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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO À TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

Limites da revisão constitucional

A importância do texto constitucional leva a que os textos constitucionais sejam, com


frequência, protegidos, mais protegidos do que os textos ordinários, que haja uma
preocupação em garantir a estabilidade dele. Em teoria, existem cinco limites para a revisão
constitucional: [1] os limites orgânicos, [2] os limites formais, [3] os limites temporais, [4] os
limites circunstanciais e [5] os limites materiais. A CRP consagra-os todos.

1. Limites Orgânicos

Limites orgânicos tem a ver com os órgãos, isto é, com as entidades a quem é atribuído o
poder de rever ou modificar a constituição. O poder de rever a constituição não há de caber
necessariamente aos mesmos que tem o poder de fazê-la. Em Portugal, por exemplo, a carta
constitucional foi feita por D. Pedro IV, mas as revisões adicionais foram aprovadas pelo
Parlamento.

2. Limites Formais

Limites formais tratam de procurar quais são os procedimentos exigidos para efeito de uma
revisão constitucional.

3. Limites Temporais

Limites temporais são aqueles que tem que ver com a proibição eventual de modificação do
texto constitucional durante um certo período. A criação de uma espécie de período de “nojo”,
período dentro do qual não se pode, ou não se deve fazer algo. Pela importância do papel que
tem, a constituição deve ou não poder ser alterada a qualquer momento? Por norma, as regras
jurídicas devem ser estáveis.

4. Limites Circunstanciais

Limites circunstanciais. Importa que a sua revisão se faça em momentos de normalidade,


evitando mudanças intranquilas e irracionais.

5. Limites Materiais

Limites materiais. A questão desses limites traduz-se na proibição da alteração de certas


matérias constitucionais. O que está aqui é uma proibição pura e simples de aquando da
revisão, mexer em certas matérias constitucionalmente previstas. Por exemplo: a CRP diz que
as leis de revisão constitucional não podem por em causa a forma republicana de governo.

Isso introduz, de facto, uma diferença de natureza no âmbito do poder constituinte. Temos o
poder constituinte, que pode ser originário ou derivado e temos os poderes constituídos, que
decorrem do primeiro. Mas, se partirmos do principio de que é possível congelar um
determinado conjunto de opções fundamentais, então na pratica o que temos é poder
constituinte originário, poder constituinte derivado e poderes constituídos, sucedendo daí que
o poder constituinte derivado é inferior ao poder constituinte originário.

Limites da revisão constitucional segundo a CRP (Ver Artigo 284 em diante)

Limites orgânicos. A CRP estabelece que a revisão constitucional só pode começar através do
ímpeto ou iniciativa parlamentar e só pode ser aprovada pela própria assembleia. Artigo 285,
Número 1. Qualquer deputado da assembleia pode ter essa iniciativa. Só a assembleia pode
alterar a CRP, mas não só isso, proíbe o povo de exercer essa faculdade através de referendo.
Ver artigos 115, 161, 284, 289.

Limites formais. Podem ser de vária natureza, mas tendem sobretudo para uma questão: que
exigências se colocam sobre a necessidade de maioria para aprovação da constituição? Do
ponto de vista substantivo, o que interessa aqui são as maiorias, até para garantir a rigidez da
carta. A CRP é, claramente, uma constituição rígida, isso porque exige para efeitos de sua
revisão uma maioria de 2/3 (Artigo 286, n. 1). São as únicas leis que exigem maioria de 2/3 de
todos os deputados eleitos, dos 230. Isso garante que é praticamente impossível que um
partido apenas consiga alterar a constituição.

Limites temporais. A preocupação de estabilidade, de dar tempo ao texto constitucional para


produzir os efeitos a que se destina, levou o legislador a prever limites temporais, que neste
caso são de cinco anos. Por regra, a CRP não pode ser revista se não de 5 em 5 anos. Isso é, no
entanto, uma possibilidade, não uma necessidade, tanto assim é que ela não é vista desde
2005. Essas revisões periódicas são as chamadas ordinárias. Ao lado delas podem existir
também as extraordinárias. Para que essas possam acontecer, e podem acontecer a qualquer
momento, há um pré-requisito que a revisão ordinária dispensa: a necessidade de aprovação
pela assembleia, por maioria de 4/5, ou seja, é necessário que a assembleia assuma os poderes
de revisão que ainda não tem visto não terem decorrido os necessários 5 anos.

Das 7 revisões constitucionais que houveram, 4 foram ordinárias (1982, 1989, 1997, 2004), e
3 extraordinárias (1992, 2001 e 2005).

Princípios consagrados na CRP

O artigo 267 estabelece que são inconstitucionais as normas que violem os preceitos da
constituição ou os princípios nela consagrados. Ou seja, a inconstitucionalidade pode vir
diretamente da violação de um artigo. Exemplo: a declaração do estado de emergência. A
declaração do estado de emergência é feita com base em determinadas regras constitucionais
e, portanto, será inconstitucional se violar o artigo 19. Mas a própria declaração de estado de
emergência, a constituição e também a lei que regula o estado de emergência, dizem que as
medidas devem ser proporcionais e adequadas. Isso significa que as medidas que vierem a ser
adotadas devem respeitar esse princípio da proporcionalidade, que não está expressamente
previsto, mas que decorre de um conjunto de normas constitucionais.

Há situações em que a lei não regula as matérias todas. Se há uma regra fundamental em todo
estado de direito é que um processo que chegue a tribunal tem de ser decidido. Se o juiz não
tiver uma norma que diretamente resolva o problema que é colocado, o código civil determina
que o juiz pode tentar ir pela aplicação extensiva ou pela aplicação analógica, mas se não
conseguir chegar a uma solução o juiz pode criar a norma que o legislador teria criado se
tivesse ponderado a existência dessa situação. E para fazer isso o juiz busca inspiração nos
princípios.

Os princípios que a CRP consagra são múltiplos: a separação de poderes, a constitucionalidade,


a igualdade, o republicanismo, etc. sendo todos princípios de direito constitucional, nem todos
princípios se destinam a proteger matérias de idêntica relevância. Há princípios que tem a ver
com a proteção de direitos fundamentais dos cidadãos, tais como a inviolabilidade da vida
humana e a liberdade religiosa. Mas há outros princípios que tem a ver não com o estatuto
individual, mas com a forma como a sociedade e o estado se organizam: o principio
democrático, separação de poderes, representação política.
O princípio do Estado de Direito

Nesse contexto, há um princípio complexo que, pela sua importância, se destaca de todos os
outros. O princípio do estado de direito. Quando falamos em principio do estado de direito
não falamos numa mera análise formal de acordo com a qual o direito tem que ser respeitado.
Se fosse apenas isso estaríamos diante daquilo que os constitucionalistas chamam estado de
legalidade, o estado em que a lei é respeitada. O estado português anterior ao 25 de abril, por
exemplo, era um estado de legalidade. O que não havia era respeito pelo Direito, que é muito
mais do que respeito pela lei. É o respeito por um conjunto de princípios e valores
fundamentais dentre os quais se destacam todos aqueles que tem a ver com os direitos
fundamentais dos cidadãos.

Subprincípios:

Esse principio divide-se em vários subprincípios que o concretizam e que, muitas vezes, não
estão previstos na constituição, mas que a doutrina e os tribunais “deduzem” do texto
constitucional. A doutrina portuguesa não é unânime na forma como analisa esses princípios,
mas há três ou quatro em que todos estão de acordo.

1. Princípio da legalidade da administração

Um deles é o [1] princípio da legalidade da administração, que é uma consequência lógica da


natureza subordinada da função administrativa. O grau de liberdade no exercício da função
administrativa é significativamente condicionado, isso porque é uma função dependente,
estando assim limitada pela constituição e pelo prévio exercício das funções independentes
com destaque natural para a função legislativa.

A expressão “princípio da legalidade de administração” dá-nos uma noção clara: a


administração tem que atuar de acordo com a lei. Se olharmos para o artigo 266 da CRP,
veremos que “os órgãos e agentes administrativos estão submetidos à constituição e à lei”.
Mas o princípio da legalidade tem exigências que vão para alem disso. A doutrina costuma
dizer que o principio da legalidade da administração tem duas consequências: a prevalência de
lei e a reserva de lei. Prevalência de lei tem a ver com a hierarquia de valores, ou seja, os atos
legislativos prevalecem sobre as intervenções da administração. A dimensão da reserva de lei
significa que a administração pública, para além de só poder agir dentro do quadro que a lei
estabelece, só o pode fazer nas matérias que não tenham que ser objeto de lei.

2. Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos

O segundo subprincípio que concretiza o princípio do estado de direito é o chamado princípio


da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos. É hábito dizer-se que o estado
é uma pessoa de bem, o que significa que o estado é uma entidade de boa fé, e que os
cidadãos têm o direito de confiar na atuação do estado. Esta ideia da segurança jurídica e da
proteção da confiança, que no fundo são duas dimensões da mesma realidade, sendo a
segurança jurídica uma dimensão objetiva e a proteção da confiança uma dimensão subjetiva,
porque tem a ver com a segurança que cada um de nós tem face a atuação do estado. É este
princípio que proíbe a retroatividade da lei. Não há nada na CRP que expressamente refira o
princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, mas há um conjunto de normas
que tem permitido ao Tribuna Constitucional dizer que ao estado é permitido muita coisa, e o
estado pode, evidentemente, mudar a legislação e criar novas regras, mas não o pode fazer se
for para além de um certo limite, porque esse limite põe em causa a boa fé no comportamento
do estado e a confiança que os cidadãos têm que ter na sua atividade. Outra consequência do
princípio da segurança jurídica é a ideia da intangibilidade do caso julgado.

3. Princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade

O terceiro subprincípio é o princípio da proibição do excesso, também conhecido como


princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade. Conhecemos a frase “os
fins justificam os meios”; em direito, temos que transformá-la na seguinte: “os fins não
justificam todos os meios”. As medidas devem ser proporcionais, adequadas à realização do
objetivo que se visa atingir. Este princípio tem manifestações constituições. Ver Artigos 266,
número 2 e 18, número 2 da CRP. Esse princípio é central.

4. Proteção jurídica e das garantias processuais

O quarto subprincípio é o da proteção jurídica e das garantias processuais. Proteção jurídica


significa haver a nossa situação protegida pelo direito, ter acesso ao direito. Isso quer dizer que
basta ter um direito, é preciso ter condições para realizar esse direito e, muitas vezes, é
necessária a intervenção do estado, mais especificamente a intervenção dos tribunais. Conferir
Artigo 20. Garantias processuais significam que no âmbito do processo nós temos que ter
direitos. A dimensão adjetiva, isto é, os meios processuais, é uma condição essencial para que
o direito subjetivo que cada um de nós tem possa ser efetivado. Quanto à dimensão das
garantias processuais: estar num processo não significa estar na selva. Todos, quando estamos
envolvidos num processo, temos direitos que não podem ser postos em causa. Ver Artigo 32,
número 2 (o processo criminal assegura todas as garantias de defesa). Num estado de direito a
justiça não se realiza a todo custo, realiza-se com o cumprimento de regras.

5. Princípio democrático

Quanto ao estado democrático de direito, faltava-nos analisar a parte democrática do


conceito. Quando falamos de estado de direito estamos falando do respeito pelos direitos,
liberdades e garantias fundamentais, não apenas da lei, mas da exigência que o conteúdo do
direito preserve, garanta e defenda os direitos, liberdades e garantias individuais. Quando
falamos em princípio democrático falamos das exigências da democracia como fenômeno
político: o que é que um estado tem que respeitar em termos da sua organização política para
ser um estado democrático? Os dois conceitos andam de mãos dadas. Não se concebe um
estado de direito que não seja uma democracia e não há democracia que não se baseie no
respeito pelo respeito aos direitos, liberdades e garantias.

Há vários critérios para aferir a democracia: a fiscalização do modo como os representantes


atuam, a escolha livre dos representantes, mas a primeira é a garantia de que os direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos são efetivados na prática.

O primeiro ponto que a CRP indica e que é fundamental para caracterizar Portugal como uma
democracia é o princípio da soberania popular. Ver artigos 3 e 10.

Em termos puros há dois modelos de democracia: a direta e a representativa. Visto que a


modalidade de democracia direta existe hoje apenas de forma muito limitada, interessa-nos
mais a representação política. A CRP diz, no Artigo 10, que o povo exerce o poder político
através do sufrágio universal, secreto e direto. No entanto, a CRP, embora tenha como regra
geral o princípio da democracia representativa, aceita momentos de democracia direta,
através do instituto do referendo, embora em 43 anos de aplicação só tenha havido três
referendos, sendo que um deles só existiu porque obrigatório. O referendo, em Portugal é
facultativo, podendo ser decidido diretamente ou pelos representantes eleitos. A única
exceção foi o referendo acerca das regiões administrativas, que só poderia ser objeto de
decisão por referendo. Ver artigo 256.

Mas limitar a democracia a esses atos de votação significa que a generalidade sentirá a
democracia, na melhor das hipóteses, de três em três anos. Por isso mesmo há uma terceira
dimensão da democracia (as duas primeiras sendo a democracia representativa e a
democracia semidirecta, relacionada com a realização dos referendos): a democracia
participativa. A cidadania tem um conteúdo concreto que, muitas vezes, não valoramos, no
sentido de tentar influenciar a forma como os negócios públicos são conduzidos. Não por
acaso, a CRP, no seu artigo 2, diz que a RP visa a realização da democracia e o aprofundamento
da democracia participativa. No artigo 9, consta que uma das tarefas fundamentais do estado
é defender, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos.

As Normas Constitucionais

O “artigo remax” (Artigo 65): todos têm direito, para si e para a sua família a uma habitação de
dimensão adequada… Por que, então, existem pessoas sem-abrigo? Essa norma não pode
produzir os mesmos efeitos que produz o do artigo 28, por exemplo (ninguém pode estar
detido mais de 48 horas sem ser conduzido ao juiz). A CRP diz, no Artigo 58 número 1, que
todos têm direito ao trabalho. Isso não significa que estar desempregado é inconstitucional.
Esse tipo de norma, ou seja, a especificada nos artigos 65 e 58, está estruturada da mesma
forma. Na primeira alínea consta o direito, na segunda, a incumbência do estado de assegurar
o direito. Enquanto as normas como aquelas que asseguram o direito à vida e aquelas como as
assinaladas no Artigo 28 produzem efeitos imediatos porque são dirigidas aos cidadãos, as
normas como as dos artigos 65 e 58 são normas dirigidas ao Estado e, por isso, delas não
decorre para nós nenhum direito, decorre uma obrigação para o Estado no sentido de agir
para a realização desses direitos. As primeiras normas, as que definem um direito, são normas
preceptivas, que estabelecem um preceito. As normas que definem um objetivo a atingir, que
todos tenham uma habitação condigna, que todos tenham trabalho, acesso à saúde, etc., são
normas programáticas, porque estabelecem um objetivo para atingir e definem o que o Estado
tem que fazer para atingir esse objetivo.

1. Normas preceptivas e normas programáticas

Normas preceptivas estabelecem preceitos, são normas que definem regras jurídicas e cuja
eficácia não depende em nada das condições concretas que um determinado país atravessa.
Exemplos: a grande maioria das normas relacionadas com os direitos, liberdades e garantias. O
princípio da igualdade é uma norma preceptiva. Diferentes são as normas programáticas. Essas
normas têm por objetivo transformar a sociedade, que querem que se atinja determinados
objetivos e estabelece os caminhos necessários para esse fim. A CRP tem muitas normas dessa
natureza, nomeadamente aquelas que se inserem na parte relativa aos direitos econômicos,
sociais e culturais. Exemplos: Artigo 58, do direito ao trabalho. Esse artigo não é invocável
junto a um tribunal ou autoridade pública. Isso é assim porque o que se estabelece no artigo é
um objetivo, sendo incumbência do estado trabalhar para criar condições de que esse objetivo
seja atingido. Trata-se de uma norma dirigida ao estado. Não são normas diretamente dirigidas
a nenhum de nós, o que significa que elas não criam para nós direito subjetivo.

É claro que, embora sejam normas distintas, umas contendo preceitos e produzindo efeitos,
outras definindo programas e não produzindo efeitos imediatos, não deixam de ser normas
constitucionais.
2. Normas exequíveis por si mesmas e normas não exequíveis por si mesmas

A segunda distinção entre normas constitucionais que importa definir é a que separa as
normas exequíveis por si mesmas e as normas não exequíveis por si mesmas. Nesta
classificação já não estamos pensando se as normas dependem ou não, na sua concretização e
nos efeitos que pretendem produzir, da realidade, estamos pensando apenas se a norma é
autossuficiente, se ela, por si, está em condições de produzir todos os efeitos que pretende, ou
se a norma fica dependente de uma posterior intervenção do legislador para produzir para
produzir esses efeitos. Se a norma se esgota em si mesma, é autossuficiente, não precisa de
mais nada para produzir os efeitos a que se destina, falamos em normas exequíveis por si
mesmas. Se, pelo contrário, a norma constitucional fica suspensa, sujeita a uma condição, e
para produzir os efeitos a que se destina necessita de uma posterior intervenção do legislador,
estamos diante de normas não exequíveis por si mesmas. De maneira simples: se a norma não
precisa de lei que a complemente, é uma norma exequível por si mesma; se precisa de uma lei
que a complemente, é uma norma não exequível por si mesma. Por exemplo: artigo 24, da
inviolabilidade da vida humana. Essa norma é uma norma exequível por si mesma. Ela esgota-
se por si mesma.

Ao contrário, há normas que o legislador constituinte faz o seguinte raciocínio: vamos


estabelecer esta regra jurídica, mas ela precisa ser detalhada para efeitos da sua plena
aplicação e não cabe à constituição fazer, isto é tarefa do legislador. Definindo a regra é dada
uma instrução ao legislador no sentido de lhe determinar que atue para criar condições para
dar total exequibilidade e eficácia a esta norma. A CRP tem vários exemplos disso: Artigo 52,
número 3. Todos tem o direito a ação popular, mas nas condições em que a lei vier a
estabelecer. Artigo 77, número 1. Os professores e alunos podem participar na forma de
gestão da escola, nos termos expostos na lei.

Todos esses exemplos tem a mesma lógica: a constituição estabelece um preceito, mas
reconhece que as condições para a plena execução dessa regra têm que ficar dependentes dos
termos e condições que devem ser definidos pelo legislador. A norma constitucional, portanto,
não é uma norma constitucional capaz de produzir efeitos por si própria.

Há uma evidente distinção entre as normas preceptivas e programáticas e as normas


exequíveis por si mesmas e não-exequíveis por si mesmas. As normas preceptivas e
programáticas distinguem-se porque umas não dependem da realidade e outras dependem
das condições concretas. No caso das normas exequíveis e não-exequíveis a distinção reside
apenas em saber se a norma constitucional precisa ou não de ser desenvolvida pelo legislador,
pela assembleia da república.

Isso significa que só podemos falar de normas exequíveis e não-exequíveis por si mesmas
quando estamos falando de normas preceptivas. Às normas programáticas não pode ser
aplicada esta distinção.

E se o legislador não cumpre a imposição constitucional? Nesse caso pode haver uma
inconstitucionalidade por omissão. Ver Artigo 283, número 1.
CAPÍTULO II – A HISTÓRIA CONSTITUCIONAL

História constitucional portuguesa

Durante o constitucionalismo monárquico tivemos três constituições: 1822, 1826 e 1838.


Durante o constitucionalismo republicano tivemos também três constituições: 1911, 1933,
1976. Do ponto de vista da legitimidade, temos 5 constituições, isto é, 5 documentos que têm
na sua base a legitimação popular e temos um documento que é produto de um poder
constituinte ditatorial, a carta de 1826, que foi imposta por D. Pedro IV. Das 5 constituições
que tem na sua origem a soberania popular, 4 delas foram aprovadas por parlamentos: 1822,
1838, 1911, 1976. A constituição de 1933 foi aprovada diretamente pelo povo. A única
constituição não democrática foi a única aprovada pelo povo. Outro ponto importante é
perceber que, com uma única exceção, todas as constituições têm na sua origem mais próxima
um ato de natureza revolucionária. A constituição de 1822 é uma consequência da revolução
liberal de 1820. Essa carta constitucional é a única que foge a essa regra, porque o que está
subjacente a carta constitucional é a morte de D. João VI e a sua substituição por D. Pedro IV. A
constituição de 38 é consequência da revolução setembrista de 1836. A constituição de 1911 é
consequência da implantação da república. A constituição de 1933 é produto do estado novo,
da revolução de maio de 1926. A constituição 1976 é consequência do 25 de abril de 1974.

Vale a pena sublinhar que a mera observação desta listagem cronológica é curta para
percebermos a historia constitucional portuguesa. Se olharmos para essa sucessão temporal,
chegamos à conclusão de que no dia 5 de outubro de 1910 estaria em vigor a constituição de
1838. Acontece que isso não é verdade, isso porque, das três constituições monárquicas, duas
vigoraram mais do que uma vez: a constituição de 22 vigorou duas vezes, e a carta
constitucional de 26 vigorou três vezes. A ultima vigência da carta constitucional (1826), que
ocorre a partir de 1842 e se prolonga até 1910, faz com que nesse período a carta se afirme
como documento constitucional que vigorou mais tempo em Portugal: 68 anos.

Esta agitação ocorreu por duas razoes: em primeiro lugar, pela circunstância do liberalismo ter
sido aprovado em 1820 e a primeira constituição ter sido aprovada em 1822, não significa que
a implantação do liberalismo em Portugal tenha sido uma “cavalgada triunfal”. A partir de
certa altura, com a derrota de D. Miguel e seu exílio em Viena, o problema já não era entre
liberais e absolutistas. Restando apenas os liberais no espectro político português, passam eles
próprios a defrontar-se internamente entre aqueles que privilegiavam uma aproximação mais
radical, mais próxima dos ideais da revolução e da constituição de 22, os vintistas; e os
cartistas, os que sendo liberais, entendiam que o monarca devia ter o papel central no sistema
político, adeptos, portanto, do modelo previsto na carta constitucional.

Toda essa agitação se deveu a diferentes factos históricos. A revolução liberal ocorreu em
1820 e, na sequencia, ocorre a primeira constituição. Essa constituição é uma constituição
marcada pelo espirito revolucionário da época, portanto, uma constituição que introduz
alterações muito significativas naquilo que havia sido a histórica política portuguesa, isso
porque estabelece que o órgão mais importante deixa de ser o monarca e passa a ser o
parlamento, as cortes, a assumir o papel fundamental no sistema político. Essa circunstancia
não significa que os absolutistas tenham ficado satisfeitos com essa resolução, não
descansando enquanto não fizeram tudo o que podiam para voltar ao modelo absolutista. Isso
acontece em 1823, poucos meses depois da entrada em vigor da constituição. Assistimos a
esse regresso quando o movimento levado a cabo por Dom Miguel, apoiado por D. João VI,
conhecido como a “Vila Francada”, põe fim a primeira experiência constitucional portuguesa e
leva ao regresso ao modelo absolutista. Este primeiro conflito entre liberais e absolutistas
termina com a vitória dos absolutistas. É no modelo absoluto que o país vai viver entre 1823 e
1826, com a morte de Dom João VI. A morte de Dom João VI coloca um problema (que não
deveria ter existido): quem deve ser chamado ao trono? A resposta geral é que, no direito
português, o lugar era garantido ao filho primogênito, sendo esse Dom Pedro. Mas Dom Pedro
era malvisto por muitos portugueses, que o acusavam de ter cometido crime de lesa-pátria
quando da Independência do Brasil. A ideia de Dom Pedro é encontrar uma solução que
permita que seja ele e, sobretudo, que seja a sua linha sucessória que fique com o trono de
Portugal. A ideia era que o seu irmão, Dom Miguel, se casasse com a sua filha, garantindo
assim que seria a sua linha que permaneceria no controle do império. Também fazia parte
dessa solução a elaboração de um novo documento constitucional, aquilo que veio a ser
conhecido com Carta Constitucional. Dom Pedro redige essa Carta ainda no Brasil, trazendo-a
pronta a Portugal. Inicia-se assim um novo período constitucional.

A nova Carta favorecia o poder do monarca. A carta de 1826 é a única constituição portuguesa
que estabelece quatro poderes. Além dos três poderes costumeiros, cria o poder Moderador,
entregue ao rei. Mas a situação do país não melhorou, porque o país continuava sem rei
presencial, já que Dom Pedro continuava no Brasil. O que havia, no entanto, era uma regência,
já que sua filha, Dona Maria da Glória, era ainda uma criança. Devido a esta situação, Dom
Pedro nomeou o irmão como “governador de Portugal”, com plenos poderes para governar
como rei. Quando Dom Miguel chega a Portugal, ele é tão entusiasticamente recebido pelo
povo, ele muda as suas intenções originais e aquilo que havia acordado com o irmão. Ele então
dissolve o Parlamento e põe fim à carta constitucional, sendo aclamado rei. É a segunda vez
que Portugal retorna ao absolutismo pelas mãos de Dom Miguel.

Em 1831, Dom Pedro abandona o Brasil, abdicando da coroa, e chega à ilha Terceira, nos
Açores, assumindo a regência de Portugal em nome da filha. Isto faz toda a diferença porque a
partir desse momento os liberais passam a ter um chefe, portanto, a sorte da guerra civil
começa a mudar quando Dom Pedro começa a reorganizar as forças liberais, tomando o Porto
em 1832. Em maio de 1834, ao final da guerra civil que foi marcada pela assinatura do tratado
de Évora-Monte, do ponto de vista constitucional, está aberto o caminho para a reentrada em
vigor da carta constitucional de 1822, o que é realizado em 1836.

O período imediatamente a seguir é um período complicado. A Guerra Civil termina em maio


de 1834 e Dom Pedro morre em setembro. A filha, era ainda adolescente e não tinha posição
sedimentada. Grande parte da nobreza que apoiava Dom Miguel também vai para o exílio,
restando em Portugal a parte da nobreza liberal e a burguesia que apoiavam Dom Pedro.
Dentro desse conjunto liberal passa a existir um conflito entre os cartistas e os vintistas, e o
problema já não é saber se deve haver um estado constitucional, a questão é se deveria haver
uma constituição mais radical e mais democrática (vintistas) ou se deveria haver uma
constituição mais conservadora e mais favorecedora do poder real (cartistas). Num primeiro
momento, esse conflito favorece os cartistas, já que a carta é reposta em 1834, mas no meio
dessa agitação política, acontece uma revolução em setembro de 1836 que dá origem ao
“setembrismo”. O setembrismo é, curiosamente, popular. Curioso porque as revoluções em
Portugal costumam ser lideradas pelos militares. A vitória do setembrismo tem consequências
constitucionais, isso porque leva ao fim da segunda vigência da carta constitucional, levando a
reposição da constituição de 1822.

Apesar da vitória dos vintistas, chegou-se a um entendimento quanto a necessidade de uma


nova constituição que ultrapassasse o litigio entre cartistas e vintistas. Para esse efeito, são
feitas novas eleições para as Cortes, que preparam uma nova constituição, a Constituição de
1838. Do ponto de vista constitucional, isso significa duas coisas: a entrada em vigor da
terceira constituição portuguesa e o fim do segundo período de vigência da constituição de 22.
No entanto, a constituição de 38 não agradava totalmente a nenhuma das partes e,
contrariamente ao que se esperava, não corresponde a um período de estabilidade, vindo
ainda a agravar os problemas que já existiam. Isso ocorreu de tal forma que vem surgir um
partido chamado “Ordeiro”. Isso é sintomático da situação do país então. Costa Cabral, mais
tarde Marquês de Tomar, era um dos políticos que pertenciam ao partido. É pelas mãos de
Costa Cabral que, em 1842, é desencadeada no Porto uma revolução que visa pôr fim a
situação de instabilidade que o país continuava a viver, levando a rainha D. Maria II a
determinar o fim da vigência da constituição de 1838 e a repor, pela terceira vez, a carta
constitucional. Trata-se do período de vigência mais longo de uma constituição em Portugal.

Este período de vigência muito longo corresponde a um período de estabilidade


constitucional; corresponde também a um período de forte desenvolvimento do país e, por
último, corresponde também a incapacidade da monarquia e dos seus agentes políticos em
resistir a presença cada vez mais forte dos republicanos.

O republicanismo começa a estar presente em Portugal a partir das invasões napoleônicas,


mas o republicanismo se desenvolve sobretudo a partir do ultimatuum britânico. O fim da
monarquia em Portugal começa aí. A cedência de Dom Carlos aos ingleses faz com que o povo
se revolte com a humilhação sofrida, o que dá lastro muito grande aos republicanos. Tanto é
que a primeira tentativa de implantação da república em Portugal, o 31 de janeiro, ocorre já
em 1891, pouco tempo depois do Mapa Cor de Rosa. A partir daí, os partidos monárquicos
revelam-se completamente incapazes de se entender face ao perigo do republicanismo.

O 5 de outubro de 1910 representa a ruptura maior na ordem constitucional portuguesa, isto


porque não se limita apenas a por fim a vigência da carta constitucional, determina a
substituição da monarquia pela república. Mas também não se trata apenas de substituir a
monarquia pela república, trata-se de substituir um modelo de organização política. Os
republicanos eram fortemente influenciados pela maçonaria, defendem uma democracia
bastante mais radical do que aquela que existia durante a monarquia constitucional, são hostis
a Igreja, etc. Mais do que mudar de figura, a mudança de regime implicava a mudança de
ordem social. Nos princípios do republicanismo cogitou-se, inclusive, a possibilidade de não
haver presidente, tendo essa ideia sido inspirada pelo republicanismo suíço.

A constituição de 1911 abre o período de vigência da quarta constituição portuguesa. Não foi
um período feliz. O sistema de governo estabelecido por essa constituição era de
parlamentarismo puro que, na sua primeira fase, nem ao menos permitia dissolver o
parlamento. Em 16 anos de primeira da república, houve oito presidentes e quarenta e quatro
governos. É justamente por causa dessa instabilidade que essa primeira república vem a
morrer.

A situação da primeira republica se vai progressivamente agravando e se vai criando um


ambiente desejoso de mudança até ao ponto de se predispor a aceitar um regime ditatorial
que fosse temporário, ou seja, que funcionasse somente até ao retorno da estabilidade. Isso
acaba por conduzir, em 1926, a uma revolução, em primeiro lugar militar, e que põe fim a
primeira república e a constituição de 1911. Esse período que se inicia no dia 28 de maio de
1926 só termina em 25 de abril de 1974. Esse período é dividido em duas fases: uma primeira
fase que vai de 1926 a 1933 e uma segunda fase que comporto o restante do tempo. A
primeira fase é vulgarmente designada como a fase da ditadura militar, isto porque o país
passou a ser governado pelo presidente da república e pelo governo, ambos liderados por
militares. Portanto, sem parlamento e sem constituição, de facto os militares governaram em
ditadura. É neste contexto que surge Salazar, que vinha marcando posição pela sua
contestação à primeira república, criticando em particular a circunstancia de a primeira
republica ser incapaz de governar o país, levando-o para uma má situação econômica. A sua
fama acaba por o levar a ser membro do governo liderando a pasta das finanças, o que ocorre
em 1928. A partir dessa data, Salazar reforça a ideia de que era um tipo extraordinário porque
põe as contas em ordem e ajuda a fazer com que o país “dê lucro”. Esse desenvolvimento o
leva a ser chamado, em 1932, à função de primeiro ministro, cargo que ocuparia até 1968.
Salazar não era um democrata, mas não deixava de ser jurista, e a ausência de uma
constituição não lhe parecia bem. Ele então surge com um projeto de constituição, mas que
trazia consigo um problema: com a inexistência de parlamento, restava a sujeição da
constituição ao voto popular. Em abril de 1933 o país vem, então, a conhecer a sua nova
constituição, pondo assim fim ao vácuo constitucional que reinava desde 1926.

A constituição de 1933 é a única constituição portuguesa aprovada diretamente pelo povo e é


a única que não estabelece um regime liberal e democrático. Era uma constituição que
limitava os direitos fundamentais e que estabelecia uma regra pouco comum: o presidente da
república é eleito pelo povo (até 1958), mas é o presidente que nomeia o primeiro ministro
que, por sua vez, responde só ao presidente. Em teoria, aproximávamos de um sistema em
que o presidente teria uma posição central e uma certa predominância, mas na prática não foi
isso que aconteceu. Na prática, ocorreu o inverso: o presidente é que ficou dependente do
primeiro-ministro. Isto é patente com o que se passou com o marechal Craveiro Lopes.

Foram três os presidentes entre 1926 e 1974: Óscar Carmona (1926-1951), Francisco Craveiro
Lopes (1951-1958) e Américo Thomaz (1958-1974). Quando Carmona morre, o partido único
dominado por Salazar “União Nacional”, convida Craveiro Lopes para ser candidato à
presidência, aceitando o convite e sendo eleito. Acontece que Craveiro Lopes se vai
progressivamente afastando de Salazar, chegando até a ensaiar a possibilidade de golpes de
estado, mas quando do término do seu mandato, acaba por não ser convidado para ser
candidato novamente. Essa situação demonstra bem como o poder estava na mão de Salazar.

O regime sobrevive ao fim dos regimes ditatoriais na Europa Ocidental, mas é confrontando, a
partir da década de 60 por uma grande dificuldade: o início da guerra colonial. O país mais
pobre da Europa Ocidental é chamando então a canalizar os seus esparsos recursos para a
defesa de três frontes: Guiné, Angola e Moçambique. Nessa altura, o país se vê cada vez mais
isolado internacionalmente. Era evidente que o regime não conseguiria aguentar esse
consumo interno de recursos e crescente isolamento. Acresce a isso que o prolongamento do
combate no ultramar começa a criar desagrado dentro das FA. A isso acresce-se o acidente de
Salazar e a sua posterior incapacidade de governo, o que diminui a rigidez do sistema, que era
moldado em torno de si. Para substitui-lo chega Marcelo Caetano, abrindo caminho para uma
progressiva abertura do regime. Esse período é conhecido como a “primavera marcelista”,
dado que ele permitiu o regresso de exilados como Mário Soares, a soltura de presos políticos,
admitiu uma maior liberdade de expressão, amainou a PIDE e até incluiu pessoas que não
eram do regime na eleição de 1969, como Sá Carneiro. Mas o futuro do regime estava
inexoravelmente ligado à guerra colonial, com a impossibilidade de prescindir das posses
ultramarinas.
Em rigor, o que houve foi um golpe militar, e não uma revolução popular. O MFA teve um
programa político que assentava em algo que ficou conhecido como “3 D’s”: descolonizar,
democratizar, desenvolver. A “resposta” aos problemas imediatos que o país enfrentava. Daí
surgia a necessidade de tomar decisões políticas, e a primeira delas foi a da criação de uma
nova constituição, para a qual seria eleita uma assembleia para esse fim específico. A
constituição que entrou em efeito no ano de 1976 era, em muitos aspectos fundamentais,
completamente diferente do que é a constituição atual. Ao contrario do que haviam
prometido, os militares não abdicam da presença na vida política. Por isso é que, no texto
original, temos cinco órgãos de soberania: governo, assembleia, presidente, tribunais e
conselho da revolução. O conselho da revolução era um órgão exclusivamente militar, sem
legitimidade democrática, sendo um órgão de aconselhamento do presidente da república.
Tinha poderes executivos, porque era o conselho que governava as FA, e não o governo; tinha
poderes legislativos porque aprovava os decretos-lei em matéria militar; e fazia as vezes de
tribunal constitucional. A existência do conselho era o suficiente para que Portugal não
pudesse entrar para as comunidades europeias. A constituição de 1976 é duplamente
estranha: pretende estabelecer uma democracia e mantêm um órgão militar como “vigilante”;
além disso, consta no preâmbulo da constituição que Portugal é um país em transição para o
socialismo. Isso resulta de duas circunstâncias: da agitação que é normal em períodos
revolucionários, com o partido vencedor das eleições de 1975, o PS, fazendo acordos com os
partidos à “direita”, PSD e CDS, que definem os termos da democracia política e da forma do
regime, e com o PCP, entregando aos comunistas a parte econômica. Todos os partidos votam
a favor do texto constitucional, com a exceção do CDS. Era manifesto que o texto original não
poderia durar. Um ano depois, o PS pede adesão à comunidade europeia, o que significa a
sentença de morte para a constituição.
CAPÍTULO III – A CONSTITUIÇÃO DE 1976

As Revisões Constitucionais

A constituição de 76 foi muito marcada pelo espírito revolucionário da época e era bastante
contraditória porque, no que diz respeito à organização política do estado apresentava-se
próxima das constituições dos países democráticos, com exceção da existência do conselho da
revolução, mas no plano econômico era de caráter comunista. É por isso que se chamou a
constituição original de compromissória, isto porque resultava de um compromisso entre
ideias fundamentalmente distintas de organização política e económica do estado. No plano
económico, a constituição transformou-se largamente numa constituição nominal. A verdade é
que, pouco tempo depois foi feito o pedido, pelo partido que governava então, o PS, a adesão
à Comunidade Econômica Europeia. Essa adesão implica profundas alterações no texto
constitucional, desde logo, no plano político.

1. 1982

Portanto, o futuro do texto original estava traçado, ele teria que ser objeto de alterações e as
mais profundas delas ocorrem na primeira revisão constitucional que tem lugar em 1982
(revisão ordinária). É a mais importante revisão. Muito extensa, toca em praticamente em
todos os artigos, eliminando as maiores marcas ideológicas, retirando as referências ao
socialismo, sendo que a única dessas referências que permanece é a que está contida no
preâmbulo. Mas mais importante do que essa clarificação econômica é o fim do conselho da
revolução e, por consequência, o fim da interferência militar na vida política. A extinção do
conselho vai ter profundas consequências na arquitetura politica da constituição, porque o
conselho tinha extensas competências e daí a necessidade de criar órgãos novos ou reatribuir
as competências a outros órgãos. Vão ser criados dois novos órgãos para substituir o conselho
no exercício de poderes de aconselhamento do presidente e de fiscalização da
constitucionalidade. No que diz respeito a atribuição de poderes do conselho a órgãos já
existentes, isso acontece com a assembleia da república e com o governo. A primeira revisão é
importante também porque mexer nos poderes do presidente, diminuindo-os no que se refere
às capacidades de demissão do governo. Realizada essa revisão, Portugal estava apto para
entrar para a CEE, o que acontece a 1 de janeiro de 1986.

2. 1989

A segunda revisão vai ocorrer em 1989, sendo também ela ordinária e sendo talvez a segunda
mais importante. Tal se deve porque, em primeiro lugar, prosseguiu a tarefa de normalizar
economicamente a constituição. É a revisão de 89 que elimina a cláusula que tornava
irreversíveis as nacionalizações. É também a revisão de 89 que passa a permitir a
multiplicidade de canais televisivos e de rádio. Surge também a figura do referendo nacional.

3. 1992

Três anos depois vamos assistir à primeira revisão extraordinária da constituição, que é
originada pelo Tratado de Maastrich, que é o tratado que transformou as comunidades
europeias em União Europeia. Este tratado, além de criar a União, é o tratado que estabelece a
moeda única. A necessidade de rever constituição por causa do tratado se deveu à
incompatibilidade de certas normas da constituição com aquelas propostas pelo tratado. E os
tratados europeus só podem entrar em vigor se ratificados por todos os estado-membros.
Havia um artigo em especial que impedia a ratificação do tratado por parte de Portugal, o
Artigo 102 (que era, na altura, 105), que trata da competência de emissão de moeda, sendo o
Banco Central português o único emissor constitucionalmente responsável.

4. 1997

A quarta revisão, de 1997, foi também ela ordinária. É extensa, mas não é possível identificar o
motivo primordial da revisão, não tendo uma orientação geral que a motive, embora haja
ponto relevantes introduzidos, como o referendo sobre a regionalização. Em linhas gerais,
visou mais o aperfeiçoamento do texto.

5. 2001

Em 2001, voltamos às revisões extraordinárias. As revisões extraordinárias devem-se sempre a


fatores internacionais. Neste caso específico, o desejo de adesão ao Estatuto de Roma, que
criou o tribunal penal internacional. Portugal queria ser membro fundador do Estatuto, mas a
CRP proibia que fossem entregues pessoas a países ou instituições a países onde pudessem ser
objeto de aplicação de pena de morte ou pena perpétua, sendo o segundo item permitido pelo
tribunal internacional então criado. Essa revisão não se limitou a isso, mas esse foi o ponto
primordial e principal dela.

6. 2004

Após três anos, regressamos às revisões ordinárias. Foi o próprio professor a presidir essa
revisão, o que a torna, sem sombra de dúvidas, a mais importante. Wink wink. É relativamente
extensa, mas está fixada num objetivo central, que é o de resolver os problemas de
relacionamento entre a república e as regiões autónomas. Desde há muito as regiões
autónomas se queixavam de ter um ministro da república nas regiões e, ao mesmo tempo, não
dispor dos poderes legislativos necessários para desempenhar adequadamente as suas
funções. É o que se chamava “contencioso das regiões”. Ela alarga significativamente os
poderes legislativos das regiões, e extingue a figura do ministro da república, substituindo-a
pelo representante da república, que tem um estatuto menor.

7. 2005

De volta às revisões extraordinárias em 2005, temos novamente uma motivação externa.


Negociava-se uma revisão dos tratados europeus, que ficou conhecida como tratado
constitucional. Queria-se então a realização de um referendo popular para a aprovação do
tratado constitucional europeu. Os referendos em Portugal não incidem sobre atos
normativos, não podendo haver referendos sobre tratados, leis ou decretos-lei, assim
especifica a CRP no Artigo 105. Essa é então a revisão mais minimalista de todas, resumindo-se
a introduzir na constituição apenas um artigo (295).

As Quatro Competências Legislativas do Governo

Podem-se dividir em dois grupos: as competências legislativas dependentes e as


independentes.

1. Independentes:

As independentes são aquelas em que o exercício por parte do governo não está condicionado
por qualquer prévia intervenção da assembleia da republica, enquanto as dependentes são
aquelas em que o governo, para legislar, carece de uma intervenção anterior da AR. As duas
primeiras são:
a) A competência legislativa exclusiva:

A competência legislativa exclusiva, ou seja, há matéria em que só o governo pode legislar. Nos
termos do numero 2 do artigo 198 da CR, aquilo que respeita a organização e funcionamento
do governo é da competência exclusiva do governo, não podendo a AR intervir.

b) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República:

A segunda competência independente é a que decorre da alínea a do numero 1 do artigo 198


da CR, isto é, que o governo pode fazer decretos-lei em todas as matérias que não estejam
reservadas à assembleia da republica (são reservadas à AR apenas as dos artigos 164 e 165,
reserva absoluta e reserva relativa). Em todas as demais matérias a AR pode legislar. Mas aí
não tem uma posição privilegiada, legislando em paridade com o governo. Quando dizemos
que o governo pode legislar em matérias não reservadas a AR referimo-nos ao subgrupo da
competência concorrencial.

2. Dependentes:

A par dessas competências independentes existem as dependentes, aquelas em que o governo


está condicionado por uma necessidade, só podendo intervir se a AR tiver feito algo antes.
Esse algo depende das circunstâncias porque o governo tem duas competências.

a) Decretos-lei autorizados:

A primeira é a que refere a alínea b do numero 1 do artigo 198. Falamos então da possibilidade
que o governo tem de legislar no subgrupo de reserva relativa da AR, referida no artigo 165.

Há situações em que a AR tem a competência, mas tem duas alternativas: ou legisla ela própria
ou autoriza o governo a fazê-lo. É isto que distingue a reserva relativa do artigo 165 da reserva
absoluta do 164. Na reserva absoluta só a AR pode legislar e na reserva relativa pode autorizar
o governo a legislar. Para que isto aconteça é necessário que a AR emita uma lei de
autorização legislativa. Nos termos do artigo 165 a AR autoriza, mas define os limites dentro
dos quais o governo pode legislar. Chamamos esses decretos-lei de decretos-lei autorizados.
Por isso trata-se de competência legislativa dependente.

b) Fazer decretos-leis de desenvolvimento:

A segunda competência dependente é tratada na alínea c do artigo 198. “Fazer decretos de


desenvolvimento”. As leis da AR não são todas iguais, mas há situações em que a CR atribui à
AR a competência exclusiva para aprovar leis de bases. Nessa matéria a CR quis fazer uma
espécie de divisão de trabalho. Para a AR fica reservado o direito de estabelecer as bases, os
princípios fundamentais. Para o governo fica a tarefa de concretizar, de densificar, de
desenvolver essas bases.

Em resumo:

Competências legislativas do governo: 1) independentes. Alínea a) do número 1 e todo


número 2, Artigo 198. 2) dependentes. Alíneas b) e c), número 1, Artigo 198.

Competências legislativas das Regiões Autônomas

A primeira referência que a CR faz a esse assunto é no Artigo 112. Houve uma transferência
ampla de poderes do estado central para as regiões autónomas, o que envolve competências
políticas, legislativas e administrativas, só não envolvendo o aspecto jurisdicional. Tendo em
conta a descontinuidade geográfica, tem sentido que um conjunto de competências
legislativas sejam transferidas às regiões. A CR não diz em que matérias as Regiões podem
legislar. Essas competências estão definidas nos Estatutos Políticos Administrativos das
Regiões, que acabam por ser iguais, já que a regionalização é simétrica. A CR reforça esta ideia
no artigo 228, número 1. As regiões não podem criar impostos, mas podem adaptar os
impostos à realidade local.

O concreto da competência legislativa das Regiões está nas alíneas a), b) e c) do artigo 227,
número 1. A primeira alínea define a competência própria das regiões. As regiões têm uma
capacidade legislativa muito ampla. A grande competência das regiões é a que decorre da
alínea a). Para além desta competência própria, há uma competência legislativa autorizada, tal
como o Governo, havendo, no entanto, uma diferença significativa. O governo pode ser
autorizado a legislar sobre qualquer matéria do artigo 165, sem restrições, mas as regiões não
têm essa liberdade.

A terceira, e última, competência das Regiões é a de fazer decretos legislativos regionais de


desenvolvimento (alínea c), número 1, artigo 227). Tal como o governo tem a competência
para fazer decretos-lei de desenvolvimento de bases, as regiões têm a possibilidade de fazer
decretos legislativos regionais de desenvolvimento de bases.

As competências legislativas da Regiões, para aprovar decretos de competência legislativa


própria, autorizada e de desenvolvimento são exercidas exclusivamente pela assembleia
legislativa, tal como referido no Artigo 232, número 1.

Voltamos ao artigo 112. Quando estudamos a hierarquia das normas, ficamos com uma ideia
de que há uma categoria de atos legislativos ou leis e que tudo que se encontra dentro dessa
categoria é idêntico, mas não é assim. Podem estabelecer-se entre esses atos relações de
subordinação, até entre as leis da AR. Existe uma categoria de leis que a CR designa por leis de
valor reforçado, que são leis que se impõem às outras. A CR utiliza esta terminologia no início
do Artigo 112, número 3, indicando quais são as leis que possuem valor reforçado.

O problema da relação entre lei e decreto-lei

O principal geral que a CR estabelece nessa matéria é que lei e decreto-lei tem igual valor. Isso
significa que uma lei pode revogar um decreto-lei e vice-versa. Esse é o princípio geral e
acontece com muita frequência que tal se efetue. O artigo 112 afirma esse princípio no
número 2. Isso se dá segundo o princípio da sucessão de leis no tempo, no qual um ato
legislativo posterior revoga ato legislativo anterior.

A relação entre os diferentes atos legislativos

Começamos pela compreensão do princípio básico previsto no artigo 112, numero 2, que
estabelece que lei e decreto-lei tem o mesmo valor. À primeira vista, poder-se-ia ponderar a
circunstância de que as leis da AR tem valor superior aos decretos-lei do governo. No entanto,
não é esse o sentido que aponta a CR. A regra geral não significa que seja solução aplicável
sempre, significa apenas que é predominante. Quando afirmamos a regra geral que lei e
decreto-lei tem o mesmo valor, estamos a nos referir ao universo da competência
concorrencial. É apenas aí que a lei e o decreto-lei têm o mesmo valor. Isso significa que nesse
domínio a AR e o governo podem livremente legislar. Neste domínio, havendo a igualdade,
aplica-se o princípio da interpretação da lei no tempo, em que a lei posterior derroga lei
anterior. Quando dois diplomas estão no mesmo pé de importância, a regra geral é que vigora
o mais recente. Aqui aplica-se este princípio. Se estivermos no domínio da reserva absoluta, da
AR este princípio não se aplica porque nesse domínio não pode haver decretos-lei. A situação
muda um pouco no domínio da reserva relativa, já que pode haver decretos-lei autorizados.
Mas como o decreto precisa ser autorizado, tem que ser subordinado à lei da autorização, não
havendo então igualdade. Esta ideia decorre do artigo 112, que diz que tem igual valor “sem
prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-lei publicados no uso da
autorização legislativa”. Os decretos-lei de desenvolvimento também se subordinam às leis de
base.

Existe também uma área de competência exclusiva do governo (artigo 198, número 2). Em
matéria de organização e funcionamento do próprio governo, só o governo pode legislar. Aí
também não se coloca o problema de saber se leis e decretos-lei podem se revogar
mutuamente ou não.

Portanto, leis e decretos-lei só tem o mesmo valor no domínio da competência concorrencial.


Esse princípio, sendo geral, não é unânime e não se aplica, portanto, a outros domínios onde
só a AR pode legislar e não pode haver decretos-lei (artigo 164), só o governo pode legislar
(artigo 198) ou em que há subordinação necessária dos decretos-lei às leis (decretos-lei
autorizados ou decretos-lei de desenvolvimento).

A CRP, no entanto, vai mais longe e estabelece que pode haver relações de supremacia e
subordinação dentro das próprias leis da AR. A própria CRP trata de forma diferente categorias
distintas de leis, estabelecendo que há leis que se impõem a outras leis. O que nos obriga a
fazer uma distinção entre as leis comuns e um outro tipo de leis que se impõe a essas leis, que
a própria constituição denomina como leis de valor reforçado, tal como referido no artigo 112.
As leis de valor reforçado podem ser analisadas na relação entre leis e decretos-lei como
podem ser analisadas na relação entre leis da própria AR. Isso significa que uma lei da AR pode
ser ilegal por violar outra lei da AR. Ver o artigo 281, sobre a fiscalização da legalidade.

As leis de valor reforçado

Artigo 112, número 3. Define quatro categorias de lei de valor reforçado (se fizermos uma
análise esmiuçada, encontraremos outras, mas não nos interessa agora): [1] Leis orgânicas, [2]
leis que carecem de aprovação por maioria de 2/3, [3] leis que constituem o pressuposto
normativo necessário de outras leis, [4] as leis que por outras devam ser respeitadas. À
primeira vista, só conseguimos entender uma dessas categorias: as que carecem maioria de
2/3. Vale a pena dividir essas quatro categorias em dois subgrupos, isto porque há dois
motivos que levam a considerar uma lei como sendo de valor reforçado. Há circunstâncias que
elas são assim consideradas porque o seu processo de aprovação é diferente e mais exigente
que o das leis ordinárias. Chamamos a essas de leis de valor reforçado pelo procedimento.
Entram nessa categoria as duas primeiras, as orgânicas e as que carecem de maioria de 2/3. O
outro subgrupo é o que chamamos de leis de valor reforçado pelo conteúdo e engloba as duas
restantes formas de leis.

Leis de valor reforçado pelo procedimento

1. Leis orgânicas

Não regulam órgãos e não é o legislador que define se quer ou não aprovar uma lei orgânica,
ele o faz porque há uma imposição constitucional de o fazer. Se a constituição diz que em
determinada matéria as leis são orgânicas significa que a AR tem que aprovar leis orgânicas
sobre essas matérias. Não há escolha no alargamento do universo das leis orgânicas, sendo
elas as que a constituição classifica como tal.

As características que definem uma lei orgânica são, fundamentalmente quatro:

a) As leis orgânicas tem que incidir necessariamente sobre matéria de reserva absoluta da AR.
Isso quer dizer que todas as leis orgânicas que a CR prevê são em matéria de reserva absoluta
(artigo 164) da AR, mas nem todas as matérias do artigo 164 exigem lei orgânica. Ver número 2
do artigo 166.

b) Existe em teoria três maiorias: a simples ou relativa (ganha quem tem mais votos), a
absoluta (superior a metade) e a qualificada (acima disso, 2/3, 4/5, etc). A maioria normal na
AR é a simples ou relativa. No caso das leis orgânicas a regra geral é distinta, número 5 do
artigo 168, que estabelece que essas leis carecem de maioria absoluta. Quando um diploma é
votado é votado 3 vezes (numero 2, artigo 168): votação na generalidade, na especialidade e
votação geral global. A lei orgânica exige maioria absoluta na última votação, a geral.

c) Quando o PR recebe uma lei da AR para promulgar ele tem três hipóteses: a promulgação, o
veto e a fiscalização preventiva da constitucionalidade. Se ele veta a lei ela é devolvida a AR, e
uma das soluções que a AR tem é “comprar uma guerra com o PR”. Esse conflito pode ser
sempre ganho pela AR, se ela votar novamente o diploma e o aprovar por maioria superior
àquela que o diploma estava obrigado na votação anterior. Ver artigo 136, número 2. Sendo
assim com as leis ordinárias, mais oneroso é o processo quanto às leis orgânicas, que exigem,
no caso português, maioria de 2/3, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções, ou seja, que sejam pelo menos 117, tal como determinado no artigo
136.

d) Regras específicas em matéria de fiscalização da constitucionalidade preventiva. Nas leis


ordinárias, a única entidade que pode pedir a fiscalização preventiva é o PR (artigo 278,
número 1). Aquilo a que chamamos lei só passa a ter esse nome depois de promulgado pelo
PR. Quando o texto sai da AR chama-se decreto da AR. Esta regra geral só tem uma exceção,
que é a das leis orgânicas. No caso das leis orgânicas, para além do PR, podem solicitar a
apreciação ao tribunal constitucional o PM ou 1/5 dos deputados.

A matéria: diversas alíneas do artigo 164 e a questão do artigo 255. É o que determina o
número 2 do artigo 166. A maioria de aprovação: número 5 do artigo 168. Regime mais
exigente: número 3 do artigo 136. Alargamento da possibilidade de fiscalização preventiva:
número 4 do artigo 278.

2. As leis de 2/3

O artigo 168, número 6, enumera as matérias que carecem maioria de 2/3. São essas e mais
nenhuma. Além disso, são 2/3 dos deputados presentes e votantes desde que superior à
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, ou seja, pelo menos 117
deputados da totalidade dos votantes. É necessário que esse tipo de lei tenha aprovação de
2/3 nas três fases de votação.

Leis de valor reforçado pelo conteúdo

3. Leis que constituem pressuposto normativo de outras leis

O artigo 112, número 3 diz o seguinte: “Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis
que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da
Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam
ser respeitadas.” Há situações em que a existência de um ato legislativo está dependente da
existência anterior de outra lei. Na relação entre lei A e lei B a lei A constitui pressuposto
normativo da B se a B não puder existir sem que a lei A previamente exista.

4. Leis que por outras devam ser respeitadas

A última categoria de leis de valor reforçado pelo conteúdo é a das leis que por outras devam
ser respeitadas. Se no exemplo anterior, temos uma relação análoga a de pais e filhos, em que
estes últimos dependem dos primeiros para existir, nesse caso temos uma relação análoga
àquela entre tios e sobrinhos. Nesse caso, não há dependência, mas há uma relação de
respeito. Um exemplo disso é a lei do orçamento.

Processo legislativo parlamentar

O processo legislativo parlamentar é dividido em varias fases, a maior parte das quais tem
assento constitucional. É o que acontece com o artigo 167 e o artigo 168. O processo pode ser
desagregado em várias fases, não havendo unanimidade doutrinaria sobre a forma como essas
fases devem ser construídas. Há quem utilize, para qualificar cada uma dessas fases, a
expressão daquilo que se faz em cada uma delas, caso do professor Jorge Miranda, que fala
em quatro fases, que são a fase de iniciativa, a fase de apreciação, a fase de discussão e
votação e a última fase, que já é fora da AR e envolve o PR, que é a fase de promulgação, veto
ou fiscalização. O professor Gomes Canotilho, por sua vez, fala em cinco fases, dando-lhes
nomes mais “conceituais”: a fase iniciativa, a fase instrutória, quando se faz a instrução do
processo, a fase constitutiva, que é quando o texto é elaborado e aprovado pela AR, a fase de
controle, que é quando o PR entra em ação, e a última, a fase de integração de eficácia, ou
seja, a publicação oficial, sem a qual o diploma não tem efeito (artigo 119).

As fases do processo legislativo

1. Iniciativa

Para que um ato legislativo exista é preciso que alguém dê o “pontapé de saída”. Essa matéria
está regulada no artigo 167, número 1, que diz: “A iniciativa da lei e do referendo compete aos
Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições
estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no
respeitante às regiões autónomas, às respectivas Assembleias Legislativas.”

Vale a pena distinguir dois conceitos, o de iniciativa legislativa e o de competência legislativa. A


iniciativa significa somente o direito de dar início a um processo legislativo. A competência
significa o poder de legislar. Em Portugal somente a AR, o Governo e as assembleias legislativas
regionais têm essa competência de aprovar legislação.

A separação prática entre esses dois conceitos se deve ao fato de que, apesar de o Governo e
as ALR terem o poder de aprovar legislação, há muitas matérias sobre as quais não podem
legislar, mas precisam. Daí então a necessidade e a possibilidade de poderem dar início ao
processo legislativo.

A lei 17/2003 especifica o conceito de “grupos de cidadãos eleitores”, determinando que “é


necessário que essa iniciativa esteja subscrita por vinte mil cidadãos”.
A diferença entre os termos projeto e proposta de lei está na origem interna ou externa. Se a
iniciativa for proveniente de deputados ou grupos parlamentares chama-se projeto de lei. Fora
disso chama-se proposta de lei. Do ponto de vista material não há nenhuma diferença.

2. Apreciação

Na maior parte dos casos o PR aceita as iniciativas legislativas, remetendo-as então para a
comissão parlamentar especializada em função da matéria para que aí possa ter lugar a
segunda fase, a de apreciação ou, como a chama o professor Gomes Canotilho, a fase
instrutória. Das fases do processo, esta é a única que não é referida na constituição, sendo
referida apenas no regimento da AR.

Seguindo a fase iniciativa, ocorre a segunda fase do processo, que se chama fase de apreciação
ou instrutória. É a única que a CR não refere a propósito do processo legislativo. Ela é regulada,
portanto, no regimento interno da AR. Esta fase é uma fase de análise da iniciativa. Antes de se
passar ao debate a AR faz a apreciação da iniciativa, dos seus objetivos, das alterações que irá
introduzir, etc. Isso passa pela elaboração de um relatório por um deputado da comissão
especializada para qual a iniciativa foi enviada.

Quando o PR recebe uma iniciativa, ele remete-a para a comissão especializada. Esta fase não
é uma fase eliminatória, não podendo uma iniciativa morrer nessa fase. Esta é a única fase que
pode ser dispensada. Isso é possível justamente porque ela não consta na CR.

3. Discussão e votação

A terceira fase é a de discussão e votação é composta por duas discussões e três votações. A
ordem é: discussão na generalidade, votação na generalidade, discussão na especialidade (nas
comissões), votação na especialidade (também nas comissões) e, por último, a votação final
global. A sequência é sempre essa se a iniciativa legislativa tiver sucesso e terminar com a
aprovação de um diploma. Mas ela pode morrer antes.

Discussão na generalidade. Analisa-se o documento, a iniciativa legislativa, no seu todo. É a


análise dos princípios gerais da proposta, do projeto.

A regra geral de votação na AR é a de maioria simples ou relativa, excluindo-se as abstenções


(artigo 116, número 3 da CR). Mas antes da votação geral e global é preciso verificar se estão
reunidas as condições necessárias para que a assembleia possa deliberar, ou seja, se tem
quórum. Nos termos do Artigo 116, número 2, o quórum deliberativo dos órgãos colegiais é a
maioria do número dos seus membros, isto é, 116 parlamentares. Verificado o quórum passa-
se à votação.

4. Promulgação, veto ou fiscalização

Aprovado o diploma em votação final e global, a iniciativa passa a designar-se por decreto da
AR. Esse é o momento em que o projeto sai do parlamento e vai para o PR e passamos à
quarta fase do processo, a fase de controle ou fase de promulgação, veto ou fiscalização.

A intervenção do PR é determinante, porque a iniciativa legislativa só se torna lei depois da


aprovação dele, sendo anteriormente referido como Decreto da AR. Quando a proposta ou o
projeto de lei se torna um texto definitivo, passa-se a chamá-lo decreto da AR, ao que se segue
o envio ao PR, que tem três possibilidades: promulgar, vetar ou fiscalizar o decreto.
No caso do veto, há duas maneiras de resolver o impasse. Em primeiro lugar, a AR pode
acolher o veto fundamentado do PR, o que tem duas consequências possíveis: o veto tornou
claro que o diploma não pode continuar e, portanto, a iniciativa é deixada de lado, ou a AR dá
crédito ao PR modificando o diploma de forma a ir ao encontro das críticas presidenciais e o
remete novamente ao PR, sendo que, nesse caso, é um novo diploma. No caso do não
acolhimento, é possível que a AR confirme o diploma, o que obriga o PR a promulgá-lo.
Confirmar o diploma significa votá-lo de novo. Essa votação, no entanto, não decorre nos
mesmos moldes da votação original. Em teoria, a AR tem sempre a possibilidade de vencer o
PR, mas isso depende de atingir o número de votos necessários para a confirmação do
diploma. A confirmação é referida no artigo 136, números 2 e 3. A maioria necessária para a
provação é absoluta. Quanto às leis orgânicas, é necessária maioria de 2/3 dos deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Promulgado o diploma, é publicado no diário da república e entra em vigor nas condições que
o próprio diploma estabelece.

Quanto aos decretos-lei emitidos pelo Governo, seguem também esses para a promulgação do
PR. E também aqui o PR tem três alternativas. No caso de veto por parte do PR, deve ele
proceder da mesma forma como procede com a AR, justificando a sua posição, “solicitando
nova apreciação do diploma em mensagem fundamentada”. A partir disso ocorre uma
evolução diferente. O Governo pode reconhecer a justificação dada pelo PR e então o processo
morre. Pode também acontecer que o governo reconheça razão às objeções presidenciais, mas
que elas sejam remediáveis. Nesse caso, há alterações e surge um novo diploma. Ao contrário
do que acontece com a AR, o Governo não pode confirmar a lei, “passando por cima” do veto
presidencial.

Há duas razões pelas quais se tornaria insensata a possibilidade de confirmação por parte do
Governo de um diploma vetado pelo PR. Em primeiro lugar, o Governo e o PR têm uma
legitimidade distinta, já que o Governo não é eleito. Em segundo lugar, ao contrário da AR, o
Governo tem uma relação de dependência ao PR, porque é o PR que o nomeia e pode demiti-
lo. Portanto, o veto do PR relativamente a diplomas do Governo é absoluto. Quanto ao veto
aos diplomas emanados da AR, é ele suspensivo. No entanto, existe ainda uma possibilidade,
que é apresentar o decreto-lei a AR como proposta de lei, sendo que a AR poderia aprová-la
passando por cima do veto presidencial. Há uma exceção: as matérias relacionadas com a
organização e funcionamento do governo, já que a AR não pode legislar sobre essas, tal como
determinado no Artigo 198. Essa possibilidade não vem prevista na CRP, mas está
expressamente prevista a propósito das regiões autónomas no artigo 233.

Noções sobre fiscalização da constitucionalidade

As formas de inconstitucionalidade

Utilizamos quotidianamente o qualificativo inconstitucional para diversas coisas, o que, muitas


vezes, não corresponde com rigor aos conceitos jurídicos. Há uma dimensão dessa nossa
tendência que é correta, a que diz que inconstitucionalidade é a violação da constituição, que
está em desconformidade com esta.

Nem toda violação da constituição pode ser classificada como inconstitucional. Apenas os atos
provenientes dos poderes públicos podem ser inconstitucionais. Esses atos não se limitam às
entidades públicas, podendo ser estendidos a entidades privadas que exercem, por delegação
do estado, poderes de natureza pública. Por exemplo: a ANA, a BRISA, a EDP, etc.
O conceito de inconstitucionalidade coloca-se apenas no plano constitucional. O conceito de
ilegalidade coloca-se em vários planos, incluindo o constitucional. Por exemplo: se um
regulamento do governo põe em causa uma lei da AR há um problema de legalidade porque o
ato da função administrativa violou o ato de uma função administrativa a que se encontrava
subordinado. O que distingue uma inconstitucionalidade de uma ilegalidade é aquilo que é
violado. Se o que é violado é a constituição, temos um problema de inconstitucionalidade. Se o
que é violado é uma lei de valor reforçado, temos um problema de ilegalidade.

1. Inconstitucionalidade por ação e por omissão

Podemos tomar o exemplo do Artigo 167 para perceber a diferença entre


inconstitucionalidade por ação e por omissão. Nesse caso, o não legislar sobre a matéria
prevista e ordenada pela constituição constituiria caso de inconstitucionalidade por omissão,
enquanto que a inconstitucionalidade consiste em fazer algo que a constituição não permite.

2. Inconstitucionalidade material, formal e orgânica

Um segundo grupo de inconstitucionalidades é composto por: inconstitucionalidades material,


formal e orgânica. Inconstitucionalidade orgânica decorre da violação do princípio da
separação de poderes. A inconstitucionalidade formal tem a ver com o desrespeito de regras
sobre o processo de aprovação do ato (fases de votação, por exemplo). A
inconstitucionalidade material é aquela que decorre da violação do conteúdo de normas
constitucionais.

Em certa perspectiva, a mais grave forma de inconstitucionalidade é a material, não nos seus
efeitos, mas nos seus conceitos. Isto porque é a única que não tem remédio.

3. Inconstitucionalidade total ou parcial

Suponhamos que o Governo aprova um decreto-lei com 73 artigos, sendo que 72 são de
competência dele e um é de competência da AR. Só há inconstitucionalidade orgânica de um
artigo, portanto, somente é parcialmente inconstitucional. A inconstitucionalidade total ou
parcial também se pode por ao nível de cada norma, ou seja, de cada artigo dentro do
diploma.

4. Inconstitucionalidade originária e superveniente

Admitamos que é aprovada uma norma que viola a CRP. Esta inconstitucionalidade designa-se
originária, já que nunca reuniu as condições necessárias para vigorar validamente. Num
segundo cenário, admitamos que uma outra norma é aprovada sem que haja com ela
problema nenhum, mas que daqui a sete anos é revista a CRP e, essa norma que não tinha
nenhum problema, passa a ser desconforme à nova constituição. A essa forma chama-se
inconstitucionalidade superveniente.

5. Inconstitucionalidade consequente

Surge como resultado de algo. Suponhamos que foi feita uma lei, ao abrigo da qual foi
aprovado um regulamento. Mais tarde, a lei é considerada inconstitucional. A
inconstitucionalidade da lei tem como consequência a irregularidade do regulamento. Ver
artigo 112, número 7.

Garantia da constituição
Uma das consequências da existência de uma constituição é a sua necessária supremacia sobre
todas outras normas jurídicas. Há dois artigos na CRP que apontam para isso: o artigo 3,
número 3, e o artigo 277, número 1. Isto é que o problema da garantia da constituição, ou
seja, a existência de mecanismos processuais que permitam dar sentido lógico ao princípio da
constitucionalidade. Não basta apenas afirmar a supremacia, é assegurar na prática que ela
existe.

As formas de fiscalização

A inconstitucionalidade da norma é um vício jurídico como outro qualquer, guardadas as


proporções. Deve, portanto, ser apreciada por um tribunal. O melhor modelo é o de
fiscalização jurisdicional, quando a garantia da constituição é assegurada por um tribunal e não
por um órgão político.

1. Fiscalização jurisdicional e fiscalização política

A primeira distinção que fazemos em matéria de garantia da constituição é a que tem a ver
com a natureza dos órgãos por ela responsáveis. Por isso falamos em fiscalização jurisdicional
e fiscalização política. Se a fiscalização é exercida pelos tribunais é jurisdicional, se está a cargo
de órgãos políticos, é política.

2. Fiscalização preventiva e fiscalização sucessiva

Uma segunda categoria de fiscalização tem a ver com o momento. Aí falamos em fiscalização
preventiva e sucessiva. A fiscalização que o PR pode pedir quando um diploma chega a ele
chama-se preventiva. A fiscalização que ocorre antes do término do processo chama-se
preventiva. A fiscalização que é feita quando o ato já existe chama-se sucessiva,
independentemente da sua vigência.

3. Fiscalização difusa e fiscalização concentrada

Uma discussão que ainda existe é sobre se a fiscalização deve ser difusa ou concentrada, isto é,
se a fiscalização deve estar entregue a apenas um órgão ou a uma multiplicidade de órgãos. Se
a fiscalização for política ela é concentrada. Se for jurisdicional ela pode ser difusa ou
concentrada. Se for concentrada significa que está limitada a apenas um tribunal, se for difusa,
pode ser apreciada por uma série de outros tribunais.

4. Fiscalização concreta e fiscalização abstrata

Ver artigos 280 e 281.

A fiscalização concreta surge a propósito da aplicação de uma determinada norma a um certo


caso. Neste caso, não importa saber se a norma é inconstitucional em teoria, o que importa
saber é se, na dinâmica da norma, nos efeitos que ela produz quando aplicada a uma
determinada regra, ela gera ou não efeitos inconstitucionais. Na fiscalização abstrata o que
está em causa é apreciar se a norma padece desse vício pelo que ela é, independentemente da
sua incidência ou da sua aplicação a situações reais.

O sistema de fiscalização em Portugal

As três características fundamentais do sistema português de fiscalização correspondem à


compreensão de três dimensões do sistema: o âmbito do sistema, a natureza do sistema, o
objeto do sistema.
O âmbito do sistema

O sistema português é, pelo menos em algumas de suas dimensões, não apenas de fiscalização
da constitucionalidade, mas também de fiscalização da legalidade (no caso de violação de
normas orgânicas, por exemplo). Em termos materiais, a diferença entre inconstitucionalidade
e ilegalidade não existe, já que ambas violam normas. Os artigos 280 e 281 demonstram como
esses dois âmbitos de fiscalização andam de mãos dadas na ordem portuguesa, apesar de o
artigo 278 referir a fiscalização preventiva apenas à inconstitucionalidade de uma norma, e
não à sua ilegalidade.

Natureza do sistema

Quanto à natureza dos sistemas de garantia, a possibilidade é a de distinção entre um sistema


de fiscalização política e um sistema de fiscalização jurisdicional. O sistema de fiscalização
português é, atualmente, exclusivamente jurisdicional. Só os tribunais podem dizer se uma
norma é ou não constitucional. A intervenção dos tribunais na fiscalização não é apenas um
direito, é um dever, isto porque, se é verdade que apenas os tribunais podem decidir em
matéria de inconstitucionalidade e ilegalidade, também é verdade que não aplicar normas
inconstitucionais é um dever para os tribunais. Assim estabelece a constituição no artigo 204.

Objeto do sistema

Pretendemos saber o que é objeto de apreciação neste domínio. A fiscalização em Portugal é


de normas, não de diplomas. O artigo 51, número 1 da Lei n.º 28/82 do tribunal constitucional
diz que “O pedido de apreciação da constitucionalidade ou da legalidade das normas jurídicas
[…]  deve especificar, além das normas cuja apreciação se requer, as normas ou os princípios
constitucionais violados”. É o princípio da especificação.

A fiscalização da norma juridicamente está estabelecida em vários dispositivos constitucionais,


como no artigo 278, número 1.

Em resumo, geralmente não é a totalidade do diploma que é fiscalizada, mas apenas normas
contidas no seu interior. Essa afirmação geral tem, no entanto, que ser detalhada em dois
aspectos: [1] ainda não são normas aquilo que é objeto de fiscalização preventiva, não sendo
elas normas jurídicas porque o diploma em que se inserem ainda não está na ordem jurídica,
ou seja, o processo legislativo ainda não se encerrou; [2] apesar de normalmente incidir sobre
normas que já estão na ordem jurídica (com exceção da fiscalização preventiva), a fiscalização
pode incidir sobre normas que já não estão. Se uma norma que já não tem validade for tida
como sendo inconstitucional, os efeitos que ela produziu enquanto vigorou podem ser
apagados.

As características específicas dos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade

A CRP consagra quatro mecanismos de fiscalização: a preventiva (art. 278), a sucessiva


abstrata (art. 281), a sucessiva concreta (art. 280) e a fiscalização da inconstitucionalidade por
omissão (art. 283).

O sistema português de fiscalização é misto, é simultaneamente concentrado e difuso. A


fiscalização preventiva, por exemplo, é de natureza concentrada, e só pode ser pedida ao
tribunal constitucional. Também é assim em matéria de fiscalização sucessiva abstrata e em
matéria de inconstitucionalidade por omissão. A fiscalização sucessiva concreta é difusa, só
subindo ao tribunal constitucional por via de recurso dos tribunais inferiores.
1. Fiscalização preventiva

É aquela que tem lugar quando o processo de adoção de um determinado ato não chegou ao
fim. Incide sobre normas que ainda não são. As normas que podem ser sujeitas à fiscalização
preventiva são em número relativamente restrito, são as normas que constam de ato
legislativo ou de um instrumento de direito internacional, portanto, normas constantes de lei,
decreto-lei ou decreto legislativo regional, bem como normas constantes de tratado ou de
acordo internacional. Quaisquer outras normas não podem ser sujeitas à fiscalização
preventiva. Ela só pode ser requerida pelo PR ou pelo representante da república. É requerida
pelo PR no caso dos tratados e acordos, leis e decretos-lei, e pelo representante da república
no caso dos decretos legislativos regionais. Essa regra só admite uma exceção: as leis
orgânicas, cuja fiscalização pode ser requerida pelo PM e por 1/5 dos deputados em funções
(artigo 278, número 4).

O pedido de fiscalização tem que ser feito em um prazo de oito dias. O tribunal constitucional
dispõe de 25 dias para decidir, sendo que o PR pode encurtar o prazo por razões de urgência.

Requerida a fiscalização, o tribunal constitucional pode dizer que as normas são


inconstitucionais ou que não são inconstitucionais, mas nunca pode dizer que as normas são
constitucionais, isto porque pode-se perceber posteriormente que a aplicação das normas
produz efeitos inconstitucionais. O nome técnico das fiscalizações do TC é pronúncia, podendo
pronunciar-se pela não inconstitucionalidade ou pela inconstitucionalidade. Cada uma dessas
pronúncias tem consequências diversas. Se o tribunal não encontra nenhum vício na norma,
nada acontece. No caso da inconstitucionalidade a primeira consequência é que o diploma é
devolvido à entidade da qual proveio, tendo que ser vetado (artigo 279, número 1), tratando-
se de veto obrigatório.

A AR tem quatro possibilidades de atuação: [1] não fazer nada. A inconstitucionalidade afeta
de tal maneira o diploma que não é possível corrigir a inconstitucionalidade ou, se corrigir, fica
muito diverso do diploma original. [2] expurgo. Remoção das normas inconstitucionais sem
mexer mais no diploma. A partir dai o diploma é devolvido ao PR, que pode promulgar ou
vetar. [3] reformulação. Ocorre quando a resolução do problema da inconstitucionais não
passa apenas por retirar as normas inconstitucionais, é preciso substitui-las por novas normas.
Eventualmente, as normas estavam relacionadas com outras normas do diploma, precisando
alterá-las. Reformulado o diploma, o texto já não é o mesmo. O que sai daí é um diploma
diferente e, sendo assim, o PR, quando o recebe novamente, volta a ter as 3 possibilidades de
ação. Ver artigo 279, número 3. [4] confirmação. Ver artigo 279, número 2 e 4. A AR pode, por
maioria qualificada, confirmar o diploma. Se a AR confirmar um diploma que foi considerado
inconstitucional em fiscalização preventiva, surge ao PR um direito de promulgar, não uma
obrigação. Artigo 136 e 139. No caso do veto por inconstitucionalidade o conflito não é entre o
PR e a AR, já que o PR veta porque não há outra alternativa. O conflito é entre a AR, que quer a
lei, e o tribunal constitucional.

2. Fiscalização Abstrata Sucessiva

Tem distinções importantes relativamente à fiscalização preventiva. Em primeiro lugar, tem


âmbito mais alargado. Como vimos, a fiscalização preventiva o é apenas da
constitucionalidade. Quando passamos para a fiscalização sucessiva abstrata, esta abrange
também a fiscalização da legalidade quando em causa esteja a violação de leis de valor
reforçado ou estejam em causa a violação dos direitos das regiões autônomas. Um segundo
aspecto relevante é o alargamento do objeto da fiscalização. Na fiscalização preventiva só
pode ser apreciada a inconstitucionalidade de normas constantes de cinco categorias de
diplomas: leis, decretos-lei, decretos legislativos regionais, tratados internacionais e acordos
internacionais. Na fiscalização abstrata sucessiva toda e qualquer norma constante de todo e
qualquer ato pode ser objeto de fiscalização. Ver Artigo 281, número 1. Neste caso, as normas
de direito internacional e direito europeu também podem ser objeto de fiscalização.

Decorrido o processo de fiscalização abstrata, podem decorrer as mesmas coisas que


aconteciam com a fiscalização preventiva; ou o tribunal constitucional considera que o pedido
formulado tem razão de ser ou considera que o pedido não tem razão de ser. Também nesse
caso o tribunal não pode declarar a constitucionalidade da norma.

O TC pode declarar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade da norma, sendo isso que


permite a futura revisão da decisão.

Se o TC não declarar a inconstitucionalidade da norma nada acontece. De algum modo, até se


pode dizer que a norma sai reforçada. Se for seguida a segunda hipótese, a da declaração de
inconstitucionalidade, isso significa que [1] o TC apenas declara a inconstitucionalidade da
norma, ou seja, apenas demonstra a sua condição inerente. A segunda característica dessa
decisão é [2] a sua força obrigatória geral (artigo 281, número 1), o que significa que a decisão
do TC se impõe a todas as entidades individuais e coletivas, públicas e privadas. [3] A
declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade tem como consequência imediata a
exclusão da norma assim declarada da ordem jurídica nacional. Mas se fosse só assim não
haveria diferença entre a declaração de inconstitucionalidade e o ato de revogação. Portanto,
não só é preciso apagar a norma da ordem jurídica, como é necessário apagar os efeitos que a
norma produziu, ou seja, a declaração tem efeito retroativo (ex tunc) (artigo 282, número 1),
embora isso nem sempre possa acontecer, como no caso da alteração do status de uma norma
em decorrência de uma revisão constitucional, de uma inconstitucionalidade superveniente
(Artigo 282, número 2). Este artigo determina ainda a repristinação das normas, ou seja, a
recolocação em vigor de uma norma previamente revogada.

O que é melhor? Admitir que normas inconstitucionais tenham produzido efeitos que se
consolidem ou o fundamentalismo que decorre do princípio da supremacia da constituição e a
necessidade de fazer um retorno ao passado e apagar tudo aquilo que ocorreu durante os
anos anteriores? A CRP constrói uma solução equilibrada. A regra geral é a do número 1 do
Artigo 282. No entanto, da aplicação fundamentalista dessa regra podem decorrer
consequências mais gravosas do que as que existirão se admitirmos que certos efeitos da
norma permaneçam em vigor. É por isso que o número 3 do artigo 282 ressalva os casos
julgados. Isto significa que a própria CRP prefere o princípio da segurança jurídica em certos
casos.

A declaração de inconstitucionalidade obriga a apagar todos os efeitos que a norma produziu


enquanto vigorou. No entanto, se os efeitos da norma se produziram no âmbito de um
processo judicial que já acabou, os efeitos permanecem intocados, ou seja, a CRP preferiu a
ideia de certeza e segurança jurídica. Esta ressalva do caso julgado admite, no entanto, uma
exceção: quando uma mudança de legislação resulta em vantagem para o arguido num
processo. Ver Artigo 282, número 3.

3. Fiscalização Concreta Sucessiva

O modelo da fiscalização concreta é muito diferente do da fiscalização abstrata. Na fiscalização


abstrata, temos um pedido que é dirigido diretamente ao TC por entidades públicas de grande
relevo: o PR, o PM, o PGR, o Presidente da AR, etc. Na fiscalização concreta, falamos numa
fiscalização que decorre em qualquer tribunal. Todos os tribunais são competentes para
decidir em matéria de inconstitucionalidade. É no tribunal onde decorre o processo que a
questão da inconstitucionalidade é suscitada e é este próprio tribunal que irá decidir a
questão. Essa decisão pode assumir dois formatos: num cenário de litígio a norma suscitada é
verdadeiramente inconstitucional e o tribunal não a pode aplicar (decisão positiva de
inconstitucionalidade) ou a norma invocada não era inconstitucional e o tribunal aplica a
norma no processo (decisão negativa de inconstitucionalidade).
Teste 1

1. Que Constituições portuguesas vigoraram mais do que uma vez? Porquê?

Das três constituições monárquicas (1822, 1826 e 1838), duas estiveram em vigor mais do que
uma vez: a constituição de 22 vigorou duas vezes, e a carta constitucional de 26 vigorou três
vezes. A ultima vigência da carta constitucional de 1826, que ocorreu a partir de 1842 e se
prolongou até 1910, faz com que a carta seja o documento constitucional que vigorou por mais
tempo em Portugal: 68 anos. Essa confusão, até mesmo de ordem cronológica, se deve,
principalmente, aos embates entre "cartistas" e "vintistas", ou seja, basicamente, entre os
adeptos de reformas democratizantes e os desejosos de manutenção de um regime mais
conservador. Inicialmente, este embate podia ser reduzido à caracterização de duas facções:
liberais e absolutistas. Mas, com o exílio de D. Miguel, que levou junto a si grande parte dos
seus apoiantes conservadores, a vitória do liberalismo em Portugal não significou a
estabilização, já que eles passam a defrontar-se internamente.

2. O que distingue constituições rígidas e constituições flexíveis? Exemplifique.

O ponto central para a distinção entre os dois tipos de constituições é as exigências feitas pelo
documento para a alteração do mesmo. Em termos concretos, essas exigências se resumem,
em geral, ao número de votos necessários dentro do Congresso para a aprovação de
mudanças constitucionais. De forma simples, poderia se dizer que uma constituição rígida
caracteriza-se pelas dificuldades que ela impõe à sua alteração, tendo um processo mais
rigoroso do que o destinado às outras leis. Uma constituição flexível, por sua, vez requer o
mesmo processo de alteração que aquele das demais leis. A Constituição da República
Portuguesa é, claramente, uma constituição rígida, visto necessitar de uma maioria de 2/3
para efeitos de sua revisão, conforme o Artigo 286, Número 1. 

3. Que características apresenta o poder constituinte? E que formas pode revestir?

4. O que distingue, na Constituição portuguesa, revisão ordinária de revisão


extraordinária? E que revisões extraordinárias houve?

O principal aspecto distintivo entre as duas formas de revisão é o temporal. As revisões


regulares previstas por lei, ou melhor, as possibilidades de revisão regular previstas legalmente
estão fixadas para ocorrer de 5 em 5 anos, mas como dito, configuram apenas possibilidade, e
não obrigatoriedade, tanto é que não há revisões constitucionais desde 2005. Essas revisões
periódicas são as chamadas "ordinárias", seja, a sua realização está prevista. Quanto às
revisões extraordinárias, são assim denominadas por necessitarem de um pré-requisito que as
revisões ordinárias dispensam: a necessidade de aprovação da iniciação da revisão pela
Assembléia da República por uma maioria de 4/5, assumindo então os poderes de revisão que
ainda não lhe haviam sido concedidos. Dessa espécie, foram 3 as revisões, sempre ativadas por
questões de caráter internacional: 1992 (Tratado de Maastrich), 2001 (Estatuto de Roma) e
2005 (referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu). 

5. O que diferencia normas exequíveis por si mesmas de normas não exequíveis por si
mesmas? Dê exemplos na Constituição portuguesa.

Se a norma se esgota em si mesma, é autossuficiente, não precisa de mais nada para produzir
os efeitos a que se destina, falamos em normas exequíveis por si mesmas. Se, pelo contrário, a
norma constitucional fica suspensa, sujeita a uma condição, e para produzir os efeitos a que se
destina necessita de uma posterior intervenção do legislador, estamos diante de normas não
exequíveis por si mesmas. De maneira simples: se a norma não precisa de lei que a
complemente, é uma norma exequível por si mesma; se precisa de uma lei que a
complemente, é uma norma não exequível por si mesma. Por exemplo: artigo 24, da
inviolabilidade da vida humana. Essa norma é uma norma exequível por si mesma. Ela esgota-
se por si mesma.

6. Em que subprincípios se desdobra o princípio do Estado de Direito?

São quatro os subprincípios do princípio do Estado de Direito: (1) princípio da legalidade da


administração, que diz que a administração tem que atuar de acordo com a lei. Esse princípio
tem duas consequências: a prevalência de lei e a reserva de lei, que significam,
respectivamente, que os atos legislativos prevalecem sobre as intervenções da administração e
que a administração só pode agir nas matérias que não tenham que ser objeto de lei; (2)
o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos; (3) o princípio da
proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade, que basicamente afirma que na
ordem do Estado Democrático de Direito os fins não justificam todos os meios; (4) a proteção
jurídica e das garantias processuais

7. Que competências legislativas tem a Assembleia da República? O que as caracteriza?

Podem-se dividir em dois grupos: as competências legislativas dependentes e as


independentes.

1. Independentes:

As independentes são aquelas em que o exercício por parte do governo não está condicionado
por qualquer prévia intervenção da assembleia da republica, enquanto as dependentes são
aquelas em que o governo, para legislar, carece de uma intervenção anterior da AR. As duas
primeiras são:

a) A competência legislativa exclusiva:

A competência legislativa exclusiva, ou seja, há matéria em que só o governo pode legislar. Nos
termos do numero 2 do artigo 198 da CR, aquilo que respeita a organização e funcionamento
do governo é da competência exclusiva do governo, não podendo a AR intervir.

b) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República:

A segunda competência independente é a que decorre da alínea a do numero 1 do artigo 198


da CR, isto é, que o governo pode fazer decretos-lei em todas as matérias que não estejam
reservadas à assembleia da republica (são reservadas à AR apenas as dos artigos 164 e 165,
reserva absoluta e reserva relativa). Em todas as demais matérias a AR pode legislar. Mas aí
não tem uma posição privilegiada, legislando em paridade com o governo. Quando dizemos
que o governo pode legislar em matérias não reservadas a AR referimo-nos ao subgrupo da
competência concorrencial.

2. Dependentes:

A par dessas competências independentes existem as dependentes, aquelas em que o governo


está condicionado por uma necessidade, só podendo intervir se a AR tiver feito algo antes.
Esse algo depende das circunstâncias porque o governo tem duas competências.
a) Decretos-lei autorizados:

A primeira é a que refere a alínea b do numero 1 do artigo 198. Falamos então da possibilidade
que o governo tem de legislar no subgrupo de reserva relativa da AR, referida no artigo 165.

Há situações em que a AR tem a competência, mas tem duas alternativas: ou legisla ela própria
ou autoriza o governo a fazê-lo. É isto que distingue a reserva relativa do artigo 165 da reserva
absoluta do 164. Na reserva absoluta só a AR pode legislar e na reserva relativa pode autorizar
o governo a legislar. Para que isto aconteça é necessário que a AR emita uma lei de
autorização legislativa. Nos termos do artigo 165 a AR autoriza, mas define os limites dentro
dos quais o governo pode legislar. Chamamos esses decretos-lei de decretos-lei autorizados.
Por isso trata-se de competência legislativa dependente.

b) Fazer decretos-leis de desenvolvimento:

A segunda competência dependente é tratada na alínea c do artigo 198. “Fazer decretos de


desenvolvimento”. As leis da AR não são todas iguais, mas há situações em que a CR atribui à
AR a competência exclusiva para aprovar leis de bases. Nessa matéria a CR quis fazer uma
espécie de divisão de trabalho. Para a AR fica reservado o direito de estabelecer as bases, os
princípios fundamentais. Para o governo fica a tarefa de concretizar, de densificar, de
desenvolver essas bases.

8. Indique algumas consequências relevantes que, segundo a Constituição, decorrem


da declaração de estado de emergência.

Teste 2

1. Distinga, em todos os seus aspectos, veto político de veto por inconstitucionalidade.

Requerida a fiscalização preventiva, o tribunal constitucional pode dizer que as normas são
inconstitucionais ou que não são inconstitucionais (não podendo, no entanto, dizer que ela é
constitucional). Se o tribunal não encontra nenhum vício na norma, nada acontece. No caso da
inconstitucionalidade a primeira consequência é que o diploma é devolvido à entidade da qual
proveio, tendo que ser vetado (artigo 279, número 1), tratando-se de veto obrigatório.

No caso do veto político, há duas maneiras de resolver o impasse: em primeiro lugar, a AR


pode acolher o veto fundamentado do PR, o que tem duas consequências possíveis: o veto
tornou claro que o diploma não pode continuar e, portanto, a iniciativa é deixada de lado, ou a
AR dá crédito ao PR modificando o diploma de forma a ir ao encontro das críticas presidenciais
e o remete novamente ao PR, sendo que, nesse caso, é um novo diploma. No caso do não
acolhimento, é possível que a AR confirme o diploma, o que obriga o PR a promulgá-lo.
Confirmar o diploma significa votá-lo de novo. Essa votação, no entanto, não decorre nos
mesmos moldes da votação original. Em teoria, a AR tem sempre a possibilidade de vencer o
PR, mas isso depende de atingir o número de votos necessários para a confirmação do
diploma. A confirmação é referida no artigo 136, números 2 e 3. A maioria necessária para a
provação é absoluta. Quanto às leis orgânicas, é necessária maioria de 2/3 dos deputados
presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

No caso do veto por inconstitucionalidade o conflito não é entre o PR e a AR, já que o PR veta
porque não há outra alternativa. O conflito é entre a AR, que quer a lei, e o tribunal
constitucional.
2. Explique se é relevante, na Constituição Portuguesa, a distinção entre
inconstitucionalidade originária e inconstitucionalidade superveniente.

Admitamos que é aprovada uma norma que viola a CRP. Esta inconstitucionalidade designa-se
originária, já que nunca reuniu as condições necessárias para vigorar validamente. Num
segundo cenário, admitamos que uma outra norma é aprovada sem que haja com ela
problema nenhum, mas que daqui a sete anos é revista a CRP e, essa norma que não tinha
nenhum problema, passa a ser desconforme à nova constituição. A essa forma chama-se
inconstitucionalidade superveniente.

3. Diferencie, exemplificando, leis que constituem pressuposto normativo necessário


de outras leis e leis que por outras devam ser respeitadas.

O artigo 112, número 3 diz o seguinte: “Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis
que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da
Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam
ser respeitadas.” Há situações em que a existência de um ato legislativo está dependente da
existência anterior de outra lei. Na relação entre lei A e lei B a lei A constitui pressuposto
normativo da B se a B não puder existir sem que a lei A previamente exista. Exemplo disso é a
relação entre as leis de bases e as leis complementares. Os decretos-lei de desenvolvimento
também se subordinam às leis de base.

Se no exemplo anterior temos uma relação análoga à de pais e filhos, em que estes últimos
dependem dos primeiros para existir, no caso das leis que por outras devam ser respeitadas
temos uma relação análoga àquela entre tios e sobrinhos. Nesse caso, não há dependência,
mas há uma relação de respeito. Um exemplo disso é a lei do orçamento.

4. Diferencie fiscalização abstrata de fiscalização concreta e fiscalização preventiva de


fiscalização sucessiva, relacionando ainda ambas as classificações.

Fiscalização abstrata e fiscalização concreta:

A fiscalização concreta surge a propósito da aplicação de uma determinada norma a um certo


caso. Neste caso, não importa saber se a norma é inconstitucional em teoria, o que importa
saber é se, na dinâmica da norma, nos efeitos que ela produz quando aplicada a uma
determinada regra, ela gera ou não efeitos inconstitucionais. Na fiscalização abstrata o que
está em causa é apreciar se a norma padece desse vício pelo que ela é, independentemente da
sua incidência ou da sua aplicação a situações reais.

Fiscalização preventiva e fiscalização sucessiva:

Preventiva:

É aquela que tem lugar quando o processo de adoção de um determinado ato não chegou ao
fim. Incide sobre normas que ainda não são. As normas que podem ser sujeitas à fiscalização
preventiva são em número relativamente restrito, são as normas que constam de ato
legislativo ou de um instrumento de direito internacional, portanto, normas constantes de lei,
decreto-lei ou decreto legislativo regional, bem como normas constantes de tratado ou de
acordo internacional. Quaisquer outras normas não podem ser sujeitas à fiscalização
preventiva. Ela só pode ser requerida pelo PR ou pelo representante da república. É requerida
pelo PR no caso dos tratados e acordos, leis e decretos-lei, e pelo representante da república
no caso dos decretos legislativos regionais. Essa regra só admite uma exceção: as leis
orgânicas, cuja fiscalização pode ser requerida pelo PM e por 1/5 dos deputados em funções
(artigo 278, número 4).

O pedido de fiscalização tem que ser feito em um prazo de oito dias. O tribunal constitucional
dispõe de 25 dias para decidir, sendo que o PR pode encurtar o prazo por razões de urgência.

Sucessiva:

Abstrata:

Tem distinções importantes relativamente à fiscalização preventiva. Em primeiro lugar, tem


âmbito mais alargado. Como vimos, a fiscalização preventiva o é apenas da
constitucionalidade. Quando passamos para a fiscalização sucessiva abstrata, esta abrange
também a fiscalização da legalidade quando em causa esteja a violação de leis de valor
reforçado ou estejam em causa a violação dos direitos das regiões autônomas. Um segundo
aspecto relevante é o alargamento do objeto da fiscalização. Na fiscalização preventiva só
pode ser apreciada a inconstitucionalidade de normas constantes de cinco categorias de
diplomas: leis, decretos-lei, decretos legislativos regionais, tratados internacionais e acordos
internacionais. Na fiscalização abstrata sucessiva toda e qualquer norma constante de todo e
qualquer ato pode ser objeto de fiscalização.

Concreta:

O modelo da fiscalização concreta é muito diferente do da fiscalização abstrata. Na fiscalização


abstrata, temos um pedido que é dirigido diretamente ao TC por entidades públicas de grande
relevo: o PR, o PM, o PGR, o Presidente da AR, etc. Na fiscalização concreta, falamos numa
fiscalização que decorre em qualquer tribunal. Todos os tribunais são competentes para
decidir em matéria de inconstitucionalidade. É no tribunal onde decorre o processo que a
questão da inconstitucionalidade é suscitada e é este próprio tribunal que irá decidir a
questão. Essa decisão pode assumir dois formatos: num cenário de litígio a norma suscitada é
verdadeiramente inconstitucional e o tribunal não a pode aplicar (decisão positiva de
inconstitucionalidade) ou a norma invocada não era inconstitucional e o tribunal aplica a
norma no processo (decisão negativa de inconstitucionalidade).

5. No âmbito do processo legislativo parlamentar há fases obrigatórias e fases que o


não são. Diga quais são e porquê.

No sistema de quatro fases, apenas a segunda fase, a de apreciação, não é obrigatória, isto
porque ela não consta na CRP. Todas as outras, a fase iniciativa, a de discussão e votação e a
de veto, promulgação ou fiscalização são necessárias.

6. É correto dizer que existe uma correspondência entre o âmbito das leis orgânicas e a
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República?

Sim, porque as leis orgânicas têm que, necessariamente, incidir sobre matéria de reserva
absoluta da AR. Isso quer dizer que todas as leis orgânicas que a CR prevê são em matéria de
reserva absoluta (artigo 164) da AR, mas nem todas as matérias do artigo 164 exigem lei
orgânica. Ver número 2 do artigo 166.

7. Distinga expurgo, reformulação e confirmação.

No âmbito da fiscalização preventiva, a AR tem quatro possibilidades de atuação: [1] não fazer
nada. A inconstitucionalidade afeta de tal maneira o diploma que não é possível corrigir a
inconstitucionalidade ou, se corrigir, fica muito diverso do diploma original. [2] expurgo.
Remoção das normas inconstitucionais sem mexer mais no diploma. A partir dai o diploma é
devolvido ao PR, que pode promulgar ou vetar. [3] reformulação. Ocorre quando a resolução
do problema da inconstitucionais não passa apenas por retirar as normas inconstitucionais, é
preciso substitui-las por novas normas. Eventualmente, as normas estavam relacionadas com
outras normas do diploma, precisando alterá-las. Reformulado o diploma, o texto já não é o
mesmo. O que sai daí é um diploma diferente e, sendo assim, o PR, quando o recebe
novamente, volta a ter as 3 possibilidades de ação. Ver artigo 279, número 3. [4] confirmação.
Ver artigo 279, número 2 e 4. A AR pode, por maioria qualificada, confirmar o diploma. Se a AR
confirmar um diploma que foi considerado inconstitucional em fiscalização preventiva, surge
ao PR um direito de promulgar, não uma obrigação. Artigo 136 e 139.

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