos desejamos é
superiores, a universidade, os hospitais, grandes lojas, teatros, etc. As a possibilidade de criar bairros residenciais em condições higiênicas
áreas livres entre as diversas zonas de ampliação serão destinadas a ideais, vinculadas diretamente com os jardins e as áreas livres. Em
zonas de trabalho ou para o tempo livre. diversas partes da cidade foram criados bairros residenciais (Siedlungen)
em situação salubre, conforme este princípio.

Westhausen, fotos 1927 e 1985

124
Política do Solo – premissa para realização de uma política fileira dupla obriga a um arranjo diverso do alojamento em duas fileiras de
urbanística conduzida de modo sistemático é uma política racional do edifícios contrapostos entre ela. Decide-se circundar diretamente o local
solo. Os custos do terreno em Frankfurt são extraordinariamente altos e de estadia principal com um jardim ocorre que esse local terá de que estar
constituem, portanto, um obstáculo sério para realização de uma orientado para leste e a outra habitação para oeste. Outros exemplos
construção residencial salubre de baixo custo... mesmo quando a podem demonstrar que o tipo de casa e completamente diferente nas
desapropriação represente sempre uma intromissão na livre propriedade, duas filas de casas. Uma equivalência absoluta será obtida se adota-se o
não obstante, não há dúvida alguma de que uma metrópole moderna, que sistema de construção de uma só fila de casas (sistema definido
deseje levar a cabo uma política urbanística sistemática, não poderá comumente até agora e de modo impróprio, como edifícios em linha), um
nunca alcançar seus objetivos sem recorrer ao direito de desapropriação, método onde se prevê apenas uma fila de edifícios dispostos ao longo das
assim se construíram as ferrovias e outras instalações. ruas do bairro...
Divisão do Solo. - Em qualquer parte onde se construa em terra Casas altas ou baixas? – Independentemente da questão casas
livre o desenvolvimento estará marcado por um progresso objetivando coletivas ou individuais, é preciso definir o problema da forma das
garantir a todos os locais de moradia condições igualmente favoráveis em construções, decidir se as casas devem ordenar-se horizontal ou
respeito a ventilação iluminação, participação nas áreas livres e situação verticalmente. A disposição horizontal comporta a criação de casas
favorável em relação a possibilidade de comunicação. Para alcançar este unifamiliares em fileiras, a vertical, de edifícios com mais andares. A forma
objetivo devem seguir métodos e urbanização como os adotados na residencial ideal por ser a mais natural e a casa baixa unifamiliar. Esta
realização do Siedlung de Riederwald. garante a família a paz domestica e intima, o que numa época
O estado de desenvolvimento sucessivo propõe um sistema de notadamente coletivista tem um a importância particular. Só este tipo de
casas em fileira dispostas duplamente, um traçado portanto, de ruas que edifício permite circundar diretamente todas as habitações com um jardim,
tende a repartir o terreno edificável em quarteirões de forma retangular mesmo que seja pequeno. Isto significa que os espaços habitável da casa
oblonga com orientação norte-sul ou nordeste-sudoeste de tal maneira é ampliado e completado pelo espaço habitável do jardim. A moradia num
que se construa apenas nos dois lados ao longo do quarteirão. edifício com andares nunca poderá substituir para a família e
Sem dúvida a construção de casas em fileira dupla representam principalmente para as crianças as condições de vida sã oferecidas pela
um progresso tal em comparação com os métodos construtivos casa unifamiliar. Por estas razões a política construtiva de Frankfurt
precedentes para quarteirões que este solo urbano. Não obstante isto favorece conscientemente o sistema de casas unifamiliares. Um
não pode representar um objetivo definido. O sistema da construção da desenvolvimento futuro da urbanística, que não comporte apenas uma

125
descentralização do setores conduzira a um desenvolvimento desta forma 2. Desde que o homem não é apenas uma maquina que pensa, sua
residencial que ainda hoje nos parece utópica. A situação como em outras habitação deve estar organizada para que também seja
cidades é tal, que a construção de casas unifamiliares é mais cara que a confortável. Isto não dependerá apenas da forma dos ambientes
de apartamentos plurifamiliares, e a falta de meios, faz que seja singulares e de sua respectiva ordenação, mas em grande parte,
promovido este tipo de construção, principalmente quando se trata de da iluminação da casa.
oferecer alojamentos aos extratos menos favorecidos da população. 3. As plantas de todas as casas plurifamiliares estão orientadas de
Felizmente também existem soluções intermediárias que mantendo a tal maneira que é possível a todos os dormitórios receber a luz do
construção sobre a forma de casas para duas ou quatro famílias permitem sol pela manhã e os ambientes de estar a luz da tarde.
a criação de casas econômicas. Grande parte do Siedlung Westhausen 4. As dimensões conferidas ao ambiente da sala de estar principal e
realizou-se com casas para duas famílias. Também para o Siedlung familiar sublinham sua importância perante os outros cômodos.
Goldstein, conforme o caráter de cidade jardim que propunha, preferiu-se Evita-se que nessa condição de convívio se atribua também
considerar a construção de casas baixas... funções relativas a preparação da comida, ou seja, da cozinha.
Essa atividade ocorre em uma pequena cozinha separada, ligada
Tipos de Frankfurt. - Não é possível satisfazer a necessidade de a sala de estar de modo tal que permita o deslocamento mais
habitação das amplas massas de população com um ou dois tipos de curto desta até a mesa de comer.
edifícios, deve-se considerar a estratificação profissional, o número de 5. A mesma cozinha contém instalações previstas durante a etapa
filhos e outros elementos e criar portanto uma série de tipos. de construção que permitem o desfrute racional do espaço
A série de tipos adequada para Frankfurt está apoiada sobre os limitado disponível. A ordenação de cada peça realiza-se tendo
seguinte tipos similares: como base uma racionalização de seu uso. O projeto foi
desenvolvido por Margarete Schütte-Lihotsky, que buscou
1. A distribuição dos ambientes é tal que os processos relativos a conselho entre as donas de casa.
economia domestica se desenvolvam com o mínimo dispêndio de 6. Deve-se evitar mediante a criação de um número, suficientes de
força, uma vez que se evitam todos os percursos inúteis e todas quartos que os pais compartilhem o mesmo dormitório com seus
as peças mas importantes estão mais articuladas da maneira mais filhos adultos. A separação entre filhos e filhas, mesmo nos
perfeita possível. períodos de carência habitacional, deve permanecer como o
princípio mais importante de uma política habitacional sã. Para

126
concretização desse programa ideal. Para famílias com muitos
filhos deveremos criar tipos de apartamentos exclusivas que
devem prever num espaço limitado, um número relativamente
grande de quartos separados. Em geral as famílias com muitos
filhos devem permanecer no pavimento térreo, uma vez que os
jardins constituem-se numa extensão da sala de estar.
9. Toda habitação estará provida de um banheiro próprio. Deverá
existir em todas, por menores que sejam, uma banheira e um
chuveiro. O banheiro tende a situar-se entre os quartos e ser
acessível a partir destes.
Padronização em Frankfurt. – O esforço para atingir uma
Planta da cozinha de Frankfurt 1927 produção de alto nível do ponto de vista econômico e qualitativo nas
habitações da cidade, exigiu um trabalho de estabelecimento de normas
construtivas. Elementos construtivos importantes são elaborados
7. casais jovens e para os mais velhos, cujos filhos já não coabitam cuidadosamente com o apoio em princípios técnico-construtivos e
com eles, são suficientes habitações compostas por dois cômodos econômicos para serem posteriormente traduzidos e utilizados de forma
com cozinha e serviços. Podem ser previstas, também massiva”.66
apartamentos com um só cômodo suficientemente espaçoso.
8. A habitação com três quartos é a casa média para a massa dos
desfavorecidos. Podem ser implantadas perfeitamente em um
espaço de 44m2. Este tipo prevê quartos distintos para pais e
filhos. Para famílias com mais de dois filhos crescidos de sexos
diferentes a sala de estar oferece a possibilidade de dispor de um
sofá cama. Mesmo que seja desejável a habitação que além da
sala de estar compreenda três quartos, para pais e filhos de sexos
diferentes, continuará sendo impossível por muito tempo, a 66
La arquitectura del siglo XX-Textos. Documentación/Debates, 1974 Madrid, págs. 199,
207.

127
Riederwald isométrica do páteo interno na Karl-Marx Strasse

128
Reiderwald imagens 2004

129
Os utopistas berlinenses e Bruno Taut fraternidade universal e o papel do povo como motor da

Em dezembro de 1918 através da organização do história. O convívio com a utopia vai aos poucos convergindo

“Arbeistrat für Kunst – O Conselho dos Trabalhadores da para outro socialismo, científico, como o que se busca

Arte”, um grupo de cinqüenta literatos, artistas, arquitetos e construir na União Soviética.

mecenas berlinenses expressa seus princípios, “A arte e o Por força de sua atuação no Conselho dos

povo devem formar uma entidade. A arte não mais será o luxo Trabalhadores da Arte, em 1921 Bruno Taut é convidado a

de alguns, deverá ser vivida e fruída pelas massas. A meta é ser o arquiteto da cidade metalúrgica de Magdeburgo, então

a síntese das artes na conjunção de uma grande com grande população operária. Inicia sua experiência e

arquitetura...”,67 os arquitetos mais destacados eram Adolf imprime seus esforços no desenvolvimento de um plano

Meyer, Bruno Taut, Erich Mendelsohn, Max Taut e Walter diretor com controle municipal sobre o valor da terra,

Gropius. Estas declarações precedem e vão orientar a futura priorizando a importância da habitação na arquitetura,

instituição da BAUHAUS, pelo último. No pouco tempo de estabelece os primeiros projetos onde se propõe novas

trabalho conjunto do grupo, editou-se a revista Frülicht, (Luz composições através de uma poderosa policromia urbana,

da Madrugada) dirigida por Bruno Taut, na qual conviviam o posteriormente ampliada em seus projetos berlinenses.

expressionismo e o inconsciente e um socialismo, nem A função de conselheiro de construção da cidade de

marxista nem partidário, mas declaratório, no sentido da Magdeburgo (de maio/1921 a meados de janeiro/1924),
67
Arbeitsrat für Kunst, Berlin, março 1919

130
especialmente só afirmou seu trabalho posterior para a materiais de construção, que fabricavam estes a partir de

construção comunitária em Berlin em 1924/25, tendo também matéria prima, que conseguiam as matérias-primas em minas

ampliado a experiência projetual de Bruno Taut no período a céu aberto e minas subterrâneas, que faziam as instalações

anterior à guerra com a mudança dos jardins da cidade: nas fábricas, que providenciavam os meios de transporte, em

“Desde minha saída de Magdeburgo, onde no princípio suma, tudo o que o homem precisa e de que seja dependente

havia assumido um trabalho relativamente intensivo, de outro ser humano. É a massa dos homens

relacionado à construção de apartamentos dava ele a trabalhadores”.68 Taut, portanto, tinha achado os principais

clientes para sua energia arquitetônica: o ser humano


conhecer por carta ao seu colega holandês J.J.P.Oud
trabalhador. Para este ele ofereceu, durante seu período
(16/03/1926). Enquanto que nos tempos antigos da Grécia
produtivo construtivo, mais de 10.000 apartamentos em
todos os esforços de estilo construtivo e de realizações se
Berlim.
voltavam à construção do templo, hoje precisar-se-ia

conforme o conhecimento geral e histórico da arquitetura Os assim chamados anos de expressionismo das obras

dirigir tais energias, em sua totalidade, nas qualidades de Taut nos anos de antipatia à guerra, da revolução, do

arquitetônicas a serviço da construção de apartamentos “Conselho Trabalhista para a Arte”, foram vistos e

populares. A liderança passou para outras mãos. São as interpretados repetidamente pela historiografia crítica como

mãos daqueles que iniciaram as construções, que traziam os


68
Taut, Bruno, Die Neue Baukunst, Julius Hoffman Verlag, Stuttgart, 1929

131
Berlim, os “Siedlungs” projetados por Bruno Taut e construídos pela GEHAG entre 1925/32

132
total contraste com os trabalhos dos anos de 1925 até 1932. imitadores, os quais reclamavam sua arquitetura “autônoma”

Vê-se a transformação de um fantástico estético para um como poesia.

estético socialista, como uma continuidade própria, observada


A arquitetura de Taut quer seja obra pronta ou
por ele mesmo. Bruno Taut foi durante toda a sua vida de
esperada, realidade ou futuro, estava baseada nas
trabalho não um construtor ativo, como May, mas um contínuo
experiências, desejos e esperanças da sociedade. Taut nunca
“pensador”. Seu pensamento fora cunhado pela arquitetura.
negou a necessidade da existência de beleza através da
A procedência da arquitetura, o sentido e a destinação da
harmonia entre a forma e o espaço. Desde suas experiências
arquitetura, o valor estético e social da arquitetura, estes eram
concretas com as construções dos conjuntos habitacionais,
a essência de seu pensamento.
Taut não obteve a qualidade arquitetônica exclusivamente da

Ele se diferencia, portanto de seus colegas de qualidade formal; seus conceitos empíricos em 1929: “A

profissão, os quais se espelham somente em suas obras, não beleza nasce da relação direta entre a construção e seu

estando habituados a explicar e discutir os conflitos existentes destino, através das características naturais dos materiais e

entre medições, dúvidas e relativismos, para o balanceamento da elegância da construção”.69

e esclarecimento destes e que não tinham tais questões como A estética da nova construção não conhece barreiras
temas centrais. Havia também uma diferenciação para com entre a elevação e a planta, entre a rua e o quintal, frente e
arquitetos, como Le Corbusier e seus discípulos, ou mesmo
69
Idem,Ib.

133
fundo. Nenhum pormenor existe como fim em si mesmo, A respeito de uma criação de utilidade de valor, dizia

mas é parte integrante da totalidade. O que funciona bem tem Taut, que o “patético e o representativo” não teriam “força” ou

boa aparência. Simplesmente não se acredita mais, que algo “estímulo”, querendo ele através da arquitetura dizer sim, que,

tenha aparência ruim e mesmo assim funcione bem. A no sentido da funcionalidade, da veracidade, o valor da

própria casa perde seu todo, e mesmo suas partes individuais construção estava em seu destino. “No lugar da beleza da

perdem suas divisões. Assim como as partes individuais casa” lidava ele com “a beleza dos acontecimentos na e

estão para o todo da construção, assim também a casa para dentro da casa”.

com seus camaradas. É um produto coletivo e um modo de Taut sempre voltava a chamar a atenção para a
pensar social. A repetição neste caso não é indesejável, construção muito apressada de um novo estilo, quer fosse um
porém ao contrário, é importante meio de arte. Necessidades estilo genial de um mestre da arquitetura quer fosse um estilo
iguais, construções iguais; portanto, um desvio para o luxo, produzido a partir de uma abstração de uma formulação
somente onde a necessidade for especial. Especialmente, matemática A palavra “Arte”, segundo Taut, seria então
esta semelhança de necessidades, é observada somente ou nestes casos considerada “tão forte como um escândalo”,
na maioria das vezes nos casos de construções com tanto que se desejaria “bani-la”. “Os tão combatidos erros da
significação social. “

134
construção moderna foram enterrados, quando apreciados empresa para construção EINFA, foram os encarregados para

somente por seus aspectos externos”.70 as construções. O sócio da GEHAG, Martin Wagner, já tinha

A missão construtiva estava esclarecida, o cliente era trabalhado com Taut por ocasião da construção das primeiras

conhecido, o financiador da construção era na maior parte dos comunidades pós-guerra em Berlin, o Lindenhof (1918) na

casos o Estado ou uma instituição social para a construção de região de Schönberg em Berlin (500 apartamentos, as

apartamentos. A “Associação para a Poupança e Construção primeiras tipificações construtivas).

de Berlin”, os consórcios construtivos “Ideal” ou “Freie Desde a estreita cooperação na edificação do primeiro

Scholle”, mas principalmente a afiliada DEWOG (“Deutsche grande conjunto habitacional em Berlim-Britz, o legendário

Wohnungsfürsorge Aktiengesellschaft für Beamte, “Hufeisensiedlung” - “Assentamento Ferradura” (1925 e

Angestellete und Arbeiter”) – “Sindicato Alemão da Moradia adiante) e apesar da diversidade das personalidades, a dupla

para Coordenadores, Empregados e Trabalhadores S. A.”, em Taut - Wagner foi considerada, no período entre guerras, uma

14 de abril de 1924 a assim estabelecida associação marca inconfundível da construção de conjuntos habitacionais

berlinense “Gemeinnützige Heimstätten-, Spar- und Bau- em Berlim.

Aktiengesellschaft” – “Sociedade Anônima de Lares para o

Benefício Comunitário” – GEHAG, e um ano mais tarde a

70
Bruno Taut 1880-1938, Akademie der Kunst, Berlin, 1980

135
Berlim – Britz implantação geral.

136
O importante para seu sucesso foi o fato da sido, de forma pioneira, uma Berlim que era o lugar de

publicação de suas atividades e experiências no órgão de peregrinação para interessados políticos na construção e

publicação próprio da DEWOG, o “Wohnungswirtschaft” – moradia, arquitetos e projetistas, práticos, teóricos e usuários.

“Local de Moradia” de forma informativa livre. A feliz relação

entre a consciência da responsabilidade política, a habilidade

incansável de organização, assim como o conhecimento

artístico e criador, implantando-se a concebida série de

conjuntos habitacionais em forma de ferradura como marca A Ferradura de Britz Acesso central, o lago e jardim no centro da área livre

“socialista” do direito político de economia paisagística da Bruno Taut de forma pioneira conseguia entender suas

república de Weimar. O novo método de produção, o novo experiências criativas, e transformá-las em uma conseqüente

modelo organizacional (empreitada geral) levou a uma nova forma. A partir da grande forma de ferradura, em Britz,

sensível redução de custos, racionalização e industrializaçaõ abre-se a base para um desdobramento contínuo do eixo

(que posteriormente veio a sofrer restrições) estes conduzidos principal em forma de fuso. As casas geminadas de 2

por alguns empreiteiros particulares e proprietários, o que andares construídas em ruas na direção norte-sul dentro do

mudou radicalmente a lógica da economia da cidade como até conjunto habitacional realizam um jogo conforme já

então era conhecida e trouxe resultados históricos, por ter presenciado em Falkenberg, nas quais existem frentes

137
construídas para frente e para os fundos, com seus ângulos criativas dos acessos, o direcionamento das ruas, a

acentuados e cuidadosamente desenhados. construção dos prédios), a colocação cuidadosa dos tijolos e

A primeira etapa da construção é popularmente sua modenatura, podem ser respectivamente observadas em

chamada de “Muro Vermelho”, imitando o muro das cidades formas particulares, variadas, mas em princípio comparáveis

no antigo Egito, possuía volumes destacados de escadas entre si. Nas etapas da construção das unidades dos

construído à sua frente. conjuntos habitacionais na estação de metrô “Onkel Toms

As estruturas internas típicas de Taut, constituintes das Hütte” (“Cabana do Tio Toms”) no bairro de Berlin chamado

paredes internas do conjunto de ferradura, consistem de uma Zehlendorf – as assim chamadas “Onkel-Tauts-Hütten”

arrumação de ordem rítmica axial e espelhada dos (“Cabanas do Tio Taut”, diversas unidades de construção

compartimentos da moradia, que são afinados opticamente e entre 1926 e 1932, 1a. etapa com Hugo Häring e Otto Rudolf

emoldurados por meio de tijolos. A mudança da parede de Salvisberg, construtora: GEHAG) adotou-se estes elementos

reboco branco liso e do pórtico em azul-profundo é novamente estruturais, apesar de que Taut nunca se deu ao luxo de

acentuada pela utilização de molduras em tijolo. arriscar a repetição de uma forma construtiva já conhecida,

Os elementos de construção mais importantes: o jogo sem que se fizesse uma reflexão ou crítica tectônica a

e a fina separação com eixos espaçosos, as específicas respeito.

colocações das acentuações (cores, formas, tonalizações

138
O “Rotte Front” de Britz em 2004

139
Enquanto que as ruas dos conjuntos habitacionais em forma uso de cores) separada da arquitetura de andares. O

de ferradura ainda possuíam suas casas com telhado sistema estrutural na horizontal, propositalmente

convencional de telhas, Taut mudou no bairro arborizado com desestruturado por cantos e torres, confere aos grupos das

pinheiros, Zehlendorf, os telhados para lajes, os quais já eram casas geminadas uma acentuada tonalização vivaz, sem se

utilizados, por motivos funcionais e estéticos, nos anexos deixar entrar em um jogo rítmico de cores inquietas,

habitacionais do parque Schiller (1924 e adiante) através de excessivamente contrastantes.

uma cobertura de limite na horizontal, opticamente (através do

Zehlendorf, Onkhel Toms Hutte/ Cabana do


tio Toms – Café na Argentinen Strasse Trierer Strasse, cores
originais dos edifícios
após serem restauradas

140
Enquanto que em Britz e em Zehlendorf predominavam

os grupos de construções mais baixas (na maioria das vezes

casas geminadas de dois andares, às vezes três andares), a

legislação para o zoneamento das construções permitia em

Berlim na localidade de Prenzlauer Berg (“Cidade Habitacional

Carl Legien”, alcançada por trabalho conjunto com Franz

Hillinger da GEHAG em 1929/30, com 1140 apartamentos

para 5000 moradores) a construção de apartamentos com até


Berlim – Britz, face da ‘’ferradura” para a rua. Grellstrasse, varandas
quatro ou cinco andares. O jornal “Vossische Zeitung” (jornal

de propriedade da família Voss) elogiava a “mui feliz solução

para a árdua tarefa de construção de apartamentos sociais”. A

“firmeza arquitetônica” de Bruno Taut repudiava

completamente os aspectos perigosos como, por exemplo,

eram considerados os ambientes das “Mietskasernenbau”

(construções em andares, pobres, sem conforto e estética

alguma – simplesmente, os cortiços).

141
“Admiravelmente, as sacadas arredondadas, que

aumentavam o andar, e que através disto harmonizavam e

acentuavam os apartamentos de esquina dos blocos em sua

totalidade, estas, ao mesmo tempo, ofereciam a vista ao pátio

aberto, sua luz e ar, pátio este que era revestido com grama

verde fresca. Tão finamente como eram utilizadas as cores

para a modenatura arquitetônica: um amarelo vivo, que se

harmoniza com a luz solar, traz a luminosidade a partir de um

fundo em tonalidade esverdeada, avermelhada ou azulada.” 71

Os conjuntos habitacionais da GEHAG projetados por

Taut, exprimiam-se não somente por seu caráter

arquitetônico, mas retiravam seu valor antes de tudo da visão

do construtor, a fim de que primeiramente a soma das

qualidades, quer fossem de caráter econômico (do ponto de

vista do valor do aluguel, e aproveitamento do espaço do

71
Idem, Ib.
Prenzlauer/Carl Legien, as varandas arredondadas.

142
solo), quer fossem de caráter social, ou de caráter criativo,

que levassem ao seu destino final.

Taut visava os aspectos da construção de conjuntos

habitacionais quando respondia em 1931 o questionamento

da sociedade de jardinagem da cidade: “O que vem a ser

afinal um grande conjunto habitacional? Um conjunto

habitacional, que não coincidentemente, mas é afinal de

contas tão grande, porque contém organicamente em si a

totalidade das necessidades de vida dos moradores. Sua Berlim – Britz, cores originais dos edifícios e casas, após serem
restauradas
escala, é não só o mandamento de instalação racional e de

administração, mas também e ainda mais uma necessidade,

com o fim de ordenar as relações entre a sociedade e o

indivíduo. Por ordenar entende-se um Estado social, no qual

sejam preenchidos todas as necessidades da mesma

natureza, centrais, coletivas, ou como se queira chamar, a fim

143
de que até as necessidades individuais ganhem maior frente haja provavelmente uma nova formação das plantas

espaço de ação. das habitações; pois, diferentemente de programas de

A possibilidade de recolhimento pertence à escala das construções habitacionais ricas, parte-se agora não mais das

mesmas necessidades. Nesta definição de grandes conjuntos unidades de moradia primordiais, mas substituem-se elas por

habitacionais, não só estavam inclusas lavanderias cada instalação comunitária de maneira enriquecida. O

comunitárias, berçários centrais, e jardins da infância, mas problema não estará mais em como tornar os apartamentos

incluíam além disto o fornecimento de gêneros alimentícios, menores, mas sim como se tornará a vida comunitária e

assim como controle de gastos de consumo organizados de individual mais produtivas?”

forma comunitária. Em outras palavras: o cozinhar (e fazer

atividades de casa) de maneira reclusa ou solitária, das

mulheres, que cada vez menos permanecem em casa, é

substituído pelo refeitório comunitário. Daí adiante pode-se

caminhar amplamente para o morar simples, sendo suas

funções relacionadas substituídas por bibliotecas

comunitárias, salas de estudo, de palestras e de exercícios, e

por casas do povo e semelhantes, de modo que daqui para

Berlim – Britz,um acesso a edifício

144
Berlim Britz – ‘’ferradura” jardim interno, lago e edifícios

O Método de Constituir de Taut

Em relatórios e publicações, que apareceram entre

1924 e 1932, Taut sempre se opunha à doutrina formal e à

confecção “modernista”. Ele reconhecia por princípio, que

vencer a necessidade de moradia não era simplesmente uma

questão de construir, mas sim uma obra social, e como tal,


Berlim – Britz, um acesso ao edifício da ‘’ferradura’’
deveria ser solucionada política e financeiramente. Através

145
disto ele admitia sua dependência de Martin Wagner, que construção de apartamentos e ao gênero de conjuntos

apenas podia forçar as diretivas financeiras e políticas de habitacionais, desenvolvido durante o período em que

cada forma de moradia, às quais vinculam o preço do terreno lecionava e fazia pesquisas adicionais na Escola Técnica de

e do aluguel, assim como as possibilidades de construções Charlotenburg, em conjunto com seu grupo de estudos

em cidades e em formas novas de organização de interdisciplinar não-ortodoxo. Não administrar receitas prontas

apartamentos. Levando-se em conta toda a racionalidade era seu conceito de forma de lecionar, porém aguçar a visão e

política, Taut era e permaneceu fiel à sua vontade e forma de a capacidade crítica para com os problemas.

pensamento de um arquiteto criador, o qual fazia sua parte

para solucionar os problemas políticos relacionados à

moradia. Apesar de toda a sua capacidade criativa, ele não

se arriscava a solucionar o problema sozinho. A qualidade

empreendedora de Taut ao tempo das construções

berlinenses se baseava em sua visão profunda e prática em

se trabalhar de forma cooperativa, para a solução coletiva dos

problemas complexos. Esta visão caracterizou também seu

seminário de duração de dois semestres direcionado à Berlim – Britz, acessos das casas geminadas

146
Esta visão da conexão social e política com o projetar conseguida pelos moradores, se a localidade, por causa das ruas, das
direções, do fundamento, não trará dificuldades, se em geral poder-se-á
arquitetônico diferenciava Taut de muitos de seus colegas. financiá-lo de maneira econômica, se os aluguéis não irão se tornar altos
demais, e assim por diante.
Transmitir esta visão, ainda aparece hoje como uma questão
Dirigimo-nos até a localidade, observa-se ela talvez diversas
de discussão significativa entre estilistas e burocratas formais, vezes, acontecem novas reuniões até que se obtenha um programa, que
determine o tipo de casas e apartamentos, seu tamanho e seu preço.
a qual confere a absoluta responsabilidade ao formalismo da
Como arquiteto, experimenta-se o plano da laje, raciocina-se a seguir
arquitetura. Taut não era um descuidado ou um amador, mas todas as condições do objeto, o direcionamento ao céu, o tipo de
localidade de paisagem, e desenha-se um breve esquema. Este será
também aqui, no lidar com os projetos, era uma capacidade. realmente somente um esquema, um pequeno esboço das reflexões
acerca do que se conhece através das observações anteriores, que ainda
Abaixo citarmos alguns trechos de dois textos retirados
não tem relação com a arquitetura. Mas então, melhor ainda se for à noite,
das obras publicadas de Taut, nos quais ele descreve seu quando nada atrapalhe, faz-se esforço concentrado para liberar a
sensibilidade acerca do objeto, porém ainda não para elaborar desenho.
método de projetar. Esta demonstração de conhecimento
Precisa-se às vezes esperar, precisa-se também ter a paciência
quase pessoal e íntima, de uma apresentação da maneira de para esperar, a fim de que se chegue a uma conclusão rápida. Precisa-se
esperar, que, o que até então era somente um esquema, comece a
elaborar projetos, leva talvez, ao entendimento do homem nascer, até que se pare de pensar e de fato somente se sinta. Todas as
semelhanças até então construídas foram então relembradas; agora
Bruno Taut, irônico, às vezes quase sarcástico, crítico das
chega-se ao ponto de realizar a nova criação, como a uma nova vida a se
situações do seu tempo presente, no qual reconhecia as enfrentar, começa bem sem definição dentro da sensibilidade, daquilo que
se chama de “idéia”. A sens ação é como um filtro; somente segura as
necessidades prementes e os seus problemas:
observações e o conhecimento que se aproveitam para a nova tarefa.
“A seguir são colocadas muitas considerações, acerca de valer ou Então a mão começa a desenhar, quase automaticamente ou sem querer.
não a pena de se construir um conjunto habitacional, se será fácil de ser A cabeça se desliga. A mão desenha linhas abstratas sobre o papel,

147
fazendo as ruas, o conjunto das habitações, as casas; ela agrupa o
primeiro esquema de tal forma, que a apresentação de todo o objeto se
torna harmônico.
Nas casas, particularmente e nos pormenores das casas, a
abordagem é bem semelhante: a planta dos tipos individuais já se tem de
pronto. As casas são desenhadas no escritório. Uma vez que o todo deve
ser tão econômico quanto possível, assim os detalhes individuais seguem
normas, das portas, janelas, escadas, bordas do telhado, telhados, e
assim por diante. Devem ser tão práticas quanto possível. Também
relativamente à planta e aos detalhes, procedem-se muitas longas
conferências, o que se pode também ocasionalmente refinar nas horas
tranqüilas em casa, tornando as proporções, os perfis, etc., os mais
práticos possíveis e bem feitos. Por isso as casas são desenhadas no
escritório. Naturalmente, devem ser simples. Os desenhos elaborados nos
escritórios são secos, porém, do ponto de vista do trabalho técnico, não
deixam nada a desejar. Os desenhos são precisos, elaborados por um
grupo de pessoas, as quais possuem muito conhecimento, que se formou
pelo aprendizado em escolas de aprendizes de construção e em escolas
técnicas de alta qualidade; mesmo assim a secura destes trabalhos é um
perigo e, o que é pior, quando se realiza que este trabalho repetir-se-á
muitas vezes, sendo as casas repetidas de várias formas e sendo elas
muitas vezes construídas aos milhares. Conduz-se este trabalho como
carga pesada, que deve inclusive ser levado para casa. Pendura-se ele
sobre a mesa de trabalho, deixa-se lá vários dias, revisa-se repetidamente
e faz-se prova: de maneira prática e técnica tudo está em ordem; não há
nada que possa depreciá-lo.
Desenhos originais

148
Porventura pode-se chegar a se sentir, que aqui ou ali cinco ou dos quais o mais conhecido foi Albert Geȕner, que na ocasião fazia
dez centímetros precisam ser colocados para a direita ou para a esquerda tentativas solitárias para reformular o interior das habitações. De resto, o
ou para cima ou para baixo, assim como outras ‘pequenos detalhes’ nada trabalho dos arquitetos se limitava á decoração de interiores. Mesmo estes
trazem de alteração, e que o objeto ainda se mantém prático e que casos eram relativamente raros. A maioria das habitações era projetada
permanece correto. Assim se segue mais uma noite de trabalho; coloca-se por "também-arquitetos" e os resultados da produção dessa época falam
papel transparente sobre os jornais e a mão desenha novamente – a por si.
mente proporcionou liberdade a ela...
A responsabilidade do arquiteto pelo projeto completo se constituiu
O que foi feito em primeira instância, a saber, a boa proposição
numa inovação em relação à época antes da guerra, mas alem disso
dos planos da localidade, quando o conjunto habitacional estiver
surgem tarefas, que cada vez mais solicitam o arquiteto em assuntos de
construído, aquele trabalho não será diretamente notado. Porém, as
sociologia e de organização técnico-construtiva. O envolvimento
pessoas que lá morarem ou que visitarem o local, conscientemente
sociológico resulta do fato, que a definição do projeto somente pode ser
perceberão a totalidade da harmoniosa ordenação.
solucionado mediante conhecimento exato das necessidades da
O resultado dos demais trabalhos noturnos vê-se diretamente. Às
população, e o acerto da solução encontrada tem relevante importância,
vezes alguém elogiará, quão belas são as janelas e portas adornando as
em conseqüência da construção seriada, da múltipla repetição dos
paredes da casa, elogiando primordialmente a beleza das casas. Então o
projetos básicos, isto é ainda mais aguçado pela crônica falta de
arquiteto não será notado por seus trabalhos noturnos. Mas ele sabem quais
habitações. Obviamente o arquiteto deve ser capaz de solucionar o projeto
os caminhos percorridos a fim de se chegar a tal beleza.”72
da habitação para uma família de forma prática e higiênica. Mas se ele se
E ainda acrescentando: limita a isto, apesar disto muito exigir e estas realizações merecem grande
“Quem não conheceu a construção de casas antes da guerra73, apreço, ainda assim seria à nossa época, um arquiteto insuficiente. Deve
dificilmente pode fazer idéia sobre a mudança ocorrida na atividade atual estender sua atividade para o campo da sociologia, investigar as
do arquiteto. Antes o arquiteto era ocasionalmente solicitado pelas firmas condições de rendimento da população, estudar e entender as questões
de construção civil para projetar elevações. Envolvimento com a planta se salariais e ainda deve relacionar estes fatores com o provável
limitava a eventuais pequenas correções, a não ser em casos isolados, desenvolvimento futuro.O grau de dificuldade dos problemas que surgem,
nos quais o arquiteto amplia sua tarefa para incluir, por assim dizer, a
72
Taut, Bruno, “Architekturlehre Grundlagen, Theorie und Kritik” Heinisch & Peschken, arquitetura do destino, se evidencia através do difícil problema da
Hamburgo, 1977
73
Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
habitação mínima, ou seja a determinação da dimensão mínima que pode

149
ser aplicada à unidade habitacional. O pensamento e o conhecimento intelectual, as sempre crescentes meditações em conseqüência das
social, a intuição social se associa à capacitação arquitetônica e são pré- inovações tecnológicas muitas vezes evoluem a ponto de fazer parecer
requisitos equivalentes para o trabalho. que esta parte do trabalho é a mais importante. O problema não se conclui
com a normalização e suas conseqüências; a própria estrutura construtiva
A tarefa absolutamente não se limita à planta. O arranjo urbanístico pode
precisa ser sempre re-examinada, procurando uma solução que se ajusta
alcançar significado primário, quando se trata de novas urbanizações. A
com flexibilidade crescente e clara ao emprego na construção seriada.
forma de se tratar e dividir os blocos de edifícios influi de forma decisiva na
Estes problemas técnico-organizacionais incluem as centralizações do
dimensão em profundidade da casa (Haustiefe), a ponto de resultar
aquecimento e da manutenção do vestuário, que por sua vez não podem
freqüentemente no fator determinante, único, da qualidade do projeto e do
ser tratadas sem conhecimentos sociológicos, ou exclusivamente com
valor higiênico e funcional da habitação. Aqui os problemas da
base na técnica.
urbanização, da construção de vias de trafego, do transito etc. são
decisivos, e a eles se juntam as necessidades sociais. Todo o restante fica em primeiro plano, com exceção do assim
chamado artista. Mesmo assim não é possível resolver tudo isto com o
O arquiteto deverá levar em consideração a complementação das
claro intelecto. A formação, por assim dizer, ampliou-se do estúdio para o
habitações, não somente com lojas, mas também com todas as
espaço livre. A vida enciclopédica forma através de todas estas
instalações para o trato das crianças, como jardins de infância, às vezes
necessidades as construções de habitações, que não representam o
também creches, parques infantis, mas também bibliotecas,
capricho dum artista, mas são aparições honestas e sadias, claros
freqüentemente salas de reuniões, etc.
invólucros do seu conteúdo. E por isto as cidades e posteriormente o
Além deste montante de considerações sociológicas, soma-se aos
campo receberão, pouco a pouco, um caráter construtivo diferente,
problemas urbanos a indisponibilidade de áreas, que constitui uma parcela
certamente mais sadio.
importante do trabalho do arquiteto, existe como segundo fator importante
A época dos motivos arquitetônicos acabou definitivamente. Se existe a
sua capacidade de organização técnico-construtiva. A responsabilidade
impressão de que motivos modernos florescem, de maneira semelhante
em relação ao detalhe técnico (janelas, portas, escadas etc.) se multiplica
aos telhados pontiagudos injustificados do passado, e freqüentemente
quando estes componentes são empregados em repetições múltiplas. O
dominam a situação, estas aberrações não terão vida longa. O trabalho de
risco de problemas futuros, como, por exemplo, na questão dos telhados,
confecção é superado pela construção, que somente conhece os
acrescenta uma carga de responsabilidades, comparada à qual o antigo
elementos que se prestam para o melhor cumprimento das necessidades.
"artista" era uma figura negligente e leviana. O aguçamento do trabalho

150
A ‘’Ferradura de Britz’’ entrada para o lago, varanda, pátios e lago
151
Ela escolhe os elementos mais adequados para a função e mais ajustados Soluções Urbanas As Tipologias dos bairros
às dependências, ela tem a segurança sólida, de que o agrupamento
natural desses elementos, em combinação com o bloco e com o arranjo de operários “GEHAG”.
blocos concatenados, deve formar um conjunto belo. Para o exterior
O bairro operário de pequenos apartamentos, formado
permanece a pergunta chave: o que produz a janela única, o único balcão,
a varanda, etc.? Se os balcões, possivelmente com múltiplas repetições, predominantemente por casas geminadas transmite o charme
se mostrarem inadequados, certamente a arquitetura é má. O mesmo vale
agreste das cidades – jardim, através de seus telhados de
para o telhado, tanto faz, se plano ou inclinado.

Tudo isso faz temer uma despovoação da nossa profissão? Eu não duas águas, suas janelas com aberturas para as áreas
entendo assim. Estes elementos permitem, com a concepção elementar
habitáveis, dos telhados e seus jardins particulares. Prevê-se
do tratamento colorido, ou seja da cor como função, possibilidades tão
ricas para o sentimento e, se quiser, para a fantasia, que o caráter da um centro de aldeia, na forma de praça ou de edifício
habitabilidade de forma alguma será prejudicado, mas, pelo contrário,
comunitário.
ainda será criado. Ninguém quer uma despovoação. Mas quando se
procura uma base arquitetônica, deve-se voltar para o elemento, ou seja, Streusiedlung Bairro com orientação aleatória das
para o simples em conjunto com o sentido de proporcionalidade original,
que não pode ser obtido por vacina, é o claro e o limpo. Isso fica em casas.
relação direta com o econômico e o social, fazendo com que a corrente de
"No caso do bairro completamente aleatório, a
intelecto e de sentimento se encerre de forma natural”.
completa igualdade das casas pode gerar um jogo harmônico
Bruno Taut, Stadtbeirat (conselheiro da cidade) Arquiteto e construtor de
habitações (Architekt und Wohnungsbau).74 pela sua posição variável no lote ... estes elementos sempre

devem estar em sintonia com a praticidade" (Der

Auȕenwohnraum, 1931).
74
Jahrbuch des Akademischen Architektenvereins (Anuário da Associação Acadêmica de
Arquitetos), Berlin 1928, pág. 28,29

152
Contribuindo para o conceito "Dissolução das Cidades

(Auflösung der Städte)" Taut propôs estes bairros operários

como solução para o problema da habitação, quando expôs

em 1925 na exposição "Heim und Scholle (Lar e gleba)" na

cidade de Braunschweig. A ligação do homem com a terra lhe

parece ideal. Estes conceitos apresentam um certo conflito

com a falta de habitações nos anos vinte e com a

necessidade de habitações coletivas de elevada densidade.

O fechamento de blocos de edifícios em ambientes

urbanos.

A criação de habitações de aluguel urbanas é

atribuição da GEHAG desde 1924, da mesma forma como a

criação das "Streusiedlungen".

Freqüentemente se objetivava a ocupação de gleba

remanescente entre as construídas da região. Como inovação

na organização tradicional da planta de casas urbanas de Prenzlauer/Carl Legien, Carmen Sylvia strasse,
implantação edifícios, pátio interno.

153
aluguel, Taut inverte a habitação. As melhores salas de estar criadas aberturas. Forma-se um diálogo entre o pátio verde e

não ficam mais do lado da rua, mas mudam para o lado do a rua. O código de obras Berlinense não permite essas

pátio interno. Economiza-se a utilização da rua como espaço interrupções, e Taut obteve dispensa do §8, nº 5 deste

de urbanização. Seguindo o exemplo holandês, criam-se código, mediante argumentação que segue:

pátios internos, o que se torna símbolo da nova cultura x O bloco interrompido permite obter a mesma

habitacional. É para os pátios que se orientam as salas de utilização do terreno como o bloco contínuo.

estar e as galerias, fazendo surgir uma estruturação plástica x A maioria das habitações pode receber o sol de

da fachada. A fachada do lado da rua é lisa e contínua, de leste e oeste.

forma discreta. Apenas os ângulos constituem a conclusão x A renovação de ar melhora

ótica do bloco de edifícios, por meio de variação das cores ou x O lado do pátio e o lado da rua são equivalentes.

através de balcões que ocupam os dois lados do volume. Desta maneira surgiram as criações arquitetônicas e

urbanísticas mais belas de Berlim. A concepção de blocos de

O Bloco Interrompido - Der Aufgebrochene Block. edifícios em “ C, L ou U” somente é possível mediante

Visando aumentar a densidade habitacional, simultânea flexibilização das plantas, nas quais se pode

planejaram-se prédios de 4 a 5 andares em terrenos maiores. intercambiar o local da sala e da cozinha conforme a

Nos blocos de edifícios, de dimensões mais estreitas, foram orientação do sol.

154
progressivamente a partir de 1926. Inicialmente Taut

conseguia agrupar os poucos tipos de casas em diferentes

linhas, filas e divisórias e formar desta maneira pátios, praças

e ruas de uso comunitário.

Prenzlauer/Carl Legien, Carmen Sylvia Strasse comércio


local e edifícios

A Mega-Estrutura Mista - Die Gemischte Freie Scholle – Gleba Livre, Implantação e foto aérea, 1927

Groȕstruktur.

Os mega-bairros operários "Freie Scholle (Gleba Livre),

Hufeisen (Ferradura) e Onkel-Toms Hütte (Cabana do Tio

Tomás)", cada qual com mais do que 1.000 habitações foram

executados em várias etapas, e refletem a variação das

condições entre 1925 e 1930: A utilização de área de terreno

por habitação, inicialmente generosa, se reduz

155
No entanto, em 1930 somente surgiram linhas de casas operários. A situação deste espaço em relação ao sol, ao

relativamente apertadas, embora, em contraproposta para o vento e a proporção de suas dimensões exerce uma grande

bairro operário experimental "Haselhorst" Taut ainda combina influência sobre os sentimentos de conforto, sobre os

linhas de casas com a construção de casas isoladas nos sentimentos ao se contemplar a moradia, sobre o silêncio,

limites da gleba. A sistemática repetição das linhas de casas, sobre a calma harmônica, sobre o aconchego etc, sensações

ao longo das ruas, é descontinuada mediante a variação e estas proporcionadas pelas dependências da habitação.

desalinhamento das suas extremidades. Estes valores de bem estar somente podem se manifestar,

caso os sentidos encontrem um espaço compreensível, ou


O Espaço Externo da Habitação
seja um espaço, cujas dimensões têm relações entre si.
Der Auȕenwohnraum
Os obstáculos naturais proporcionam o mais valioso
Nos projetos de Taut as imediações externas da
auxílio ao arquiteto. Isto ocorre nas mais diversas ocasiões,
habitação são de extrema importância para esta. Existe uma
seja o obstáculo a conservação máxima das reservas
relação direta com a qualidade da habitação. Assim como as
florestais, como foi em "Zehlendorf", ou a criação das formas
dependências da habitação podem transmitir uma sensação
a partir das condições do solo, como foi na Ferradura de
de conforto e de habitabilidade, o mesmo ocorre com o
"Britz", ou a formação de sobreposições e vistas, com base
espaço externo da habitação. Aqui se considera, no sentido
numa velha alameda e nos contornos limítrofes do terreno.
urbanístico, o espaço circundado pelas paredes dos bairros

156
Zehlendorf - Bosque da Argentinen Strasse varandas e
acesso de edifício

157
Os pátios foram destacados e favorecidos de diversas 1924, e cujo planejamento ficou a cargo de Bruno Taut, é o

maneiras, seja através da estruturação proveniente da pequeno grupo de construções da cooperativa "Freie Scholle

implantação, como também por meio das cores, aplicadas em (Gleba Livre)" totalizando nove casas duplas, agrupadas ao

função de raciocínios específicos: para aumentar as redor da praça verde da vila, que destinava-se às atividades

dimensões aparentes e para estruturar os grandes comunitárias. O tipo "vila com praça verde" também foi

segmentos. Nota-se uma mudança de prédios de dois para empregado por Taut em 1925 no bairro operário "Ruhland" e

três andares, na fase de ampliação do bairro operário "Bitz" num grupo de construções mostrado na exposição "Heim und

em 1930, e outra mudança de 4 para 5 andares na Scholle (Lar e gleba)" em Braunschweig.

"Wohnstadt Cart Legien", como ainda uma variação entre Até 1925, somente, se construiu uma das duas linhas
blocos abertos e fechados por páteos. de casas. Cada casa foi acompanhada por um jardim e por

Estas possibilidades de variação são elementos de formação, um pequeno estábulo, para possibilitar o sustento próprio. Os

que influenciam de maneira importante o espaço da mesmos tipos de apartamentos Taut utilizou no bairro

instalação urbanística" (Der Auȕenwohnraum). operário "Streusiedlung" em Mahlsdorf e na "Freien Scholle"

em Tegel.
Quatro Bairro operários

O bairro operário da cooperativa Freie Scholle se


O primeiro bairro operário, cuja construção foi
desenvolveu ao norte de Berlim, numa área de 208.000 m2. O
administrada pela GEHAG, após sua fundação em abril de

158
terreno estreito e comprido é atravessado por uma estrada de quatro lojas e uma piscina coletiva de propriedade do bairro

interligação dos subúrbios Tegel e Lübars. Inicialmente o operário demonstram a autonomia desta.

objetivo da cooperativa foi criar um subúrbio de jardins nesta


A segunda etapa de construção somente se inicia em
região de belas paisagens. A cooperativa foi fundada em
1924, após o controle da inflação, e sob administração da
1895, por Gustav Lilienthal, irmão e colaborador do pioneiro
GEHAG, com projetos de Bruno Taut. Em direção paralela à
de aviação Otto Lilienthal. Gustav foi um mestre de obras de
rua norte-sul existente construíram-se inicialmente casas
idéias socialistas, inventou uma caixa de construções para
geminadas, posicionadas de maneira alternativamente
crianças e desenvolveu um bloco de concreto oco, que os
deslocadas, de forma a ampliar a linha de casas. A partir de
próprios cooperados podiam fabricar.
1926 construiram-se casas isoladas para uma única família,

No ano de 1903 nove casas duplas foram construídas inicialmente com telhado de duas águas, posteriormente com

na bairro operário por este sistema. Inicialmente a bairro laje plana de cobertura. A partir de 1927 Taut planeja prédios

operário se desenvolvia apenas ao longo de uma rua, a de dois andares, com cobertura plana, com galerias e janelas

Egydistraȕe, que se estendia na direção norte – sul. No ano ocupando os ângulos que estão no alinhamento da atual via

de 1910 já existiam 71 casas com 173 habitações em casas "Waldmannsluster Damm" e que definem seus pontos de

duplas e de quatro famílias. Um restaurante, uma padaria, cruzamento de maneira plástica através de sua simples

“presença”.

159
Ao invés do mercado, inicialmente previsto para o sítio, Até 1932 construiram-se 541 habitações, das quais 299

constroe-se entre 1927/28 o grande "Schollenhof" com 103 em casas de uma família. Uma última ampliação ocorreu em

habitações.O quadrilátero esconso envolve uma grande 1936 em conseqüência de um novo traçado de rua. Durante a

praça, em forma de ferradura, delineada por árvores. As salas guerra partes do bairro operário foram destruídas por bombas.

de estar e os balcões são orientados para fora. Para o pátio Uma grande parte recebeu restauração de cores nos anos 70.

voltam-se as escadarias e os dormitórios ou cozinhas. Taut


Nos dois lados da Carmen Sylvia Straȕe, hoje
inverteu o princípio da ferradura de Britz. Neste bairro
denominada Erich-Weinert Straȕe, construíram-se 1145
operário extenso, formado por construções muito diferentes,
habitações em seis pátios de moradia, alongados e abertos
sua praça generosa forma um centro urbanístico, que irradia
para a rua principal. Uma ampliação planejada com cinco
calma. No ano de 1930 se cria uma segunda praça aberta, ao
pátios e 400 habitações não foi realizada. É o bairro operário
norte da primeira, no Kamp-und Freilandweg, por meio de
de Taut essencialmente urbano, com a maior densidade, com
prédios habitacionais em alinhamento angular. A formação
prédios de 4 e 5 andares, seguindo um plano uniforme. Uma
destes centros da comunidade foi o mérito de Taut, que
impressão arquitetônica grandiosa é dada pela imagem ao
vencia as dificuldades econômicas e as racionalizações sem
longo da rua principal, que é delineada pelas extremidades
ter que contar com o auxílio de imagens urbanas históricas e
dos blocos de edifícios de cinco andares, com seus balcões
idílicas.
envolvendo os cantos. Os pátios internos estreitos e

160
compridos são cercados por edifícios de 4 andares, com pode fazer com que os pátios pareçam maiores do que

balcões e varandas do lado interno. As elevações para as realmente são.

ruas estreitas são planas. Inicialmente se planejou uma


Todas habitações, mesmo as menores, apresentam
galeria de lojas ao longo da rua principal, acompanhando os
proporções e disposições das dependências extremamente
prédios em toda extensão. A execução desta idéia se limitou a
bem arranjadas e estão em uso até hoje. Cada habitação
um único pátio, deixando abertos para a rua os pátios
dispõe de um grande balcão para uso no verão, que ainda
restantes, onde a tensão espacial entre pátios fechados em
inclui um pequeno depósito para a guarda de materiais
três lados, com abertura para o lado da rua, fornece para os
diversos. Após a reunificação da Alemanha, a propriedade da
blocos opostos um espaço urbano generoso, rico e semi-
"Wohnstadt" voltou à GEHAG.
aberto.Em dois pátios os habitantes contavam com
A Cor Inteligente Construir com Cores
lavanderias coletivas. Conforme a restauração das cores
Em sua juventude, Bruno Taut elaborou um programa,
conduzida pelo arquiteto Winfried Brenne, aos prédios de
denominado "Farbige Raumkomposition, Farbige Architektur"
cinco andares de cor amarelo escura, revestidos com reboco
(Composição de ambientes coloridos - Arquitetura colorida).
de textura variável, se opõem os pátios de coloração uniforme
Entendia que a cor, a pintura colorida sobre o reboco
em azul, verde e vermelho-marrom, com balcões claros,
provaram ser materiais sensíveis, que permitem alcançar com
fazendo contraste com as paredes de coloridos intensos. Isto
um dispêndio mínimo, duradouro efeito sensorial.

161
coloridos... Na igreja St. Trinitatis na cidade de Danzig

verifiquei, há vários anos, que bem no alto, numa cumeeira do

lado leste, existiam extensas áreas de reboco com colorido

intenso, vermelho, que apesar de um pouco escurecido, ainda

estava luminoso – com faixas de juntas largas, pintadas de

preto, cujas juntas foram riscadas no reboco".

Os pré-requisitos para reboco colorido são satisfeitos

pelas tintas para materiais (Materialfarben) da firma KEIM,

que desde 1876 fabrica pigmentos coloridos com base em

silicatos. Estes pigmentos, quando misturados a rebocos


Elevação posterior do Bloco V do Siedlung Carmen Sylvia Strasse
cores restauradas pelo arquiteto W. Brenne, 1998
calcários apresentam excelente estabilidade de cor e
Taut se via, na ocasião, envolvido com a tradição
resistência à luz solar, quando aplicados em paredes
medieval. Ele publicou, em "Frühlicht" (pag. 29/30) no outono
externas. As camadas de reboco são permeáveis à água, o
de 1921, um artigo de Karl Weishaupt "Farbe im äuȕeren
que permite a difusão da água através das paredes de tijolo.
Raum" (Cor no espaço externo), que mostra, com base na
Isto representa vantagem especialmente nos meses de
história, que "a cidade antiga da Alemanha usava espaços
inverno, quando tintas modernas impermeáveis, que fazem a

162
água condensar na sua face interna, destruindo o reboco

quando a água congela.

Nos trabalhos de restauração dos bairros operários de

Taut, a partir dos anos setenta do século XX, envolvendo

Ferradura em Britz e Cabana do Tio Tomás em Zehlendorf, se

reutilizou estas mesmas tintas minerais da firma Keim, que

ainda as fabrica. Foi possível refazer satisfatoriamente a

solução cromática original.

As casas seriadas no "Akazienhof" do bairro operário

Falkenberg, de 1913, têm perfis no telhado, nas janelas e nas

portas, que lembram a arquitetura simples do barroco

germânico. Cores contrastantes, amarelo, azul e vermelho-

marrom separam as casas de forma ótica e fazem a

abstração das formas tradicionais, sem destruí-las. A casa

multifamiliar de 1914, de forma angulosa, que já foi


Porta frontal de entrada, interior e escadas e projeto cromático do
restaurada, se manteve numa coloração uniforme Bloco V do Siedlung Carmen Sylvia Strasse.
Restauração das cores originais 1998

163
vermelho-ocre. Em compensação, cada lado, numa parte losangos, com triângulos alternadamente amarelo claros e

central, tem uma composição de cores que chama a atenção. brancos, que cintilam como as escamas de um réptil.

Na fachada do lado do jardim se estendeu em relação à água A imagem gráfica dissolve a alvenaria, como
contínua um postigo com cumeeira. O campo retangular, mais posteriormente em, 1926 as faixas horizontais pintadas, com
alto do que largo, é dividido por frisos de reboco horizontais e altura de um andar: azul, amarelo e vermelho, que
verticais em campos de tamanhos diferentes, coloridos transformam a fachada do lado da rua do bloco, na
alternadamente em amarelo claro e azul ultramarino. Esta Triererstraȕe em Berlim, numa imagem cheia de força,
área colorida chama tanta atenção e enfeita de forma afirmativa da vida. Nas séries de casas da Buschallee e nos
repentina a fachada, que dá para entender quando, à época, pátios da "Wohnstadt Carl Legien" as paredes novamente são
o jornal "Berliner Tageblatt", parodiando a brincadeira duma pintadas em cor única em vermelho-marrom, verde
criança, batizou a bairro operário de "Caixa de Aquarelas". Na respectivamente azul. As grandes galerias e balcões ficam em
lateral das casas as pequenas janelas dos banheiros e as frente na cor amarelo claro e tornam a dissolver as áreas de
janelas superiores da escadaria são reunidas por um quadro, cor intensivas. Ao mesmo tempo, o contraste entre as
de altura da casa, de cor turquesa formando um grande paredes escuras e os balcões claros faz com que os pátios
"portal", cujo campo central é preenchido por um conjunto de pareçam mais amplos.

164
Janelas com divisórias em vermelho e azul escuro e linhas coloridas pequenas e abstratas, que lembram a

com peitoris coloridos estruturam os lados da rua, fechados e composição do movimento Holandês Stijl. Acrescentam um

com reboque mais grosseiro, da "Wohnstadt Carl Legien" com jogo rítmico às grandes formas arquitetônicas.

Enquanto nestas obras as cores sempre preenchem

um sentido ótico, Taut inventou para sua própria residência

em Dahlewitz um “energético”. O lado oeste, que se volta para

o sol da tarde, mais quente, é pintado de branco ofuscante

enquanto que o frio lado leste do sol matinal é pintado de

preto, para ali colecionar o calor do sol por meio da cor escura

e acumulá-lo na parede. "A forma da casa é uma cristalização

das condições atmosféricas. Ela é apoiada pela cor, que aqui

é empregada em confronto no lado oeste, completamente

branco, como a neve, no lado leste - voltado para a rua –


Bloco V do Siedlung Carmen Sylvia Strasse. acesso posterior
cores reconstituídas pelo arquiteto W. Brenne em 1998
preto:...A luz e o calor do sol matinal são sugados para dentro

de casa..." 75

75
Taut Bruno, Ein Wohnhaus, pag.19, Stuttgart, 1927

165
O Morar Coletivo mesmo vale para o estudo e crítica de planejamentos

comunitários já existentes; as experiências surgem de


É de se supor que isto é um fato com validade
exercícios feitos conjuntamente.
universal, mas quais serão os motivos, que fazem com que os

apartamentos coletivos bem como as casas geminadas Em segundo lugar: A partir do fim do século dezenove,

construídas na primeira metade do Séc, XX, coexistam com a sociedade urbana se desenvolve, forma-se uma civilização

os da segunda metade, ou seja, do tempo após a segunda urbana, surgem os problemas urbanos. De que maneira os

guerra mundial e são até hoje habitadas, cheias de vida e se arquitetos participaram destes processos, ajudando a cunhar

constituem de forma natural numa parte definida das cidades? a imagem do mundo, sobre isto há fatos que testemunham

uma procura séria. Taut, por exemplo., muitos gostam de


Procurando-se os motivos para isto, diferentes
interpretá-lo , dizendo que ele construiu 12.000 habitações por
aspectos devem ser considerados.
deixar o expressionismo, as arquiteturas do espaço e se
Em primeiro lugar: Muito se aprende das dependências
dedicou subitamente à nova objetividade realista. No entanto,
de vilarejos e cidades: que forma deverá ter a vida em
a verdade é que isto foi uma progressão em sincronia com o
comum, até que ponto é possível uma comunhão de vida,
tempo. A pergunta é, se ele realmente partiu da visão
uma união, uma cooperação, um trabalho em conjunto? Que
mundial, da cosmologia, para chegar na ocupação com
espécie de forma de vida deverá ser desenvolvida? Um ponto,

que certamente deverá ser examinado com discrição.O

166
urbanismo, com o projeto de prédios residenciais para o paisagem. O inglês Raymond Urwin, citado por Taut

proletariado. principalmente para fazer comparações, teve atividade

Em terceiro lugar: trata-se de enfrentar problemas para semelhante. Justamente em face deste procedimento se pode

determinar o sujeito, em seus múltiplos aspectos. A nossa achar que Taut finalmente concluiu que a "New Town", que

tendência é de considerar a sociedade denominada por consiste de materiais compostos, se instalou por assim dizer

"cidade industrial ou moderna" como sendo uma gigantesca sozinha, como acúmulo de diversas experiências. O registro

massa de anônimos. No entanto, quando estes se reúnem, disto, desta maneira, pode parecer terrivelmente conservador,

seja como produtores ou como fornecedores, ou seja, como como que aqui se tratasse da preservação de tradições

alojados proprietários ou inquilinos, irão mostrar seus rostos superadas; no entanto, o sucesso de Taut com seu

individuais. Na república de Weimar, após a primeira guerra experimento de vanguarda deve ser creditado à sua

mundial, que equivale, sob certos aspectos históricos, com convicção inabalável. Os eixos de moradias com vários

uma república democrática, estes indivíduos construíam uma andares e o telhado plano ele pode promover nos bairros

existência dentro das várias cooperativas. operários dos anos vinte, apesar de muitas resistências e da

luta com regulamentos de obra existentes.


Para apresentar um exemplo relativo ao primeiro ponto:

No início de Sec. XX Taut se dedica a diversos estudos, sobre O segundo ponto se refere à visão mundial e

a topografia do vilarejo, sobre economia social e sobre cosmológica. Levando em consideração que Taut considerou

167
como arquitetura realizada imagens tão cristalinamente um pátio de moradias com mais do que 200 habitações em

visionarias como "Monumento do Ferro" (1913) e "Casa de Kattowitz, que hoje fica na Polônia (na época ficava em

Vidro" (1914), que ele fixou em inúmeras aquarelas obras Schlesien – uma província Alemã).

fantásticas, porem nunca construídas, como a "Arquitetura


Em muitos dos quadros de Taut sobre arquitetura
Alpina" (1919) o "Frühlicht" (1921-22) ou "A Coroa da Cidade"
fantástica são representados grupos de casas; no centro e no
(1919) se pode chegar a pensar, que os bairros operários de
distante o primeiro "Frühlicht" (luz da madrugada) é
Taut são idéias, que não tem nada que ver com tudo isto,
representado, também se encontram cursos de água, que
como se ele tivesse se dedicado ao ilusionismo desde antes
refletem o raio de luz, além de arquiteturas cristalinas e
da primeira guerra até 1920, mas depois tenha se voltado ao
sugestões da coroa da cidade. A praça em forma de ferradura
realismo, influenciado pelo ideal revolucionário. No entanto, a
no bairro operário de Britz tem sua abertura voltada para o
realidade é que as opiniões duma pessoa nunca mudam tão
leste, o lago em seu centro cria um espaço vazio, que
radicalmente. Taut criou suas obras em constante conflito
certamente permite um lusco-fusco com a incidência do sol
com o romantismo Alemão, que na época era uma corrente
matinal.
muito forte. Entre 1915 e 1918, no meio da primeira guerra,
No terceiro ponto o sujeito é o bairro operário. A
uma época, que se costuma considerar a época das
administração pública, bem como empresas privadas,
arquiteturas fantásticas, Taut construiu um bairro operário e
costumavam obter moradias para os grupos anônimos, não

168
existia uma reunião dos inquilinos individuais. Durante a crise reformista como a de Bitz e de Zehlendorf (1926-31). Martin

do pós-primeira guerra, surgiram várias associações de Wagner participava na elaboração dos projetos, e ao mesmo

pessoas, que pressionavam por moradias(as assim chamadas tempo, deu grande apoio a Taut. Havia outra circunstância

cooperativas), como a GEHAG apoiadas pelos poderes da feliz. Antes de assumir o seu posto, Wagner havia participado

cidade de Berlim (que dispunha de espaços habitacionais) e da organização das "Bauhütten", que absorveram muitas

por Bruno Taut,. Durante seu tempo em Berlim Taut teve a empresas pequenas e médias de construção civil. A

sorte, de seu amigo Martin Wagner ocupar o posto de chefe existência das "Bauhütten" também contribuiu

de departamento da autarquia de engenharia civil Berlinense. consideravelmente para o sucesso dos bairros operários de

Enquanto isso, Taut continuava seus contatos com as Taut, que exigiam desenvolvimento de muitos novos

cooperativas de aluguel, tendo conseguido convencer a conceitos. As cooperativas de inquilinos, as corporações auto-

cidade e o governo, o que não foi uma tarefa fácil. Na administrativas, as associações de poupança para a casa

republica de Weimar a fiscalização de obras dispunha de própria, de distribuição e administração, bem como as

autoridade e meios jurídicos extraordinários, e como existiam cooperativas de obras civis – quatro formas de pessoas

inúmeras repartições de fiscalização, foi necessário obter jurídicas que trabalhavam para o bem comum - ficavam à

autorizações para requerimentos completamente novos para disposição de personalidades como Bruno Taut e Martin

estas repartições, para os mega-bairros operários de cunho Wagner. Numa atmosfera democrática historicamente única,

169
ocorreu um encontro fértil. Bairros operários de cunho

reformista com 12.000 habitações foram construídos em

pouco tempo; graças a existência dessas cooperativas, cujo

objetivo não era o lucro, sem estas, não se poderia noticiar a

existência desses bairros operários.

Dispomos presentemente do mais amplo poder público

que já se conheceu na história, possuímos empresas de

economia privada que cresceram de maneira gigantesca. Mas

o que ocorre com as condições caóticas nos espaços

urbanos, em nosso dia a dia nas habitações? Se pudermos

aprender alguma coisa da Berlim dos anos vinte, deverá ser o

que se expôs nos três pontos acima.

Bloco V do Siedlung Carmen Sylvia Strasse.cores


restauradas pelo arquiteto Winfried Brenne em1998

170
Buschalle, com cores reconstituídas por W. Brenne
Varanda de Berlim Britz

Schollenhof em 1928
Entrada de edifício
Concepção, desenho de
B. Taut

171
Capitulo 4 - Viena Vermelha 1920-1933 procurando afirmar-se como cidade mitológica da ideologia,

Com a derrocada do Império Austro-Húngaro em 1918, da direção e do consumo, uma espécie de aglomerado

seguida da proclamação da república da Áustria e improdutivo e anacrônico. O que parece impossível de realizar

principalmente a reorganização de seu antigo território em no Estado Austríaco com sua indústria descentralizada ou

novos Estados, Viena então com dois milhões de habitantes, com suas instalações perdidas para os paises recém criados,

é cidade que concentra um terço da população do novo pais e torna-se o motivo da vitória maiúscula na capital, onde se

vive num momento econômico no qual o sistema bancário da propõe demonstrar de modo exemplar as virtudes de uma

antiga capital do Império Habsburgo havia perdido, por conta administração socialista, na qual a impossibilidade de

da inflação do pós-guerra, dois terços de seus depósitos, em concentrar-se em projetos voltados para a industrialização e

relação a 1913, caminhando para uma situação deficitária que produção pesadas, tarefa do governo central é compensada

se configuraria em seguida. O Partido Social Democrático por um grande programa de obras sociais e a reorganização

Operário – SPO, vencedor majoritário das eleições municipais dos serviços urbanos.

de 1920 encontra-se na contingência de gerir uma situação O programa pretende transformar Viena num modelo

falimentar que inclui a herança da gestão da política urbana concreto da capacidade construtiva do socialismo. Não

do finado Império e a paradoxal característica assumida pela obstante a perda de 10% de sua população nos anos

cidade, até então, de negar-se como “cidade do trabalho” subseqüentes a vitória do SPO, por conseqüências da guerra

172
finda e da inflação que a ela se seguiu, de 1920 a 1934 a 1.200% de taxa de lucro sobre o preço da terra e 2.300%

cidade transforma-se num Estado dentro do Estado, graças a sobre o capital investido na construção, culminando com a

sua autonomia no ambiente político da nova república federal condição perversa da sublocação de cômodos. Essas

e se apresenta como laboratório de experiências da condições constroem o campo privilegiado pelo SPO para

construção da democracia socialista e da urbanização conduzir e efetivar sua luta política, única na Europa entre

excepcional. Não é sem motivo que a administração opta por guerras no qual a questão da habitação seja colocada no

insistir prioritariamente na questão da habitação, cuja centro dos debates políticos e econômicos da sociedade. A

gravidade advinha desde 1894, culminando com o fato de que política residencial socialista evita propostas para os espaços

em 1917, através do censo municipal verifique-se que 73,1% centrais da capital, não se propõe a investir no assentamento

do patrimônio edificado da cidade compunha-se de central da cidade, na sua rede primária de comunicações e

apartamentos mínimos e sem condições sanitárias, transporte urbanos e periféricos, bem como no sistema de

exacerbando condições urbanísticas que remontavam ao serviços na escala metropolitana. O que se busca na Viena

Século XIX. Nos sete bairros e distritos da capital, onde administrada pelos socialistas é a criação de um novo espaço

habitava a maioria operária, os apartamentos mínimos e os de ofertas de habitações através de reformas e

cortiços (Mietkasernen) representavam 90% do universo transformações do ambiente construído existente nos bairros

edificado. Aliado a uma especulação imobiliária que atingiu operários e a implantação de uma nova oferta, um novo

173
estoque, em territórios periféricos distanciados do ineliminável administração social democrata. Esta lei estabelece a

“Ring” central, onde ao fim da implantação do programa mais radical medida antiliberal em termos econômicos,

socialista em 1934, habitava apenas 3% da população do pós-guerra o que conduziu à redução da captação

Vienense. rentista bem como a redução do custo da terra, antes

Entre 1919 e 1923 foram criados três instrumentos mercadoria objeto de especulação. É o confisco da

políticos76 que permitiram a condução dessa política renda improdutiva.

habitacional: 3. Obrigatoriedade, a partir de 1923, por parte da

1. Decreto municipal de 1919 – ainda a época da municipalidade, da construção de 15.000 novos

coalizão de governo social cristã, social democrata – apartamentos (notar o termo), no prazo de cinco anos,

que permitia a Comuna de Viena apropriar-se de todos o que viria a beneficiar cerca de 75.000 pessoas.

os alojamentos e habitações, que não fossem Os financiamentos para a política de moradias são

propriedade única de seu morador, fato que assegurou obtidos através de taxas sobre o pagamento e a renda dos

à Gemeinde Wien a administração de 44.838 moradias. aluguéis, sobre as novas construções e taxas sobre o solo

2. Reforma da Lei de Proteção ao Inquilinato, por edificável. Assim a comuna de Viena pode assegurar-se, além

tempo indeterminado, em 1922 já em plena dos instrumentos jurídicos expropriatórios, de uma ampla
76
Essa política de produção de serviços sociais sem remuneração do capital, é considerada propriedade dominial. Tais financiamentos foram outorgados à
matriz dos programas implantados em Bolonha, Itália, pelas sucessivas administrações
comunistas, após 1962, sendo incorporada a maioria dos programas “Eurocomunistas” em
toda Europa ocidental, na década de 1970.

174
empresas construtoras no todo ou em parte de propriedade num dos mais baixos níveis de todo o mundo, à época

municipal, a produção de elementos industrializados foi superando apenas aos de Roma e Varsóvia, na Europa.

implantada e foi incentivada a organização de cooperativas de

produção. A intenção política é separar o capital produtivo do Os modelos

parasitário, especulativo, conduzindo as captações para a Em 1920, Adolf Loos assume o cargo de arquiteto

industria da construção, a única com certo padrão de chefe do setor de habitação da comuna de Viena e inicia, em

desenvolvimento e capacidade produtiva, pois no mercado 1921, uma série de construções de “Siedlungs” de pequenas

internacional o Império extinto nunca aportou nenhuma dimensões, com “casas operárias e um jardim anexo”. Uma

política econômica ou tecnológica, considerando-se a sua convergência entre sua compreensão dos critérios da cidade-

pouca capacidade de explorar recursos naturais e que sempre jardim inglesa e suas próprias manifestações construtivas

manteve o país num patamar de baixo desenvolvimento atreladas a “renúncia ao imaginário”. Proposta muito diferente

industrial. em termos de ocupação e densidade e principalmente de

Os efeitos complementares dessas medidas foram a projeto do que, paralelamente, já vinha sendo implantado na

redução do volume de credito circulante em toda a Áustria, Alemanha por Bruno Taut e Ernst May.

anteriormente destinado à especulação imobiliária e a

manutenção do salário médio da força de trabalho operária

175
As propostas político urbanísticas do SPO, contudo, procuram

garantir grandes concentrações de população em conjuntos

providos de serviços, nos quais a taxa de ocupação nunca

ultrapasse 50% da área do terreno. É a economia propugnada

através da implantação de “superblocos” seja no plano

construtivo ou no urbanístico, que devem desenvolver-se nos

terrenos obtidos desde antes da guerra sem buscar uma nova

forma, um “novo mundo” que implique na reordenação urbana

e sim criar outras singularidades no seu todo, inserindo-se os

empreendimentos habitacionais na malha urbana,

considerando-se todos os vínculos pré-existentes. Por isso

não se desenvolve um novo plano urbanístico ou territorial, o

programa de 1893 é a regra suficiente. Com isso pouco

deverá ser investido em obras urbanísticas, apenas

investimentos na adequação das áreas objeto de obras

habitacionais, onde se concentra a força de trabalho em


Implantação de conjuntos de casas e Hofs
no III Berzik de Viena entre 1923 e 1928

176
canteiros isolados e de baixa aplicação tecnológica, o que se operária. No caso último então, pleno de repertório fourierista,

imporá nos resultados expressivos dos grandes objetos uma vida comunitária que aspira superar os modelos de

construídos. cidade. São conjuntos finitos e completos, nos quais se

Um novo “Ring” irá desenvolver-se ao redor do agrega o alojamento, atividades coletivas, o trabalho, tudo

histórico, nas áreas periféricas e suburbanas, sem a isso ao redor de um pátio, que se desenvolve em praça,

homogeneidade do tecido oitocentista. É descontinuo e pouco parque, estabelecendo claramente suas características

homogêneo, mas passa a representar a administração formais e funcionais. Marca o fim de uma era na qual se

“Rotte”, passando a ser a habitação operária, o monumento morava em cortiços, a expressão das doenças urbanas,

socialista, com sua rica oferta de serviços coletivos, os asilos conduzindo ao início de um percurso para uma nova cultura

e creches, a escola a lavanderia, cozinha, oficinas de costura do habitar. É a primeira representação do “realismo socialista”

e atividades domésticas e os generosos espaços verdes que ou seja, o realismo burguês do Século XIX, com um novo

sempre irão dar forma geométrica ao conjunto, ressaltando conteúdo. Nisso sintetiza-se sua expressão, conflitante por

sua singularidade e buscando isolá-lo da vizinhança certo, de modernismo. Segundo Max Raphael “O materialismo

circundante através de seu pátios ou a articulação entre eles, dialético só conseguiu empreender investigações

São os “Hofs” vienenses, herança tradicional da cultura fragmentárias sobre questões artísticas específicas”.77 A

austríaca que conformava o convento, a caserna, a cidade “Viena Vermelha” celebra o homem da massa, expondo a
77
Ver Dicionário do Pensamento Marxista J.Zahar Ed. Rio de Janeiro, 1988, pg. 19.

177
diferença total do proletariado em face da alienação burguesa. Os Projetos

Nos conjuntos habitacionais geridos e ocupados por Em 1922, Peter Behrens inicia sua carreira de

trabalhadores, face o anonimato da cidade capitalista, professor na Academia de Viena e coerente com suas idéias,

desenvolve-se o ambiente que permite a superação do busca uma eqüidistância entre o utopismo romântico vienense

trabalho alienante da produção-fábrica e a recuperação de e as vanguardas européias contemporâneas. Sua

sua humanidade, sua existência e reforça a consciência da interpretação da metrópole rejeitando a tradição morrisiana, o

missão liberatória de sua condição histórica. É a sublimação romantismo inglês e os modelos de cidade-jardim, em suma a

sectária do individualismo de suas fortalezas operárias, e a dispersão residencial.

celebração de seu operariado anacrônico, sobrevivendo numa

situação inflacionária que impõe uma alta mobilidade à força

de trabalho. O “Hof” operário simboliza a essência de sua

nova humanidade, a concretização do “pensamento, vontade,

ação”.

Hof na Phillipsgasse, elevação com adornos e escultura.

178
Sua oposição a esses desenhos expressa-se numa cidade aberturas austeras e ressaltos horizontais em suas elevações.

compacta ordenada por uma economia comunitária com A expressão quase metafísica do conjunto é interrompida pela

volumes clássicos carregados de autonomia formal. extensão da rua no seu interior com a criação de passagens

Em 1924, Behrens recebe da Prefeitura de Viena a para veículos, com uma composição vertical e uma dinâmica

incumbência de projetar dois complexos que tornar-se-ão a do movimento incorporada aos planos austeros, contribuem

referência espacial da habitação comunal, o Winarskyhof também os pátios e praças de convívio propostas para usos

(1924-26), com a colaboração de Oscar Strnad e um conjunto coletivos e de serviços. Está implantado o tipo a ser

de escala menor em Konstansiagasse (1924-25).O primeiro desenvolvido.

ocupa duas quadras incorporando uma escola e um hospital O Projeto que deverá impor-se, contudo, é o elaborado

pré-existentes e propõe a extensão de uma rua no interior da e realizado por Karl Hen, aluno formado pela Wagnerschule e,

quadra maior, contendo 543 apartamentos, impessoais, com desde 1908, funcionário da Comuna de Viena. Trata-se do

“Karl Marx Hof” que se tornou o objeto emblemático da

política habitacional socialista, o seu símbolo, pelas suas

cores em tons de vermelho, seus elementos alegóricos e um

ecletismo que incorpora inclusive heranças da vanguarda


Karl-Marx Hof, implantação
soviética, buscando um novo realismo, que interpreta e

179
incorpora múltiplas linguagens. Sua excepcionalidade quer para o tecido circundante, como um espaço focal em relação

por sua escala, quer por sua implantação, não dialoga com a à vizinhança, o contexto constituído por um ponto nodal de

cidade, mas a ela se impõe, sem mediações. É uma cidadela transito e infraestrutura urbana. No limite interior dessa praça

de um quilometro de extensão, vizinha da via férrea central de de 180m. de profundidade implantam-se os edifícios mais

Viena, onde convivem 5.000 habitantes. Aos quais é oferecido altos do conjunto, todos com cinco andares intercalados por

um conjunto de dois extensos pátios e uma marcante praça arcos de 18 m. de altura. Os demais blocos de edifícios

central aberta, no eixo mediano transversal da gleba. A implantados, conformando os perímetros dos “Hofs”, possuem

generosa superfície de suas áreas verdes permite divisar quatro pavimentos. Construído através de métodos

suas seis torres centrais e seus seis arcos, de escala tradicionais com alvenaria portante, empregada em três eixos

monumental, passagens para a cidade exterior. de carga longitudinais, os dois externos das elevações e um

Ocupando uma superfície de 158.027 m2. dos quais de maior responsabilidade como uma espinha central. Estes

apenas 28.751 m2. ocupados por construção (18,7% do eixos portantes são seccionados pelas prumadas de escadas.

total), o conjunto que se desenvolve ao longo de um Fez-se uso do concreto armado exclusivamente nas estacas

quilometro, articula-se através de três grandes pátios das fundações e nos balanços e vãos das varandas e pátios

interiores, No seu centro através da eliminação intencional de internos e nos travamentos dos intradorsos dos arcos de 18m.

um pavilhão habitacional, uma praça de 10.480 m2. expõe-se de altura.

180
Os agrupamentos de habitações são de três tipos, com duas lavanderias centralizadas equipadas com caldeiras

variedade de dez soluções de apartamentos, compreendendo elétricas e 62 cabines de lavagem manual, balneário com

1382 unidades de dimensões que variam dos 21 m2. para o duas piscinas, 20 banheiras e 30 chuveiros, dois

apartamento com um ambiente até os de 57 e 60 m2. dos com equipamentos para creche e asilo, gabinete de dentista,

três quartos. O partido estrutural e a técnica construtiva consultório médico e ambulatório geral, uma farmácia, uma

assumidos, de baixo coeficiente tecnológico e seus pouco biblioteca, um centro de convívio social, uma agência de

exigentes parâmetros, conduziram a um sofrível correio e vinte e cinco espaços para comércio de dimensões

dimensionamento entre os vãos repetitivos conduzindo a variadas.

varandas reduzidas, sendo os maiores inconvenientes, a No espaço central da praça aberta à cidade foram instaladas

insolação medíocre e a ausência de uma ventilação nas elevações internas as estátuas do “trabalho emancipado”

transversal. São os inconvenientes funcionais e as e da “educação socialista”: a estátua do Semeador, por

deficiências tipológicas que se contrapõem a densidade e Hofner e as estátuas da Liberdade, da Previdência, do

qualidade dos serviços coletivos. Pensamento Iluminado e da Cultura do Corpo, por Reidl,

Foram previstos, no interior do conjunto, diversos sendo estas últimas as que correspondem aos quatro

serviços na escala de bairro, superando inclusive, as principais acessos em arco, na praça central.

necessidades dos seus 5.000 moradores, compondo-se de

181
organicidade totalitária. Não exprimem mensagens que

contenham anúncios messiânicos de revolta contra a

metrópole. A política do SPO aponta para uma disposição

urbana de uma rede de serviços sociais, com efeitos

propagandísticos e pedagógicos e a “democracia residencial”


Capa do
fascículo sobre de seu programa político configura-se antes de tudo como
o Karl-Marx Hof
editado pela uma arma de defesa, jamais de ataque.
prefeitura de
Viena O segundo anel de Viena, o proletário, é formado por

objetos irremediavelmente distantes entre si, pois a cidade

Como epítome de uma política e uma afirmação não se pretende transformada, sem espaços alternativos, mas

ideológica o “Karl Marx Hof” e as implantações habitacionais democrática e limitada ao interior. Um conjunto de fragmentos

da “Rotte Viena”, a ética dos conjuntos, é a de afirmarem-se que impõem uma série de fraturas no tecido urbano, mesmo

como formas completas no aspecto de valorizarem o vazio os mais cuidadosamente concebidos, como os posteriores

que contornam. Declaram que é impossível dominar o George Washington Hof e a última e a mais universal de

processo complexo da metrópole, de exprimir linguagens todos as implantações o Engelsplatz Hof.

múltiplas e de impor uma ordem, negando-se a uma

182
Karl-Marx Hof, páteo central com estátuas na elevação

183
Um conjunto de fragmentos que impõem uma série de comunicações entre si. A dimensão menos grandiloquente e

fraturas no tecido urbano, mesmo os mais cuidadosamente sua implantação mais desenvolta e parcelado no tecido

concebidos, como os posteriores George Washington Hof e a existente com ênfase nos espaços verdes aos quais são

última e a mais universal de todas as implantações o destinados 76% do território. Os espaços ordenados com uma

Engelsplatz Hof. linguagem expressionista nacional que busca um convívio

com uma natureza organizada, trazem uma escala mais

compacta e familiar para as 1085 habitações. A autonomia do

“superbloco” é suavizada, entre seus “Hofs” e a cidade já se

perscruta num sereno colóquio. O “realismo socialista” se

apresenta com forte dose de naturalismo, nostalgia e

populismo convivem. É o prenúncio da reaproximação com os

“Siedlung” germânicos e a cidade-jardim inglesa, pelo menos.


Winarskyhof, acesso principal

O George Washington Hof (1927-30) foi realizado por

Klaus Krist e Robert Oerley introduz o espaço do “superbloco

articulado” subdividido em espaço contidos com

184
Talvez a mais excepcional realização da “Viena

Vermelha” em todos os sentidos, inclusive quantitativo, por

seus 1467 apartamentos, tenha ocorrido no período de ocaso

político do SPO. Entre 1930 e 1933, o complexo da

Engelsplatz é concebido e implantado sob a direção de Rudolf

Perco. Uma nova lógica é oferecida à cidade, não mais uma

imensa ilha contraposta ao oceano urbano, mas um conjunto


George Washington Hof, implantação
de elevações circundadas por balcões, neutras, geométricas,
George Washington Hof acesso ao superbloco

espaços distintos que conformam o acesso através de um

pátio central orientado por duas torres de sete pavimentos e

varandas transparentes. Por fim o “realismo socialista” se

apresenta informando um silêncio contido, disciplinado,

apesar de sua escala delineada num contraponto geométrico

pleno de variações no diálogo com o território e a

incorporação dos tecidos vizinhos e circundantes e sobretudo,

graças à lógica e segurança severa de sua estrutura. Esses

185
edifícios, que prescindem de decoração, impondo-se pela é provido de escadaria central semicircular que conduz a

simplicidade de seus painéis de vedaçãoe a repetição das cinco, apartamentos por andar, no interior dos quais ordenam-

aberturas, elementos esses modulados e contínuos, negando se as prumadas hidráulicas.

veementemente a ‘Viena Tatuada” dos anos iniciais, uma

jocosa observação de Loos, aproximando-se dos modelos

soviéticos e alemães, então seus contemporâneos, não só na

expressão formal mas notadamente nas questões

construtivas.

O uso repetido da estrutura de concreto armado é

maciço para as torres altas que ladeiam o acesso pela praça

central, encimadas por mastros longilíneos e puntiformes e

nos balanços dos balcões contínuos. No bloco de

apartamentos mescla-se o concreto armado com paredes e

estruturas de alvenaria. Esse bloco de dimensões únicas e

repetidas é reimplantado de forma contínua ao longo

dospavilhões de moradia, com cinco, seis ou sete pavimentos,

Engelsplatz, implantação

186
Engelzplatz, elevação e acesso a praça central

187
A experiência Vienense extingue-se no mesmo ano de

1933 com o “Anchluss”, a reunificação da Áustria com a

Alemanha Nazista, imposição de Adolf Hitler, mas o processo

de interpretação da moradia e de sua extensão urbana tratada

a partir dos bastiões operários é uma página marcante do

radicalismo da vontade coletiva majoritariamente operária da

população da cidade. Após a guerra este processo foi

retomado, com maiores qualidades.

Engelsplatz coroamento com mastro

188
Capitulo 5 França - Le Corbusier e a Na França, em setembro de 1939, no momento em que

se iniciam os eventos da 2ª. Guerra Mundial no país, o


Arquitetura da Reconstrução 1945-1953
urbanismo moderno não passa de uma teoria à qual só
A construção da unidade de habitação de tamanho
aderem um grupo reduzido e marginal dos profissionais
adequado de Marselha
arquitetos praticantes78. A destruição material e as confusões

sociais e políticas da guerra e do pós-guerra permitiram aos

professores dessas teorias uma pequena possibilidade de

implantar suas idéias e implantá-las na prática, com o aval do

estado, o grande mestre de obras, uma vez que o ensino de

arquitetura monopolizado através da “Escolas de Belas Artes”

(École dês Beaux-Arts) ignoravam completamente o

problema da reconstrução, assim como ignorava as

discussões e inovações do pré-guerra no continente europeu,

os recém diplomados de então em nada modificavam essa

corrente dominante. A produção no campo da construção civil


78
Unidade de Habitação de Marselha axonométrica A arquitetura moderna não tinha representantes no plano decisório. Le Corbusier era o
único representante de posições de vanguarda, mas sem audiência e sem seguidores, seu
comportamento sob o tacão do governo de Vichy e sua posterior reclusão na Suíça neutra,
só exclui-o mais ainda no imediato pós,- guerra.

189
era fraca em índices e sua produtividade diminuta, danificadas ou destruídas, 91.000 estabelecimentos

expressando um subdesenvolvimento tecnológico, agravado industriais destruídos e toda a rede de estradas , pontes,

pela falta de matéria prima e como os arquitetos, a indústria ferrovias, portos e comunicações danificada ou rompida. O

era avessa a inovações. A estrutura de elaboração e controle total do prejuízo material em valor monetário (Francos

da arquitetura, as corporações e categorias profissionais e a Franceses velhos) em 1945, era cinqüenta vezes maior que o

hierarquia complexa dos “Urbanistas do Estado”, não estavam das destruições causadas pelos combates da 1ª. Guerra

aparelhadas, pois suas competências gerais se valiam da Mundial79.

afirmação e da declaração e não de realizações concretas. O primeiro titular do Ministério da Reconstrução e do

Assim uma “outra arquitetura” parecia impossível, mesmo Urbanismo - MRU, Raoul Dautry declara em 1945 que: ”O

considerando as condições do país, o mais devastado da Urbanismo é uma parte essencial do nosso renascimento”

Europa depois da URSS e da Alemanha precedendo em estabelecendo uma matriz de intervenção e obras no qual o

escala de destruição a Polônia, Holanda, Bélgica, Grã estado comandará as regras e jogará o jogo.

Bretanha, Grécia e Itália. As cidades de Le Havre, Caen, Uma saída (ou entrada) à francesa, absolutista e

Brest, Saint-Nazaire, Rouen, Amiens, Boulogne-sur-Mer, esclarecida, que introduzirá na cultura francesa uma prática

Beauvais, Nantes, Toulon e Marselha apresentavam vastas de urbanismo até então ausente!

zonas totalmente arrasadas, 1.500.000 habitações


79
Cifras extraídas do panfleto “Os Construtores” Centro de Estudos e Pesquisas
Econômicas e Sociais do Partido Comunista Francês, Paris, 1946.

190
O pedido da concepção do projeto de “Unidade de “Construiremos em Marselha uma casa de aluguel de 360
apartamentos – uma caixa para locatários.
Habitação de Tamanho Adequado”, termo este cunhado por A situação do alojamento na França é tal ordem que exige no
futuro a construção de quatro milhões de casas em dez anos...Os
Le Corbusier, foi solicitado ao arquiteto suíço pelo Ministro
exércitos aliados ainda estavam nos arredores de Berlim quando o
Raoul Dautry em novembro de 1945, a pretexto de na Primeiro Ministro da Reconstrução perguntou-me:
- Que cidade você já urbanizou ?
oportunidade, instalar-se um (ou mais de um) canteiro
- Nenhuma.
experimental para contribuir para o desenvolvimento da - Qual construção você faz ?
- Nenhuma.
indústria da construção civil na França, juntamente com o - Então, (com um sorriso malicioso) você quer construir...uma
de suas casas...coletivas para o povo de Marselha?
esforço de reconstrução do país. Esse ”canteiro experimental”
- Sim, mas com uma condição, eu estarei liberado de atender
permitia que aí se construísse desconsiderando os todos os regulamentos em vigor.
- De acordo.” 80
imperativos dos códigos de obra então vigentes e implicava
A gênese da concepção desse imóvel (concluído em
que esse canteiro fosse o local de novas experiências, tanto
1951) remonta a 1907, quando o jovem Le Corbusier apenas
no plano das técnicas construtivas como no desenvolvimento
se inicia em sua vida de “experiências e pesquisas
de novos produtos e materiais ou o emprego de materiais não
consagradas à casa dos homens”. Então, a visita ao
usuais, passíveis de serem produzidos por processos
monastério do Convento da Ema, nos arredores de Florença
industriais.
desperta-o para a “organização harmoniosa da vida individual
Conforme Le Corbusier:
80
Le Corbusier, L’Unité d’habitation de Marseille, Mulhouse, Le Point, revista bimensal
artística e literária, Paris, FR.11/1950, pg.4

191
e a da vida coletiva que se exaltam mutuamente. A partir A ampliação desse conceito pode ser encontrada,

deste momento o binômio surgiu-me: indivíduo e coletividade, segundo Anatole Kopp, em:

binômio indissociável”.81 “O conceito de habitação de Le Corbusier tem três fontes

principais: o monastério da cartuxa da Ema em Firenze; a ‘Residência-

Comunitária’ (Dom-Kommuna) soviética e os navios transatlânticos nos

quais freqüentemente viajava para a Argélia, os Estados Unidos e a

América Latina (sic)...’de tamanho adequado’, mas adequado a que? Com

seus 337 apartamentos... a unidade pode abrigar de 1.200 a 1.500

habitantes...o tamanho ideal de uma coletividade chamada a viver em

conjunto e a compartilhar diversos equipamentos (número próximo ao do


82
Falangistério de Charles Fourier)...

Uma outra citação pode complementar a

interpretação do projeto de Marselha:

"...porém, a cidade ideal por eles [os socialistas utópicos]

imaginada penetrou a cultura moderna como um modelo pleno de

generosidade e de simpatia humana, muito diverso da cidade ideal do

Renascimento, e continua a servir de incentivo para o progresso das

Cartuxa da Ema, Firenze


82
Kopp, Anatole, Quando o moderno não era um estilo e sim uma causa. Ed. Nobel/Ed.USP
81
Idem, Ib, pg.35 São Paulo 1990, pgs. 128 a 132

192
àquela das pessoas alojadas na primeira unité d'habitation de Le

Corbusier e a densidade prevista por Owen, um acre por habitante, é a


83
mesma indicada por Wright para sua Broadacre City. "

Em acréscimo, perscrutando as suas proposituras

para a vida familiar nos apartamentos da unité, encontramos o

aforismo : “a sala é uma cozinha e vice versa : a cozinha é

uma sala.” Certamente o conhecimento dos estudos pioneiros

de Margarete Schütte-Lihotzky em Viena e depois em

Frankfurt, apoiados pela colaboração de Charlotte Perriand,

se incorporam na busca em ordenar os serviços domésticos


Cartuxa da Ema, pátio e ruas internas do claustro
no interior da habitação modelar. Ainda mais, a modernidade,

instituições urbanísticas até nossos dias, mesmo que não mais possamos
o conforto e a convivência estendem-se aos “prolongamentos

tomá-lo ao pé da letra. O leitor terá notado a impressionante semelhança da casa”- os serviços comuns e coletivos, nos andares térreo,
entre muitas propostas de Owen e Fourier - tais como a "unidade de quarto e quinto intermediários e os décimo nono e vigésimo
habitação" com número fechado de habitantes, as instalações
do pavimentos que coroam o edifício (ver adiante).
centralizadas, a rue intérieure, etc - e algumas soluções que surgem

insistentemente nos projetos contemporâneos. Até mesmo do número de


83
Benevolo, Leonardo, História da Arquitetura Moderna, Ed.Perspectiva, São Paulo SP,
habitantes do “ Falangistério de Fourier” – 1620 moradores - corresponde
1976, pág. 182.

193
Os parâmetros técnicos terminam por expressar os A Unidade de Habitação de Marselha
Memorial 1950 84
conteúdos conclusivos, sendo que os caminhos à trilhar eram 1. Habitação
A primeira qualidade do apartamento tipo é a de oferecer dois
os das : Técnicas, Máquinas e da Organização, incluindo-se
andares como uma casa familiar.
nos planos de convívio coletivo a Higiene e a Sociabilidade.

Para sua realização é imperioso :

a) Preparar o meio

b) Operar a implantação da organização

necessária, em quatro etapas, através de ações que

signifiquem: Normalizar, Padronizar, Dimensionar e Apartamento típico e sua inserção na estrutura, anteprojeto.

Estabelecer Proporções e Harmonia.


A sala de estar do apartamento apresenta pé direito duplo e sua
Por fim, o Objetivo Final, fazer prevalecer as dimensão sob esse teto é de 4,80 m. Isto contribui para a sensação de
espaço ser favorável ao encontro, ao recolhimento e ao sossego, funções
Rentabilidades Financeira, Humana e Social. da sala de convívio.
Os outros ambientes, com pé direito de 2,26 m. compreendem:
A conclusão do todo acima - “43 anos de dedicação” -
Na própria sala de estar, o lugar reservado à mesa familiar em
pode ser depreendida da descrição sintética a seguir: contato direto com a cozinha que é apenas separada desta por um móvel
que substitui o aparador tradicional e serve de armário de louça, toalhas,
etc...

84
Le Corbusier, Opus cit, pgs.55,57.

194
Os nichos desse móvel abrem-se tanto para a face da mesa de
jantar como para a da cozinha, permitindo a fácil organização da louça e
de compor a mesa facilmente.
A cozinha foi concebida como um pequeno laboratório em
função dos gestos e de seu manejo, para simplificá-los ao máximo.
O equipamento dessa cozinha é instalado ao mesmo tempo em
que o da construção dos apartamentos, trata-se da cozinha eletrificada, a
pia com triturador de lixo , a geladeira, que por economia, não é uma
geladeira elétrica, mas sim um armário no qual pedaços de gelo são
depositadas livremente desde a rua interior de acesso aos apartamentos,
sem que o entregador precise adentrar as casas, ou comunicar-se com a
dona de casa.

Apartamento sala tipo superior, sala e passa-pratos da cozinha

Duas grandes mesas revestidas de metal e de mesma altura do balcão da


pia e do fogão constituem o plano de trabalho para o preparo dos
Entrega de leite. Da rua interna, diretamente na geladeira da cozinha
alimentos.

195
Enfim todos os nichos necessários a disposição das panelas,
legumes, panos de cozinha estão igualmente previstos sobre e abaixo do
plano de trabalho.
Uma janela de 3,66 m. de largura por 4,80 m. de altura separa a
sala de estar do espaço exterior. A luz invade copiosamente o
apartamento até a cozinha que se encontra em plena claridade.
A grande janela de 3,66 m. abre-se ao longo de toda a extensão
e abaixo de 2,00 m.de altura, para uma varanda formando uma verdadeira
peça a céu aberto, prolongamento da sala de estar.

Varanda, prolongamento do estar

Uma escada conduz ao pavimento do quarto do casal, construído


sobre a cozinha e do espaço reservado às refeições, formando um balcão
interior sobre a sala de estar.

Sala de jantar e estar com pé direito duplo, varanda e quebra sol

Esta varanda forma um quebra sol, ou seja, ela permite grande


invasão de luz no inverno e no verão, ao contrário, barra o percurso da luz
solar.
Sala de estar e escada de acesso aos dormitórios

196
Este quarto é equipado com um armário de roupas e de um Se os quartos são ocupados por crianças muito novas, uma
banheiro (banheira, chuveiro, lavatório e bidê). parte da divisória central pode se escamotear fazendo com que os
No centro do andar um móvel que guarda a rouparia doméstica dormitórios comuniquem-se formando um lugar para brincar.
composto de diversas estantes e armários para o vestuário fora de Solução que permite às crianças brincar longe da sala de estar,
estação, valises, etc... do outro lado do apartamento.
O banheiro tem acesso através desse ambiente. Duas portas Um chuveiro destinado às crianças está ao lado de seus
permitem acesso ao quarto dos filhos, separados por dois painéis quartos.
deslizantes. O quarto duplo das crianças, como a sala de estar, é iluminado
por uma janela de 3,66 m. que se abre em toda a sua extensão para a
varanda quebra sol.
Os arranjos desse apartamento tipo foram ditados pelo desejo de
permitir aos moradores usufruir ao mesmo tempo uma vida familiar muito
próxima, a sala de estar oferecendo o “calor familiar” ao mesmo tempo em
que uma vida individual independente dos demais membros da família
desde a mais tenra idade.

A concepção desta habitação permitiu reduzir ao máximo as


tarefas domésticas.
2. 337 habitações
A unidade de habitação compreende 337 apartamentos de 23
tipos diferentes, derivados do tipo principal descrito acima, desde o
Quartos das crianças com divisória central
pequeno apartamento para solteiro ou casal sem filhos até os grandes
apartamentos para famílias de seis a oito crianças. Esses apartamentos
Cada quarto oferece um canto para trabalhar ou brincar todo
são compostos a partir de três elementos padrão. O primeiro compreende
iluminado, o lugar das camas, dos armários de roupa, cabideiros e um
a entrada da cozinha e da sala de estar, o segundo o quarto do casal e o
lavatório.
banheiro, o terceiro o quarto duplo das crianças, os chuveiros e a rouparia.

197
Compondo de diferentes maneiras esses três elementos Os apartamentos se articulam entre si em torno de sua via de
básicos, jogando com a série de combinações possíveis, alcança-se uma acesso situada no eixo principal da unidade de habitação, essas ruas
grande diversidade de tipos, vinte e três foram incorporados a U.H. chamam-se “ruas interiores”, pois são realmente ruas de pedestres no ar,
Marselha. sobrepostas.
Em alguns tipos o quarto do casal e os das crianças encontram- O conjunto da construção tem 137,00 m. de comprimento e
se sobre a sala de estar – apartamentos denominados “superiores”. 24,50 m. de largura.
Noutros, o quarto do casal e os das crianças encontram-se sob a sala de A maior parte dos apartamentos se abre para as duas fachadas,
estar, estes são o tipo “inferior”, nos quais desce-se a esse andar ao invés a sala de estar e o quarto do casal para leste e o quarto das crianças para
de subir. oeste, ou o inverso.
Esses apartamentos não compreendem apenas a casa familiar Outro grupo de apartamentos abre-se para a face sul, apenas,
através de seu pé direito duplo e seu arranjo interno; sua própria nesse caso, os quartos das crianças são ao lado do quarto do casal ao
construção é independente. Como casas separadas eles são instalados na invés de localizar-se no seu prolongamento.

Cortes Longitudinal e transversal

198
Para permitir essa orientação efetiva sob três faces ensolaradas, o
eixo longitudinal do edifício foi orientado no sentido NS. A face norte,
estreita e cega expõe suas costas para o mistral.
A Unidade de habitação compreende dezoito níveis de laje. O
décimo oitavo andar forma o teto – terraço a cinqüenta e seis metros de
altura.
As ruas internas são nos andares 2, 5, 7, 8, 10, 13, 16
Uma bateria de elevadores com quatro cabines de grande
velocidade e capacidade servirá as ruas internas e o teto terraço. Estes
partem do saguão de entrada no nível do solo, vestíbulo comparável
aquele de um grande hotel.

Pilotis perspectiva estrutura e instalações, com corte e plantas do pilar

Uma das características essenciais do edifício é estar sobre


pilotis, ou seja, toda a estrutura repousa sobre pilares largos de concreto
entre os quais o solo torna-se livre.
Esta solução tem inúmeras vantagens no que contempla a
circulação, os caminhos de pedestres ou mesmo as rotas de veículos
permitem a circulação sob a construção. As vantagens dos pilotis, o
recobrimento do solo reduzido quase a zero, não é somente de ordem
prática, permitem no nível do solo duas visões para o conjunto de quem
circula sob a habitação, conforme a expressão de Le Corbusier: “o olhar
do pedestre passa sob a casa.” O sol a luz passam sob a casa.
Estendendo-se este princípio a toda uma aglomeração, as cidades tornar-
se-ão parques imensos sobre toda sua superfície. Esteticamente, os pilotis
suavizam a impressão de conjunto dada pelos edifícios.
Vestíbulo

199
3. Os serviços comuns
A metade dos sétimo e oitavo pavimentos são reservados a uma
grande cooperativa de abastecimento e algumas lojas de pequeno
comércio. Estes pavimentos permitem, por conseqüência, aos habitantes
encontrar na proximidade de suas casas, todos os serviços que
necessitam no seu cotidiano.

Andares 7 e 8, comercio e serviços

Um pequeno restaurante é igualmente previsto neste andar,


bem como um hotel de dezoito quartos para hóspedes que, por razões de
economia e rentabilidade, não poderiam estar previstos no interior dos
apartamentos.

Os serviços comuns compreendem ainda lavanderias equipadas


com máquinas automáticas modernas, disponíveis para as mães, segundo Elevação nordeste
suas necessidades.

200
Cobertura, jardim da infância e piscina, chaminé de ventilação e torre de
Elevação oeste vendo-se os pilotis e os andares de serviço elevadores, ao fundo

201
4. Os prolongamentos da habitação criará bairros e cidades inteiras de alta densidade, realizando-se com
Esses elementos arquitetônicos e urbanísticos mostram o edifícios distantes 200 a 300 m. entre si, com um solo urbano plantado
cuidado de Le Corbusier em prever a proximidade entre as habitações, os como um parque, a “Cidade Verde”, a “Cidade Radiosa”, cuja teoria
equipamentos coletivos e seus complementos, dos quais os habitantes nasceu através dos trabalhos de Le Corbusier empreendidos há trinta
não poderiam ser privados. anos e perseguidos com determinação. A França é o primeiro pais do
Por essa razão, chamados de “extensão das habitações” estes mundo inteiro a permitir que a realização dessa experiência materialize-se
equipamentos estão expressos no décimo oitavo níveis por meio de uma concretamente.
creche e um jardim de infância.
Uma rampa conduz do jardim da infância no décimo nono André Wogenscky85
pavimento ao teto terraço no vigésimo pavimento onde uma piscina, duas
quadras esportivas uma sala abrigada, etc... são reservadas às crianças, a
cinqüenta e seis metros do solo.
O remanescente do teto – terraço comporta inúmeras
instalações para adultos: uma sala de ginástica fechada e uma praça a
céu aberto, uma pista de corrida de 300 m. de extensão. No nível
seguinte, um solário com... música e aperitivos.
Enfim, a torre de elevadores, reservatório de água e duas
chaminés de ventilação.
A expressão “prolongamento da habitação” aplica-se também a
certas instalações realizadas sobre o terreno no entorno da unidade de
habitação : garagem, piscina, quadra de tênis e esportivas, eventualmente
escolas, etc. Por razões de ordem financeira essas instalações não
puderam ainda ser concluídas para completar a Unidade de Habitação de
Marselha.
Matéria sobre as casas de malucos
Esta se eleva no interior de um parque de três hectares e meio;
sendo o primeiro protótipo das “Unidades de Habitação” cuja multiplicação 85
Então, diretor do “Atelier de Batisseur Le Corbusier” 35, rue de Sèvres, Paris, depois de
1966, presidente da Fundação Le Corbusier.

202
Por tudo que foi exposto e ainda considerando a

riqueza dos equipamentos coletivos, o tempo tenha sido tão

generoso com a Unité de Marselha, um exemplo de ocupação

bem sucedida. Ao contrário do que muitos vaticinaram,

chegando a apelidá-la de “maison du fada” ou literalmente,

casa de malucos, e contrastando com as outras Unités

construídas em René-Nantes, Briey, Firminy e Berlim,

Marselha mantem-se plena e ativa, com intensa vida social e

com grande procura no mercado, ainda que hoje (ou por isso,

em contraste) esteja cercada pelos objetos e construções

devidos ao crescimento suburbano da cidade.

Em Dezembro de 2001 lia-se no jornal local “La Croix”,

depoimentos de vários moradores que insistiam que “por nada

deste mundo abandonaremos nosso vilarejo na cidade”.

Baixo relêvo do portal da UH Berlin, o “Modulor”

203
Parte 2 - Habitação no Brasil República até 1985

202
Capítulo 6 - Habitação Operária no Brasil 1. Reinado até República.

Da República ao primeiro pós-guerra Inicio da Industrialização e Urbanização

(1889 – 1918) 1850 8 milhões de habitantes (2 a 3 milhões de escravos)

1872 10 milhões de habitantes (1º. censo populacional)

Introdução 1888 Dec. 10.109 “Planos de construções para operários e

O capítulo busca delimitar, enfocar e se aprofundar classes pobres”

sobre questões bem específicas, conforme explicitado na 2. República Velha - 1889/1930

introdução, o que se considera relevante, significativo em fim, 1906 Pereira Passos – PM Rio de Janeiro. Constrói 120

obras seminais da cultura arquitetônica brasileira. Sobre unidades “para operários.”

habitação operária no Brasil estabeleceu-se um roteiro 1915 Dec. 11.820 Regulamento das Caixas Econômicas

sintético, abrangente e ordenador, comentado a partir dos Federais.

marcos a seguir elencados, todos de nossa eleição, nessa 1920 20 milhões de habitantes (10% morando em cidades)

conjuntura elegemos os nossos (poucos) melhores modelos, 1924 Dec. Lei 1651 do Governo de Pernambuco “Fundação

comentados no bojo do trabalho. da Casa Operária – Para edificar pequenas casas para

pessoas pobres, mediante reduzido aluguel mensal”

constrói 40 unidades em 1926.

203
3. República Nova 1930/1937 1961 Instituto Brasileiro de Habitação e Conselho Federal de

e Estado Novo 1937/1945 Habitação (Gov. Jânio Quadros)

1933 Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAP’s 1962 COHAB/GB Renovação de favelas c/ recursos do

1943 Instituição do Salário Mínimo USAID e Aliança Para o Progresso

Os IAP’s produziram em 12 unidades da federação um total 1963 Realizações de Instituições do Estado, no Brasil,

de 36 conjuntos habitacionais. Em 1950 o total produzido alcançam o número de 33.452 unidades habitacionais

alcança 31.587 residências produzidas entre 1952 e 1963. Distrito Federal (Rio) e

4. 2ª. República 1945/1964 Pernambuco respondem por cerca de 40% das

1945 Plano SALTE (Saúde, Educação, Transporte e Energia) construções.

1946 Criação da Fundação da Casa Popular 1964 Lei 4.380 institui o BNH - Banco Nacional da

1951 Primeiro reajuste do salário mínimo (60%) Habitação.86

1953 Criação da PETROBRAS. Neste recorte temporal, que abrange fatos e decisões

1954 Segundo reajuste do salário mínimo (100%) históricas, que ocorreram ao longo de pouco mais de 150

1955 Plano de Metas de JK (no qual não há referência à anos, estão contemplados os mais marcantes

programas de habitação) desenvolvimentos da cultura arquitetônica e urbanística

86
Ver: Inventário da ação governamental. Finep-Gap/ Projeto Editores, Rio de Janeiro,
1985, o autor é um dos pesquisadores dessa obra.

204
nacional. No período se inserem os dois projetos seminais capitalista em formação, mantem-se a estabilidade estrutural

estudados em seguida. do sistema econômico escravista. A expansão e o predomínio

Histórico da cafeicultura na economia nacional provocam o crescimento

Os principais sucessos que caracterizam a segunda da renda nacional; a redução e a extinção do tráfico de

metade do Século XIX no Brasil, em relação às escravos liberam capitais para outros setores mais produtivos;

transformações das relações sociais foram a interrupção do o aparecimento de um setor fabril ainda incipiente faz

tráfego de escravos, a guerra do Paraguai, a campanha acentuar-se uma diferenciação na estrutura da economia

abolicionista, a campanha republicana, expansão da brasileira.

monocultura do café, imigração européia para a zona de No Oeste Paulista, onde se encontram as grandes

produção cafeeira e o surgimento e início da consolidação de propriedades com cultura de café, a racionalidade da

alguns centros urbanos mais importantes, bem como a economia mercantil transforma a fazenda, a unidade

abolição da escravatura, a proclamação da república e os produtora, em empresa. Essa racionalidade do modo de

primeiros esforços e investimentos na implantação de produção leva também a uma racionalidade do sistema social,

indústrias. na relação e definição das classes sociais. A ordenação

Enquanto a produção de mercadorias não adquire produtiva dos fatores, a avaliação mais cuidadosa dos custos

plenamente sua condição fundamental no novo sistema e das condições de mercado, torna o investimento no trabalho

205
escravo oneroso; ou seja, incompatíveis com as serviços públicos, onde a identificação com o escravo era

possibilidades de ampliação da margem de lucro. Esse é um praticamente nula, faz maior pressão sobre o sistema.

conteúdo importante na campanha abolicionista e já durante a O Meio Urbano

República, da imigração européia. É na cidade que adquire significação social e política a

Tanto ou mais que o setor agrícola, os setores não contradição entre o escravo e o trabalhador livre. A campanha

agrícolas da economia tiveram grande interesse nesse abolicionista se fez na cidade, ainda mais que seus valores

processo. O setor agrícola tinha vínculos com o sistema culturais estão fortemente marcados por padrões europeus, é

escravista já arraigado, dos quais seria difícil se desfazer. quando a cidade inicia um processo cultural que passará a se

“Constituindo a escravidão no Brasil a base de um sistema de diferenciar do campo.

vida secularmente estabelecido e caracterizando-se o sistema O que se faz necessário é a desvinculação do escravo

por uma grande estabilidade estrutural, explica-se facilmente dos meios de produção para obter-se, na esfera do trabalho, a

que para o homem que o integrava a abolição do trabalho racionalidade que pretende o sistema econômico. Assim, o

servil assumisse as proporções de uma hecatombe social”87. escravo e o imigrante transformam-se em cidadãos ao mesmo

É então que a expansão dos setores fabris e artesanais e dos tempo; em 1888 temos a Abolição da Escravatura e em 1891

a grande política de incentivo a naturalização.

87
Furtado, Celso “Formação Econômica do Brasil” Cia.Ed.Nacional, Rio de Janeiro, 1969
cap XXIV, pg. 144

206
A desvinculação do trabalhador da esfera dos meios de É quando surge, em nosso país, a classe operária,

produção exige que a pessoa do trabalhador deixe de ser tipicamente urbana.

mercadoria, para que somente sua força de trabalho possa Mas ainda mantem-se algumas relações sociais

ser mercantilizada; para isso e preciso que o proprietário “paternalistas”. O empresário mantém ainda vínculos com o

desta força de trabalho tenha condições jurídicas e políticas trabalhador oriundo ainda do antigo sistema escravista, pois

para negociá-la. Somente desta maneira se torna possível a essa transformação não se faz do dia para a noite. Ainda

racionalidade dos elementos da produção em sua porque a escala em que a economia mercantil se inicia é

organização quando o trabalhador tem uma referencia reduzida, permitindo a organização de pequenos núcleos

monetária, financeira, quando avalia sua atividade em termos urbanos onde conviviam trabalhadores e unidade produtora

de moeda, dinheiro. Assim, a racionalidade da economia em proximidade física; o que também interessava ao

mercantil consegue atingir as expectativas e o comportamento empresário para obtenção de mão-de-obra.

do trabalhador. Não se pode desvincular todo o processo de

Temos nesse quadro a visão do que viria a se chamar transformações econômicas e sociais ocorrido no país do que

de época do protocolo industrial. É nesta época que se inicia ocorria nos países com os quais nossas relações de produção

e que se obtém a base futura da transformação nas relações eram muito acentuadas. A revolução industrial iniciada - tendo

sociais dentro do novo sistema econômico, ainda embrionário. como eixo a Inglaterra, então o país dominador da totalidade

207
das relações produtivas do Brasil com o exterior - teve sua gravidade não já nos domínios rurais, mas nos centros

experiência importada não só nas transformações da urbanos”.88

economia, como nas soluções para a organização social, Já se fez citação aqui do Oeste Paulista, área onde

inclusive no nível de sua organização física do espaço do qual melhor se caracterizou a monocultura cafeeira do país. Essa

se apropriarão os novos grupos sociais surgidos. Tanto região tem história muito recente, seu conhecimento e deste

através da classe dominante empresária como através do século. Em 1905 procedeu-se a uma expedição exploratória

imigrante que procurará reproduzir aqui seu ambiente – da região, conduzida pela Comissão Geográfica do Estado de

calcado na paisagem urbana do país de origem, as soluções São Paulo, ao longo do rio Tiete. A inexistência de vias de

para a organização física do novo meio onde se desenvolvem acesso à região e o relatório da Comissão demonstra o

as atividades econômicas que vão sendo importadas. isolamento e domínio das grandes propriedades rurais na

A importância dessa época é a de marcar a mudança região.

do eixo das atividades econômicas e políticas, trazendo A construção das estradas de ferro no Estado de São Paulo

consigo a diferenciação e definição de classes sociais em marca sua civilização urbana e marca também a passagem

novo meio, o urbano. da hegemonia econômica e cultural inicialmente ibérica

“E, efetivamente, daí por diante estava mais bem depois inglesa, para a estadunidense.

preparado o terreno para um novo sistema, com seu centro de


88
Holanda, Sergio Buarque de. “Raízes do Brasil”. José Olympio Editora, São Paulo 1973,
cap. VII, pg.127.

208
“Ainda testemunhamos presentemente e por certo A transformação política (do Império à República),

continuaremos a testemunhar durante largo tempo, as econômica (de agrária à industrial), e social (da escravatura

ressonâncias últimas do lento cataclismo, cujo sentido parece ao operariado urbano), traz a convivência do meio rural com o

ser o do aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura meio urbano, cada um sob influências diversas em sua

para a inauguração de um novo estilo, que criamos talvez formação; o rural, ibérico e lusitano com maior força; o

ilusoriamente de americano, porque seus traços se acentuam urbano, inglês em seu início e em seguida estadunidense.

com maior rapidez em nosso hemisfério. No Brasil e não só O “conflito” campo-cidade se faz na necessidade de

no Brasil, iberismo e agrarismo se confundem... diferenciação e valorização do meio urbano frente a rural. O

...Se a forma de nossa cultura ainda permanece imigrante teve que se diferenciar do ex-escravo, valorizar sua

largamente ibérica e lusitana, deve atribuir-se tal fato sobre força de trabalho, o que torna ainda mais necessária a

tudo às insuficiências do “americanismo”, que resume até valorização da cidade, pois é onde seu trabalho tem maior

agora, em grande parte, numa sorte de exacerbamentos de campo de ação. O interesse do empresariado em aumentar

manifestações estranhas, de decisões impostas de fora, sua margem de lucro faz com que as relações paternalistas

exteriores a terra. ”89 com o trabalhador sejam aos poucos anuladas, a habitação

antes recebida dentro da própria unidade produtora, teve que

também ser desvinculada nas relações


89
Opus cit. cap. VII, pg.127

209
empresário/trabalhador, já que da mesma forma que o Ferro – 1868; Estrada de Ferro Sorocabana – 1870, e Cia.

trabalho deve ser avaliado frente ao “salário”, passa a ser Mogiana de Estradas de Ferro – 1872 todas “estradas do

este o encarregado de obter o que antes o paternalismo do café”.

empresário incluía no vinculo empregatício. Assim o estado de São Paulo configura-se com as

Com a I Guerra Mundial a economia nacional, baseada melhores condições para a atividade industrial. Foi o próprio

na monocultura cafeeira, teve que criar condições de suprir a café que povoando mais da metade do estado, fazendo surgir

insuficiente importação de produtos estrangeiros. A Guerra cidades ao longo das ferrovias, o que deslocou para o sul -

quando não interrompeu, perturbou o tráfego marítimo, sudoeste, do país toda a estrutura social, política e econômica

tornando raros ou impedindo os contratos com os centros do estado brasileiro.

industriais europeus e americanos do norte. No inicio do século XX, apenas a capital do estado de

Anteriormente a economia cafeeira, que povoou a São Paulo tinha um numero significativo de indústrias. No

região Oeste Paulista, tornou necessárias ligações com o Período de 1901 a 1920 apenas um reduzido número de

litoral para o escoamento dessa produção, quando surgem as cidades do interior apresentava relativa importância no campo

ferrovias, ligando o extremo oeste paulista com o porto de industrial.

Santos, construídas com capitais brasileiros e ingleses. Caso De acordo com o censo de 1907, o estado de São

das São Paulo Railway 1857; Cia. Paulista de Estradas de Paulo ocupava o segundo lugar do país, apenas superado

210
pelo então Distrito Federal; dispunha de 314 indústrias com É nesse quadro que surge a habitação operária, com

um total de 22.355 operários. Em 1912 com o características claras da classe social à que se destina. É ela

desenvolvimento das indústrias sujeitas ao imposto de que recebe atenção especial na regulamentação de seu

consumo registrou-se uma modificação na ordem dos maiores assentamento. Veja-se o “Código de Posturas do Município

centros industriais do país, passando São Paulo a liderá-los. de São Paulo” de outubro de 1886.

É então que o imigrante assume maior importância no “Padrão Municipal – Título VI

Cortiços, casas operárias e cubículos de aluguel.


sistema econômico e no novo modo de produção. Não serão
A construção destas casas quer ao longo das ruas, praças, etc,
os proprietários rurais os primeiros industriais do país. A
quer dentro de terrenos particulares, é inteiramente proibida no perímetro
mentalidade econômica a industrial não fazia parte de sua
do comércio.

vida além do que, a monocultura café o havia enriquecido, Em outros pontos, para construção de tal gênero, o proprietário

não havia porque investir em outro ramo. São os imigrantes pedirá licença à Câmara Municipal, que poderá dá-la ou negá-la, segundo

entender conveniente. No caso de ser autorizada a construção, além das


que, oriundos de países com um desenvolvimento industrial
prescrições estabelecidas para as construções em geral, ainda deverão
maior, os primeiros industriais em nosso país. E é com o
observar as seguintes:
desenvolvimento do setor que surgem as grandes fortunas
1º. - Haverá uma área nas frentes das habitações, podendo parte ser

industriais iniciadas por imigrantes como Francisco reservada a um pequeno jardim e o resto calçado. Esta área será na razão

Matarazzo, os irmãos Jafet, Robert Simonsen e outros. de 30 m2 para cada habitação sendo toda calçada, caso não se reserve

alguma porção para o jardim.

211
2º. - Haverá um poço ou torneira com água e pequeno tanque de 10º.- Todas as aberturas exteriores serão munidas de caixilhos

lavagem para cada grupo de seis habitações no máximo. envidraçados, exceto a porta de entrada da habitação.

3º. - Haverá uma latrina para cada grupo de duas habitações. Estas 11º.- Os assoalhos do primeiro pavimento serão pelo menos ladrilhados

latrinas terão água suficiente para o asseio necessário. com tijolos comuns, sendo todos os cômodos de habitações assoalhados

4º. - A área comum das frentes das habitações ou arruela de de madeira.

passagem, deverá ser convenientemente arborizada. 12º.- As paredes deverão ser interiormente rebocadas e caiadas.

5º. - A entrada comum deverá ser fechada por um muro com portão de 13º.- O primeiro pavimento deverá ser sempre forrado.

ferro ou de madeira, caso a Câmara julgue necessário. 14º.- Cada habitação deverá ter pelo menos três cômodos e cada

6º. - Cada habitação deverá ter uma área calçada de serviço no seu cômodo não poderá ter área menor de 7,50m2.

interior, com 12 m2 pelo menos. 15º.- Todos os cômodos deverão ter aberturas para o exterior de modo

7º. - O terreno em que forem construídas essas habitações deverá ter que disponham amplamente de ar e luz.

um nivelamento regular, de modo a dar livre escoamento às águas 16º.- As escadas deverão ter como limite máximo de declividade, 80 de

pluviais. altura por 100 de horizontal. Os contra-degraus deverão ser fechados. A

8º. - quando as habitações tiverem um só pavimento o seu pé direito largura da escada nunca poderá ser inferior a 80 cm.

não poderá ser inferior a 4 metros. Quando de dois pavimentos, o segundo 17º.- O nível de assoalho do primeiro pavimento será sempre superior

poderá ter no mínimo 3,50m de pé direito. ao do solo 50 cm. no mínimo.

9º. - As portas do primeiro pavimento terão 2,75 x 1,10m. de vão para

limite mínimo; as janelas de peitoril, 1,85 x 1,00m de vão para limite

mínimo também. As janelas de peitoril do segundo pavimento terão 1,70 x

1,10m. (também limite mínimo).

212
II. Do 1º. ao 2º. Pós Guerra

Os Anos 20 Em São Paulo, a partir da instalação da “Semana de 22”

A economia industrial já se define com mais força no organiza-se o Movimento Modernista. Sob os vários pontos de

Estado de São Paulo. Durante a I Guerra, o crescimento do vista com que foi analisado, este movimento vem refletir as

setor industrial foi grande. A classe operária já se faz transformações da sociedade. Ao buscar a valorização da

numerosa e inicia então a marcar suas reivindicações na cultura nacional vem servir tanto às reivindicações da

sociedade em transformação. burguesia quanto do novo proletariado urbano.

É a partir desta década que as organizações sindicais “Nenhum salão de ricaço tivemos, nenhum milionário

estão bem definidas. O surgimento do Partido Comunista do estrangeiro nos acolheu. Os italianos, alemães, os israelitas

Brasil, em 1921, faz agregarem-se sob sua organização se faziam mais guardadores do bom-senso nacional que os

vários movimentos políticos da classe operária, com Prados, Penteados e Amarais...” 90

influencias das reivindicações e posturas dos países mais A burguesia de tradições rurais identifica-se com os

industrializados e com históricos que remontam ao século valores culturais exaltados pelo Movimento, ao mesmo tempo

anterior, no mínimo, começa a organizar-se no Brasil as em que a nova linguagem com que se apresentam as artes

representações das categorias da nova sociedade industrial identifica-se com a nova “linguagem” com que a burguesia

no trópico.
90
Andrade Mario de, “ O Movimento Modernista”, in Aspectos da Literatura Brasileira,
Martins 1956 São Paulo, pg 241.

213
passa a atuar na economia e que servirá mesmo de base sociais, abrindo-se para a totalidade da nação através da crítica radical às
91
cultural, para a classe operária em processo de organização, instituições já ultrapassadas.”

No mesmo ano de 1922, surgem as primeiras


que se iniciava na luta contra o imperialismo político e
manifestações do “tenentismo”, como o levante dos 18 do
econômico dos Estados Unidos.

“Apesar de não afastar do poder as oligarquias rurais, a burguesia


Forte de Copacabana, evento expressava os ideais e

(comercial, industrial, financeira, sozinha ou aliada aos interesses ambições políticas de alguns setores urbanos e burgueses, no
imperialistas) se encontra em franco processo de ascensão, cresce interior do exercito brasileiro.
também a classe média, forma-se nas cidades um proletariado que sabe,
As transformações econômicas, políticas e sociais por
às vezes, demonstrar sua agressividade”.
que passava o país, leva em 1924 à revolta militar que
Há durante esses anos, não obstante, a resistência das

superestruturas; permanece a política dos governadores, a serviço das


pretendia “salvar” a pátria das agitações que ocorriam com o

oligarquias; permanece em suas linhas básicas a política financeira conflito entre as classes sociais que iniciaram um
protecionista do café, guardando atritos com a burguesia industrial. posicionamento consciente da sua atuação.
Nesse panorama de modernização geral se inscreve a corrente
Com a crise de 1929 a monocultura agrícola cafeeira é
artística renovadora que, assumindo o avanço burguês, consegue
abalada em seus alicerces e com ela a economia nacional, a
paradoxalmente exprimir de igual forma as aspirações de outras classes
indústria recebe outro impulso do Estado, com a redução da

91 o
Lafetá, J. Luiz “Estética e Ideologia. O Modernismo em 1930” Revista Argumento n .2, Paz
e Terra SP, pg. 24.

214
taxa cambial e a depressão econômica, que fizeram com que vinte (como na dos trinta) a mercadoria café perfaz mais de

as nossas exportações de produtos agrícolas deixassem de 80% do valor global das exportações brasileiras.” 93

proporcionar poder aquisitivo suficiente para pagar os Os anos 30, o Estado Novo, 1937/1945

produtos industriais reclamados pelo consumo interno.92 A crise de 29 trouxe uma consciência dos problemas

Nessa época, com as transferências de capital, a industria em brasileiros, pela catástrofe provocada na cafeicultura e

São Paulo se consolida, especialmente os setores têxtil, conseqüentemente no sistema político-econômico. A

alimentício, de vestuário e farmacêutico. A crise de 29 veio burguesia do café foi obrigada então a se conscientizar das

culminar toda uma série de crises econômicas, com as quais limitações de uma economia voltada exclusivamente ao

o sistema político-econômico brasileiro já havia convivido mercado externo.

durante a economia produtiva da monocultura cafeeira como A Revolução de 1930 é uma ruptura política,

sistema de geração da riqueza nacional. econômica e sócio-cultural com o Estado oligárquico.

“De fato, antes de 1930 o sistema político-econômico Economicamente marcou-se a condenação do liberalismo,

brasileiro já se defrontara com problemas estruturais e produz-se uma reorganização dos mercados de capital e força

conjunturais típicos de uma economia dependente, isto é, de trabalho. Politicamente, tendências vão aflorando e

economia primária exportadora... Note-se que na década dos marcando a atuação do novo governo, é criada em 1932 a

93
Octavio Ianni, “Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970)” Ed. Civilização
92
Celso Furtado, op.cit. CapXXX, pg.187 Brasileira, São Paulo 1977, pg. 16.

215
Ação Integralista Brasileira (partido fascista), em 1934 à “Tratava-se de estudar, coordenar, proteger, disciplinar

Aliança Nacional Libertadora (movimento socialista de frente reorientar e incentivar as atividades produtivas em geral.” 94

única), em 1932 a Revolução Constitucionalista Paulista que A repressão á sociedade civil custa ao governo a

tenta recuperar o poder federal então sob Getúlio Vargas, em incorporação e antecipação das reivindicações de classe que

1934 é outorgada a Nova Constituição, em 1935 o levante pudesse surgir. O controle político depende neste momento

comunista e em 1938 o integralista. do controle das organizações de classe. A ação legal do

O governo Vargas para assegurar o poder político governo sobre os sindicatos demonstra bem a questão

reprime todas as manifestações da sociedade civil. Os setores “O Estado não compreende, nem permite,

burgueses mais fortes (urbanos) conseguem através de antagonismos de classes nem explosões violentas de luta;

aliança com a pequena burguesia o controle do poder, para esse fim, criou órgãos reguladores, que não só

reprimindo as reivindicações do proletariado nacional. coordenam as relações, como dirimem divergências e

Assim é que se inicia um processo de reformulação, conflitos entre as diferentes classes sociais.”95

redimensionamento e integração de órgãos governamentais A revisão de todo o sistema político-administrativo

pré-existentes e a criação de novos. através da legislação existente teve grande influencias no

desenvolvimento das realizações sociais por ela regida, já que

94
Octavio Ianni, op.cit. pg 20.
95
Getúlio Dornelles Vargas, Mensagem ao poder legislativo, em 3 de maio de 1935,
Imprensa Nacional, pg. 101 RJ. 1935.

216
refletia todo um ideário e uma política com a qual se pretendia supressão do termo já que com esta penada procurou-se

ordenar a evolução social e que estabelecia os meios para se suprimir a própria existência das classes sociais com

alcançar os objetivos das possíveis reivindicações sociais que características diversas em sua atuação, reivindicações e

deveriam ser contrapostas. Até hoje recebemos a influência condições de vida.

de grande parte dessa legislação e da política que a gerou. A evolução da sociedade no estabelecimento das

Em 1932 em São Paulo temos a “Consolidação dos relações de classes, com base no sistema econômico

Códigos de Obras Arthur Saboya”. Da mesma forma como capitalista, industrial e urbano que se firmava, como já se

vimos no “Código de Posturas do Município de São Paulo” de assinalou, distancia, despersonaliza a relação entre

1886, encontramos neste de 1932, as posturas legais para trabalhador e empresário. As antigas atitudes “paternalistas”

construção da habitação, de forma diversificada e definidas do empresário para com o trabalhador não tem mais razão de

em três tipos ser na nova mentalidade econômica, desta forma é o próprio

1. residencial Estado que toma para si a condução dessas atitudes.Entre os

2. popular inúmeros órgãos criados pelo governo dessa época, estavam

3. operária os Institutos de Assistência e Previdência Social. Sob a

Em edições posteriores o termo “casa operária” é responsabilidade destes fica a construção de casas para os

suprimido. O reflexo da política do governo Vargas a trabalhadores a eles filiados.

217
O crescimento da população ocupada no setor própria ditadura impedia o debate das classes interessadas

secundário e terciário, conseqüência da urbanização, leva a economicamente paras que essa política pudesse ser

uma necessidade maior na organização dos elaborada. A entrada do Brasil na II Grande Guerra Mundial

empreendimentos para construção da habitação a ela como aliado dos Estados Unidos da América aumenta os

destinada. Ao lado das medidas político administrativas, a laços da relação imperialista.

política econômica de desenvolvimento e industrialização O surgimento de uma ideologia nacionalista, ainda que

procura construir uma estratégia política para organizar e com influencias nazi-fascistas teria, não fosse o regime

dinamizar o sistema econômico emergente. Procurava-se ditatorial fechado do governo, havia permitido alguma

abrir novas perspectivas para a formação do capitalismo abertura da sociedade, no debate para a solução e caminhos

industrial. As medidas legais para esse desenvolvimento, sob de sua evolução sem se alienar dos valores culturais que a

a ideologia “nacionalista”, foram sendo formadas. Essa caracterizam. O imperialismo vai tentar descaracterizar essa

ideologia nacionalista, com vínculos nazi-fascistas, acaba por sociedade para garantir o domínio político e econômico.

criar uma necessidade de elaboração de política econômica Em 1943, o governo Vargas implanta por decreto a

preocupada com a independência dos países dominantes. Tal “Instituição do Salário Mínimo”. Nesse período os IAP’s

política não chegou a ser estruturada, a queda do nazi- produziram em 12 unidades da federação um total de 36

fascismo na II Guerra abala a estrutura governamental; a conjuntos habitacionais. Em 1950, o total produzido irá

218
alcançar 31.587 residências. Com a consolidação do concentrou as iniciativas do setor de produção de moradias

processo, de industrialização, gradativamente, a obtenção de para o trabalhador brasileiro através da intervenção e gestão

moradia deslocou-se de um acessório do contrato de trabalho do Estado. Só em 1951, após a recondução de Vargas à

dos operários, para o mercado que passa a responder pela Presidência da República permite-se o primeiro reajuste do

oferta destinada às camadas de baixa renda. salário mínimo (60%) em 1953, após oito anos de confrontos

e discussões no âmbito da sociedade brasileira, ocorre a


2ª. República 1945/1964 e programas habitacionais
criação da empresa energética PETROBRAS. Antes de
após o Golpe Militar de 1964
agosto de 1954 e no bojo de conflitos políticos com a
Em 1945, antes da derrubada da Ditadura Vargas, o
oligarquia conservadora nacional, Vargas estabelece o
legislativo passa a discutir o “Plano SALTE (Saúde, Luz-
segundo reajuste do salário mínimo (100%).
Energia, Transporte e Educação)”, modelo tomado de
Em 1955 com a eleição de Juscelino Kubistchek,
algumas propostas e conteúdos do “New Deal” Rooseveltiano
através de amplo arco político de frente progressista, que
dos anos 30, nos EUA, para dezenas de proposituras
incluía inclusive o Partido Comunista Brasileiro (então ilegal),
posteriores até a década de 70, que considerariam o
conhece-se seu “Plano de Metas de JK” no qual não existe
planejamento do desenvolvimento estratégico-econômico
qualquer referência à questão da habitação no Brasil e suas
brasileiro nos anos seguintes. Em 1946, já no Governo Dutra,
políticas de implantação. Só no breve, polêmico e etílico
institui-se nacionalmente a “Fundação da Casa Popular”, que

219
governo de Jânio Quadros, em 1961, é instituído por Decreto Golpe Militar de 1964 - Lei 4.380 institui Banco

Presidencial, o Instituto Brasileiro de Habitação e Conselho Nacional da Habitação.

Federal de Habitação. Através de recursos do USAID e À medida que os centros industriais passaram a se
Aliança Para o Progresso, o então governo do Estado da desenvolver num ritmo mais dinâmico, as necessidades
Guanabara, em 1962, tendo como órgão promotor a nascente básicas perseguidas por suas crescentes populações se
COHAB/GB irá implantar um programa de “Renovação de defasavam em relação à possibilidade de seu atendimento
Favelas” (sic). Os resultados são os conjuntos da baixada pelos gerentes do crescimento econômico. Ampliou-se o
fluminense, nos acessos à cidade do Rio de Janeiro, como a descompasso entre a produção de mercado e as moradias
Vila Kennedy e os incêndios da favela do Pasmado entre disponíveis para as classes populares.
Botafogo e Copacabana. Em 1963 as realizações de Desde o período Vargas acentuadamente, o setor
Instituições do Estado, no Brasil, alcançam o número de público criou e desenvolveu apenas cerca de 33,4 mil
33.452 unidades habitacionais produzidas desde 1952 até unidades para famílias de baixa renda em todo o país por
então. O Distrito Federal (Rio de Janeiro) e o estado de meio de diversos institutos, empresas públicas e outras
Pernambuco respondem por cerca de 40% das construções. instituições como a Fundação da Casa Popular, Institutos de

Previdências (IAPI, IAPETEC, IAPB, IPESP.) e as Caixas

Econômicas Federais e Estaduais, até 1964. Conclui-se que

220
pesados déficits e desequilíbrios entre oferta e demanda habitações, em conseqüência da redução de seu poder

acumularam-se ao longo do período que culminou, em agosto aquisitivo, no retorno do capital, causada pela inflação. A

de 1964, com a instituição do Banco Nacional da Habitação, o principal dotação do Banco foi ter seu crescimento

B.N.H; pelo governo federal. Através da lei no. 4.380 de 08/64 assegurado pela arrecadação compulsória de 1,0 % (um por

- que também institui o Sistema Financeiro da Habitação - cento) da massa de salários do país, sujeita ao recém criado

com a missão de “promover a construção e a aquisição da Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

casa própria, especialmente pelas classes de menor renda”. Em 1967, o B.N.H., assume a gestão de depósitos do

Seus objetivos, ligados à indústria da construção civil, política FGTS ao mesmo tempo em que era implantado o SBPE –

de saneamento, erradicação de favelas, melhoria do padrão Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, o que faria

habitacional, regulagem do mercado regional, aumento de afluir para seu controle recursos que acabaram por torná-lo a

oferta de emprego, estímulo à poupança privada e outros, segunda potência financeira do País e a maior entidade

baseava-se na instituição da correção monetária (Lei 4.360), mundial voltada para a questão da habitação.

nos contratos habitacionais de empréstimo, acreditando-se


A meta original do B.N.H. era construir 10 milhões de
que desta forma seria possível evitar o que se entendia ser o
casas num período de 10 anos. No entanto, o Banco financiou
grande inconveniente das tentativas anteriores a 1964: a
não mais que 1,1 milhão de casas das quais somente 280 mil
erosão do valor real dos recursos aplicados na construção de
para o trabalhador pobre, na sua primeira década de

221
existência. Realizou, portanto, menos que 3,0 % de seu plano crescendo nos últimos anos a uma taxa superior a 5,0 % ao

original96. Segundo o relatório de 1977 do B.N.H; cerca de ano. Isso significa que, apenas para tender ao crescimento

1.738 mil moradias, haviam sido financiadas até então pela demográfico nas 250 maiores cidades brasileiras, seria

instituição, das quais 896 mil produzidas, tendo em vista o necessário construir cerca de 500 mil novas moradias por

atendimento das necessidades de interesse social – até 10 ano”.

salários mínimos de renda familiar. É oportuno notar que as Em relação aos extratos sociais situados abaixo dos

Companhias de Habitação Popular - COHABs, agentes que cinco salários mínimos e com base no cálculo de distribuição

atendiam os setores mais pobres da população, haviam de renda no país, entende-se que cerca de 280 mil novas

produzido, até maio de 1977, a cifra de 503 mil unidades de moradias/ano deveriam estar sendo produzidas para fazer

financiamentos, o que corresponde, em 14 anos de atividades face à demanda demográfica dos mais carentes. Se a média

ininterruptas, a uma média anual de 36 mil unidades. A produzida até 1977 é da ordem de 36 mil novas unidades/ano,

situação se agravou, se considerarmos que, segundo a o crescimento do déficit é aproximadamente oito vezes mais

Secretaria de Divulgação do próprio Banco (relatório de 1976) rápido que o do programa habitacional promovido pelo B.N.H.

“...a população dos maiores centros brasileiros (urbanos) vem Não obstante, deve-se ressaltar que, entre 1977 e 1980, foi

concedido quase o mesmo número de financiamentos


96 o
Jornal ”Opinião” n . 113 de 01/01/75. ofertados entre 1964 e 1976. Nesse período a quantidade de

222
habitações produzidas no Brasil, por meio de financiamentos, Tabela 2 - Atualização 1981 Evolução de financiamentos
concedidos
atingiu valores iguais ao de programas habitacionais
CIS SBPE TOTAL
praticados por sociais democracias européias como se pode
ANO Até 10 SM RF Mercado Imob. (x 1000)
depreender das tabelas seguintes.
1977 1.062 676 1.738

Tabela 1 - Produção Habitacional através do Estado 1978 257 80 337

1979 246 134 380


Até 1976 % 1977 - 1980 %
1980 334 216 550
Faixa Social 389.772 26,7 609.732 45,3
1981 151 313 464
Faixa Econômica 324.441 22,3 237.722 17,7
Fonte: DPLAC/B.N.H.
Faixa SBPE 744.074 51,0 497.101 37,0
Linha 1 do Metrô da cidade do Rio de Janeiro, as prospecções
TOTAL 1.458.287 100,00 1.344.554 100,00
e aproveitamentos da província mineral de Carajás, que
Fonte DPLAC/BNH
representaram as maiores fontes de desvio ou “recondução”,
O déficit total só foi acompanhando em 1980. Para o
no jargão da época, do capital. O crescente desemprego,
ano de 1981 a tendência se inverte, ou retoma à condição
também representa importante diminuição do volume de
anterior, em flagrante prejuízo das camadas mais carentes. O
recursos passíveis de serem geridos pelo Banco. O déficit
programa do Banco passa a priorizar investimentos em outras
acumulado na faixa de interesse social, em maio de 1982,
áreas. Supõe-se terem sido a Usina da Binacional Itaipu, a

223
chegou à ordem de seis milhões de habitações, no país, regressão no volume de empréstimos devido aos

cabendo ao Estado de São Paulo a parcela de 40% deste, regulamentos impostos para seu consumo e o uso dos

segundo dados do censo de 1980, apoiados em curvas de recursos do SBPE no financiamento da dívida interna.

projeção censitárias. Entre 1981 e 1985 houve uma sensível redução no

O Sistema Financeiro da Habitação - SFH, nesse volume de financiamentos. Nesse período as obras

período, profissionalizou-se ao extremo e criou garantias para executadas através de suporte pelo Sistema Financeiro de

assegurar o retorno dos financiamentos concedidos, mas por Habitação, caíram de 47, 8% no período entre 1979 e 1980

uma série de fatores estruturais do país, a conjuntura para 8% entre 1984 e 1896. A relação entre o valor dos

econômica brasileira e a recessão acentuada a partir de 1983 financiamentos habitacionais via sistema e o PIB caiu de

não conseguiram superar a crise a que foi conduzido. Os 2,69% em 1980, para 0,31 % em 1986. O SFH foi incapaz de

principais fatores que dramatizaram a crise foram o superar ou reverter essa crise financeira levou-o ao colapso e

descompasso entre retorno obtido dos mutuários e em seguida, à extinção do BNH, com a absorção de seus

crescimento do saldo devedor; redução da captação líquida do serviços de banco de segunda linha pela Caixa Econômica

FGTS devido; incremento de saques e redução do número de Federal, a partir de novembro de 1986.

contribuintes; diminuição de depósitos e retiradas das Como conclusão pode-se afirmar que, ao se analisar a

cadernetas de poupança e, o mais perverso de todos, a política habitacional ao longo dos anos de existência do BNH,

224
verifica-se sua condição de órgão fomentador e dinamizador renda entre 1 a 3 salários mínimos com menos de 6% do total

do mercado imobiliário e da construção civil. Entre 1964 e das unidades financiadas.

1984, o SFH financiou 4,8 milhões de unidades habitacionais, Um desempenho pífio!

concedendo recursos para 26% do total de todas as unidades


Tabela 3 - Número total de financiamentos contratados pelo SFH
97
produzidas entre 1964 e 1986 . entre 1964 e 1986

A intervenção pública no período 1979-80 representou Faixa Social Faixa Econômica Faixa SBPE Total

1/5 do volume total de unidades de qualquer tipo (inclusive 1.499.806 788.130 2.179.393 4.467.329

barracos) construído no Brasil. Essa produção se iguala 33.6% 17,6% 48,8% 100,0%

àquela das sociais democracias européias como a França (no


fonte DPLAC/B.N.H.

auge da década de 60), Alemanha Ocidental e Dinamarca

(durante a década de 70). Contudo o desempenho na área

social só beneficiou, como mostram diversos estudos, 33,6%

dos imóveis destinados aos setores mais pobres, com a

agravante de contemplar, só a partir de 1975, as famílias com

97
Revista “Habitação e Poupança”, 1988 maio, pág. 16

225
Capítulo 7 - Superquadras de Brasilia Da “Memória Descritiva do Plano Piloto, 1957” 98

...”Quanto ao problema residencial, ocorreu a solução de criar-se


Plano Piloto - Lúcio Costa / NOVACAP (1957)
uma seqüência contínua de grandes quadras dispostas em ordem dupla ou

singela, de ambos os lados da faixa rodoviária emolduradas por uma larga

cinta densamente arborizada, árvores de porte prevalecendo em cada

quadra determinada espécie vegetal, com chão gramado e uma cortina

suplementar intermitente de arbustos e folhagens, a fim de resguardar

melhor, qualquer que seja a posição (sic) do observador, o conteúdo das

quadras, visto sempre num segundo plano e como que amortecido na

paisagem. Disposição que apresenta a dupla vantagem de garantir a

ordenação urbanística mesmo quando varie a densidade, categoria, padrão

ou qualidade arquitetônica dos edifícios e de oferecer aos moradores

extensas faixas sombreadas para passeio e lazer, independentemente das

áreas livres previstas no interior das próprias quadras.

Dentro dessas “superquadras” os blocos residenciais podem

dispor-se da maneira mais variada, obedecendo porém a dois princípios

gerais : gabarito máximo uniforme, talvez seis pavimentos e pilotis e a

separação do trafego de veículos do transito de pedestres, mormente o

98
Esboço original do plano piloto de Brasília Costa, Lúcio, Registro de uma vivência, Empresa das Artes, Ed.UnB, São Paulo SP, 1995,
pg.283

226
acesso à escola primária e às comodidades existentes no interior de cada Ao fundo das quadras estende-se a via de serviço para o tráfego de

quadra. caminhões, destinando-se ao longo dela a frente oposta às quadras de à

instalação de garagens, oficinas, depósitos de comércio em grosso, etc;

reservando-se uma faixa de terreno equivalente a uma terceira ordem de

quadras, para floriculturas, horta e pomar. Entaladas entre essa via de

serviço e as vias do eixo rodoviário, intercalam-se então largas e extensas

faixas com acesso alternado, ora por uma, ora por outra e onde se
Esboço de conjunto de superquadras da Asa Sul do projeto original
localizam a igreja, as escolas secundárias, o cinema, e o varejo do bairro,

disposto conforme a sua classe ou natureza.

O mercadinho, os açougues, as vendas, quitandas, casas de

ferragens, etc; na primeira metade da faixa correspondente ao acesso de

serviço, as barbearias, cabeleireiros, modistas, confeitarias, etc; na primeira

seção da faixa do acesso privativo dos automóveis e ônibus, onde se

encontram igualmente postos de serviço para a venda de gasolina. As lojas

dispõem-se em renques com vitrinas e passeio coberto na face fronteira às

cintas arborizadas de enquadramento dos quarteirões dos quarteirões e

privativas dos pedestres, e o estacionamento na face oposta, contígua às

vias de acesso motorizado, prevendo-se travessa para ligação de uma

parte à outra, ficando assim as lojas geminadas duas a duas, embora o seu
Superquadras da Asa Sul em 1962
conjunto constitua um corpo só.

227
Na confluência das quatro quadras localizou-se a igreja do bairro, e quadra a outra serão neutralizadas pelo próprio agenciamento urbanístico

aos fundos dela as escolas secundárias, ao passo que na parte da faixa de proposto, e não serão de natureza a afetar o conforto social a que todos

serviço fronteira à rodovia se previu o cinema a fim de torná-lo acessível a têm direito. Elas decorrerão apenas de uma maior ou menor densidade, do

que proceda de outros bairros, ficando a extensa área livre intermediária maior ou menor espaço atribuído a cada indivíduo e a cada família, da

destinada ao clube da juventude, com campo de jogos e recreio. escolha dos materiais e do grau de requinte do acabamento. Neste sentido

A gradação social poderá ser dosada facilmente atribuindo-se deve-se impedir a enquistação de favelas tanto na periferia urbana quanto

maior valor a determinadas quadras como, por exemplo, as quadras na rural, cabe à Companhia Urbanizadora prover dentro do esquema

singelas contíguas ao setor das embaixadas, setor que se estende de proposto acomodações decentes e econômicas para a totalidade da

ambos os lados do eixo principal paralelamente ao eixo rodoviário, com população.

alameda de acesso autônomo e via de serviço para o tráfego de Previram-se igualmente setores ilhados, cercados de arvoredo e de

caminhões, comum às quadras residenciais. Essa alameda, por assim campo destinados a loteamentos para casas individuais, sugerindo-se uma

dizer, privativa do bairro das embaixadas e legações, se prevê edificada disposição em cremalheira, para que as casas construídas nos lotes de

apenas num dos lados, deixando-se o outro com a vista desimpedida sobre topo se destaquem na paisagem, afastadas uma das outras, disposição

a paisagem, excetuando-se o hotel principal localizado nesse setor e que ainda permite acesso autônomo de serviço para todos os lotes e

próximo ao centro da cidade. No outro lado do eixo rodoviário-residencial, admitiu-se igualmente a construção eventual de casas avulsas isoladas de

as quadras contíguas à rodovia serão naturalmente mais valorizadas que alto padrão arquitetônico – o que não implica tamanho – estabelecendo-se,

as quadras internas, o que permitirá as gradações próprias do regime porém, como regra, nestes casos, o afastamento mínimo de um quilômetro

vigente; contudo, o agrupamento delas, de quatro em quatro, propicia num de casa a casa, o que acentuará o caráter excepcional de tais concessões”.

certo grau a coexistência social, evitando-se assim uma indevida e

indesejável estratificação. E seja como for, as diferenças de padrão de uma

228
A superquadra é a solução concebida por Lúcio Costa mais de 700 m, deste, como acesso principal. O agrupamento

para o habitar, conceituada na proposta do plano piloto para a de quatro superquadras forma um setor, que se interliga com o

nova Capital. Um conceito intimamente ligado ao urbanismo de eixo e com via de serviços, no outro extremo, na divisa com as

Brasília. Propunha a reunião dos serviços básicos no entorno

da moradia, a fim de se atingir critérios de conforto, resolvendo

as possíveis interferências negativas entre estes, através de

uma circulação rígida, extremamente bem definida e resolvida.

A tônica da solução em superquadras é a da comunicação

eficiente entre todos os elementos que a compõe.

Uma superquadra (conceito adotado a partir da quadra,

da cidade brasileira, ou quarteirão, que no desenho urbano

proposto recebe uma valorização em escala e qualidade) é um

quadrado de 280 m de lado previsto para ser ocupado por


Esboço de superquadra e seus setores, original do plano piloto
edifícios residenciais de até 6 pavimentos, sobre pilotis, uma

escola primária e um jardim de infância. Implantada ao longo zonas residenciais de baixa densidade, no sentido leste. Este

do eixo rodoviário da cidade, de forma que não se distancie agrupamento enseja uma unidade de vizinhança de

229
aproximadamente 3.000 habitantes. Completava-se com um acréscimo das quadras 400, passando assim o número

cinema, pequeno comércio (diversas lojas), igreja, ensino de de superquadras de 98 para 120).

2o. grau, além dos espaços livres e arborizados entre os x Pequenos conjuntos de residências isoladas – "setores

edifícios. Permita o controle do tráfego de veículos que ficava ilhados, cercados de arvoredo e de campo, destinados

limitado a periferia do quadrado de 240 m, independente de a loteamento para casas individuais",101 localizados em

pedestres, sem, no entanto, restringir o acesso do automóvel áreas próximas às margens do lago Paranoá.

aos diversos edifícios residenciais. x Um setor de “caráter excepcional”, resultante da

Conforme o Relatório do Plano Piloto99, originalmente "construção eventual de casas avulsas isoladas de alto

foram previstos três tipos de áreas residenciais para Brasília, padrão arquitetônico..., estabelecendo-se porém como

uma seqüência para quadras, pequenos conjuntos ou casas regra, nestes casos, o afastamento mínimo de um

isoladas e um setor de “caráter excepcional”: quilometro de casa a casa." 102

x Uma "seqüência contínua de grandes quadras... No processo de detalhamento do projeto, de 1957 em


100
dispostas... de ambos os lados da faixa rodoviária" , diante, foi criado um quarto tipo de área residencial, os

formando as Asas Sul e Norte e organizada em três chamados Setores de Habitações Individuais Geminados – o

renques (posteriormente ampliados para quatro, com o que ensejou o acréscimo de mais um renque de quadras
99
Relatório do Plano Piloto, Reedição de 1991, Governo do Distrito Federal (GDF), Brasília,
101
DF. 1991 Idem Ib, pg. 30.
100 102
Idem Ib. pg. 28. Idem Ib., pg. 30.

230
residenciais ao longo da via W3, ocupando a faixa de terreno

originalmente prevista “para floricultura, horta e pomar.”103.

Organizadas principalmente em seqüências de casas

geminadas, as denominadas quadras 700 podem ser

entendidas como uma versão econômica de superquadra.

Asa Sul e W3 em 1962

103
Idem Ib. pg. 28.

231
Os pilotis comuns a todos os edifícios das superquadras e os diferentes aproveitamentos, com seis
três e dois pavimentos da taxa de ocupação única proposta para o plano piloto.

232
Como a configuração proposta para a superquadra princípios gerais: gabarito máximo uniforme, talvez seis

foi bastante respeitada, desde os primeiros momentos de pavimentos e pilotis, e separação do tráfego de veículos

construção da cidade até o presente, é conveniente do trânsito de pedestres, mormente o acesso à escola

acompanhar passo a passo a sua formulação. Sempre primária e às comodidades existentes no interior de cada

segundo o Relatório do Plano Piloto, as superquadras quadra." 105

seriam "grandes quadras... emolduradas por uma larga As principais características em planta da superquadra são:

cinta densamente arborizada,... com chão gramado e uma x Uma moldura de vegetação em todo o entorno,

cortina suplementar intermitente de arbustos e folhagens, formando um cinturão verde de 20 metros de largura em

a fim de resguardar melhor... o conteúdo das quadras, cada quadra.

visto sempre num segundo plano e como que amortecido x A predominância de áreas verdes sobre aquela de
104
na paisagem." Para a habitação foram adotadas edificações, as quais devem ser distribuídas livremente

edificações em altura, distribuídas na superfície interna do por toda a superfície interna ao cinturão verde.

quarteirão e isoladas uma das outras: "Dentro destas x A possibilidade de se adentrar o quarteirão e circular

‘superquadras’ os blocos residenciais podem dispor-se da por todo o seu interior, seja em veículos automotivos,

maneira mais variada, obedecendo porém a dois

104 105
Idem Ib. p. 28. Idem, ib, p. 28.

233
seja a pé, possibilidade reforçada ainda mais no caso uma outra via de características não especificadas (a

dos pedestres pela exigência do térreo em pilotis. atual via L1, porém de traçado contínuo, posteriormente

x A separação da circulação de veículos e pedestres no complementa pela via L2, de caráter algo semelhante à

interior de cada quarteirão. W3).

Cada quarteirão – por definição, uma superfície urbana x As superquadras deveriam ser ladeadas por “largas e

que não é cortada por nenhuma rua de passagem – dos extensas faixas com acesso alternado, ora por uma, ora

setores residenciais das Asas Sul e Norte é constituído, em por outra, e onde se localizaram a igreja, as escolas

geral, por duas superquadras, o que resulta em um mega- secundárias, o cinema e o varejo do bairro, disposto

quarteirão com 280m x 620m. conforme a sua classe ou natureza." 106

Quanto à integração das superquadras entre si e com o x Naquelas faixas sem acesso para veículos, hoje

restante da cidade: denominadas ‘entrequadras’, ficariam os equipamentos

x Sempre obedecendo às prescrições das ‘7 vias’, dois educacionais, religiosos e esportivos, acessíveis para

terços delas deveriam ser implantados entre dois os pedestres diretamente do interior dos quarteirões

sistemas viários autônomos – a via de serviço para sem a necessidade de atravessar uma via de passagem

caminhões (via W3) e o eixo rodoviário-residencial; o de veículos.

outro terço estaria entre o eixo rodoviário-residencial e


106
Idem Ib. pg. 28.

234
x Nas faixas cortadas por vias de passagem seria No texto "O arquiteto e a sociedade contemporânea"

localizado o que é hoje conhecido como ‘comércio (1952)108, onde Costa discute a “Unité d’Habitation de

local’: "As lojas dispõem-se em renques com vitrinas e Grandeur Conforme” (Marselha, 1945), prevista para cerca de

passeio coberto na face fronteira às cintas arborizadas 1.600 habitantes e constituída por apartamentos duplex (23

de enquadramento dos quarteirões e privativas dos tipos diferentes), duas ruas internas, escola, hotel, ginásio,

pedestres, e o estacionamento na face oposta, contígua creche e jardim de infância, tudo isso contido em um único

às vias de acesso motorizado..."107 prédio com térreo em pilotis, dezesseis andares e cobertura-

Contudo, essa última característica – uma almejada jardim, encontra-se a protogenese conceitual das

organização em que a frente das lojas estaria voltada para as superquadras, a partir de sua interpretação da “Unité

quadras e seus fundos para as ruas – não ocorreu e hoje as d’Habitacion“ Corbusiana.

fachadas comerciais são voltadas, para as ruas. O resultado Segundo Lúcio Costa (estão mantidos os caracteres

concretiza-se num tecido urbano contínuo, com unidade, itálicos do texto original, n.a.), o “princípio geral” que rege a

considerando a diversidade dos edifícios implantados e

expressivo, marcante, ao menos entre as quadras 100 e 900 e

entre as quadras 200 e 800.

108
Costa, Lúcio, Registro de uma vivência, Empresa das Artes, EdUnB, São Paulo SP, 1995,
107
Idem Ib., pg. 28. pg.268.

235
Setor comercial SQS 101

Igreja SQS 101

Escola e ao fundo setor comercial SQS 101

236
unidade de habitação – modelo “concebido pela primeira vez, na

sua integridade, pela intuição precursora de Le Corbusier, há

mais de vinte anos” – é “a concentração residencial em altura,

em blocos isolados de construções bastante grandes para

possibilitarem a instalação dos serviços gerais e demais

comodidades requeridas pelos núcleos de famílias que os

constituem, e capazes de libertar, por essa mesma

concentração grandes áreas de terreno arborizado em torno,

garantindo assim uniformemente a todas as residências maior

desafogo visual e, como conseqüência, maior sensação de

intimidade, apesar da contigüidade que as irmana em

unidades de uma nova ordem de grandeza..." 109

Sendo um "desdobramento da própria casa...”,

constituiriam “quarteirões de pé" com "gramados e bosques do

condomínio circunvizinho, com piscina e campos de jogos” e

Superquadras e setores
109
Idem, Ib. pg 269.

237
“espaços internos ou semi-internos de variado destino e

facilmente acessíveis: salão de recreio para as crianças; clube

de adolescentes; ginásio; sala aconchegada para mútuo

convívio dos moradores idosos; sala de leitura, com cabinas

privativas para trabalho individual; oficina e atelier com várias

seções de ofícios para a distração domingueira; creche,

jardim-de-infância, escola primária; ambulatório, enfermaria,

farmácia, bar, confeitaria, restaurante e ainda as pequenas Superquadras - Circulação interior, espaços livres. Densidades distintas

lojas de mercadorias fundamentais, tal como ocorre nos


amplitude das áreas requeridas, as distâncias a percorrer e a
quarteirões de bairros, padaria, venda, açougue, charutaria,
extensão das vias de acesso e das redes de instalações fariam
quitanda, etc". 110
logo avultar a inépcia de semelhante desperdício para, no final
Por fim, a sua alta densidade populacional seria um
das contas, acumular desconfortavelmente a população em
fator de economia urbana: "Ainda que fosse possível a
lotes exíguos de zonas remotas e casas mínimas se
disseminação de residências individuais autônomas de

limitado padrão para a totalidade das populações..., a

110
Idem, Ib. pg. 270

238
111
devassando mutuamente”. Assim, o conjunto de quatro residenciais e respectivo estacionamento; todo o restante da

superquadras, conforma uma unidade de vizinhança. quadra, inclusive a periferia arborizada, é privativa dos

Uma outra aproximação para a análise da superquadra pedestres..."114 Já depois da inauguração de Brasília, manteve

o mesmo entendimento: "O que caracteriza o plano de


e de seus blocos residenciais é considerar a sua organização
urbanização...é a concentração residencial em apartamentos
em ‘vizinhanças’. Ainda que no “Relatório do Plano Piloto”,
nas chamadas superquadras, constituindo 4 delas uma área
Costa se refira apenas ao seu agrupamento em conjuntos de
112 113 de vizinhança com as facilidades requeridas e acesso comum
“superquadras” ou quadras, ou ainda quatro quadras ,

pouco antes da inauguração de Brasília avançou a questão: sobre o eixo rodoviário denominado, por isto mesmo,

"As superquadras residenciais, assim designadas não tanto rodoviário-residencial.”115

Embora se encontre nesta visão de urbanismo


por se pretenderem superiores mas porque são grandes,
novamente a proposta racionalista de Corbusier, o resultado
agrupam-se em número de quatro, constituindo cada conjunto

uma unidade de vizinhança autônoma, com escola, comércio enquanto urbano é totalmente oposto ao do arquiteto suíço, na

local, facilidade de recreio, etc...O tráfego motorizado é medida em que não existe preocupação em levar a cidade, ou

delimitado e contido nas áreas internas de acesso aos blocos parte dela, para dentro do edifício, como em suas enormes

“Ünités D`Habitation”, procurando-se obter uma solução de


111
Idem, Ib. pg. 269
112 114
Idem, Ib. pg. 292. No texto original com 23 itens, da Memória Descritiva do Plano Piloto, Costa, Lúcio Sobre arquitetura. “Monumentalidade e Gente” (1960), pg. 306, Porto
só existe essa grafia e apenas uma vez, no item 16(n.g.). Alegre, Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962, negritos nossos.
113 115
Idem, Ib. pg. 293. Idem, Ib. pg. 339 .“Sobre o problema da habitação em Brasília” (1961)

239
grande habitabilidade e harmonia das funções urbanas, sem iniciar a construção da cidade a partir da Asa Sul em

deixar de incorporar formas tradicionais das cidades brasileiras detrimento da Asa Norte, (durante os últimos cinco anos da

com cuidados especiais do espaço proposto em relação aos década de 1960), levou a proposta a sofrer distorções de uso

espaços para implantação das unidades destinadas a escolas. (não de forma) devido a especulações da ordem econômica,

Parque Guinle - Edifícios Britânia e Caledônia

É importante lembrar que distorções de implantação das (revenda de imóveis valorizados) bem como, a adaptações

superquadras em Brasília, sendo a principal a decisão de se espontâneas dos habitantes no que diz respeito ao

240
zoneamento proposto. Um exemplar disto é a destinadas aos segmentos da população com menor renda

supervalorização da via W-3 (antes uma artéria de serviços) familiar, no interior do plano piloto, imposição que contraria as

que durante toda a década de 1960 e parte da de 70 intenções iniciais da proposta de Lúcio Costa.

respondeu como pólo - linear- comercial de Brasília, devido à

carência destes serviços em outras áreas que não haviam

sido ocupadas – boa parte da Asa Norte, e principalmente, a

pouca valorização do Centro. Hoje, com sua qualidade de

serviços alterada e quase totalmente ocupada, a Asa Norte

amenizou tal polarização, que deve, todavia ser creditada

também a criação de grandes ofertas de serviços, no Centro,

junto à Estação Rodoviária. Outro aspecto a ressaltar é que

nenhuma superquadra beneficiou a população de baixa renda

da cidade, em parte devido à força da especulação sobre tais

camadas, mas, principalmente, devido às decisões tomadas

pelos diversos governadores do Distrito Federal no período

pós-golpe militar de 1964 de não construir moradias

241
Conclusões nos demais setores do Plano Piloto, inúteis e de desagradável

A superquadra é certamente o desenho urbano mais efeito no tecido, particularmente no “fundos” do eixo

marcante e inspirado em termos da organização físico- monumental, onde foram implantados os anexos de todos os

espacial de Brasília. Mais uma solução com precedentes ministérios, conseguiu obter uma escala das mais agradáveis

Corbusianos como se pode depreender deste capítulo, para o uso cotidiano na proximidade das habitações. Contudo,

contudo o modelo da superquadra se encontra na obra do ainda que um êxito urbanístico, do ponto de vista social a

próprio Costa, no projeto para o Parque Guinle (1948-54) no superquadra continua sendo uma resposta onerosa e elitista,

Rio de Janeiro. Nesse conjunto de três prédios de que findou por não ser amplamente aplicada no território

apartamentos (seis no projeto original), o arquiteto explorou envoltório do DF, nas “cidades satélites”.

com brilhantismo o uso do pilotis para articular as passagens

de veículos e pedestres no térreo e ajustar as edificações à

declividade do terreno solução também explorada nas

propostas das superquadras brasilienses onde propõe uma

hierarquia de circulações mais simples descartando o uso de

elevadas e propondo a rua com balão de retorno nas

unidades de vizinhança evitando espaços residuais presente Parque Guinle - Perspectiva

242
Brasília – Eixo Monumental

243
Capítulo 7 - Conjunto Habitacional Zezinho Histórico e conceitos

Foi a primeira experiência do urbanismo brasileiro no


Magalhães Prado 1966/1967
sentido de se atender populações operárias de baixa renda
Companhia Estadual de Casas Populares - CECAP
através de habitação compatível em custo e qualidade.
Autarquia então vinculada à Secretaria do Trabalho do Governo
Diferentemente de outras experiências urbanísticas, inclusive
do Estado de São Paulo, Guarulhos, São Paulo
Brasília, que tinham como ponto de partida a criação de
Arquitetos João Batista Vilanova Artigas, Fábio de Moura
núcleos centrais de desenvolvimento propositivos de uma
Penteado e Paulo Archias Mendes da Rocha.
organização urbanística inicial com diretrizes para seu

crescimento o projeto atua inserindo-se na urbanização

preexistente, com o desenho feito "de fora para dentro",

considerando a estrutura anterior como base de

transformação e propondo um modelo de crescimento da

periferia não isolado da região metropolitana. Por ser

relativamente afastado do centro urbano principal, o Conjunto

assume uma posição intermediária interessante, que não

Estudo preliminar da implantação pode ser considerada "dormitório", portanto desintegrado da

244
cidade, nem auto-suficiente, o que significaria uma oposição “Tratando-se de equacionar em padrões mais

completa à cidade existente. atualizados o problema da habitação, o importante é

O projeto procurava ir além dos conteúdos do reconhecer que a casa não termina na soleira da porta. Ao

“Conjunto Habitacional” e foi tratado por seus autores como contrário, ela se liga aos recintos, aos espaços, aos edifícios e

um plano habitacional em escala compatível com a grande locais onde se fazem esportes, onde se reza e onde se

São Paulo, sítio de sua localização. Os arquitetos aprende a ler e a cultivar o espírito, para penetrar o

consideraram, desde o início do desenvolvimento das conhecimento da cultura e da ciência. O lar se liga ao

propostas, atenderem demandas e critérios que ampliavam as hospital, a escola como aos teatros, e aos cinemas, num

solicitações existentes na área do Município de Guarulhos. verdadeiro sentido de comunidade”.116

Procurou-se integrar todos os aspectos da habitação ligados a Um dado - talvez dos mais relevantes para a

vida humana típicas de grandes concentrações urbanas, não abordagem que se propõe à habitação - foi o fato de atender à

entendendo a habitação como solução ou finalidade, mas população operária (os apartamentos eram destinados a

integrando-a a todo critério do habitar no espaço onde ocorre operários sindicalizados que habitassem a Região

a educação, o comércio, o esporte, o recreio e os cuidados Metropolitana da Grande São Paulo, empregada nas

com a saúde. indústrias locais e nas dos municípios vizinhos) com

116
Memorial do Projeto, manuscrito, 1967, os originais encontram-se na seção de
documentos raros da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

245
habitações dignas e esteticamente agradáveis, A área original do terreno era de 180 Ha. dentro do

compatibilizando custo, que permitiria um valor de venda para perímetro urbano do município de Guarulhos, a 20 km do

os futuros mutuários, igual a 100 salários mínimos financiados centro da capital de São Paulo sua conformação topográfica

em vinte e cinco anos e de qualidade a partir do entendimento apresenta relevo pouco acentuado, devido à existência,

do conceito de economia da obra em grande escala. Assim, predominante, de várzea de rio. É secionado, no sentido L /

as soluções tecnológicas exigidas para conferir qualidade ao W, pela via Dutra. A ordenação urbanística regular das

projeto, obrigaram que cada objeto particular do conjunto, do unidades, orientados no sentido N / S e a alta densidade de

desenho urbano e da unidade habitacional, fosse estudado e ocupação dos setores de moradia, que propiciam

pesquisado para recomendar soluções inovadoras, que racionalização da sua construção, índices extremamente

diminuíssem efetivamente os custos sem perder qualidade. favoráveis, na utilização dos serviços públicos foi a tônica

Foi previsto que a implantação do empreendimento adotada na elaboração do partido geral, guardadas as três

polarizaria cerca de 300.000 pessoas, computadas os quase escalas de intervenção no urbano.

60.000 moradores, pois o aspecto que o define é o não O privado e o público

isolamento, da total integração no todo urbano que o circunda, O conceito de "Freguesia" (agrupamento, povoação

através de três escalas de interferência. A do próximo, do paroquial) foi recuperado por Artigas a partir da crítica a outras

habitar, a do conjunto como um todo e a da metrópole. concepções de experiências anteriores, como as "unidades de

246
vizinhança" (péssima tradução literal do inglês)e para lazer e jardins coletivos. Os seis setores se articulam, ao

"superquadras", (devida a Lúcio Costa) que não respondiam longo de seu sentido longitudinal N-S, interligados por um

satisfatoriamente à proposta habitacional do projeto, por grande espaço de convivência onde os moradores encontram

sugerirem setores urbanos fechados, enquanto a proposta em áreas livres, igreja, estádio, teatro, clube e ainda o grande

gestação, buscava justamente o contrário. A implantação das centro de abastecimento e comércio regional. Cada freguesia

unidades urbanas propõe, através da sua trama descontínua é composta de 32 blocos de edifícios, cada um com três

em um terreno com relevo pouco acentuado, a abertura de andares sobre “pilotis”, conformados por duas lâminas

visuais amplos nas áreas destinadas aos pontos de encontro, contíguas, interligadas por escadas, cada prumada servindo

interfaces com a cidade constituída, seu tecido pré-existente doze apartamentos, inicialmente projetados com 64 m2. 117 de

poderia se estender através do conjunto e vice-versa. área e espaço interno flexível que admitia diversos arranjos da

O conjunto previa 10.560 moradias para uma planta da moradia. Nas freguesias a área livre do terreno liga

população de 57.600 habitantes e densidade total seria 310 através de jardins, todos os moradores às praças de comércio

hab / Ha. Essas moradias são agrupadas em 6 setores, as cotidiano, às escolas e aos parques infantis, áreas verdes e

Freguesias, cuja densidade é de 650 hab / Ha. Cada um estacionamentos completam as praças das freguesias. Dois

desses setores compreende, num raio médio de 150 m de blocos de comércio e o estádio ocupam parte da grande área

cada moradia, comercio local, escola de 1o. grau e espaços


117
Este valor refere-se à superfície da unidade habitacional desenhada no estudo preliminar
de 1967.

247
de convivência configurando uma praça de 460 x 250 m. O

comércio aí localizado atenderá as necessidades maiores do

conjunto e das áreas vizinhas, contando com lojas de

departamentos, hotéis, restaurantes, cinemas. O estádio é de

nível municipal para 15.000 pessoas. A igreja ecumênica,

teatro de arena e clube estão situados no prolongamento

desse espaço central que se estende ao longo de uma faixa


Implantação geral
de 100 m. de largura por toda área do conjunto. O programa

de ensino médio previa uma rede de 4 escolas de 1o. e 2o.


A unidade habitacional
grau e um centro de ensino técnico. O equipamento de saúde

coordena um posto de saúde e um hospital geral para 200 “Levando-se em consideração a área útil de 64 m²; os

leitos, facilitando o atendimento médico-sanitário não só da espaços disponíveis para as áreas de trabalho e procurando

população do conjunto, mas das regiões próximas. maior conforto e sensíveis reduções de custo... o escritório

iniciou estudos de incluir, quase como pormenor da

construção, alguns dos equipamentos domésticos

indispensáveis à vida moderna”.

248
conta com equipamentos de qualidade inferior e de baixo

padrão...”

Estudo Preliminar do apartamento com 64m2 Estudos preliminares, apartamento, banheiro e prumadas hidráulicas

“... habitações populares estão localizadas em uma faixa de “A casa é também mais do que abrigo; ela deverá

mercado ainda não atingida pela indústria e é, na verdade, a conter o seu equipamento de uso, que vai do mobiliário ao

maior faixa da população que, ou tem equipamentos eletro doméstico. Assim, os armários, a geladeira, o fogão e o

inadequados em termos de uso e de custos elevados... ou forno, a máquina de lavar e o tanque completam o

249
equipamento mínimo já admitido como indispensável... o 7,20m.), independentemente do método construtivo adotado,

banheiro e a pia da cozinha..” 118 liberava praticamente toda área da unidade, com exceção do

Cada lâmina dupla habitacional com três pavimentos núcleo hidráulico, que deveria ser construído por um bloco de

sobre pilotis previa 60 apartamentos idênticos, com 57,60 m²; concreto, que abrigaria as prumadas de fluidos e incorporaria

desde a elaboração do projeto executivo do primeiro o espaço da cozinha, área de serviço e banheiro, com

condomínio construído, o “São Paulo”,119 perfazendo um total ambientes para chuveiro e bacia e com lavatório externo.

de 1.920 apartamentos por Freguesia, composta por quatro

condomínios independentes e um centro comercial além de

equipamentos públicos diversificados. O apartamento

apresentava como característica original uma planta de

composição flexível, a fim de permitir a cada morador várias

hipóteses de adequação aos seus desejos e interesses,

segundo os hábitos ou o número de membros da família. O P LAN T A AP AR T AME N T O

0 1 5

módulo estrutural adotado no projeto executivo (8,00 X Planta apartamentos construídos na etapa 3,
construção industrializada com 57,60 m²
118
Artigas, Julio Camargo et alli “Vilanova Artigas”, Fundação Vilanova Artigas , Instituto Lina
Bo e P. M. Bardi, São Paulo SP, 1997, pg. 142 a 151. Ver tb. Revista Desenho 4 FAUUSP
1972.

119
Os primeiros 480 apartamentos foram concluídos e entregues aos moradores em janeiro
de 1972

250
Na unidade, a circulação, prevendo mais movimentação avanço qualitativo destes (inclui-se nestes critérios, o espaço

e a disposição dos ambientes sociais, como a sala e a urbano estabelecido pelo projeto com o parâmetro mais

cozinha, estão voltadas para o jardim interno. No lado oposto, importante). A habitação era tratada como um espaço aberto

com maior afastamento em relação ao outro conjunto de às mais variadas condições da família usuária, pelas

lâminas, localiza-se os ambientes mais íntimos, como os possibilidades de arranjo dos usos da sua planta, onde

dormitórios. Esta disposição, no entanto, era flexível, pelas somente o bloco hidráulico junto com o espaço da cozinha

divisórias leves acima citadas, sendo somente o bloco eram tratados como condicionantes mais rígidos, dentro de

hidráulico, junto ao espaço da cozinha, banheiro e serviços, uma modelação ditada pela estrutura pré-fabricada (a

tratado como condicionante mais rígido concentrado e coordenação modular incluía lajes, painéis, caixilhos,

inamovível. batentes, portas e armários) A intenção dos arquitetos de

A habitação oferecia ao seu morador, operário, uma situação ampliar os limites do projetar na habitação individual, nessa

que pode ser definida como de “constrangimento social”,120 oportunidade, permitiu-lhes o requinte “Morrisiano” de

devido à possibilidade de se sugerir uma nova maneira de desenvolver o desenho industrial de equipamentos de uso

usar e viver o habitat, permitindo-lhe que incorporasse seus domésticos: fogão, geladeira, máquina de lavar / tanque, forno

hábitos cotidianos e ao mesmo tempo, promovesse um e armários; considerados complementos indispensáveis à vida

contemporânea.
120
Idem, Ib.

251
O projeto deveria ser implantado de forma rápida e contínua

(se possível em duas etapas) e para tanto foi prevista a

industrialização de uma série de componentes da obra (as que

teriam produção massiva e repetitiva). A estrutura dos edifícios

residenciais utilizaria dois painéis básicos de laje e mais dois

elementos distintos de viga e colunas, além de armários /

peitoril que também servem para conformar cada unidade

habitacional do edifício. A prumada da escada seria montada a

partir de quatro elementos, o lance de meio andar da escada,

guarda corpo, laje de circulação – cobertura e paredes suporte

do conjunto. Devido à pequena variação de dimensão, EP, módulo de armário

decorrente do processo industrializado utilizado, os caixilhos,

batentes, portas e painéis leves de divisão interna de cada

apartamento, seriam fornecidos, já montados, pela industria de

materiais de construção, o piso propunha um produto

industrializado, em forma de manta plástica, de fácil aplicação.

252
EP, fogão EP, geladeira

253
O que se pretendia com tais propostas técnicas, naquele

momento histórico, era a possibilidade de se obter bons

índices de industrialização do processo construtivo,

solicitando-se os produtos de indústria já existentes no parque

paulista, que os forneceria, se já os produzissem, ou passaria

a executá-los, atendendo a solicitações de desempenho de

novos produtos, materiais ou custos especificados pela equipe

técnica. Com isso se valorizaria a capacidade instalada da

indústria não sendo necessária à importação, de técnica ou

materiais estrangeiros que sempre privilegiam o processo de

industrialização da construção, dirigindo-o para a substituição

de mão-de-obra, o que em momento algum de nosso

processo histórico foi fator preponderante.

EP, tanque e máquina de lavar roupa

254
Equipamentos comunitários comércio e serviços estariam localizados no piso térreo,

Áreas verdes e de estacionamento compõem as praças ligando, por jardins, todos os moradores aos pontos do

de cada freguesia e a interligação entre os setores é feita pela comércio cotidiano, numa praça de 22.000 m2. Os

grande praça de convivência, onde seriam instalados o escritórios, consultórios e moradias para os comerciantes

grande comércio, a igreja, o estádio, o teatro de arena e o locais ficariam no primeiro pavimento. O comércio aí

ginásio esportivo, num prolongamento que se estende numa localizado atenderia às necessidades maiores do conjunto e

faixa de 100 metros de largura por toda a área do conjunto. das áreas vizinhas, contando com lojas departamentais,

Merecem destaque o estádio para 15.000 hotéis, restaurantes e cinemas.

espectadores, de caráter municipal, e o ginásio esportivo, A área de estacionamento geral e dos terminais de

creches e centros comunitários, reforçando a integração do linhas de transporte urbano completa o equipamento coletivo

conjunto com a cidade e a igreja ecumênica: uma laje no desse setor. O tratamento de paisagem das áreas verdes

nível do solo, que se rebaixava através de generosas e caracteriza esta grande área não só como ambiente de usos e

suaves rampas, constituindo-se num espaço de isolamento e serviços, mas como espaço destinado ao lazer e recreação.

reflexão. O serviço de transporte se estende ao longo de todo o

Dois blocos de comércio ocupam parte desta grande conjunto, de tal forma, que circula sempre a 150 metros de

área configurando uma praça de 460 por 250 metros. O cada conjunto de moradias.

255
Como a rede escolar do conjunto considerava a Equipamentos de infra-estrutura

demanda proveniente dos bairros vizinhos, foram Energia elétrica: os estudos do projeto previam não

programadas 192 salas de aula para atendimento de 13.420 haver problemas de fornecimento da energia necessária ao

alunos. Essas dependências, distribuídas em 5 centros dimensionamento de carga previsto.

educacionais localizados junto a cada uma das freguesias, Rede de distribuição de água: o sistema de

abrangendo uma faixa de estudantes dos 6 aos 16 anos, abastecimento de água também adotou soluções inovadoras

possibilitaria escolaridade mínima de 10 anos. para a época, com a instalação de um reservatório central

Foi previsto também um centro integrado de ensino que, por via de uma rede de circuito fechado, asseguraria a

técnico para a profissionalização do adolescente, com 21 pressão inicial em cada bloco de apartamentos.

salas de aula para 1.480 alunos. As vazões de dimensionamento diferem, sendo

A programação do equipamento sanitário atendia aos maiores no caso do abastecimento direto, principalmente nos

conceitos adotados pela Organização Mundial de Saúde, condutos secundários. A diferença se atenua à medida que

coordenando numa mesma área (junto à Via Dutra) posto de áreas maiores são consideradas; em conseqüência, o custo

saúde e hospital geral com 200 leitos. das redes de abastecimento indireto supera o

correspondente custo das redes de abastecimento direto.

Assim, estabelecida a comparação entre as duas

256
possibilidades - abastecimento indireto ou direto - o projeto paralisações tem vazões de dimensionamentos menores,

da rede de distribuição de água potável optou pelo pois não podem ser utilizadas peças de elevada vazão de

dimensionamento para alimentação direta dos pontos de funcionamento, como é o caso das válvulas fluxíveis,

consumo, por considerá-la mais vantajosa frente ao custo substituídas por caixas de descarga, onde a vazão de

conjunto das redes públicas e das redes prediais. No primeiro alimentação é relativamente baixa. Há, portanto, uma

caso, à época mais comum nas cidades brasileiras, a rede de sensível economia na instalação predial, pois a rede

distribuição abastece o reservatório predial e, a partir dele, correspondente é de menor custo e os reservatórios

são atendidos pela rede domiciliária os diversos pontos de domiciliares não existem no abastecimento direto. A rede de

consumo. Há aí a necessidade de condutos que vão até o distribuição da via pública é dimensionada para uma

ponto mais alto do prédio onde se localiza o reservatório; a condição estatística de utilização e não mais para vazão

partir dele se desenvolve a rede predial que, em condições máxima horária do dia de maior consumo, como na rede de

normais urbanas, é dimensionada para peças de utilização abastecimento indireto.

que podem ter vazões relativamente elevadas. No segundo Rede de esgoto: o sistema de escoamento de águas

caso, a rede de distribuição abastece diretamente os pontos pluviais e esgoto foram resolvidos no desenho adotado para o

de consumo, pela via das ligações prediais. Aí desaparece o traçado das ruas, incorporando a solução urbanística. O

conduto de ligação entre a rede e reservatório predial e as traçado da rede de esgotos obedeceu ao critério de evitar a

257
mínima interferência possível com as vias publicas e áreas CECAP solucionar individualmente o problema de tratamento

pavimentadas. Dessa forma, nas diversas Freguesias, os dos esgotos domésticos, pois, em curto prazo, suas obras

condutos estão dispostos com um traçado-sempre que estariam perdidas, com a construção do interceptor -

possível no centro da quadra-perpendicularmente ao afastador. Em vista disso, precariamente, os esgotos seriam

desenvolvimento dos edifícios, recebendo a contribuição por lançados “in natura” no rio Baquirivu, ressaltando-se o fato

condutos dispostos lateralmente. Com este critério obteve-se deste rio se encontrar maciçamente poluído e sem

um menor comprimento total dos condutos laterais (coletores perspectivas imediatas de solução. Foi recomendado,

prediais). A legislação antipoluição estadual já determinava o entretanto, que se reservasse uma área de 5 ha. para uma

tratamento de todas as águas residuais antes de seu eventual implantação de estação de tratamento de esgoto.

lançamento aos cursos de água. O planejamento de Áreas Verdes: a implantação de áreas verdes

deposição de esgotos da Área Metropolitana de São Paulo representa sensível ônus no custo das habitações, se

preconizava que a região onde se situa o Conjunto considerada nas formas usuais adotadas nos jardins

Habitacional tivesse as suas águas residuais coletadas pelo convencionais. Tratando-se, no caso, da formação de uma

interceptor Baquirivu, que deveria lançar esses efluentes na área verde de grandes proporções (1,5 milhões de metros

futura estação de tratamento de esgotos de São Miguel quadrados) e destinada à ambientação e bem estar de uma

Paulista, então em obras. Dessa maneira, não convinha à nova cidade de trabalhadores, onde as esquematizações dos

258
custos e as viabilidades econômicas têm importância constante tráfego de pessoas transportando botijões pelas

fundamental para o sucesso da iniciativa, entendeu a CECAP escadas e de veículos pesados nas áreas de moradia que os

poder realizar estudos e pesquisas no sentido de reduzir os milhares de botijões individuais obrigariam, além de dispensar

custos destas áreas verdes, sem comprometer o conteúdo o espaço deste objeto que pode ser perigoso na área de

estético desejado. trabalho da casa. Além disto, a equipe de projetistas

Energia calorífica: segundo conceitos de lógica e considerou o futuro trabalho de exploração de xisto

praticidade, a energia calorífica foi projetada para ser betuminoso, no Vale do Paraíba, que se previa resultar,

fornecida com o gás de petróleo. Todavia as habitações do inclusive, na produção de gás canalizado em direção à

Conjunto Habitacional não deveriam ser atendidas pelo Grande São Paulo, podendo ser imediatamente ligado ao

tradicional sistema de botijões individuais, mas através de sistema do Conjunto Habitacional.

uma rede de distribuição centralizada, subterrânea implantada Redução dos prazos de execução e racionalização

no local, servida por central de distribuição.Esta solução para da construção: o projeto foi elaborado dentro de um critério

o plano da CECAP significaria vantagens futuras, pelos flexível de dimensionamento e possibilidade de execução,

aspectos de conforto e planejamento econômico. Assim, o permitindo, conforme a capacidade técnica da indústria de

total de custos necessários à implantação do sistema construção e da organização dos construtores, desde a

centralizado estaria compensado pela eliminação do execução de pré-fabricação total através de montagem de

259
componentes reprodutíveis em série até o sistema Projeto de produção industrializada dos edifícios

convencional, considerando a produção em canteiro da Desde a concepção original previa-se a montagem

estrutura de concreto armado e a montagem na obra de seriada das estruturas e vedações dos edifícios habitacionais

elementos de vedação industrializados em fábricas do parque por meio de componentes produzidos no canteiro ou em

industrial paulista, enfim a racionalização dos processos de usina e posteriormente montados no sítio de implantação. O

construção. A organização dos canteiros planejados previa a projeto elaborado, que atingiu a condição de executibilidade,

montagem mecânica, propiciando a utilização de transporte nunca foi adotado pelas empresas construtoras, mas serviu

vertical e horizontal conjugado, elevando a produtividade com de suporte para a implantação de processos de

equipamentos médios e compatíveis com as capacidades racionalização da construção a partir de 1973 e

econômicas de uma grande faixa dos construtores nacionais. industrialização das suas estruturas e principalmente

Produtividade e qualidade do sistema construtivo: para que componentes e revestimentos, a partir de 1975, quando se

seja possível a redução do custo de uma habitação, sem adotou a industrialização em canteiro da estrutura das

quebra de seu padrão de conforto, torna-se necessário que a lâminas habitacionais.e posterior montagem de vedações e

redução seja obtida no estudo cuidadoso do projeto e da aplicação de revestimentos industrializados.

racionalização dos processos e métodos de construção, A seguir imagens do primeiro processo desenvolvido de

principalmente em se tratando de obra não convencional. produção seriada integral:

260
Montagem seqüencial dos componentes reprodutíveis do apartamento

261
Equipes Técnicas: Visando construir habitações soluções parciais de redução de custo, quer na construção

confortáveis ao preço teto de 100 salários mínimos por dos edifícios, quer na obtenção dos equipamentos para ser

unidade habitacional, a CECAP contratou equipes de firmas instalados nos mesmos.

especializadas, constituídas de profissionais reconhecidos e Projeto e pesquisas

lançou-lhes o desafio de atingir este objetivo que, à primeira Pesquisas sobre a técnica construtiva e conceitos de

vista, parecia utópico. Os planos foram elaborados com a projeto para uma estrutura a ser produzida de forma seriada,

assessoria de firmas especializadas para cada um dos tiveram sua verificação de estabilidade e elaboração dos

setores de trabalhos técnicos obrigatórios para um Plano de documentos técnicos dos projetos executivos desenvolvidos

Habitação Integrado. Estes trabalhos foram desde pesquisas pelo Escritório Técnico Figueiredo Ferraz, a partir dos estudos

sócio econômicas, sistemáticas de ensino pré universitário, dos arquitetos. Para realizar o projeto onde qualidade,

análise de solo, viabilidade sanitária, estudo de quantidade e economia se configurassem como aspectos

abastecimento, técnicas construtivas, cálculos estruturais, até indissociáveis, houve a preocupação de aprofundar

pesquisas de novos equipamentos domiciliares ou pesquisas, para que fosse possível garantir uma vida digna e

planejamento econômico de grandes áreas verdes. As firmas moderna para os trabalhadores. O projeto deveria ser

contratadas, após estudo detalhado dos projetos, em implantado de forma contínua e, para tanto, foi prevista a

colaboração com o Escritório técnico da CECAP, buscaram industrialização de uma série de componentes da obra que

262
teriam produção massiva e repetitiva. A estrutura dos edifícios fundação e dos baldrames implica na redução de cerca de

habitacionais utilizaria, basicamente, "uma técnica de concreto 40% do custo da estrutura de andar térreo.

armado com perspectiva de aproximação à pré-fabricação”, Redução de consumo de concreto: Os edifícios foram
121
de dois painéis de laje e vedação e dois elementos de viga projetados com três pisos além do andar térreo livre. Nas

e coluna, além do componente armário / peitoril que vedaria estruturas convencionais, o consumo de concreto por metro

as unidades do edifício. O peso menor da estrutura projetada quadrado de construção é da ordem de 15 cm de espessura

permitiu a eliminação dos blocos de fundação e baldrames. As média; a racionalização do projeto estrutural permitiu a

fundações dos edifícios eram indiretas, com emprego de redução desta espessura para 8,4 cm, acarretando, assim,

estacas pré-moldadas. Nas soluções convencionais as uma economia de 37% no consumo total de concreto.

estacas terminam abaixo do solo e são interligadas por blocos Redução nas redes de água: Em projetos convencionais o

de fundação e baldrames. Tirando partido do fato de os consumo de tubulação para abastecimento de água é da

edifícios terem um andar térreo livre, a proposição dos ordem de 25 metros lineares por unidade habitacional. Com a

estudos era de levar as estacas até o nível do 1o andar, onde distribuição racional de equipamento sanitário, estudo das

se fariam as amarrações à estrutura do restante do edifício, peças existentes no mercado e desenho de peças especiais

solução perfeitamente viável. A eliminação dos blocos de foi possível a redução de cerca de 35% no consumo da

tubulação inicialmente prevista. Foi projetado também um


121
Idem, Ib.

263
módulo para concentrar todos os dutos hidráulicos, que Armários: As paredes de vedação externas de todo o

incorporava o banheiro, a cozinha e os serviços conjunto, constituídas de peças leves de concreto pré-

Solução racional dos pisos: as firmas construtoras lançaram moldado, serviriam também como armários embutidos, o que

um desafio à industria de plástico com vista à obtenção de

pisos adequados aos vários fins das unidades habitacionais,

com melhoria de qualidade, sem acréscimo de custos. A

solução encontrada, que permitia a eliminação do contra-piso

que, além de seu custo próprio, acarreta sobrecarga na

estrutura das lajes, foi desenvolvida pela Vulcan S. A; uma

manta plástica comprimida sobre uma trama de sisal

amazônico e que foi aplicada na totalidade dos 4.680

apartamentos, construídos até 1982. Esse piso revestia todos


Edifício com sua pintura original nos armários externos
os ambientes da habitação, à exceção do piso impermeável
já se define na construção, como um detalhe de equipamento
do chuveiro do banheiro, recoberto com resina a base de
que libera espaços internos com resultado sensivelmente
polímero epoxy.
econômico.

264
Caixilhos: A solução dos caixilhos buscava diminuir os escritório especializado L.A. Falcão Bauer para que cuidasse

custos; todavia, também houve estudos para utilização de somente da organização, administração e gerenciamento da

vidro inquebrável em substituição ao tradicional conjunto obra e seu canteiro.

vidro-caixilho. Etapas de obra 1969 – 1982

. Devido à pequena variação de dimensão e ao processo O projeto executivo para a primeira etapa de obras122

utilizado, os demais componentes construtivos - tais como de consecução do Conjunto Zezinho Magalhães Prado -

caixilhos, batentes, portas, divisórias leves- seriam fornecidos correspondente à Freguesia FF, primeiras 480 unidades - foi

já montados pela indústria de materiais de construção, sendo elaborado sem perder a perspectiva da industrialização nos

o piso um produto a ser colado diretamente sobre a laje. A termos da racionalização da técnica construtiva, desde os

experiência pretendia, assim, obter bons índices na aspectos mais gerais até os pormenores impôs-se a

industrialização da construção, não somente com produtos já repetição seriada de componentes iguais. A estrutura

existentes na indústria, como com novos produtos, materiais e executada pelo sistema tradicional de moldagem “in loco”,

custos, estimulando a capacidade criadora da indústria da além de obter uma redução significativa no consumo de

construção. concreto, como já se comentou, adotou os avanços

Para que a obra correspondesse aos pressupostos do tecnológicos da época. A estrutura previa uma laje nervurada

projeto, atendendo as previsões de custos, foi contratado o 122


Ver excelente texto a respeito in: Ruprecht, D. Conjunto Habitacional Jundiai A: dois
modos de arquitetar. Dissertação de Mestrado. Universidade Presbiteriana Mackenzie,
São Paulo, 2003. Pgs. 84 a 102.

265
que respeitava modulação do projeto. Todos os vedos eram identificam os blocos e setores, conferindo ao conjunto das

compatíveis com esse dimensionamento. Nessa primeira freguesias, a vivacidade quase espontânea da pintura das

etapa os peitoris / armários pré-moldados foram executados construções populares, reportando-se desta forma a cultura

com blocos de concreto, sem descaracterizar a proposta urbana de nosso país. As cores aplicadas externamente nos

inicial no plano dimensional. Os caixilhos assimilaram os armários foram cuidadosamente estudadas, o desenho

avanços da indústria e da técnica de montagem da época, cromático buscava contrastes fortes e veio a tornar-se mais

permitindo a montagem de um caixilho de alto padrão e baixo uma marca deste projeto123.

custo, devido ao grau de repetição utilizando-se perfis de Na segunda etapa de obra que previa a construção de

barras perfiladas de aço e juntas de PVC semi-rígido, fixados 1.320 apartamentos, em 1973, passou-se a adotar o processo

por pressão. Em substituição aos revestimentos de massa e desenvolvido na União Soviética da cura do concreto com

impermeabilizações por azulejos, o projeto especificou uma infusão de vapor, aliado a desmoldantes químicos,

pintura à base de borracha clorada e polímeros sintéticos procedimento que permitia a retirada dos cimbramentos e

(emalux) em toda unidade, tanto interna (apenas nos formas após 48 horas, com a cura completamente concluída e

ambientes hidráulicos) como externamente nos edifícios, a reutilização por 36 vezes seguidas das mesmas formas de

prestando-se inclusive como revestimento impermeabilizante, madeira compensada – plastificada. A realização da

nesses casos. Introduziu-se no projeto o uso de cores, que 123


Hoje, em 2007, as cores originais de todas as freguesias encontram-se recobertas, por
tons neutros na sua totalidade, devido a decisão ignorante de síndicos dos conjuntos, ao
arrepio de decreto de tombamento deste, pelos órgãos culturais da P.M. de Guarulhos.

266
impermeabilização da laje de cobertura dos blocos Para a execução da estrutura foi adotado o processo

habitacionais procedia-se sem aplicação de qualquer produto industrializado em formas metálicas de aço “Jel Sistem”,124

impermeabilizante, após a cura a vapor sob grande volume de que permitiam a produção seriada, com alta precisão

água era mantido um lençol de cinco cm. de água, que dimensional da estrutura de concreto armado, através do que

estabelecia a impermeabilização destas por infiltração na se convencionou chamar “sistema parede e mesa”. O sistema

porosidade superficial das lajes de sais e o excesso de nata previa a fundição de lajes e pilares através de apenas dois

de cimento advindos do processo químico da cura. A fim de elementos de forma montáveis, movimentados por gruas, que

mitigar sua evaporação este filme de água é protegido por redundava numa “colméia“ de planos verticais e horizontais de

uma camada de oito cm de argila expandida, distribuída sobre concreto com espessura constante.

as coberturas. Nessa etapa os armários passaram a ser O espaço vazio resultante da desforma conformava o

construídos por meio de formas metálicas contínuas que ambiente do apartamento. O aumento de consumo de

recebiam concreto usinado e também atuavam como vigas de concreto era compensado pela enorme diminuição do tempo

borda da estrutura. de produção e o grande ganho construtivo, a total precisão

A produção seriada e industrializada em canteiro foi dimensional. No sentido de retirada das formas eram

adotada a partir de 1975/1976 à época da terceira etapa de concretados os armários constituídos por três painéis pré-

obras que se consubstanciava em mais 2.880 apartamentos.


124
Sistema Ohlsson und Skarne, de patente Sueca.

267
fabricados montados de forma contígua. A partir dessa etapa No canteiro construí-se uma seqüência de vias férreas

pode-se instalar uma caixilharia de alumínio padrão produzida (com trilhos, dormentes e brita de suporte) para

pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo que eram movimentação das gruas, que percorrendo o eixo longitudinal

simplesmente fixados às envasaduras, sem requerer qualquer entre duas lâminas de apartamentos que viriam a configurar

sorte de ajuste ou vedação posterior. um bloco de 60 unidades, movimentavam as formas de

Processo construtivo industrializado em canteiro, sistema parede-mesa

268
parede / pilares e de mesa / laje, enquanto ao longo dos singela com apenas um lance contínuo entre os andares.

perímetros externos dessas lâminas, bombas de recalque de Estas passaram a ser produzidas no canteiro, um conjunto

concreto depositavam esse material plástico, trazido por pré-fabricado de quatro peças – escadaria, pilares, lajes

caminhões betoneira, nos vazios das formas. patamar e guarda corpos. À medida que se concluía a

montagem das prumadas de escadas, com o auxílio das

gruas, desmontava-se a sua via férrea que não mais seria

utilizada para a construção das estruturas. Em seguida

desmontavam-se as gruas.

A obra prosseguia com a montagem dos vedos internos

dos ambientes e dos caixilhos de alumínio e concluía-se o

Guindastes instalando formas metálicas revestimento por pintura interna com posterior aplicação de

piso plástico impermeável e a impermeabilização externa dos


A cura a vapor continuou a ser utilizada e a produção
apartamentos e edifícios respeitando-se o projeto cromático.
da estrutura completa de um bloco consumia apenas seis
Indústria a céu aberto!
dias.

As escadas de acesso tiveram seu desenho

readequado, o que conduziu a uma solução construtiva mais

269
A implantação do conjunto implantado de forma parcelada. Assim muitas hipóteses e

A instabilidade econômica do país, com conseqüências critérios adotados inicialmente e que se interdependiam,

sempre diretas sobre as ações da historicamente frágil política tiveram que ser abandonados ou parcialmente considerados,

habitacional, é a responsável pelas vicissitudes por que notadamente no que tange as propostas ligadas à habitação.

passou o processo de produção / implantação do conjunto Assim dos acessórios pretendidos para a unidade

habitacional Zezinho Magalhães Prado, que deveria ter sido, habitacional, somente os armários, por depender

se concluído na escala proposta das experiências mais exclusivamente de uma solução construtiva, puderam ser

significativas do urbanismo e da habitação proletária implantados no decorrer da obra. A partir da 3a etapa de

brasileira. As mudanças pontuais na composição político – construção, é que se pode obter um caixilho industrializado,

administrativa, tanto no plano federal como estadual, foram os painéis leves a mutáveis, bem como, o piso de baixo custo

suficientes para dificultar e diminuir os investimentos que até acompanhou a obra desde sua primeira etapa. A planta da

hoje deveriam orientar e impulsiona o desenvolvimento unidade também foi revista em função das novas condições

metropolitano conurbado. de produção, assim o bloco hidráulico, de produção e

A destinação de fundos insuficientes para a montagem industriais, foi substituído por uma parede

implantação global ou pelo menos de uma quantidade hidráulica, modificando o desenho básico da unidade

significativa de unidades fez com que o conjunto fosse habitacional, mas não interferindo nos critérios de flexibilidade

270
da mesma. Os equipamentos urbanos também sofreram por mutuários que percebessem 12 a 15 salários mínimos de

processo de implantação parcial devido a uma inconstante renda familiar, embora os custos de produção chegassem a

alocação de verbas, pelos diversos órgãos do estado, ainda cair com o decorrer da obra. Em 1981, os custos ainda

assim, lá foram implantadas: duas escolas, um centro supervalorizados, caíram para valores que requeriam de 7 a 9

comercial, um centro de saúde, creche, pré-escola, ginásio salários mínimos de renda familiar para sua aquisição.

esportivo, centro comunitário com piscina e áreas de lazer e

esporte, para atender a 4.800 unidades habitacionais,

construídas desde 1969 até 1982.

Devido ao grande sucesso obtido desde o início da

comercialização do conjunto (novembro de1971), a crescente

procura pelos apartamentos de baixo custo (então destinados

a famílias entre 3,5 a 5 salários mínimos de renda familiar) e

aliado ao fato da CECAP procurar sempre aumentar sua

captação financeira do investimento, através da venda das Escadas Guarulhos

unidades, o preço dos apartamentos foi sucessivamente

majorado até atingir valores que só permitiam sua aquisição

271
Desenvolvimentos do edifício habitacional

O edifício de apartamentos implantado em Cumbica foi

inicialmente construído de forma racionalizada com estrutura

de vigas nervuradas e pilares formando pórticos de dimensões

idênticas em sucessão rítmica contínua. A vedação utilizada


Edifício Guarulhos – planta
foi a de bloco de cimento. Com o desenvolvimento da obra e a

construção de maiores quantidades de edifícios e moradias,

no processo construtivo utilizou-se de sistema que permitia a

pré-fabricação, no canteiro, da estrutura, das escadas e dos

vedos.

Evoluções posteriores dessa condição foram


CORTE TRANSVERSAL

implantadas em conjuntos de menor escala, no interior do


0 1 5

Edifício Jundiaí - corte

estado de São Paulo, todos incorporando rampas, em

desnível de meio pavimento, em substituição às prumadas de evolutiva passou a permitir a implantação dos edifícios em

escadas originais de Guarulhos, interligando-se as lâminas de terrenos com até 25% de declividade, como nas glebas dos

apartamentos através da circulação vertical. Esta condição conjuntos habitacionais de Jundiaí e Mogi-Guaçú. Em Marilia

272
pode-se aprender com uma das mais elegantes soluções de

implantação para conjuntos habitacionais em sítios com

alguma declividade notável.125

Edifício Jundiaí – vista


PLANTA EDIFÍCIO

0 1 5 10

Edifício Jundiaí - planta

125
Ver Opus cit.

273
Reportagem de capa da revista Veja sobre as
condições de ocupação do primeiro condomínio, o
“São Paulo” em junho de 1973

274
Conclusões

275
Conclusões XX. Durante séculos antes as casas nem eram consideradas

arquitetura, pois se produziam sem o concurso de arquitetos.

A implantação da habitação, a construção do habitar e A partir da implantação das cidades industriais, o tema da

seus espaços contínuos que se resume na cidade é a habitação passa a se constituir no núcleo de interesse

justificativa existencial da arquitetura, seu objetivo maior. É o disciplinar e ideológico do movimento moderno e o desejo de

lugar que se vai conviver com as transformações culturais e reinventar a própria cidade. A cidade transformou-se no lugar

que passa a adquirir um significado ou que lhe é atribuído. O polarizador, do qual se depende para sobreviver, o único lugar

morar é uma ação civilizatória que implica na determinação de da civilização que se processa através de intenções coletivas

um ambiente (o espaço doméstico) e estabelece o princípio e que, hoje, chamamos de “cidade liberal” onde se devem

da dualidade arquitetônica entre o interior e o exterior, a concretizar os desafios, que incluem a habitação coletiva e

histórica relação com a cidade, o princípio “casa-rua” que, adensada, que molda uma nova percepção dos espaços

afinal, conduz ao contraponto entre o espaço público ou domésticos e públicos, capazes de conciliar a globalidade de

coletivo e o privado. A casa é indissociável da cidade e a soluções com soluções localizadas, a casa coletiva com a

constrói, permitindo a continuidade das varias identidades que intimidade doméstica.

tecem os espaços e as atividades da urbe. A casa e a procura

de novas formas de habitar foram inconciliáveis até o Século

276
A questão do alojamento, o problema social da dos trabalhadores ainda não se constituem em programas

habitação, contudo, que foi colocado há mais de um século e colados à construção dos Estados dessas sociedades,

meio pela revolução industrial, formulado pelas vanguardas principalmente na América Latina. A construção do Estado e

políticas européias no início do Século XX, e ordenada pelos da habitação não se constituem numa proposta política, nem

programas de governo que construíram o estado de bem sua reivindicação faz parte da consciência operária na forma

estar social, implantado pelos países da Europa ocidental, de reivindicação conjugada. Os poucos melhores exemplos

após a segunda guerra mundial e nos Estados Unidos, desde concretizados no Brasil, são fruto de felizes convergências

o segundo mandato de Franklyn Roosevelt e o new deal, não conjunturais, de programas pioneiros, se não exploratórios e

recebeu até hoje, uma resposta ampla, definitiva e uma conjugação de administradores e intelectuais

principalmente com regras mínimas de continuidade preocupados. No início do século anterior, países pouco

programática, como política pública, no conjunto da maioria desenvolvidos industrialmente como a Itália e a Rússia, mas

das sociedades de formação colonial ou dependente cultural e densos na sua tradição cultural, ofereceram propostas como o

economicamente, das sociedades de países hegemônicos do futurismo ou o construtivismo, enquanto que, na Europa

hemisfério norte ocidental. Trata-se de uma questão que industrializada, arquitetos e mecenas comungavam o

ainda nos é devida a enfrentar com vontades políticas e virtuosismo do Art Nouveau – que é também técnica. Tal

intelectuais, posto que as respostas aos direitos de habitação condição se reproduz inversamente hoje, após a sociedade

277
pós-industrial e algum pós-modernismo, que se apresenta, mas em outra práxis: a da militância política, que com a

hoje, mais como uma antimodernidade, nos países mais ricos. mesma ascese e perfeição ética se propunha reconstruir o

Permite esquecer que a atual “despesa lúdica”, cuja epiderme mundo para os heróis modernos, o proletariado. Os arquitetos

das cidades–novas é testemunha, só foi possível graças projetavam casas heróicas: os condensadores sociais, os

àquilo que a precedeu: o amontoado da mão-de-obra Siedlungen, “os terraços olímpicos com vistas para o futuro”

abrigada nas favelas do terceiro mundo e nos grandes como quer Jurgen Habermas. A arquitetura moderna foi,

conjuntos residenciais, mal construídos, em todos os simbolicamente, a da reivindicação socialista, a das cidades

subúrbios das metrópoles “globais”. radiosas. A prostituição, ou mais suavemente, o esvaziamento

Quando os ideólogos do movimento moderno de seus ideais foi um duro golpe para os significados mais

propugnavam como seu problema central a habitação para singelos do pensamento progressista, no mínimo.

todos, isto não se colocou como uma postulação geral, Buscou-se explicitar neste trabalho o que foi

unanimemente absorvida e exercitada, foi obra de apenas incorporado desse ideário e qual o seus resultados e

alguns militantes da arquitetura e, por ironia da história, proposituras gerados na construção da arquitetura moderna e

sociologicamente aristocratas. Por um movimento natural, a contemporânea brasileira e pelos seus protagonistas. Os

prática elaborada acreditou se reconhecer não mais ancorada poucos exemplos realizados e sua relação com a cidade e a

em rituais, quaisquer que fossem suas entidades de origem, nossa sociedade estão aqui considerados e o território das

278
cidades brasileiras explicitam a pouca consideração política e projetos nacionais que visem estabelecer melhores

que estes projetos modelares receberam ao longo de nossa condições de conforto, tanto para os operários que os

história. A construção da habitação operária neste país é a produzem, quanto para os futuros usuários de habitação e

demonstração de total retrocesso cultural, político e social, das cidades do Brasil estaremos buscando um vislumbre de

que inclui todo o Estado e a sociedade brasileira. A busca da progresso estético, cultural e social.

redução da força de trabalho e a proposição da

industrialização da construção, presente nas situações em

que se antevia a modificação da condição de atraso e a

construção da modernidade, na sociedade brasileira, ainda

colide frontalmente com programas políticos e condições de

produção conservadoras nas suas relações. Neste trabalho

não se pretendeu discutir esta questão, por si só gigantesca,

buscou-se mostrar que temos raízes estéticas e ideológicas e

alguma produção modelar para orientar projetos e programas

futuros. Acredita-se que se estes paradigmas históricos

concretamente realizados passarem a fazer parte das causas

279
Posfácio

Com a convicção pessoal de que a construção de uma

prática é um processo constante, alinho-me com as idéias

sintetizadas a seguir, excertos de texto de Paul Chemetov,

arquiteto e professor da Ecole nationale des Ponts e

Chaussés sintetizados de seu discurso “Inachevé... parce

qu’inachevable?”126

“O que se dinamitou em S. Louis127 não foi a arquitetura moderna,

mas sim a utopia dos que proclamavam que até os negros tinham direito a

habitações com janelas e banheiros. O que se destruiu em Ville Urbane,

só abrigava árabes. Deveriam eles, como caranguejos, viver nas fendas

do tecido social, da trama urbana?128

126
Editions du Moniteur, Paris 1982
127
Blake, Peter A arquitetura moderna morreu em St Louis, Ed. du Moniteur, 1980.
Ver tb. Form follows fiasco, Little, Brown &Co. Boston, USA, 1974 (nota adicional deste
autor).
128
“...A casa da luz que, no Eschyle, Prometeu designou como um dos grandes presentes
que lhe permitiu se transformar de selvagem em homem, deixa de servir ao operário. A luz, o
ar, as necessidades mais elementares deixam de existir para o homem. A doença, a
estagnação, a putrefação do homem, essa cloaca (no sentido literal) da civilização tornam-se
Seqüência da demolição de um edifício do conjunto seu elemento de vida”. K. Marx, Manuscritos de 1844, Ed Sociales, 1969.
Pruitt-Igoe em St. Louis.

280
... A única constatação que podemos tirar é que os guetos do

lumpen-proletariat dão trabalho, seja qual for sua embalagem formal...

Com a humildade que devemos ter diante dessa constatação,

reconheçamos o mérito do projeto inacabado da modernidade de ter sido o

primeiro a considerar a arquitetura como ética. Nessa exigência,

aceitemos o valor intrínseco da inconclusão da obra (como una e como

fragmento), como alegoria da história no que ela possui de intempestivo,

de dolorosa e de falha.

A modernidade é um projeto inacabado porque ela foi a utopia de

uma beleza difundida e revelada para toda a sociedade por meio da

indústria? Ou simplesmente porque a modernidade seria, antes de tudo,

um processo e, como todo processo, inacabável...

São hoje modernos, os arquitetos para quem a especificidade da

estética não pode se tornar por si só um projeto cujos meios de

representação e as técnicas de produção das obras não pertençam ao

mundo dos objetos de arte. Não se acabará o inacabável só porque a

contemplação estética da história gostaria de decretar seu fim.”

281
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284
Glossário uma obra literária são secundárias e claramente dependentes
do verbal, são fatos lingüísticos.
Escola do método formal ou formalismo mecanicista.
Futurismo Russo
O OPOJAZ ( Sociedade para o Estudo da Linguagem
Poética), grupo liderado por Viktor Shklovsky, desenvolveu o Conjunto de movimentos de vanguarda, na literatura e nas
método formal, com enfoque na técnica e naquilo que se artes plásticas que se deram a partir de 1908, na Rússia. São
denominou “dispositivo”. Para esse grupo, as obras literárias vários e de curta existência os passos dessa verdadeira
assemelham-se às máquinas, ou seja, são o resultado de revolução artística: ego-futurismo, cubo-futurismo, na
uma atividade humana intencional na qual uma habilidade literatura e rayonismo e suprematismo nas artes plásticas.
específica transforma matéria bruta num mecanismo Na poesia o Futurismo cria a noção de poema como objeto
complexo adequado para um propósito particular. Esse tipo visual, utiliza a fala popular e, principalmente a partir a
de visão despe o artefato literário de sua conexão com o contribuição de Mayakovsky, há a consolidação do poema
autor, leitor, e momento histórico. urbano, anti sentimental e não representativo. Na pintura, o
raionismo (1909) de Mikhail Larionov e Natalia Gontcharova
Formalismo Russo e o suprematismo (1913) de Malevich que rompem
completamente com a pintura figurativa, fundando a
Influente escola de crítica literária da Rússia de 1908 até abstração geométrica.. Mais tarde, El Lissitsky cria formas
1930. Dela fazem parte as obras de um grande número de que buscam expressar a civilização industrial por meio da
acadêmicos Russos e Soviéticos de grande influência (Viktor utilização dos meios tipográficos e da fotografia, uma arte
Shklovsky, Yuri Tynianov, Boris Eichenbaum, Roman efêmera – cartazes, folhetos – com textos de Mayakovsky.
Jakobson, Grigory Vinokur) que revolucionou a crítica literária
entre 1914 e a década de 30 estabelecendo a especificidade ASNOVA - Associação dos Novos Arquitetos, constituída em
e a autonomia da linguagem poética e literatura. Os 1923,na URSS, intitulava-se “de esquerda”.
Formalistas Russos defenderam um método "científico" para
estudar a linguagem poética, para a exclusão das tradicionais CECAP- Companhia Estadual de Casas Populares, autarquia
abordagens psicológica e histórico-cultural. fundada em 1948 e ativada apenas em 1966, promotora de
No formalismo lingüístico, as figuras do autor e do leitor eram obras de casas de baixo custo, financiadas pela Caixa
desprezadas (. Lev Jakubinsky, Roman Jakobson).. Jakobson Econômica do Estado de São Paulo, hoje é a CDHU,
rejeitava completamente qualquer noção de que a emoção é promotora da habitação no estado.
critério para literatura. Para ele as qualidades emocionais de

285
DEWOG - Sindicato Alemão S.A. entidade voltada para o
alojamento de funcionários, empregados e operários,
organismo promotor da construção e da administração de
habitações.

GEHAG - Sociedade Anônima de Lares para o Benefício


Comunitário, uma S.A. voltada para o fomento da construção
sindical operária na Alemanha.

GESTAPO - Acrônimo do al. Geheime Staatspolizei 'Polícia


Secreta do Estado', a polícia política secreta, na Alemanha
nazista.

OSA - União dos Arquitetos Contemporâneos, constituída em


1923, na URSS, filiada explicitamente aos artistas
construtivistas, intitulava-se “de esquerda”.

STROIKOM - Comitê para a Construção, URSS 1922, Órgão


encarregado de estudar as questões da construção de
habitações, contando com equipes multidisciplinares, um
pioneirismo universal, então.

VKUTHEMAS – Instituto Técnico Artístico de Moscou. URSS


1919/21

Anexos

286
Fonte das Ilustrações
Parte 1 Capítulos PAG FIG FONTE
1 - O Familistério de Guise
33 1 perso.orange.fr
35 2 Société du Familistère de Guise - Catálogo 1896
38 3 Idem, ibidem
4 Idem, ibidem
40 5 Emile Cacheux & Emilie Muller ‘’ Les habitations ouvrières em tout pays’’ Paris 1879
41 6 Emile Cacheux & Emilie Muller ‘’ Les habitations ouvrières em tout pays’’ Paris 1879
42 7 perso.orange.fr – idem, ibdem
43 8 Benevolo, L. ‘’Storia della cittá’’ Ed. Laterza Roma/Bari 1975
9 Idem, ibidem
44 10 Idem, ibidem
2 - Arquitetura Moderna na URSS
45 11 Office des Publications Universitaires Alger 1982
56 12 Idem, Ibidem
66 13 Idem, Ibidem
67 14 wmf.org/resources/sitepages/russia
74 15 Idem, Ibidem
75 16 Idem, Ibidem
o
17 Abitare n . 444 nov. 2004 Milão
76 18 wmf.org/resources/sitepages/russia_narkomfin
o
19 Abitare n . 444 nov. 2004 Milão
20 Idem, Ibidem
77 21 Cook, C. Construtivismo Russo Ed. Serbal Barcelona 1994
o
79 22 Abitare n . 444 nov. 2004 Milão
80 23 wmf.org/resources/sitepages/russia_narkomfin
24 Idem, Ibidem
82 25 Sherwood, R. ‘’Vivienda : Protótipos Del Movimiento Moderno’’ G.Gili Barcelona 1983
83 26 Cook, C. Construtivismo Russo Ed. Serbal Barcelona 1994
o
84 27 Abitare n . 444 nov. 2004 Milão
85 28 Idem, Ibidem
86 29 wmf.org/resources/sitepages/russia_narkomfin
3 – Alemanha - Habitação nos anos
da República de Weimar
91 30 Das Neue Frankfurt, 1930

287
92 31 Taut, B. ‚’’Die Neue Baukunst in Europa und America’’ ed. J.Hoffman, Stuttgart 1929

93 32 Dreysse, DW. ‘’Ernst May Siedlungs’’ ed. Dieter Fricke Frankfurt am Main 1988
95 33 Idem, Ibidem
34 Idem, Ibidem
103 35 Minoli, L. ‘’Dalla cucina allá città’’ Franco Angeli Milão 1999
36 Idem, Ibidem
105 37 Idem, Ibidem
107 38 Idem, Ibidem
39 Idem, Ibidem
110 40 Idem, Ibidem
41 Idem, Ibidem
111 42 Taut, B. ‚’’Die Neue Baukunst in Europa und America’’ ed. J.Hoffman, Stuttgart 1929
43 Minoli, L. ‘’Dalla cucina allá città’’ Franco Angeli Milão 1999
116 44 Gray, G ‘’Housing and Citzenship’’ Reinhold Pub. Nova Iorque 1946
118 45 Wright, H. ‘’Rehousing Urban America’’ Columbia Unvst. Press Nova Iorque 1935
120 46 Dreysse, DW. ‘’Ernst May Siedlungs’’ ed. Dieter Fricke Frankfurt am Main 1988
47 Taut, B. ‚’’Die Neue Baukunst in Europa und America’’ ed. J.Hoffman, Stuttgart 1929
48 Julio Camargo Artigas, foto de 2004
121 49 Dreysse, DW. ‘’Ernst May Siedlungs’’ ed. Dieter Fricke Frankfurt am Main 1988
122 50 Idem, Ibidem
124 51 Idem, Ibidem
52 Idem, Ibidem
127 53 Idem, Ibidem
128 54 Idem, Ibidem
129 46 Julio Camargo Artigas, fotos de 2004

132 47 Bruno Taut 1880-1938, Catálogo, Akademie der Kunst, Berlin, Alemanha,1980
136 48 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
137 49 Taut, B. ‚’’Die Neue Baukunst in Europa und America’’ ed. J.Hoffman, Stuttgart 1929
139 50 Julio Camargo Artigas, fotos de 2004
140 51 Taut, B. ‚’’Die Neue Baukunst in Europa und America’’ ed. J.Hoffman, Stuttgart 1929
52 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
141 53 Idem, Ibidem
142 54 Taut, B. ‚’’Die Neue Baukunst in Europa und America’’ ed. J.Hoffman, Stuttgart 1929
143 55 Julio Camargo Artigas, foto de 2004
56 Idem, Ibidem
144 57 Idem, Ibidem

288
145 58 Idem, Ibidem
59 Idem, Ibidem
146 60 Idem, Ibidem
148 61 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
151 62 Julio Camargo Artigas, fotos de 2004
153 63 Bruno Taut 1880-1938, Catálogo, Akademie der Kunst, Berlin, Alemanha,1980
155 64 Idem, Ibidem
65 Idem, Ibidem
66 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
157 67 Julio Camargo Artigas, fotos de 2004
162 68 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
163 69 Idem, Ibidem
165 70 Idem, Ibidem
170 71 Idem, Ibidem
171 72 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
73 Julio Camargo Artigas, foto de 2004
74 Speidel, M. BrunoTaut Natur und Fantasie 1880-1938, Ernst & Sohn, Berlin, 1995
4 Áustria e a Viena Vermelha
176 75 Tafuri, M. ‘’Vienna Rossa, La política residenziale nella Vienna socialista 1919-1933’’ Electa Edt.
Milão, Itália 1980
178 76 Idem, Ibidem
179 77 Idem, Ibidem
182 78 Idem, Ibidem
183 79 Idem, Ibidem
184 80 Idem, Ibidem
185 81 Idem, Ibidem
82 Idem, Ibidem
186 83 Idem, Ibidem
187 84 Idem, Ibidem
188 85 Idem, Ibidem

5 França Le Corbusier e a Arquitetura


da Reconstrução 1945 - 1953
189 86 Sherwood, R. ‘’Vivienda : Protótipos Del Movimiento Moderno’’ G.Gili Barcelona 1983
192 87 Pavese.pv.it
193 88 Idem.ibdem
194 89 L’Unité d’habitation de Marseille, Mulhouse, Le Point Paris França 1950

289
195 90 Idem, Ibidem
91 Idem, Ibidem
196 92 Idem, Ibidem
93 Idem, Ibidem
94 Idem, Ibidem
197 95 Idem, Ibidem
198 96 Le Corbusier, “Oeuvre Complète” Ed. Gisberger, Zurich
199 97 Julio Camargo Artigas, foto de 1999
98 AIA Journal July 1984
200 99 Le Corbusier, “Oeuvre Complète” Ed. Gisberger, Zurich
100 Idem, Ibidem
101 Cartão postal da Fundação Le Corbusier
201 102 Julio Camargo Artigas, fotos de 1999
202 103 L’Unité d’habitation de Marseille, Mulhouse, Le Point Paris França 1950
203 104 Julio Camargo Artigas, foto de 2004 do portal da Unité de Berlim
Parte 2 Capítulos
6 - Habitação Operária no Brasil
7 - Brasilia e as superquadras
habitacionais
231 Costa, L.. Lúcio Costa – Registro de uma Vivência, Ed.UnB, Emp. Artes,São Paulo,1995.
232 Idem, Ibidem
235 105 Idem, Ibidem
237 106 Idem, Ibidem
239 107 Julio Camargo Artigas, fotos de 2006
240 109 Idem, Ibidem
244 110 Costa, L.. Lúcio Costa – Registro de uma Vivência, Ed.UnB, Emp. Artes,São Paulo,1995.
245 111 Idem, Ibidem
246 112 Julio Camargo Artigas, 1988
8 - O Conjunto Habitacional Zezinho
Magalhães Prado, Guarulhos
1966/1967
247 113 Artigas, Julio Camargo et alli Vilanova Artigas, FVA Instituto Lina e P Bardi, São Paulo, 1997
251 114 Idem, Ibidem
255 115 Idem, Ibidem
116 Estúdio Vilanova Artigas – F.Vilanova Artigas
253 117 Artigas, Julio Camargo et alli Vilanova Artigas, FVA Instituto Lina e P Bardi, São Paulo, 1997
255 118 Estúdio Vilanova Artigas – F. Vilanova Artigas

290
256 119 Idem, Ibidem
120 Idem, Ibidem
257 121 Idem, Ibidem
264 122 Ricardo Guitierrez 2006
123 Idem, Ibidem
124 Idem, Ibidem
125 Idem, Ibidem
265 126 Idem, Ibidem
127 Idem, Ibidem
271 128 Arquivo técnico CDHU, Denise Ruprecht
129 Idem, Ibidem
272 130 Idem, Ibidem
274 131 Julio Camargo Artigas 1976
275 132 Estúdio Vilanova Artigas – F. Vilanova Artigas
133 Idem, Ibidem
276 134 Idem, Ibidem
135 Idem, Ibidem
277 136 Idem, Ibidem
Conclusões e Epílogo
281 137 Blake, Peter. Form follows fiasco Little, Brown & Co. Boston, USA, 1974

291
DIAGRAMA1
1923 -24 1926/31 Novo método de pensar arquitetura 1927/31 Objetivos 1926/34 1927/36 O
Estilo e da arquitetura O método e a construtivismo
Época “A inspiração abstrata e individualista deve ser substituída por contemporânea forma funcional como método
de laboratório e
uma clara elucidação dos tipos de incógnitas e método de
trabalho
invenção criadora” Problemas de mudanças
O estilo colocados pelo Elaboração do papel social
desenvolvimento dialético do arquiteto de hoje.
arquitetônico As incógnitas, gerais são características da época como um todo dos fatores sociais e A contribuição dos
é considerado técnicos “consumidores" sob as
como o Um cliente coletivo em lugar de um cliente individual e um novo
novas condições
modo de vida
produto de
fatores socio-
Arquitetura como parte de um plano mais amplo Os resultados corretos
históricos, dependem tanto da Discussão do conceito de
econômicos e O econômico e o social devem operar através de normas e tipos correção dos inputs como ajuste à função
Questões normatizados do método, por ex.(abaixo)
técnicos
Teóricas Necessidade de que todo trabalho, por especializado que seja se
realiza com método

Apresentação As incógnitas particulares são os componentes Generalização da


Questões
específicos de cada projeto. Nossas novas condições organização espacial a–f
Operativas da analogia dos sociais permitem que o arquiteto as analise e agrupe básica (condensador 1
o

estágios: a com total objetividade. E funcionalidade: em primeiro social) formalizada objeto


máquina é para lugar em uma organização espacial básica. como diagrama de fluxo
e esquema de
o edifício da O cálculo da solução deve ser enfocado com a mesma Os materiais
equipamento
fábrica o que a objetividade; trabalhar da primeira à segunda devem ser
prioridade, do esqueleto ao invólucro, do interior ao utilizados de um
fábrica é para o
exterior. modo tecnicamente

reagrupamento
edifício social a correto a-c
1 Tarefa: estabelecer todas as conexões e o
do1
dimensões espaciais.
Igual importância objeto
a
2 tarefa: estabelecer os materiais e o método de desses três grupos de
A influência O4
o
construção que podem trazer uma solução espacial fatores:
psicofísica (ou seja, objeto
apropriada. material/técnico;
a mensagem
a
3 tarefa: inter-relacionar os volumes externamente, formal) do edifício visual e psicológico o
O2
controlando o agrupamento, os ritmos e proporções deve ser calculada objeto
das massas arquitetônicas. corretamente
o
a O3
4 tarefa: tratamento das superfícies das paredes e
objeto
dos elementos construtivos individuais (aberturas,
elementos estruturais etc)

292
o
DIAGRAMA 2 - Desmembramento O 1 Objeto é estabelecer a FORMA do CONDENSADOR SOCIAL enquanto produto de:

1. As precondições sociais e produtivas do plano


a. Um estudo de como estas podem mudar por meio de mudanças sociais e tecnológicas – destacando não as dimensões e sim a dinâmica, mudando o us o dos espaços
Consideração de
através dos tempos
todas as
b. Construir os DIAGRAMAS DE FLUXO – passando do particular para o geral, que é o PRIMEIRO DIAGRAMA ESPACIAL DO EDIFÍCIO
PRECONDIÇÕES
c. Estudar os esquemas do equipamento que os itens anteriores requerem.
tanto
d. Estabelecer as dimensões desse equipamento junto com sua DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL, correta.
EXIGÊNCIAS
e. Estudar as necessidades MEIO AMBIENTAIS das atividades e os processos implicados – temperatura, luz, acústica etc.
como
f. Construir o esquemas do CONDENSADOR SOCIAL sobre a base desse material estabelecendo um organismo integrado como um PROTÓTIPO ESPACIAL.
POSSIBILIDADES
2. As pré- condições técnicas e de construção da realização
a. Estudo dos MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO à disposição destacando o máximo possível seu papel inovador utilizando, quando possível os mais avançados (ou seja, com
menor massa)
b. Estudo dos MÉTODOS E SOLUÇÕES ESTRUTURAIS que são apropriadas à luz das precondições do plano; estudar seu caráter e as possibilidades técnicas que possuem,
Consideração da destacando os métodos mais RACIONAIS de construção segundo as possibilidades espaciais.
PERCEPÇÃO e c. Estudas as condições e métodos de REALIZAÇÃO PRÁTICA implícitos em relação a cada detalhe e ao todo arquitetônico – os atuais MÉTODOS DE CONSTRUÇÃO, buscando
da CLAREZA o máximo de INDUSTRIALIZAÇÃO, com todas as conseqüências arquitetônicas que isso implica.
VISUAL
o
O 2 Objeto é observar as FORMAS MATERIAIS cristalizadas como condensador social, em função do PROBLEMA DA PERCEPÇÃO de modo que a atividade útil do
condensador seja aumentada pela clara percepção que o usuário tenha dessa atividade.
O construtivismo vê a FORMA como ATIVA e não como passiva. Busca a ORGANIZAÇÃO DA PERCEPÇÃO e isso é parte de sua tarefa tanto quanto a organização de fatores
materiais. Para isso existem os seguintes estágios:
A. O que se segue deve ser estudado EM ORDEM, desde as propriedades PARTICULARES do objeto particular até as questões GERAIS.

a) Percepção a respeito das características fundamentais do objeto


1. O CARÁTER FUNCIONAL do objeto, seu propósito
2. Seu ESTADO-"estático ou em movimento? b) Como ORGANIZAR A PERCEPÇÃO para deixar CLARAS as relações dos elementos
3. MATERIAL- suas propriedades e factura, cor, etc. que compreendem o abjeto, seus TAMANHOS absolutos e relativos, a clareza de
4. As ESCALAS RELATIVAS das partes e o todo. toda SUA FORMA ESPACIAL GERAL.
5. A ESTRUTURA TECTÔNICA do objeto
(Como está construído. Os vínculos entre as partes e o todo.) c) Percepção da UNIDADE E DO TODO
6. FORMA COMO VÍNCULO um volume 3-D, um espaço definido
d) Percepção sobre as INTER-RELAÇÕES ESPACIAIS e do ESPAÇO em geral.
7. As principias marcas, distintivas do objeto enquanto ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
Consideração
do USO
B. Em relação à percepção destas características, o segundo estágio de estudos AGRUPA COMO acima a-d
RACIONAL dos
o
ELEMENTOS O 3 Objeto é estudar OS ELEMENTOS DE ARQUITETURA que são OBJETO DE PERCEPÇÃO, em ordem de complexidade, a saber:
FORMAIS da
arquitetura. A. SUPERFÍCIE B. VOLUME, enquanto. Sistema de superfícies C. A coexistência volumétrica (intersectados, contíguos ou relacionados, mas separados)

D. ESPAÇO TEMPO E MOVIMENTO enquanto MÉTODOS DE ORGANIZAR O ESPAÇO; espaço enquanto inter-relação de volumes individuais ENTRE SI E COM O TODO;
a LOCALIZAÇÃO de um objeto no espaço; o espaço enquanto fator isolante; o espaço como a ORGANIZAÇÃO de dimensões NÃO RELACIONADAS, OU
PARCIALMENTE RELACIONADAS (espaço- rua-cidade, etc)

293
ATRAVÉS DESSE PROCESSO devem ser observados DOIS PRINCIPIOS IMPORTANTES:

1. Nessa desmontagem de laboratório não há que se preocupar com A EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM GERAL, pois o construtivismo só compreende a expressividade concretamente,
em relação com OBJETIVOS E INTENÇÕES DEFINIDOS, como algo específico a seu contexto.

2. Todos os estudos comportam o perigo básico da CANONIZAÇÃO de certas formas, de convertê-las em elementos fixos do vocabulário do arquiteto.O Construtivismo LIDERA A
BATALHA contra esse fenômeno e estuda esses elementos básicos da arquitetura como algo CONTINUAMENTE EM MUDANÇA em conexão com as precondições mutantes da
situação criadora das formas. Nunca admite, portanto, A FIXAÇÃO DAS FORMAS. A forma é uma incógnita, um X que sempre será avaliada pelo arquiteto. Portanto, DEVEMOS
TAMBBÉM ESTUDAR não só os elementos da arquitetura mas também os MÉTODOS DE SUA TRANFORMAÇÃO. Temos que estudar COMO ESSA FUNÇÃO ‘X’ MUDA; como
uma mudança no plano afeta a forma.
Entre esses tipos de transformação podemos incluir: Em tudo isso 3 coisas são vitais:
1. mudanças externas do objeto; 1 O método de transformação é PARTE DAS FERRAMENTAS PRÁTICAS , REAIS DO ARQUITETO.
2. desmembramento vertical ou horizontal do objeto; 2 Essa TRANSFORMAÇÃO IMPLICA NÃO SOMENTE A ESTÉTICA, mas também a reorganização
3. corte da superfície ou volumes a partir do interior (portas, janelas etc) dos ELEMENTOS CONSTRUTIVOS OPERATIVOS.
4. corte da superfície ou volume a partir do exterior (mudança de silhueta) 3. O que estamos mudando é o objeto material, mas isso se faz no CONTEXTO DE SEU
5 diferenças no material, cor ou feitura do objeto PROPÓSITO ESSENCIAL e de sua PERCEPÇÃO PELO USUÁRIO.
Consideração
das
O
O 4 Objeto é o estudo dos PROCESSOS INDUSTRIAIS, não para IMITAR as formas industriais, mas sim para identificar AS CARACTERÍSTICAS que serão AS MARCAS DE
POSSIBILIDA
INSDUSTRIALIZAÇÃO DA ARQUITETURA, Portanto estudamos.
DES DE
EDIFICAÇÃO
1. De que modo a tecnologia industrial CRIA uma 2. Os processos particulares e característicos da produção industrial que DEIXAM UMA MARCA NO CARÁTER DE
INDUSTRIA- forma funcional SEUS PRODUTOS.
LIZADA

Reordenação isto deve se fazer com relação aos COMPONENTES INDIVIDUAIS do edifício EM RELAÇÃO COM TODOS OS ORGANISMOS (cozinhas, etc)
o
O 5 Objeto é a RESTAURAÇÃO DA TOTALIDADE ORGÂNICA. Isto se aplica tanto se o método funcional foi utilizado para a ANÁLISE DE UM PRODUTO EXISTENTE, com
para a CRIAÇÃO DE UM OBJETO NOVO (Qualquer desses processos implica nas 4 seções anteriores)

294

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