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Razao e Diferenca. Afetividade Racionali PDF
Razao e Diferenca. Afetividade Racionali PDF
Razão e
inquietante, e não um monólogo edifi-
cante sobre o estranho. Se a psicaná- Marcio Go ldman
lise conheceu seu Anti-Édipo, a filoso-
fia deveria reconhecer, no pensamen-
to de Lév y-Br uhl, uma d as figur as
mais radicais deste Anti-Narciso que
Atualidade de Lévy-B ruhl? S im,
a antropologia lhe propõe.
Diferença
mas talvez mais que iss o — perma-
O livro d e Marcio Goldman no s nência de um pens amento s empre
indica como se pode retomar a antro- capaz de reproblematizar a antropolo-
pologia a partir de Lévy-Bruh l, em- gia, dis ciplina que s e cons tituiu em
preendendo um resgate que não traz torno das mes mas antinomias que o
qualquer nostalgia de um retorno; tra- marcam: universalismo e relativismo,
ta-s e de um ir adiante, us ando um semelhança e diferença, razão e emo-
caminho bloqueado há long o tempo ção, experiência e crença, nós e os
por um processo sistemático de exclu- outros, o civilizado e o primitivo… As
são e simplificação. Ao desmontar a questões que acompanham toda a lon-
imagem de Lévy-Bru hl que n os foi ga trajetória deste pensador constitu-
legada pela vulg ata antrop ológica, em o cerne do que se poderia chamar
Razão e Diferença faz bem mais, ou a fetivida de , “anthropologia perennis”: o esforço de
outra coisa, que uma história das idéi- heterogeneização da Razão, tarefa im-
racionalidade e relativismo
as — faz antropologia, reinjetando nos perativa para todo conhecimento do
debates atuais da disciplina a singu- no pensamento de humano que aspire a ser outra coisa
laridade de u m autor q ue, du rante Lévy-Bruhl que u ma tranq üilização d o s ujeito.
uma carr eira marcada por uma in - P ermanência então, mas intempes ti-
trans igente hones tidad e intelectual, va: s e Raz ão e D ifer ença mos tra o
jamais se contentou com as soluções poder repr oblematizador de Lévy -
que propôs, ciente de que o conheci- Bruhl, é porque sua obra, ao mesmo
mento não pode ser senão um processo tempo que recorda as antinomias ori-
de aproximação contínua a um ponto ginárias, perturba as respos tas fáceis
sempre em deslocamento. Sobre Lévy- que a dis ciplina tem avançado para
Bruh l, mas s obretu do com Lévy - elas. Reproblematizar a antropologia
Bruh l, es te livro é u ma ref lexão significa aqui sus peitar das “s upera-
antropo lógica s obre a antrop ologia, ções dialéticas ” das antinomias em
reflexão modelar p or s ua er udição, favor de alguma unidade superior, de
rigor e criatividade. um lugar pseudo-geométrico que mal
es conde s ua mis s ão es pecular; mas
Eduardo Viveiros de Castro
Marcio Goldman significa também recusar seu conge-
lamento em um dualismo preguiçosa-
mente s olipsis ta, uma celebração do
Marcio G oldman é pr ofes s or do
inefável e do incomens urável que é
P rograma de P ós -Graduação de A n- outra forma de silenciar a dissonância
tropologia Social do Museu Nacional
e a defas agem que trabalham por
da U nivers idade F ederal do R io de
Janeiro e pesquisador do CN Pq. dentro a Razão. A obra de Lévy-Bruhl
RAZÃO E DIFERENÇA
AFETIVIDADE, RACIONALIDADE E RELATIVISMO
NO PENSAMENTO DE LÉVY-BRUHL
Rio de Janeiro
1994
Copyright © 1994 by Marcio Goldman
Bibliografia: p 383-394
ISBN 85-7108-106-9
Editora Grypho
Rua Maria I. Braune Portugal 376 parte — CEP 26650-000
Eng. Paulo de Frontin – RJ
Apoio
Notas Preliminares
1 — “O Caso Lévy-Bruhl”.......................................................1
2 — Clássico e Romântico
— História da Filosofia................................................45
3 — O Sábio como Astrônomo
— Ciência e Moral......................................................111
4 — Malentendido sobre a Vida Filosófica
— Psicologia e Sociologia..........................................159
5 — Perigo da Linguagem para a Liberdade de Expressão
— Etnologia e Antropologia......................................247
6 — As Duas Direções........................................................323
7 — O Final e a Finalidade.................................................371
Bibliografia...........................................................................383
Índice Remissivo..................................................................395
Notas Preliminares
A
Todas as citações em língua estrangeira foram traduzidas por
mim para evitar que a exposição se tornasse pesada demais. As
referências bibliográficas foram efetuadas com a data original da
obra, visando fornecer uma contextualização histórica mais precisa
do momento em que os trabalhos analisados e citados foram
produzidos. A edição efetivamente utilizada, quando não coincide
com a original, é mencionada na bibliografia final. Os textos de
Lévy-Bruhl mais utilizados serão citados por meio das seguintes
abreviaturas:
IR: L’Idée de Responsabilité (1884)
AL: L’Allemagne Depuis Leibniz — Essai sur le Dévelloppement
de la Conscience Nationale en Allemagne (1890)
PJ: La Philosophie de Jacobi (1894)
HF: History of Modern Philosophy in France (1899)
PC: La Philosophie d’Auguste Comte (1900)
MM: La Morale et La Science des Mœurs (1903)
OH: L’Orientation de la Pensée Philosophique de David Hume
(1909)
FM: Les Fonctions Mentales dans les Sociétés Inférieures (1910)
MP: La Mentalité Primitive (1922)
BP1: Communication sur “la Mentalité Primitive” (Bulletin de la
Société Française de Philosophie — 1923)
AP: L’Âme Primitive (1927)
BP2: Communication sur “l’Âme Primitive” (Bulletin de la Société
Française de Philosophie — 1929)
SN: Le Surnaturel et la Nature dans la Mentalité Primitive (1931)
LE: Lettre au Professeur Evans-Pritchard (1934) (Revue
Philosophique de la France et de l’Étranger — 1957)
MyP: La Mythologie Primitive - Le Monde Mythique des Australiens
et des Papous (1935)
EM: L’Expérience Mystique et les Symboles chez les Primitifs
(1938)
CL: Les Carnets de Lucien Lévy-Bruhl (1949)
1
“O Caso Lévy-Bruhl”
A
Lévy-Bruhl parece assim ter refeito por conta própria toda
uma trajetória típica do saber ocidental. Tudo indica que seu
intelectualismo sofreu um considerável abalo ao confrontar-se com
o mundo primitivo, abalo do qual ele seguramente jamais se
recuperou por inteiro. É possível, conseqüentemente, indagar se
essa história aparentemente tão pessoal não possui também um
valor de modelo, no duplo sentido da palavra. Pois o Ocidente como
um todo também foi abalado pelo encontro com os “primitivos”,
reagindo, como diz Leminski, “a golpes de lógica, tecnologia,
mitologia, repressões”. Na realidade, como afirma desta vez Hélène
Clastres (s/d: 194), “ainda hoje, é possível o espanto (…) o debate
sobre os índios não foi concluído, ele apenas se transformou”. A
questão, portanto, é saber se a experiência pessoal de Lévy-Bruhl
pode nos ensinar alguma coisa, se é possível através dela resgatar
parte de um saber um pouco esquecido que o conhecimento das
sociedades primitivas nos legou ou poderia ter legado.
Aqui se introduz, queiramos ou não, o sempre delicado tema
das relações entre a vida e a obra de um autor. Mencionei acima não
ser este o lugar para uma “verdadeira biografia” de Lévy-Bruhl,
biografia que, como diz Mauss, ele sem dúvida merece. O problema
O Caso Lévy-Bruhl 13
(Fernandes 1954: 121). Não que isso não seja legítimo. O problema
é indagar, como o faz também Florestan Fernandes, se não é de
“escasso interesse” insistir nos possíveis “equívocos” de um autor,
equívocos em geral passíveis de serem localizados justamente
naquilo que não há de original em sua obra. Talvez valha mais a
pena investir justamente em sua originalidade, prontos a captá-la lá
onde menos se espera. No caso específico de Lévy-Bruhl, essa
originalidade bem poderia ser buscada do lado daquilo que
Florestan Fernandes denominou “correção intelectualista do inte-
lectualismo” (idem: 127). Ou talvez num plano mais profundo onde
o que esteja em jogo seja mais que um simples “alargamento do
racionalismo”, como supõe Pierre-Maxime Schul (1957: 400), ao
tentar resumir a questão de Lévy-Bruhl como a de um “intelectua-
lista” que teria descoberto “a potência da afetividade” (idem: 398).
É bem verdade que ele próprio costumava, em tom de brincadeira,
atribuir a Aristóteles e suas categorias a “culpa” por termos levado
tanto tempo para descobrir as emoções (idem: 399). O problema me
parece, contudo, mais complicado e a solução exigida, conseqüen-
temente, mais radical. Pois se por um lado, Lévy-Bruhl jamais
abandonou realmente sua posição intelectualista, é preciso reco-
nhecer por outro, com Emmanuel Lévinas, que ele acabou por
efetuar, intencionalmente ou não, pouco importa, uma crítica do
próprio intelectualismo. Ou, para voltar aos termos de Merleau-
Ponty, a herança que Lévy-Bruhl recebeu dos séculos XVIII e XIX
acabaram por ser não mais que o texto que ele soube decifrar a seu
modo, usando-o mesmo de forma revolucionária ao atacar a própria
“ossatura do naturalismo intelectualista” (Lévinas 1957: 558). Que
essa crítica do intelectualismo tenha sido efetuada em nome apenas
da “potência da afetividade” é duvidoso; que seu resultado se limite
a isso, desembocando numa espécie de glorificação das emoções,
é inteiramente falso.
A
Quais seriam, então, as motivações para este trabalho? Em
primeiro lugar, não há dúvida que Lévy-Bruhl é um autor “esque-
cido” pela antropologia e seus historiadores. Dominique Merllié
(1989a: 419-22) revelou com muita precisão este fato, cabendo aqui
apenas acrescentar alguns detalhes importantes. Se excetuarmos os
trabalhos já antigos de Evans-Pritchard, o único estudo mais
sistemático dedicado a ele — mesmo assim apenas parcialmente —
16 Razão e Diferença
que esse tipo de crise é mais aparente que real e uma ciência que
visse efetivamente seu objeto concreto desaparecer teria que ser
muito ingênua para considerar este desaparecimento um obstáculo
insuperável, não um estímulo catalizador. Ao lado disso, como
também já foi sugerido, “a intrusão do olhar etnológico nas
sociedades civilizadas” (Barthes 1961: 140) está muito longe de ter
esgotado suas possibilidades. Ao contrário, uma radicalização do
projeto de uma antropologia das sociedades complexas poderia
sem dúvida levar bem longe o desejo do próprio Jorion (1986: 340)
de que essa disciplina efetuasse uma verdadeira crítica de nós
mesmos, revelando-nos enfim não apenas “como nós pensamos”,
mas também como agimos.
Por outro lado, a “crise de relação” entre sujeito e objeto de
conhecimento pode também ter um valor análogo, talvez superior.
Pois se de fato parece um pouco simplista e redutor tentar invalidar
a antropologia denunciando suas inegáveis conexões com o proces-
so de expansão ocidental, o mesmo não ocorreria se esta conexão
fosse convertida no objeto de pesquisas empíricas. Empreender
desta forma uma verdadeira “genealogia da antropologia”, no
sentido que Foucault (1984: 17-8) empresta ao termo: análise da
formação de certas “formas de problematização” a partir das
“práticas e de suas modificações”. Tentar mostrar não como o
colonialismo e o imperialismo, em todas as suas dimensões, agiram
como impulso ou como álibi de um saber que deveria, de direito,
desenvolver-se sobre outro plano, mas como práticas muito concre-
tas relacionadas com a descoberta, a conquista e a administração de
novos mundos e de outros homens puderam constituir e objetivar
a própria matéria-prima de um saber que depois de muito tempo
ofuscado pelo brilho desse objeto volta enfim seu olhar para o
processo mais opaco que tornou possível a existência de ambos,
objeto e saber. O belo livro de Todorov sobre “a conquista da
América” (1982) marca talvez um dos possíveis inícios de tal
empreendimento.
Podemos agora definir o espaço em que este trabalho buscará
alojar-se. Isolei acima uma terceira dimensão da chamada crise da
antropologia, dimensão mais contemporânea e, do ponto de vista
aqui adotado, mais fundamental. Trata-se do questionamento do
próprio sujeito do conhecimento antropológico, ou seja, de um
questionamento, mais que das técnicas e métodos da disciplina, de
seu próprio projeto básico: o conhecimento do “outro”. Repensar os
próprios pressupostos da antropologia é o que está em questão
neste caso, tarefa que pode, sem dúvida, ser cumprida de diferentes
22 Razão e Diferença
A
É quase inútil lembrar que existem inúmeros modos de se
relatar a história das idéias em geral e a história da antropologia em
particular. Grosso modo, todas essas formas parecem se debater
entre as alternativas de uma “história interna”, na tradição dos
principais trabalhos relativos às ciências exatas e naturais, e de uma
“história exterior”, que utilizaria métodos e princípios desenvol-
vidos pelas próprias ciências humanas. Há, é claro, todo um
gradiente entre essas duas posições extremas e nenhum trabalho
concreto neste domínio poderia ser integralmente enquadrado em
uma ou outra dessas categorias. As análises “internas” esbarram
numa grave dificuldade. Ainda que empreguem sofisticadas noções
extraídas da epistemologia, tais como “corte epistemológico” ou
O Caso Lévy-Bruhl 23
A
Evoquei acima a possibilidade de os estudos acerca das
relações entre a antropologia e suas condições históricas e políticas
de constituição e existência (em especial o colonialismo e o
imperialismo) se transformarem em verdadeiras “genealogias da
antropologia”. Nesse caso, teses excessivamente generalizantes e
O Caso Lévy-Bruhl 27
A
De qualquer forma, existe uma relação do “menor” com certas
figuras da exclusão. Dupla relação, na verdade, uma vez que,
geralmente interessadas por essas figuras, as obras menores também
costumam ser alvo de exclusões semelhantes às praticadas contra
seus temas: Descartes e a América. Descartes, nome apenas
emblemático desses processos de exclusão; a América, signo
igualmente emblemático dessas figuras excluídas. Acerca do primei-
ro, conhece-se certamente a célebre análise de Foucault em a
História da Loucura…. A própria constituição da razão ocidental
dependeria de uma partilha, de uma exclusão. A loucura e a
desrazão devem ser sumariamente eliminadas por Descartes de sua
dúvida metódica para que a razão possa se instalar tranqüilamente
em toda a sua soberania doravante não contestada (Foucault 1961:
56-8). Esta operação intelectual é contemporânea de outra, efetuada
ao nível das práticas sociais mais concretas: o “grande enclausura-
mento” efetiva, nos espaços sociais e nas fronteiras empíricas, a
mesma partilha que Descartes proclama no plano do pensamento
— ou antes, que impõe como condição para o que considera ser o
pensamento. Para ele, “a loucura justamente é condição de impos-
sibilidade do pensamento” (idem: 57). Desde este momento, o
Ocidente jamais teria conseguido reencontrar a quase indiferença
que a Idade Média demonstrava frente à experiência da loucura.
34 Razão e Diferença
A
O Caso Lévy-Bruhl 37
Notas
1. Esta crítica não possuiria um alcance maior que o imaginado por Lévi-
Strauss? Não deveria, por conseguinte, ser incessantemente recolocada? Talvez
apenas o operador da supressão da diferença varie, sem que a própria
operação deixe de ser praticada.
2. Os trabalhos de Evans-Pritchard aqui considerados foram publicados
em 1965 e 1981, consistindo, contudo, em retomadas de um artigo clássico de
1934 que não pôde ser consultado. Além disso, o artigo de 1981 é idêntico ao
de 1965, com a exceção do último parágrafo, acrescentado pelo organizador
da edição póstuma que reúne diversos estudos de Evans-Pritchard sobre a
história do pensamento antropológico. Esta parece-me também a ocasião para
advertir que este trabalho já estava concluído quando recebi os originais de
“Razão e Afetividade — O Pensamento de Lucien Lévy-Bruhl”, de Roberto
Cardoso de Oliveira, que viria a ser publicado no final de 1991. Foi impossível,
portanto, incluir a análise aí efetuada nessa abordagem do confronto entre a
antropologia e o pensamento de Lévy-Bruhl. De qualquer forma, a exposição
coincide em inúmeros pontos com a aqui desenvolvida. Por outro lado, seu
intuito é “etnográfico” (no sentido de uma “etnografia do pensamento”) e
“hermenêutico” (na medida em que procura captar a significação intrínseca da
obra de Lévy-Bruhl como um todo). O meu é sobretudo “antropológico” (no
sentido de lançar um “olhar etnológico” sobre a própria antropologia) e
“geográfico” (no sentido proposto por Châtelet, analisado mais adiante, de
uma reativação para o presente de certas virtualidades e potencialidades
contidas em um pensamento). Esta diversidade de pontos de vista, talvez
complementares, fica bastante nítida na ligeira diferença entre os títulos dos
dois trabalhos: para mim, trata-se acima de tudo de mostrar que a noção de
afetividade empregada por Lévy-Bruhl é um “termo-refúgio” para a questão da
diferença.
3. Esta posição não é nova. Sabe-se que os trabalhos de história da
filosofia de Gilles Deleuze são, desde 1954, orientados por uma perspectiva
semelhante. Antes disso, como me indicou Eduardo Viveiros de Castro, Ezra
Pound já havia desenvolvido a noção de paideuma, que implica que a história
da literatura não deva ser analisada de um ponto de vista apenas diacrônico,
mas a partir de princípios de seleção que incorporem os interesses atuais do
analista ou do leitor: “não é possível extrair grande vantagem de uma
caracterização meramente cronológica, embora a relação cronológica possa
ser importante” (Pound 1970: 72). Como afirma Pound de modo sintético e
exemplar, “‘Literatura é novidade que PERMANECE novidade’” (idem: 33).
Posição que é válida tanto em literatura quanto em filosofia ou antropologia.
4. “O que há de mais difícil — e de mais necessário — quando se aborda
o estudo de um pensamento que não é mais o nosso, é (…) menos aprender
o que não se sabe, e que o sabia o pensador em questão, do que esquecer o
que nós sabemos ou acreditamos saber” (Koyré 1971: 77). Ou como diz o
próprio Lévy-Bruhl, “só é justo julgar trabalhos olhando-os do ponto de vista
de seu autor, e não do nosso” (HP: 194). Devo confessar, entretanto, que serei
apenas moderadamente fiel a esses princípios.
42 Razão e Diferença
5. “Eu não gosto das pessoas que dizem de uma obra: ‘até aqui tudo
bem, mas depois é ruim, ainda que volte a se tornar interessante mais tarde’”
(Deleuze 1990: 118).
6. Pierre-Maxime Schul (1957: 397-8) chega a afirmar que o trabalho de
Lévy-Bruhl foi “por vezes eclipsado há vinte anos por formas de pensamento
que lhe devem muito mais do que têm consciência”, supondo que seria preciso
salvá-la deste imerecido esquecimento (“é tempo que saia da zona de
penumbra em que mergulham as grandes criações no período que segue
imediatamente a morte de seu autor”). Jean Poirier (1957: 503) vai na mesma
direção ao falar de um “purgatório” ao qual parecem ser condenados escritores
e cientistas logo após sua morte. Já vimos como Merllié considera a “desnatu-
ração, esquecimento, recalque” da obra de Lévy-Bruhl. De fato, em uma
coletânea de textos de 1970 — significativamente intitulada, Racionalidade —
o organizador afirma logo em sua exposição introdutória que “o fantasma de
Lévy-Bruhl (…) é, para diversos escritores nesse livro, o que deve ser
exorcizado” (Wilson 1970: XIII-XIV).
7. “Num mundo clássico, a relatividade nunca é vertiginosa porque não
é infinita; ela logo se detém no coração inalterável das coisas: é uma segurança,
não uma perturbação” (Barthes 1961: 139-40). Quando afirmamos, por outro
lado, que aqui “as coisas funcionam assim, e nos outros tipos de sociedades
as coisas funcionam de outro modo, não se abandona o terreno do compara-
tismo mais vulgar” (Clastres, in Carrilho 1976: 74).
8. Meu francês poderia talvez levantar dúvidas sobre esse último
julgamento. A verdade é que todos, aliados ou críticos, parecem estar de
acordo sobre esse ponto. Citarei apenas dois testemunhos pouco suspeitos de
complacência e, seguramente, escritos por dois grandes estilistas: “quanto a
mim, o que prefiro em todos esses livros — aos quais resisti freqüente e
francamente — é a bela e clara erudição (…). Um belo modelo francês, com
uma ponta de espírito inglês” (Mauss 1939: 564); “um espírito excepcionalmen-
te claro e um estilo delicioso encantam a cada instante o leitor. Poucas obras
técnicas manifestam tanta leveza e prometem tanto agrado. Pode-se sentir
ainda em sua obra (…) toda a integridade, o charme e a generosidade de sua
alma” (Lévi-Strauss 1946: 540). O estilo tem sua importância, como veremos
bem mais adiante.
9. “Execução musical criada na medida em que é tocada, sem partitura
anotada nem preparação detalhada” (Griffiths, Paul: “Improvisation” in:
Arnold, Denis, org., Dictionnaire Encyclopédique de la Musique. Robert
Lafont, Paris, 1988). Para ser mais preciso, existem no jazz pelo menos três
formas de improvisação : “a paráfrase (que modifica, sem apagar, o discurso
de um tema), o traçado de uma melodia nova (que se desenvolve sobre os
acordes, conservados ou enriquecidos, de um texto-pretexto), a criação
libertária (sem referência a qualquer fundo harmônico)” (Malson, Lucien:
“Improvisation” in Carles, Philippe; Clergeat, André; Comoli, Jean-Louis, orgs.,
Dictionnaire du Jazz. Robert Lafont, Paris, 1988). Essas três técnicas serão
empregadas ao longo deste trabalho, cujo tema, é claro, foi fornecido pela obra
e pensamento de Lévy-Bruhl, espécie de standard que permaneceu oculto e
esquecido durante muito tempo. Esta obra e pensamento fornecem um todo
suficientemente rico e coerente para permitir uma “interpretação” de interesse
O Caso Lévy-Bruhl 43
A
É de racionalismo, pois, que se trata aqui, racionalismo do
qual René Descartes seria o patrono maior. A história da
filosofia francesa de Lévy-Bruhl começa justamente com um
capítulo dedicado ao sistema cartesiano, opção explicitamente
justificada: “era natural começar com Descartes, já que é
consenso geral que Descartes abriu um período na história do
pensamento filosófico, e isso não simplesmente para a França,
Clássico e Romântico 53
A
A história escrita por Lévy-Bruhl é a de uma lenta
ascensão até uma filosofia capaz de incorporar — não simples-
mente adicionar, como é o caso do ecletismo — as verdades
progressivamente descobertas ao longo do tempo. Se Descartes
é, “naturalmente”, o marco inicial dessa trajetória, a própria
linguagem empregada para defini-la, bem como para se referir
a seu iniciador, não deixa muita margem de dúvida sobre qual
seria o destino da viagem. Ao falar repetidamente em rupturas
com a religião e a metafísica, em leis de desenvolvimento das
idéias, assinala-se claramente que é o positivismo de Augusto
Comte que aguarda no final do caminho. Este, contudo, não
seria percorrido por saltos nem de modo absolutamente linear
e contínuo, e é entre Descartes e Comte que Lévy-Bruhl busca
relatar todas as peripécias que constituiriam a história da
filosofia moderna na França. Se o primeiro é o emblema dessa
filosofia no século XVII, assim como o segundo o será no XIX,
Condillac será pensado como o representante por excelência
do século XVIII filosófico francês. Entre Descartes e este último
uma série de intermediários serão interpostos. Os primeiros
ainda ligados ao cartesianismo; depois, alguns filósofos da
transição propriamente dita; por último, aqueles que como
Condillac já fazem parte do movimento iluminista.
Clássico e Romântico 61
A
É quase um lugar-comum relacionar o pensamento fran-
cês, o que se manifesta na filosofia certamente mas também o
que deveria constituir as ciências sociais, com o fenômeno
revolucionário. Lévy-Bruhl não é uma exceção e, ao sustentar
desde o início de seu livro que um trabalho de história das
idéias não pode jamais perder de vista a conexão entre o
pensamento e a vida social, é quase natural que no caso
específico da filosofia francesa seja com a Revolução que
tentará estabelecer um laço. “O pensamento filosófico na
França”, escreve, “sustenta-se quase todo, embora indire-
tamente, sobre a Revolução Francesa. No século XVIII ele a está
preparando e anunciando; no XIX está tentando em parte
contê-la e em parte deduzir suas conseqüências” (HP: VII). O
destino algo paradoxal de Descartes serve bem para ilustrar
este ponto. Tendo sempre se recusado a levar sua crítica e seu
método para o domínio da política, acabou sendo, não obstan-
te, homenageado pela Assembléia Constituinte revolucionária,
o que provaria “que o espírito da Revolução estava consciente
de uma de suas principais fontes” (HP: 14). Se seguirmos esse
Clássico e Romântico 67
A
A época desses reformadores sociais teria sido anunciada
desde o final do século XVIII, quando Saint-Simon e Fourier
teriam buscado conjugar o princípio iluminista do progresso
com a necessidade de uma reorganização mental que orientas-
se a reforma social. Ela se prolongaria até o fim do século XIX
quando Renan e Taine se esforçarão em encontrar a racionali-
dade das condutas humanas mais fundamentais e em devolver
à diversidade social o valor que o Iluminismo havia retirado ao
se consagrar inteiramente ao princípio abstrato de unidade do
gênero humano. Mas é apenas com Augusto Comte que a
defesa das necessidades de uma reforma da sociedade e do
próprio homem encontrará seu apogeu. Praticamente todo o
capítulo XIII da História da Filosofia Moderna na França é a ele
dedicado e a análise prosseguirá um ano mais tarde com a
publicação de um livro inteiramente destinado a apresentar “a
filosofia de Augusto Comte”. De Descartes a Condillac e deste
a Comte, o ciclo da filosofia francesa moderna se encerra.
Em 1899, a posição de Lévy-Bruhl é clara: Comte seria o
verdadeiro herdeiro de Descartes, dos iluministas, dos ideólo-
70 Razão e Diferença
síntese de todo o real que nos é dado” (PC: 33). Essa deficiência
do pensamento positivo teria permitido que outro modo de
pensar, o que procede da antiga metafísica e das filosofias do
passado, assumisse a tarefa de dar conta do universal. O
problema é que, ao buscar as causas e essências últimas do
universo, ao se dedicar a descobrir um absoluto indeterminado,
esse tipo de pensamento entrará em choque frontal com a
ciência e o modo de pensar que dela deriva. Choque que
“Comte discerne em si mesmo, como em seus contemporâneos”
(PC: 31) e que seria o responsável por todas as formas de
desordem e anarquia que estariam assolando o mundo ociden-
tal. Ora, como é absolutamente impossível conciliar esses dois
modos de pensar, e como é impossível, devido aos avanços da
ciência, universalizar o pensamento metafísico, Comte se vê
obrigado a concluir que a única solução para o que considera
uma situação intolerável é “restabelecer a unidade tornando o
método positivo universal” (PC: 34). Universalizar este método
significa antes de tudo estendê-lo aos domínios que, por não
terem sido ainda incorporados pela ciência, teriam permaneci-
do abertos para as especulações puramente filosóficas e meta-
físicas: os “fenômenos morais e sociais” (PC: 38). Fundar a
“física social” ou “sociologia” é, portanto, o único modo de
reencontrar “a perfeita coerência lógica” que o espírito humano
exigiria, sem a qual nenhuma ordem política, moral e social
seria possível (idem).
O modo de pensar detectado na atividade científica
corresponde, sabe-se, ao que Comte denomina “estado positi-
vo”; a forma de pensamento atribuída à filosofia antiga ao
“estado teológico-metafísico”. Estados ou estágios, na medida
em que serão imediatamente desdobrados como momentos
distintos da marcha do espírito humano. Isso permite que Lévy-
Bruhl considere a “lei dos três estados” o fundamento de toda
a filosofia positivista. Essa opinião não é nova, já que desde
1884 — em A Idéia de Responsabilidade, livro que, como
veremos, está bem longe de mostrar qualquer simpatia pelo
positivismo — sustentava que “a tese fundamental do positivis-
mo, seu postulado supremo, é a teoria dos três períodos” (IR:
237). Esta posição acompanhará ainda Lévy-Bruhl depois que
deixar de se dedicar à história da filosofia, bastando recordar
o testemunho de G. Monod (1957: 428) acerca da importância
concedida a este ponto no curso por ele acompanhado,
ministrado em uma época em que As Funções Mentais… já
74 Razão e Diferença
A
Esta é, em grandes traços, a história que Lévy-Bruhl conta
da filosofia francesa moderna e, conseqüentemente, de boa
parte de sua própria formação intelectual. Nesse relato, parece
extremamente convencido de estar vivendo uma época de
transição fundamental entre um pensamento dogmático e um
outro em que o direito ao livre exame passaria a prevalecer (HP:
481) 10. É por isso que, por maior que seja sua simpatia para com
o positivismo, a limitação que Comte pretende impor a este
direito, em nome das necessidades de equilíbrio social, sempre
o atemorizou. Talvez seja possível sustentar que por mais
positivista que essa história da filosofia possa ser, Lévy-Bruhl
penda mais para o lado do “progresso” que para o da “ordem”.
Ele parece crer firmemente nessa longa luta entre os dogmas e
a irrestrita liberdade de pensamento, não tendo qualquer
dúvida de que esta última acabaria por triunfar. A História da
Filosofia Moderna na França opõe, é verdade, cartesianos e
iluministas de um lado, tradicionalistas, espiritualistas e ecléti-
cos de outro, fazendo contudo absoluta questão de ressaltar
que os aparentes sucessos dos segundos se devem muito mais
a algumas fraquezas dos primeiros que a possíveis virtudes
intrínsecas que os pensadores reacionários poderiam apresen-
tar. Comte é pensado como o autor da grande síntese entre
essas vertentes, mas acredito ser possível sustentar que Lévy-
Bruhl está bem longe de se dar inteiramente por satisfeito com
os resultados concretos do trabalho positivista. Uma das ques-
84 Razão e Diferença
A
Dois anos após defender sua tese de doutoramento, Lévy-
Bruhl viria a ser convidado por Émile Boutmy (cuja biografia
escreveria mais tarde) para assumir a cadeira de “História das
Idéias Políticas e do Espírito Público na Alemanha e na
Inglaterra” na Escola Livre de Ciências Políticas. Um dos
resultados dos cursos aí ministrados foi a publicação, em 1890,
de A Alemanha desde Leibniz — Ensaio sobre o Desenvolvimen-
to da Consciência Nacional na Alemanha. Forçando um pouco
os termos, poderíamos dizer que a intenção deste livro parece
ter sido analisar o que os sociólogos franceses viriam a
denominar de relação entre morfologia social e representações
90 Razão e Diferença
A
O “coração” e o “pensamento”…. Seria essa ao menos
uma das contradições que teriam feito o próprio Lévy-Bruhl
“sofrer” e “esquecer todo o resto”? É uma hipótese. Aqueles que
conhecem o desenvolvimento de seu pensamento poderiam
certamente ser tentados a acreditar nela. De toda forma,
veremos. Por ora, podemos avaliar melhor o testemunho de
Leenhardt (1949: VII) sobre a atração que Lévy-Bruhl teria
sentido pelas filosofias do sentimento. Na verdade, nada indica,
nem em A Idéia de Responsabilidade nem em A Alemanha desde
Leibniz…, que ele tenha chegado realmente a assumir essa
posição. O máximo que poderíamos afirmar é que desde o
começo de sua trajetória intelectual esteve intrigado com a
questão da relação entre a razão e o sentimento, bem como com
a oposição, que lhe parecia estreitamente articulada com esta,
entre o princípio genérico da unidade da humanidade e a
atenção nas diferenças que a recortam. Para averiguar melhor
o real estatuto dessas oposições nada melhor do que recorrer
ao estudo que Lévy-Bruhl publicou em 1894 sobre o filósofo
Clássico e Romântico 93
A
Toda essa discussão leva a crer que Lévi-Strauss (1946:
537-9) tem razão quando aponta o “individualismo” e o “huma-
nismo” que Lévy-Bruhl teria buscado opor à síntese sociologi-
zante elaborada por Durkheim a partir de Bonald e Comte. De
fato, a impressão deixada pela leitura de suas obras de história
Clássico e Romântico 101
A
São essas as cartas de que Lévy-Bruhl dispõe para fazer
seu próprio jogo. Ainda que a “estória dos três livros chineses”
fosse realmente tão importante quanto ele nos diz, fica difícil
não aceitar que o choque provocado pelo sentimento de
ininteligibilidade desses livros só pôde ser trabalhado e desen-
volvido a partir dos conhecimentos acumulados ao longo de
Clássico e Romântico 105
Notas
1. A frase de Cousin é citada por René Verdenal (1973: 41). Seu ensaio
sobre “o espiritualismo francês descreve com precisão os compromissos
políticos dessa corrente de pensamento, bem como a articulação destes
compromissos com as teses propriamente filosóficas do espiritualismo em
geral e do ecletismo em particular.
2. Cf. Verdenal 1973: 39: “Forma-me homens que saibam a lógica, a
análise e que, fiéis súditos do imperador, não se ocupem de política e de
religião se não para respeitar e manter o que é”, teriam sido as instruções de
Napoleão a Fontanes. O respeito pelos “fatos”, constantemente exigido pelos
filósofos ecléticos e pelos tradicionalistas, funcionaria assim como um “com-
promisso com a ordem estabelecida” (idem: 38).
3. “Assim vivem sem nós nossas idéias; elas mudam tanto que não as
reconhecemos mais” (Gilson 1957: 450, n.1).
4. “Esse racionalista é talvez menos o positivista que se vê freqüente-
mente nele do que um representante do século das Luzes” (Merllié 1989a: 429,
n.34).
5. “É uma peculiaridade da filosofia francesa ter produzido muitos
moralistas e poucos teóricos da moral” (HP: 32).
6. O próprio Descartes não escapará da crítica dos tradicionalistas, que
não serão os únicos a levantá-la. Bem mais tarde, Lachelier, discípulo um
pouco inconstante de Cousin e espiritualista convicto, chegará a afirmar que
“não se pode falar com suficiente severidade do mal que Descartes fez à
filosofia ao substituir a doutrina de Aristóteles pela sua (…). Descartes pode
ser considerado como responsável em grande parte pelo triunfo do materia-
lismo do século XVIII” (citado em Verdenal 1973: 37). Note-se que isso foi
escrito em pleno século XIX para se ter uma idéia do impacto que esse tema
sempre causou no pensamento francês.
7. O positivismo estaria “tão inteiramente misturado ao pensamento
geral de nosso tempo que quase já não se o percebe, como não se presta
atenção ao ar que se respira” (PC: 22). Lévy-Bruhl acrescenta ainda que a
história, o romance, a poesia — além, é claro, da sociologia e da psicologia —
do século XIX trariam a marca desta poderosa influência (pp. 22-3).
8. Ferrater-Mora distingue dois “modos” de relativismo: um “radical”,
que afirma a inexistência da oposição verdadeiro/falso, outro “moderado”, que
sustenta que a oposição é válida desde que circunstâncias, condições e
momentos, objetivos e subjetivos sejam especificados. O relativismo positivista
se enquadra inteiramente no segundo caso.
9. É importante observar que em 1899, Lévy-Bruhl se encarregou de
publicar, com uma Introdução, a correspondência entre Comte e John Stuart
Mill, na qual o primeiro defende contra o filósofo inglês a unidade de sua
própria obra, com a “Religião da Humanidade” aí incluída.
10. Florestan Fernandes (1954: 121-4) tem inteira razão ao assinalar que
a obra de Lévy-Bruhl se situa no contexto do processo de secularização próprio
à sociedade ocidental, manifestando seus efeitos e crises.
Clássico e Romântico 109
11. Lembremos, mais uma vez, o que diz Florestan Fernandes (1954:
121) de Lévy-Bruhl: “os verdadeiros sábios se esforçaram por colocar a
investigação científica a serviço completo da razão. Lévy-Bruhl está entre estes
sábios”.
12. Como afirma Merllié (1989a: 438), o trabalho de Lévy-Bruhl parece
ter sempre se inscrito “em um movimento que pode parecer um aprofunda-
mento ou uma radicalização, mais que uma rejeição do criticismo”.
13. Cf. também, AL: 178; PJ: V; HP: 77-8; PC: 262-3; entre as inúmeras
ocasiões em que fará menção a esse lema.
14. Bernard Bourgeois (1989), que dedicou um pequeno artigo a “Lévy-
Bruhl e Hegel”, parece não ter se dado conta de que é esse excesso de
transigência de Hegel para com a contradição que o torna pouco confiável aos
olhos de Lévy-Bruhl — mais do que as censuras políticas que Bourgeois se
limita a constatar.
15. “E no fundo, por que Lévy-Bruhl se interessou, ele o racionalista,
por Jacobi? Não há aí o primeiro índice de um interesse pelo outro do
racionalismo? (…) Qual a relação entre A Alemanha desde Leibniz e o estudo
dos Papua? Aquele que encontrar a relação terá a chave dessa obra, que
permanece em grande parte enigmática” (Soulez 1989: 482).
16. Como diz Leenhardt (1949: XIX), Lévy-Bruhl pretendia atingir “um
aspecto sociológico do ser”: “Seu pensamento tinha necessidade de apoiar-se
a cada momento sobre um fato concreto ou um dado preciso”.
110 Razão e Diferença
3
O Sábio Como Astrônomo
Ciência e Moral
A
Não devemos estranhar, portanto, que A Moral e a Ciência dos
Costumes seja, para empregar uma expressão do próprio Lévy-Bruhl
a respeito de Jacobi, uma “obra militante”. Obra que pretende
simultaneamente demonstrar a inanidade das antigas “morais teó-
ricas” e lançar as bases de uma nova “ciência positiva dos costumes”,
que deveria servir, no futuro, para estabelecer uma “arte moral
racional”. A avaliação dos sistemas morais existentes é antes de tudo
negativa, sua aparente heterogeneidade e sua suposta oposição
recíproca, podendo ser imediatamente dissolvidas por um olhar
mais atento. Torna-se possível sustentar, conseqüentemente, que as
morais antigas, as que se inspiram direta ou indiretamente no
cristianismo e as modernas — em suas duas vertentes, uma
intelectualista e racionalista, outra baseada em “doutrinas místicas,
sentimentais, voluntaristas” (MM: 52-3) — se reúnem em um mesmo
esforço para subordinar todo estudo teórico às necessidades da
prática mais imediata, o que mostraria logo o estreito parentesco
entre os vários tipos de “morais teóricas”. Mesmo um sistema tão
sofisticado quanto o kantiano é acusado de simplesmente tentar
118 Razão e Diferença
A
Percebe-se a distância que separa A Moral e a Ciência dos
Costumes de A Idéia de Responsabilidade. Embora esta última obra
já se inspirasse numa exigência de absoluta liberdade de reflexão;
embora reconhecesse que a enorme complexidade oculta sob o
caráter aparentemente simples dos princípios morais só poderia ser
revelada através de uma análise cuidadosa que incorporasse a
história e a vida social; embora o princípio de uma investigação
“geológica” já estivesse aí presente; embora toda confusão entre o
mundo relativo dos fenômenos e o universo absoluto dos valores
fosse já evitada, nada disso poderia ocultar o longo caminho
O Sábio como Astrônomo 125
A
136 Razão e Diferença
A
A Moral e a Ciência dos Costumes é uma obra que pode ser
encarada de dois pontos de vista. Como polêmica, denuncia as
resistências ao desenvolvimento de uma ciência objetiva da realida-
de moral de inspiração e métodos sociológicos. Não que essas
resistências não sejam compreensíveis: “adestramento, educação,
conformismo social…”, tudo isso funcionaria como obstáculo para
esse desenvolvimento, especialmente quando se trata de um saber
que pretende se introduzir na vida mais cotidiana dos homens (MM:
195-7). É “normal”, portanto, que se resista a essa investigação que
quer desvelar o que há de mais obscuro e arraigado nas consciên-
cias, fazendo das crenças e sentimentos mais fundamentais seu
objeto de estudo. Investigação que busca, por exemplo, estabelecer
que o código moral que adotamos — e no qual cremos com força
quase religiosa — poderia depender apenas de uma tradição já meio
morta, de “crenças de que perdemos até a lembrança e que
subsistem sob a forma de tradições imperativas e sentimentos
coletivos enérgicos” (MM: 196). Por mais compreensíveis que essas
resistências possam ser, é imperativo vencê-las — e é esse o
verdadeiro sentido das alusões finais ao “saber que liberta” (MM: 292).
Do ponto de vista “arquitetônico”, A Moral… sustenta que “os
sentimentos morais de uma dada sociedade dependem do modo
mais estrito de suas representações, crenças e costumes coletivos”
(MM: 236-7). Isso não significa um determinismo rígido, supondo
uma independência entre representações e sentimentos que não
pode deixar de ser imaginada quando se pretende que as primeiras
determinem os segundos. Ao contrário, “não concebemos nem
representações sem sentimentos, nem sentimentos sem representa-
ções” (MM: 228). Isso não significa tampouco que essa solidariedade
se estabeleça na forma de um bloco homogêneo, cuja evolução seria
perfeitamente sincronizada; ao contrário — e esse ponto é funda-
mental — os sentimentos mudariam de modo muito mais lento que
as representações, o que implica que sentimentos mais antigos,
solidários outrora de outras formas de representação, podem
subsistir e funcionar como obstáculos para o desenvolvimento de
novas concepções acerca do mundo e do homem (MM: 243-9).
Nessa época, a única solução que Lévy-Bruhl crê possível é de
caráter fortemente cientificista: constituir uma psicologia livre de
154 Razão e Diferença
Notas
1. Lévy-Bruhl certamente
compartilhava com outros judeus do pós-assimilação do
otimismo cívico fundador da IIIª República, da crença na
necessidade e no valor de uma moral laicizada; ele tinha em
comum com outros universitários a fé na ciência; com outros
filósofos (e contra outros) a convicção de que um saber
positivo poderia se estabelecer em certas áreas onde outrora
havia reinado uma filosofia especulativa; com outros filóso-
fos e intelectuais o sentimento de que as questões políticas
e sociais exigiam uma resposta filosófica, que a série dos
problemas e das discussões recobertas pelos termos ‘ques-
tões sociais’ e ‘socialismo’, deveria ser introduzida em
filosofia — abertura e renovação temáticas que representam
a penetração dos problemas dos filósofos não ligados a
Cousin e exteriores à Universidade nas velhas problemáticas
da filosofia universitária (Chamboredon 1984: 477).
Na verdade, a descrição diz respeito a Durkheim. É fácil perceber,
contudo, como se aplica também a Lévy-Bruhl — e sem dúvida a muito outros.
Se levarmos em conta as enormes diferenças entre as obras desses autores,
podemos meditar um pouco sobre o famoso peso das “influências”.
2. A observação é de Th. Ruyssen, “um observador do fim do século
XIX”, citada por René Verdenal (1973a: 233).
3. Basta observar as cartas de Durkheim a Lévy-Bruhl, publicadas por
Georges Davy em 1973. O mesmo Davy (1931) já havia dedicado todo um
capítulo de seu livro de história da sociologia para a análise das relações entre
os “pontos de vista de Durkheim e de Lévy-Bruhl. Trata-se aí de um trabalho
de comparação mais cuidadoso que a maioria dos julgamentos um tanto
apressados acima mencionados e que mostra perfeitamente tudo o que
aproxima e tudo o que afasta os dois autores. Como a análise de Davy incide
sobretudo nas questões relativas aos “primitivos”, será enfocada mais detida-
mente nos dois próximos capítulos.
4. Isso não se deve a qualquer tipo de mudança de posição. Em nota
acrescentada à segunda edição, de 1902, Durkheim explica as razões da
supressão: ela se destinava, diz ele, a questionar “a definição abstrata do valor
moral; na primeira edição deste livro nós desenvolvemos longamente as razões
que provam, para nós, a esterilidade deste método (…). Acreditamos hoje
poder ser mais breves. Há discussões que não devem ser indefinidamente
prolongadas” (Durkheim 1893: 257, nota).
5. Durkheim o afirma quase explicitamente: “Kant admite Deus porque
sem essa hipótese a moral seria ininteligível. Nós admitimos como postulado
que a sociedade seja especificamente distinta dos indivíduos, porque de outra
forma a moral seria sem objeto e o dever não teria em que ser aplicado”
(Durkheim 1906: 68).
6. É preciso observar que Weber está ausente de toda a obra de Lévy-
Bruhl (como também da de Durkheim). Esta ausência, como a de Freud (citado
apenas uma vez de passagem, nos Carnets póstumos), é bastante curiosa na
158 Razão e Diferença
medida em que vários dos temas abordados por Lévy-Bruhl têm correspondên-
cia com as questões investigadas por esses dois autores. No caso de Freud,
Tambiah (1990: 93-5) enumerou uma série de associações possíveis entre seus
conceitos e os de Lévy-Bruhl, lembrando, ao mesmo tempo, que os dois
autores se encontraram pelo menos uma vez, em 1935. Merllié (1989a: 431,
nota 34) menciona o mesmo encontro, acreditando que o emprego do termo
“recalque” em A Mitologia Primitiva poderia ser resultado dele — o que é
duvidoso. É sempre difícil explicar essas “ausências”. Talvez a recusa ra-
dicalmente positivista de Lévy-Bruhl em admitir procedimentos compreensi-
vos e introspectivos possa constituir uma parte da explicação. É verdade que
hoje em dia tendemos a minimizar essas querelas metodológicas — e também
nacionais, dada a clara oposição entre franceses e alemães que chegou a
dificultar a penetração da psicanálise na França — mas pode ser que isso se
deva apenas ao fato estarmos buscando novas sínteses para poder prosseguir
em nosso trabalho. É difícil imaginar a força que disputas deste tipo podem ter
tido no momento em que estavam sendo travadas entre pensadores que
pretendiam nada menos que a delimitação de um novo campo de saber, com
o estabelecimento dos métodos de investigação a ele adequados.
7. Como diz com ironia talvez excessiva Pierre Clastres (1974: 24), é
preciso sempre questionar a “pretensão comum às ciências humanas, que
crêem assegurar seu estatuto científico rompendo todas as ligações com o que
elas chamam de filosofia (…). Devemos temer que, sob o nome de filosofia,
seja simplesmente o próprio pensamento que se busca esvaziar (…). Rumina-
ção triste que afasta de todo saber e de toda alegria”.
8. Evans-Pritchard (1965: 114) demonstrou que essa escolha da
diversidade como ponto de partida faz a originalidade de Lévy-Bruhl, estando,
por outro lado, na raiz de uma série de incompreensões de que sua obra teria
sido vítima.
9. É o que René Verdenal (1973a: 229-33) denomina de passagem entre
a “sociologia” e a “sociolatria”. Essa ambigüidade não me parece exclusiva do
positivismo, aparecendo, ainda que de forma talvez menos explícita, em
diversos autores.
4
Malentendido Sobre a Vida Filosófica
Psicologia e Sociologia
A
164 Razão e Diferença
A
Em As Funções Mentais nas Sociedades Inferiores, Lévy-Bruhl
lamenta explicitamente as dificuldades de utilização dos dados
relativos às sociedades primitivas, sublinhando que a maior parte
dos observadores teria prestado atenção apenas “àquilo que lhes
parecia mais notável, mais estranho, àquilo que mais aguçava sua
curiosidade” (FM: 23). Por outro lado, adverte para os preconceitos
que podem derivar do que considera um excessivo apego a
qualquer tipo de “teoria sociológica”, reivindicando mesmo uma
certa vantagem para as observações efetuadas por alguns viajantes
de pouca ou nenhuma formação teórica sobre aquelas voltadas
acima de tudo para a confirmação ou refutação de postulados e
teorias científicas (FM: 23-4). Quase um quarto de século mais tarde,
ele ainda reafirmaria essa posição, ao escrever, em sua carta a Evans-
Pritchard, que “mais de um pesquisador que foi fazer field work
munido de um questionário fornecido por um antropólogo eminen-
te e que o seguiu ao pé da letra não relatou nada de interessante,
ao menos para mim” (LE: 409). Ainda no espírito de As Funções
Mentais…, o “carnet” de 1º de janeiro de 1939 observa que seria
preciso combater “os preconceitos que se tem freqüentemente
quando se trata de comparar as civilizações primitivas à nossa.
Tendência a considerar como absurdo ou grotesco, ou em todo caso
como inferior, aquilo que choca nossos hábitos” (CL: 209). Obser-
vações que hoje em dia podem passar por óbvias ou tímidas, mas
que, formuladas por um homem moral e intelectualmente formado
ainda no século XIX — acerca de quem também costumamos nutrir
nossos preconceitos — não são nada desprezíveis.
Não há nada de estranho, portanto, no fato de que cerca de
metade da Introdução de As Funções Mentais… seja dedicada à
Malentendido sobre a Vida Filosófica 173
A
Vê-se logo que a problemática particular de Lévy-Bruhl é a
mesma da antropologia dita social ou cultural como um todo. Em
termos muito simples e conhecidos, trata-se de articular o postulado
da unidade humana com o fato da diversidade cultural. Tema para
nós tão evidente que costumamos esquecer seu fundo e passado
filosóficos, de tal forma que quando Lévy-Bruhl diz proceder de
“Spinoza e Hume mais que de Bastian e Tylor” (LE: 413), isso não
deve ocultar o fato de que em certo sentido os dois últimos também
“procedem” dos primeiros. Pois sabemos que é justamente com a
filosofia iluminista que as sociedades descritas a partir do século XVI
entrarão nos esquemas explicativos e doutrinas ocidentais. Se
durante quase duzentos anos essa abordagem se manteve em nível
puramente descritivo, o século XVIII logo se encarregou, senão de
explicar essas sociedades, ao menos de tentar pensá-las teoricamen-
te. Hélène Clastres (s/d: 205-8) demonstrou que a impossibilidade
de uma explicação propriamente dita derivava da disjunção opera-
da pelas Luzes entre seu interesse pelos “selvagens” concretos e sua
utilização como modelos de ordem teórica ou moral. De qualquer
forma, os iluministas procuraram dar conta dos traços distintivos
que singularizariam essas sociedades outras em relação à nossa. Se
acrescentarmos que, com uma ou outra exceção, o pensamento
iluminista era claramente monogenista, perceberemos como estão
reunidos aí todos os elementos que um século mais tarde deveriam
constituir a antropologia social ou cultural propriamente dita. A
primeira operação efetuada pelo pensamento iluminista diante do
182 Razão e Diferença
A
A verdade é que, ao menos em As Funções Mentais…, a
posição de Lévy-Bruhl oscila entre dois pólos. Por um lado, tende
a aprofundar de forma radical a diferença entre nosso pensamento
e a mentalidade primitiva: “as representações coletivas dos primiti-
vos diferem, então, profundamente de nossas idéias ou conceitos;
elas não são nem mesmo seu equivalente” (FM: 30). Ou , bem mais
adiante no livro, “nosso modo de apresentar esses fatos, necessari-
amente de acordo com nossos hábitos mentais, e submetido às
190 Razão e Diferença
A
O terço restante desta primeira parte investiga um tema que
deveria ser, se levarmos a sério o título do livro, o objeto fundamen-
tal da pesquisa. Na realidade, este tema ocupa aí um espaço teórico
restrito, que irá inclusive diminuir com o desenvolvimento da obra
de Lévy-Bruhl, permitindo assim uma abordagem um pouco mais
rápida. Trata-se de definir “as operações da mentalidade prelógica”,
ou seja, mostrar como operariam concretamente nas sociedades
inferiores as “funções mentais superiores”. A tese central é que das
quatro “funções” estudadas, a memória apresentaria nesse tipo de
sociedade uma importância e um desenvolvimento muito maiores
que a abstração, a generalização e a classificação. Preponderância
fácil de ser explicada, desde que levemos em conta o caráter
essencialmente sintético das representações coletivas primitivas. O
lugar central ocupado pela memória — que é sempre, acrescenta o
autor, uma “memória concreta” — seria mesmo uma necessidade
real, tendo em vista possibilitar que as inumeráveis sínteses substan-
Malentendido sobre a Vida Filosófica 207
tes que pensava já haver isolado (FM: 261). É também com esse
espírito que é empreendida a descrição das “instituições em que
estão implicadas representações coletivas regidas pela lei de par-
ticipação” (idem). Sob esse rótulo, são alinhadas desde as atividades
mais banais e corriqueiras — caça, pesca, guerra… — até institui-
ções e concepções que, devido a suas óbvias diferenças em relação
às que estamos acostumados, poderiam nos espantar muito: rituais
em geral, práticas e noções relativas à morte e à doença, couvade,
divinação, magia, infanticídio, nominação, iniciação… Qualquer
que seja o caso, atividade banal ou especial, o que se procura
enfatizar não é o que chamaríamos hoje os aspectos “técnicos” da
prática, mas justamente o que podem apresentar de mais “expres-
sivo”. Ou seja, os aspectos que parecem mais desconectadas da
ordem natural objetiva e que, ao menos do ponto de vista dos
primitivos, seriam os mais importantes. Lévy-Bruhl acrescentaria,
contudo, que a própria noção de uma ordem natural assim
concebida — e, conseqüentemente, a distinção entre o “técnico” e
o “expressivo” — dificilmente poderia ser postulada como existindo
de fato para a mentalidade primitiva. Esta, ao contrário, se interes-
saria sobretudo pelas “condições místicas da ordem natural” (FM:
291-5): uma verdadeira “simbiose mística” entre todos os compo-
nentes do universo que se encontrariam em perpétua interação
dinâmica, simbiose “que nosso pensamento lógico não poderia
conceber nitidamente sem desnaturar” (FM: 296).
A
Florestan Fernandes tem efetivamente razão, ao afirmar que
as limitações do tipo de método comparativo empregado por Lévy-
Bruhl apresentam um interesse menor já que são o aspecto menos
original de sua obra. Creio que também está correto ao localizar seu
verdadeiro interesse no modo como são colocadas as “relações
entre compreensão, descrição e interpretação na pesquisa et-
nológica”, posição que denotaria “um talento pioneiro que, se não
foi bem explorado, nem por isso deixa de possuir uma profunda
significação para a moderna etnologia” (Fernandes 1954: 130). Este
ponto fica especialmente nítido no gigantesco esforço efetuado para
estabelecer uma terminologia realmente adequada ao objeto que
pretende exprimir, lugar de confluência de todo o trabalho de Lévy-
Bruhl. Ponto bastante controvertido também, uma vez que o próprio
autor passou o resto da vida tentando precisar e refinar seu
210 Razão e Diferença
A
Pode ser um jogo bem curioso e mesmo bem interessante
criticar a terminologia empregada por Lévy-Bruhl, apontando seus
paradoxos e armadilhas. Não me parece, contudo, que isto seja
muito importante. Na verdade, essas questões e dificuldades, de
aparência meramente terminológica, são de ordem eminentemente
epistemológica, dizendo respeito ao gigantesco problema colocado
pela abordagem da diferença, do “outro” — figuras aqui apenas
representadas pelas sociedades ditas primitivas, ou antes, por um
certo tipo de pensamento mais acessível quando isolado a partir dos
dados extraídos da observação desse tipo de sociedade. Lévy-Bruhl
tem perfeita clareza quanto ao alcance epistemológico de sua
Malentendido sobre a Vida Filosófica 219
A
Esse é, em grandes linhas, o contexto dos debates provocados
pelos trabalhos de Lévy-Bruhl entre aqueles que lhe são mais ou
menos próximos do ponto de vista cronológico. Deixei intencional-
mente de fora a polêmica entre Lévy-Bruhl e a escola sociológica
francesa, abordando-a apenas de passagem em algumas ocasiões.
Cabe agora analisá-la com mais profundidade, na medida em que
é uma relação complexa e importante do ponto de vista da história
das ciências sociais. No volume do Année Sociologique consagrado
aos anos 1909-1912, Durkheim escreveu a segunda das resenhas
que dedicou a um trabalho de Lévy-Bruhl. A primeira, de 1903,
analisava, como vimos, A Moral e a Ciência dos Costumes de uma
perspectiva extremamente positiva, que considerava as teses do
livro perfeitamente ajustadas aos postulados da escola sociológica
francesa. Já a resenha de 1912 — que analisa em conjunto As
Funções Mentais nas Sociedades Inferiores e As Formas Elementares
da Vida Religiosa — é, pelo contrário, bastante crítica. Ainda assim,
Durkheim reconhece que os dois livros recenseados possuiriam
“princípios fundamentais (…) em comum”: caráter histórico e social
das mentalidades; fundamento religioso da mentalidade primitiva;
origem social das noções lógicas (Durkheim 1912a: 679). As
diferenças, entretanto, seriam muito mais importantes, residindo
sobretudo no fato de Lévy-Bruhl ter estabelecido “uma verdadeira
antítese” entre a mentalidade primitiva e o pensamento lógico,
impedindo-se de perceber que, na verdade, o segundo só poderia
derivar da primeira: “as duas formas da mentalidade humana, por
mais diferentes que sejam, longe de derivarem de fontes diferentes,
nasceram uma da outra e são dois momentos de uma mesma
evolução” (idem). Do ponto de vista de Durkheim, portanto, a
diferença entre as duas formas de pensamento não poderia ser da
ordem da oposição, mas do desenvolvimento contínuo, a única
Malentendido sobre a Vida Filosófica 233
453). Expressões que parecem ter sido escritas por Lévy-Bruhl e que
devem ter certamente influenciado seu trabalho sobre a mentalida-
de primitiva.
No espírito de Durkheim e dos sociólogos de estrita obediên-
cia, esse tipo de observação está, contudo, a serviço de uma
modalidade de explicação muito diferente da de Lévy-Bruhl: “são
então necessidades sociais que fizeram se fundir noções que, à
primeira vista, parecem distintas, e a vida social facilitou essa fusão
pela grande efervescência que determina” (Durkheim 1912b: 339).
Ora, com a introdução da “sociedade” em um debate que poderia
parecer psicológico, acredita-se poder explicar quase tudo, por mais
estranho que o fato possa parecer quando observado em si mesmo.
Como afirma o próprio Durkheim, se nos limitarmos a considerar a
letra das fórmulas, essas crenças e essas práticas religiosas
parecem por vezes desconcertantes e pode-se ser tentado
a atribuir a elas uma espécie de aberração fundamental.
Mas, sob o símbolo, é preciso saber atingir a realidade que
ele figura e que fornece a ele sua significação verdadeira
(idem: 3).
Esta posição poderia, portanto, ser considerada “hermenêu-
tica”, no sentido preciso em que o que se privilegia é o significado
oculto do símbolo, tido como ininteligível em si mesmo. Ela só o é,
contudo, parcial e moderadamente, na medida em que se sabe
desde o início onde encontrar este significado, sempre do lado da
sociedade. Com esta operação tudo parece se tornar bem mais fácil
e o pensamento primitivo, por mais obscuro e ilógico que possa
parecer à primeira vista, pode perfeitamente ser encarado como
estando na origem do nosso próprio modo de pensar. Não no
sentido de que se desenvolveria sobre um plano mental autônomo
e que, através de uma suposta dialética interna, chegasse a evoluir
até o pensamento conceitual — processo que seria absolutamente
incompreensível e inaceitável para Durkheim. Ao contrário, é
apenas fazendo com que o pensamento, as “representações”,
dependam da sociedade que crê resolver o problema. Nascido de
“necessidades sociais”, só pode acompanhar o desenvolvimento e
as modificações da própria sociedade, modificações que em última
instância viriam a desembocar em nossa própria forma de organi-
zação social e, conseqüentemente, de pensamento. A “sociedade”
é o denominador comum que permite pensar a passagem entre
distintas formas de pensar e a doutrina da determinação morfológica
pretende claramente resolver um problema de evolução19. As
Malentendido sobre a Vida Filosófica 235
A
As Funções Mentais nas Sociedades Inferiores levantam pra-
ticamente todos os problemas com os quais Lévy-Bruhl irá se
debater pelo resto da vida, problemas que tentará resolver com
insistência bastante incomum. É muito difundida, como vimos, a
versão de que haveria um corte interno a sua obra, com o
progressivo abandono das posições excessivamente dogmáticas do
início da pesquisa em benefício de teses mais moderadas e
relativistas. Isso não é inteiramente falso. Se olharmos, contudo, de
outra perspectiva, tudo parece estar já presente nesse “primeiro”
livro — donde seu caráter ambíguo, seus avanços e recuos, seus
posicionamentos ora afirmados ora negados. Escrito aparentemente
para tentar esclarecer dilemas do próprio autor, parece ter tido, ao
contrário, o efeito de deslocá-los e aprofundá-los. Lévy-Bruhl
desejava saber, em última instância, por que o racionalismo e o
progresso não triunfam tão fácil e tão completamente quanto seria
de se esperar, ao menos para um homem de sua época, formado
numa espécie de culto a esses valores. Ao acreditar ter localizado a
resposta para essa questão no que considera a necessidade humana
de participar do mundo — além de simplesmente compreendê-lo
e transformá-lo — acabou, contudo, levantando para si mesmo
problemas muito mais graves e muito mais difíceis de serem
solucionados. O que viria a ser essa participação encarada em si
mesma? Como a humanidade pôde ter vivido durante tanto tempo
mergulhada no e misturada com o universo? Como algumas
sociedades humanas podem ainda estar vivendo esse tipo de
relação? Como, em nossa própria sociedade e em nosso próprio
pensamento, a participação poderia, ou deveria, ter um lugar? As
respostas oferecidas em 1910 logo parecerão insatisfatórias e este
talvez seja um motivo a mais para dar razão a Durkheim quando não
reconhece seu próprio pensamento em um esquema tão parecido
com o que havia construído. É que ao contrário dele, Lévy-Bruhl
sempre se permitiu a dúvida e a incerteza. Mais do que isso, sempre
permitiu que os fatos e os “primitivos” o conduzissem a questiona-
mentos, problematizações e investigações cujo alcance estava longe
de imaginar quando começou a levar a filosofia a sério.
Malentendido sobre a Vida Filosófica 243
Notas
1. Os termos são de Claude Lévi-Strauss (1946: 543) e serão detalha-
damente discutidos adiante.
2. Vale a pena comparar com a quase-definição de Durkheim: as
representações coletivas seriam “expressamente obrigatórias” e exteriores em
relação às consciências individuais (…) porque não derivam dos indivíduos
considerados isoladamente, mas de sua cooperação, o que é bastante diferente
(…), os sentimentos privados apenas se tornam sociais pela sua combinação”
(Durkheim 1898: 39).
3. “O relativismo cultural seria uma puerilidade se, para reconhecer a
riqueza das civilizações diferentes da nossa, e a impossibilidade de atingir um
critério filosófico ou moral para decidir acerca do valor respectivo das escolhas
que conduziram cada uma delas a reter certas formas de vida e pensamento
renunciando a outras, ele se acreditasse obrigado a tratar com condescendên-
cia, senão com desdém, o saber científico que, quaisquer que sejam os males
que acarretou e aqueles ainda mais graves que se anunciam, não deixa de
constituir um modo de conhecimento do qual não se poderia contestar a
absoluta superioridade” (Lévi-Strauss 1971: 569).
4. Merllié (1989a: 422-3) cita a esse respeito um trecho de uma entrevista
concedida por Lévy-Bruhl a um jornal francês: “no sentimento de superiorida-
de que tantos brancos se atribuem sobre o resto da humanidade, entra
naturalmente a consciência de tudo o que representa o magnífico desenvol-
vimento de nossas ciências e nossa civilização. Mas, entra também uma parte
de presunção, fundada sobre uma incompreensão ingênua e sobre a ignorân-
cia que faz com que se desconheça e despreze o que há de desenvolvido,
delicado e freqüentemente admirável nas línguas, artes e instituições dessas
outras porções da humanidade”.
5. A respeito de todo este ponto, além do já citado artigo de H. Clastres
(s/d), vale a pena ver também Clastres 1978, Stocking 1968: caps. 2 e 3, e Voget
1973: 7-25.
6. Como se sabe, para Kant, a sensação deve obrigatoriamente
atravessar duas mediações para ser articulada de forma coerente: a percepção,
com suas “formas da sensibilidade”, e o entendimento, com suas “categorias”.
7. Note-se que Lévy-Bruhl utiliza o termos “percepção” em um dos
sentidos clássicos da psicologia filosófica, como intermediária entre a “percep-
ção sensível” (ou sensação) e a “percepção nocional ou mental” (cf. Ferrater-
Mora).
8. Como diz Jorion (1989: 515), “Lévy-Bruhl ofereceu à etnologia o
objeto de estudo mais central para seu empreendimento intelectual: a
antropologia dos modos de pensamento”.
9. Trata-se do primeiro artigo de Evans-Pritchard dedicado à análise do
pensamento de Lévy-Bruhl, Lévy-Bruhl’s Theory of Primitive Mentality, publi-
cado no Cairo. Como diz Needham (1972: 161, nota 5), este texto é “dificílimo
de ser obtido” e, de fato, não consegui ter acesso a ele. Não me parece,
contudo, a partir da leitura de alguns trechos citados aqui e ali, que seja muito
diferente de Evans-Pritchard 1965 (111-38) e Evans-Pritchard 1981 (119-31),
textos que, como já foi dito, são praticamente idênticos.
244 Razão e Diferença
A
Entre As Funções Mentais nas Sociedades Inferiores e A
Mentalidade Primitiva — livro que, provavelmente devido a seu
título, consagrou Lévy-Bruhl como o teórico do pensamento primi-
tivo — existe um intervalo de doze anos, devido aparentemente à
eclosão da Iª Guerra Mundial. Apesar disso, o livro de 1922, além
de afirmar explicitamente sua perfeita continuidade com o de 1910,
esclarece que este
deveria já ter se chamado A Mentalidade Primitiva. Mas,
uma vez que as expressões ‘mentalidade’ e mesmo
‘primitivo’ não haviam ainda entrado, como hoje, na
linguagem corrente, renunciei então a este título. Eu o
retomo para esta obra. Dizer que ela é a continuação da
precedente é excessivo. Todas as duas tratam do mesmo
objeto, ainda que de um ponto de vista bem diferente
(MP: I)1.
Na verdade, as diferenças de “ponto de vista” entre os dois
livros se devem ao fato de que enquanto As Funções Mentais… se
dedicam a uma crítica da aplicabilidade do princípio de identidade
para a compreensão e descrição do pensamento primitivo, A
Mentalidade Primitiva deslocará a questão na direção de uma
análise, igualmente crítica, da possibilidade de se tomar a noção de
causalidade, tal como a entendemos, como categoria constitutiva
desse pensamento e pertinente para seu estudo (idem). Disso deriva
sem dúvida o tema central do livro, o ocasionalismo próprio à
mentalidade primitiva. Conhece-se a origem do termo: Malebranche
o propôs como uma das soluções para o dualismo cartesiano,
sustentando que a alma e o corpo só poderiam se relacionar se a
cada movimento de um dos dois, a potência divina interviesse,
comunicando este movimento ao outro termo do par. Nesse sentido,
tudo o que a linguagem vulgar considera causa, não passa de
ocasião para a manifestação do único princípio realmente ativo,
Deus — de tal modo que as “causas secundárias” não teriam
importância diante desta causa primeira (cf. Ferrater-Mora). É claro
que o ocasionalismo primitivo estaria tão distante do de Malebran-
che quanto a noção de participação mística estava da filosofia
252 Razão e Diferença
A
Lévy-Bruhl parece ter-se deixado seduzir por essa hipótese
bem durkheimiana, imaginando que a oposição indivíduo/socieda-
de poderia ser capaz de explicar o que dizia se limitar a descrever.
É quase uma conseqüência dessa posição que, cinco anos após A
Mentalidade Primitiva, tenha dedicado todo um livro ao estudo de
“como os homens que se convencionou chamar primitivos repre-
sentam sua própria individualidade” (AP: Avant-Propos ), tentando
a partir daí esboçar um quadro geral das relações entre o individual
e o coletivo nas sociedades primitivas. Após o questionamento das
categorias de identidade e causalidade, é a noção de individualida-
de que agora se encontra em jogo. A Alma Primitiva pretende muito
mais analisar as “instituições, costumes e representações coletivas”
dos primitivos, a fim de atingir, “com a precisão bastante medíocre
que o tema comporta”, o modo pelo qual a mentalidade primitiva
conceberia o indivíduo humano em si mesmo e em suas relações
com o grupo (AP: 1), que propriamente estabelecer uma teoria
sociológica, no sentido forte do termo, deste tipo de mentalidade.
Apesar disso, esta teoria é, senão realmente elaborada, ao menos
entrevista, sugerida e até questionada ao longo do livro.
Duas hipóteses básicas orientam essa investigação do que
chamaríamos hoje, sem dúvida, “noção de pessoa” nas sociedades
não-ocidentais. Seria preciso inicialmente distinguir de forma radi-
cal o “sentimento interno” que o primitivo inegavelmente teria de
sua própria individualidade da apreensão formal de si mesmo como
“sujeito nitidamente distinto de outrem e com plena consciência de
tal situação” (AP: 2). Mais que isso, seria preciso reconhecer que o
“sentimento da individualidade” teria na verdade uma importância
secundária, na medida em que além de ser característico de todos
os animais superiores, não possuiria, no caso particular das socie-
dades primitivas, qualquer tipo de expressão sociológica
institucionalizada (AP: 2-3). Por outro lado, a inexistência de um
“sujeito” dotado de “consciência de si” e a conseqüente ausência de
expressão sociológica dessa situação, seriam explicáveis — essa é
a segunda hipótese que orienta a pesquisa — pelo fato de que a
256 Razão e Diferença
A
Esses novos caminhos são, como vimos, usualmente localiza-
dos nos três últimos livros de Lévy-Bruhl, bem como, em especial,
nos Carnets póstumos. A versão mais corrente diz que o autor teria
deslocado sua preocupação de um enfoque que privilegiaria
sobretudo as questões de ordem lógica colocadas pelo estudo da
mentalidade primitiva — cujo prelogismo não seria mais que um
atributo permitindo pensá-la ainda sob o signo de processos lógicos,
ainda que negativos — para se dedicar a isolar e descrever de forma
mais clara o caráter fundamentalmente emocional e afetivo
(paralógico, portanto) que impregnaria as representações coletivas
das sociedades primitivas. Na verdade, já observamos que a ênfase
nesse caráter estava presente ao menos desde A Moral e a Ciência
dos Costumes como um dos traços centrais que marcavam a
oposição — a diferença — entre os pensamentos primitivo e
ocidental. O contraste entre uma lógica dos signos, característica do
segundo, e uma mentalidade dominada pela afetividade — ainda
que definida, à maneira de Comte, como uma “lógica das imagens
e sentimentos” — já estava perfeitamente estabelecido desde 1903
(e mesmo antes, com o livro sobre a história da filosofia francesa e
com A Filosofia de Augusto Comte). As Funções Mentais nas
Sociedades Inferiores, A Mentalidade Primitiva e A Alma Primitiva
são livros que não poderiam, portanto, deixar de estar dominados
por essa hipótese de que, no pensamento primitivo, o emocional
predomina de forma quase absoluta sobre o cognitivo.
Não deixa de ser verdadeiro, contudo, que O Sobrenatural e
a Natureza na Mentalidade Primitiva (1931), A Mitologia Primitiva
(1935) e A Experiência Mística e os Símbolos entre os Primitivos
(1938), buscam insistir nesse tema de modo mais acentuado que as
obras precedentes. Por outro lado, prosseguem com a crítica,
iniciada em 1910, da aplicabilidade das categorias ocidentais,
aparentemente mais universais e naturais, para a compreensão e
explicação das representações coletivas típicas da mentalidade
Perigo da Linguagem para a Liberdade de Expressão 261
A
Essas interpretações são de fato as únicas possíveis? Essa
posição é realmente nova no pensamento de Lévy-Bruhl? Lembre-
mos apenas, por ora, que já em As Funções Mentais… (e mesmo no
livro sobre a moral) a unidade humana era explicitamente afirmada.
Quanto a saber com precisão se essa postura já monista é constante,
ou se ela se torna definitiva a partir de 1931, é uma questão que
apenas a seqüência da obra, por mais curta que tenha sido, poderá
esclarecer — em especial os Carnets póstumos, tidos usualmente
como a defesa mais explícita do unitarismo que Lévy-Bruhl teria
pronunciado. Entretanto, antes de abordar esses últimos escritos,
convém percorrer rapidamente A Experiência Mística e os Símbolos
entre os Primitivos.
Publicado apenas um ano antes da morte de seu autor, esse
livro enuncia, a partir de seu título mesmo, o conjunto de questões
270 Razão e Diferença
A
Esses são temas candentes e contemporâneos, apenas formu-
lados em linguagem distinta. Experiência e crença, simbolismo e
representação, são questões que de uma forma ou de outra se
encontram ainda no coração da pesquisa e da teoria antropológicas.
É curioso assim, que com uma ou outra exceção, tudo o que Lévy-
Bruhl tenha dito sobre esses problemas não chegue sequer a ser
mencionado pelos comentadores e críticos contemporâneos — para
não falar dos pesquisadores que trabalham com esses objetos e com
questões a eles aparentadas. Tratar-se-ia simplesmente de enve-
lhecimento efetivo das idéias e teses do autor, simples preconceito
ou, mais seriamente, de uma espécie de defesa, mais ou menos
inconsciente, contra certos desenvolvimentos que poderiam amea-
çar nosso sono dogmático? Um dos objetivos deste trabalho é, senão
responder diretamente a essas dúvidas, ao menos encaminhar um
debate a seu respeito. Para fazê-lo com consistência, é preciso
organizar um pouco o que foi dito até aqui acerca do pensamento
de Lévy-Bruhl de modo deliberadamente não dogmático ou exces-
sivamente sistemático. Para isso, o melhor caminho é dirigir-se aos
Carnets póstumos, que tanta controvérsia causaram. Sobre eles já se
falou: anotações do final da vida, as únicas que sobreviveram à
guerra; reflexões sobre o trabalho já efetuado e planejamento de
uma obra futura que jamais viria a ser escrita; notas estritamente
pessoais que devem ser assim encaradas e analisadas; esforço
derradeiro de levar às últimas conseqüências “essa constante
276 Razão e Diferença
mente o risco de falsear a descrição” (CL: 252). Para evitar esse risco,
na obra que planejava escrever, Lévy-Bruhl pretendia repassar cada
uma das “afirmações e fórmulas” que havia proposto nos trabalhos
anteriores, tratando de atualizá-las de acordo com as novas tendên-
cias das ciências sociais e, especialmente, seguindo o que considera
a evolução de seu próprio pensamento (CL: 163-4). Tratar-se-ia,
creio, de atenuar e matizar tudo o que teria sido proposto de forma
taxativa, como se fosse definitivo, o que tantos mal-entendidos
provocou. O autor parece igualmente decidido a abandonar todas
as noções e conceitos que criariam a ilusão de uma falsa simplici-
dade do objeto estudado, a fim de ser capaz de fornecer um retrato
da “mentalidade primitiva” que efetivamente respeitasse sua com-
plexidade e opacidade intrínsecas.
Nesse sentido, é natural que o conceito mais visado por essa
auto-crítica seja o de “prelogismo”. Isso se deve, contudo, muito
mais às discussões e incompreensões que teria suscitado que a uma
pretensa inconsistência interna da noção. Como tentei demonstrar,
o caráter prelógico da mentalidade primitiva poderia perfeitamente
ser compreendido como o simples fato de que essa forma de
pensamento aceitaria as preligações entre seres e coisas sem
qualquer crítica prévia, fazendo com que o que só pode parecer, do
ponto de vista de nossa própria forma de pensar, inconsistente ou
mesmo contraditório, lhe seja absolutamente indiferente. Os críti-
cos, entretanto, preferiram insistir na suposta anterioridade do
prelógico em relação ao lógico (atribuindo ao autor um evolucio-
nismo que sempre combateu) ou na pretensa existência de uma
lógica outra, que acabaria por tornar os primitivos espantosamente
impenetráveis a nossa capacidade de compreensão5. Quando Lévy-
Bruhl proclama o “abandono definitivo do caráter prelógico” (CL:
60), não é exatamente sobre nenhum desses dois pontos que parece
insistir. Após constatar que a esse respeito, “já coloquei muita água
em meu vinho desde há vinte e cinco anos”, lamenta apenas ter-se
deixado seduzir por uma “necessidade de simetria”, dedicando-se
a tentar encontrar aquilo que na mentalidade primitiva correspon-
deria, ainda que de forma negativa, aos princípios que comandam
nosso próprio pensamento (idem). Tratava-se de uma
espécie de prolongamento da hipótese muito mais radical
da qual eu havia partido quando me perguntava se
sociedades de estrutura diferente não possuiriam tam-
bém, ipso facto, lógicas especificamente diferentes (…).
Renunciei rapidamente a essa hipótese ao mesmo tempo
simplista e um pouco crua (CL: 60-1).
278 Razão e Diferença
Bruhl, ainda que não o tenha explicitado com tanta clareza: “os
primitivos tomam seriamente seus mitos por histórias verdadeiras?”
(CL: 184). É muito difícil — que o termo me seja permitido —
acreditar nisso. No entanto, é evidente que os mitos são levados a
sério. Para “acreditar nisso”, basta interrogar com atenção, procu-
rando esquecer a familiaridade que temos com essas noções, o que
“verdade” e “verdadeiro” realmente significam. O próprio Lévy-
Bruhl já afirmava que, do ponto de vista dos primitivos, a verdade
do mito só poderia ser um a priori, absolutamente imune a qualquer
crítica, embora não à discussão:
Nós nos surpreenderíamos menos com a atitude da
mentalidade primitiva em presença das inverossimilhan-
ças do mundo mítico, se não lhe emprestássemos, sem
nos dar conta disso, nossa própria atitude mental em
presença do mundo realmente dado (CL: 186).
Trata-se de admitir outra maneira de conceber a relação entre
o possível e o impossível, outro modo de imaginar um mundo —
natural ou sobrenatural — muito mais fluido e indefinido que o que
concebemos como único. Mundo onde, conseqüentemente, pode-
riam ocorrer fenômenos e relações que não somos sequer capazes
de prever, sendo que “os fatos contados nos mitos não são mais
incríveis, uma vez que acontecem também na realidade atual” (CL:
185). Se a experiência e a verdade dependem, como Kant demons-
trou, de determinadas condições de possibilidade, basta que se
admita — coisa que certamente o próprio Kant “jamais pensou” em
fazer — que essas condições possam variar (histórica, social,
individualmente…) para que essa experiência e essa verdade
aparentemente tão monolíticas sejam aceitas como o que de fato
são, entidades históricas e sociais, não absolutos transcendentais.
Desse ponto de vista, apesar das aparências, a mentalidade primitiva
é mais relativista que nosso pensamento, já que por admitir
implicitamente dois tipos de experiência (ordinária e mística),
obedecendo diferentes condições de possibilidade, não lhe é tão
difícil admitir igualmente uma certa dualidade da verdade:
os mitos são histórias que aconteceram verdadeiramente,
mas que aconteceram em um tempo, em um espaço, em
um mundo, que não se confundem como o tempo, o
espaço, o mundo de hoje, e que por serem distintos dele,
senão separados, não são menos ‘reais’ (CL: 81).
294 Razão e Diferença
A
Em quase tudo o que Lévy-Bruhl afirma a respeito da
mentalidade primitiva, percebe-se uma série de ecos dos filósofos
que anteriormente havia estudado: às vezes é Jacobi que parece
falar, às vezes Hume, Comte, Pascal…. Cada um deles pode estar
presente seja nas posições atribuídas aos primitivos, seja nas do
próprio analista, de forma que tudo isso acaba por produzir uma
síntese original. Assim, uma das melhores maneiras, ou talvez a
menos imprecisa, para exprimir o que realmente ocorreria com as
representações primitivas, é encará-las como se estivéssemos às
voltas com uma espécie de “duplo realismo”, quase no sentido que
Jacobi atribuía ao termo:
Parece-me que somos obrigados a admitir que existem,
no espírito do primitivo, duas representações da realidade
ambiente que não coincidem, que não são mesmo
nitidamente diferentes, se bem que ele não tenha consci-
ência disso. A primeira está estreitamente ligada à ação e
se impõe por assim dizer devido às necessidades imperi-
osas da vida (CL: 20-1).
A esse tipo de representação “bio-psicológica — que o
homem compartilharia com os animais superiores, o que significa
que, para o etnólogo, é a menos importante — é necessário
acrescentar outra, uma ‘representação” propriamente mística da
realidade (CL: 21-2). Essa posição só é válida, contudo, se tivermos
sempre em mente que esse realismo é “duplo” apenas quando
considerado do ponto de vista da “dualidade-unidade” que carac-
terizaria a mentalidade primitiva. Esta mentalidade, como vimos,
considera que tudo possui uma existência invisível tanto quanto
uma visível; a distinção que mesmo os crentes e fiéis ocidentais mais
devotos estabelecem entre a natureza e o sobrenatural, é sentida aí
de modo muito especial como “dualidade-unidade” justamente (CL:
216). Como o bororo e a arara, a experiência ordinária e a experiência
mística podem ser ditas tanto diferentes quanto iguais; a única coisa certa
é que ambas são sentidas como igualmente reais (CL: 80-2).
Perigo da Linguagem para a Liberdade de Expressão 295
A
O abandono de toda forma de evolucionismo torna-se
definitivo com a crítica do sociologismo, uma vez que as noções de
evolução material ou psicológica já haviam sido deixadas de lado.
Este abandono, contudo, aliado à recusa preliminar das hipótese
unitaristas, coloca um grave perigo, o de simplesmente passar a
opor os dois tipos de mentalidade isolados, sem conseguir dar conta
das razões mais profundas dessa diferença. A concepção da
pluralidade de modos de pensamento, por si só, não resolve o
problema na medida em que essa pluralização poderia conduzir a
um simples inventário onde os contrastes seriam apenas prolifera-
308 Razão e Diferença
esbarra, por mais acurada que seja, em uma séria dificuldade: deixar
de lado, implicitamente, o fato de que esses contextos se inter-
penetram, desfazendo assim a totalidade do fato social ou, ao
menos, supondo que essa totalidade não teria incidência sobre a
experiência vivida dos indivíduos e dos grupos.
Toda a questão da transição — da diferença e da mutação, eu
diria — deve ser colocada em outros termos. Deixando de tomar
nosso próprio modo de pensamento como natural, ou como
superior, deveríamos ser capazes de encarar o dos “primitivos”, não
sem espanto, o que é impossível, mas sem permitir que essa
inevitável distância nos leve a negar os fatos e a diminuir seu alcance
e estranheza. Para isso, é preciso que estranhemos a nós mesmos;
é preciso reconhecer
que primitivamente o homem sentiu e em seguida repre-
sentou seres que, no mesmo momento, eram simultane-
amente humanos e animais, vegetais ou rochedos, etc…
(…). Perguntar-se-á: como a realidade invisível, como a
experiência mística, sem desaparecer, tomaram formas
muito diferentes das primitivas? Como o espírito perdeu
o hábito de ver e de sentir em toda parte participações
entre os seres dados na experiência positiva e esses
mesmos seres dados na experiência mística, seja atual,
seja sempre possível? (CL: 126).
Nessa direção, talvez fosse possível mostrar “por que a
mentalidade primitiva acha absolutamente natural o que nos parece
tão estranho” (idem). Verdadeira inversão do problema da “transi-
ção”: não se trata mais de reconstituir uma pretensa passagem do
absurdo para o normal; trata-se apenas de indagar como uma
normalização do pensamento pôde vir a substituir outra. Quando se
fala de participações,
é irrelevante perguntar como se estabelecem e se fundam.
É preciso buscar ao contrário como elas, pouco a pouco,
se apagaram e desfizeram. Não se colocar, pois, sobre o
plano lógico ou da teoria do conhecimento. Trata-se de
evolução, história, psicologia sociológica (CL: 127).
Colocado ao lado da afirmação da unidade profunda do
espírito humano, concebida de forma muito particular, o processo
de transição entre as mentalidades será objeto de nova compreen-
são. Não que Lévy-Bruhl chegue a duvidar da realidade da evolução
social e mental — “não há dúvida de que as sociedades humanas
evoluem (…). É tarefa da história estabelecer os fatos na medida em
312 Razão e Diferença
A
É exatamente aí, contudo, que reside a grande dificuldade:
será realmente possível, quando tratamos dos primitivos, “colocarmo-
Perigo da Linguagem para a Liberdade de Expressão 317
Notas
1. O fato de o livro sobre As Funções Mentais… não ter sido intitulado
A Mentalidade Primitiva provavelmente deve algo às objeções de Durkheim.
Em 1922, com este último já morto e com a diferença entre suas posições e as
de Lévy-Bruhl bem estabelecidas, este deve ter se sentido mais à vontade para
empregar o título que planejara adotar doze anos antes.
2. A menção às exclusões místicas ao lado das participações visa,
evidentemente, enfrentar a objeção de Durkheim, diversas vezes retomada por
Mauss, que sustenta que Lévy-Bruhl teria desprezado equivocadamente esta
propriedade do pensamento primitivo que consistiria em separar de maneira
tão radical quanto reúne. Não é difícil perceber que a crítica, bem como a
resposta a ela, alteram pouco a argumentação de Lévy-Bruhl (ver também
MP: 516).
3. Lévy-Bruhl pode assim concluir seu livro, citando La Fontaine
(MyP: 319):
et moi-même
Si Peau-d’Âne m’était conté,
J’y prendrais un plaisir extrême.
4. A expressão é de Kant. Lévy-Bruhl faz questão de frisar, como
sempre, que a estaria utilizando em um “sentido no qual ele certamente jamais
pensou” (ES: 97).
5. Mesmo um autor contemporâneo, especificamente interessado em
questões de lógica (Engel 1989: 557-58), pode dar razão a Lévy-Bruhl por ter
procurado se afastar do plano puramente lógico, ao tentar dar conta do que
Engel chama, como Sperber, “crenças aparentemente irracionais”. Por outro
lado, Cooper (1975: 247-8), em um trabalho também dedicado à “lógica
primitiva”, prefere insistir na crítica tradicional, afirmando que Lévy-Bruhl teria
se enganado ao considerar a mentalidade primitiva como contraditória, que
novas modalidades de lógica seriam capazes de dar conta desse tipo de
pensamento. O curioso é que ao final do artigo, Cooper se vê obrigado a
admitir que “muitos lógicos sustentam que L3 (e talvez qualquer lógica
alternativa) não é um sistema inteligível e coerente. Teríamos então tirado os
primitivos da frigideira para o fogo” (Cooper 1975: 254). É claro que o autor
não concorda com essa posição; ela indica de qualquer forma que superestimar
os poderes da lógica enquanto disciplina nunca foi um dos defeitos de Lévy-
Bruhl.
6. Lévy-Bruhl acrescenta, com plena consciência, saber que “no
passado a exploração do que é afetivo jamais conduziu muito longe; ela
sempre se deteve logo devido a uma obscuridade sobre a qual a luz do
entendimento não pode grande coisa. Entretanto, isso não é uma razão
decisiva para não tentar essa via: o pior que pode acontecer é que eu descubra
que ela é tão pouco fecunda quanto as precedentes” (CL: 220).
7. “A unidade lógica do sujeito pensante, que é tida por certa pela maior
parte dos filósofos, é um desideratum, não um fato” (FM: 454).
6
As Duas Direções
A
Há mais de trinta anos, Poirier (1957: 518-25) já procurava
isolar os três tipos fundamentais de crítica que a antropologia
dirigiria a Lévy-Bruhl, tratando, ao mesmo tempo, de defendê-lo
delas. De seu ponto de vista, haveria: uma crítica de ordem
terminológica, que insistiria na inadequação de noções como
“prelógico” ou “lei de participação”; uma crítica metodológica,
apontando a ausência da pesquisa de campo (do ponto de vista das
técnicas de investigação) e o comparatismo descontrolado acompa-
nhado da falta de uma verdadeira explicação sociológica (do ponto
de vista do método propriamente dito); enfim, uma crítica teórica,
não isenta contudo de elementos éticos, que denunciaria o exces-
sivo dualismo do autor, cuja inevitável conseqüência teria sido o
privilégio do pensamento ocidental em detrimento da mentalidade
primitiva e mesmo uma certa legitimação do empreendimento
colonialista. De todas essas restrições, o próprio Poirier considera
que apenas a falta do trabalho de campo e de explicação sociológica
seriam críticas parcialmente justificadas.
Bem mais recentemente, Merllié (1989a: 420-22) buscou
também determinar as razões dessa recusa quase global por parte
dos antropólogos profissionais, acreditando tê-las localizado nas
“problemáticas que (…) devem alguma coisa a um pensamento que
elas talvez só tenham ultrapassado na medida em que prolongaram
o movimento que o animava” (Merllié 1989a: 419, nota 3)2. Além
disso, dever-se-ia levar em conta a própria “clareza” da escrita de
Lévy-Bruhl (em geral confundida com uma inexistente superficiali-
dade ou facilidade), que teria feito, de modo paradoxal, com que
leitores mais apressados se contentassem com as interpretações em
geral equivocadas de alguns apresentadores e críticos: “todo mundo
tendo ‘lido’ Lévy-Bruhl, ninguém tinha necessidade de lê-lo, e a
vulgata deformada mantinha-se a si mesma” (idem: 427). Enfim, o
pensamento dominante na antropologia francesa do pós-guerra, o
de Claude Lévi-Strauss, teria operado uma série de eliminações para
ser bem sucedido, entre elas o “esquecimento” das principais
questões levantadas por Lévy-Bruhl (idem: 429-31). Merllié talvez
328 Razão e Diferença
A
336 Razão e Diferença
A
Paul Jorion demonstrou que a antropologia britânica sempre
tendeu a desenvolver em outro sentido a questão que no caso
americano veio a assumir a forma do debate em torno do relativismo
cultural. Trata-se do que os ingleses costumam denominar o
problema da “tradução de uma cultura”. Nesse contexto, o autor
aponta o “interesse praticamente constante dos antropólogos britâ-
nicos pelas questões colocadas por Lévy-Bruhl sobre o pensamento
primitivo”, concluindo, ao mesmo tempo, que “a resposta clássica
344 Razão e Diferença
A
No caso da antropologia britânica e do debate em torno da
racionalidade, dispomos de um importante trabalho. Escrito parci-
almente sob a influência de Lévy-Bruhl, Crença, Linguagem e
Experiência de Rodney Needham dedica um espaço considerável à
análise de suas posições. O próprio título do livro deriva da
discussão que já acompanhamos acerca das relações entre crença
e experiência na mentalidade primitiva (EM: 125-30, em especial).
É verdade, contudo, que o caminho seguido é aparentemente
distinto do que atraiu a maior parte dos antropólogos ingleses que
chegaram a dedicar alguma atenção a Lévy-Bruhl. O que está em
jogo não é tanto a noção de racionalidade, mas uma discussão,
348 Razão e Diferença
devia? (…). Sim! Será que trabalhei o bastante?” (Leroy 1957: 431) —
eu responderia de modo afirmativo. Sua obra, de fato, nos dá
“acesso a uma outra figura da verdade”, servindo para nos despertar
de um sono um pouco dogmático que nos faz crer tranqüilamente
demais na constância e na estabilidade últimas da natureza humana
e/ou da ordem social. Esses sistemas de verdade que Lévy-Bruhl
batizou de “mentalidade primitiva” ou, o que é melhor, de “expe-
riência mística”, são acessíveis a nós, embora este acesso só seja
possível na medida em que, também em nós, esses programas de
verdade continuam existindo de forma subordinada e excluída. Os
“primitivos” permitem que tenhamos acesso a nós mesmos e é esse
seu grande valor, não o fato de serem objetos privilegiados para
nossa vontade de conhecimento. Quanto a saber se além de
descortinar essa outra figura da verdade, Lévy-Bruhl estava “certo”
a seu respeito, essa é outra questão: dizer a verdade, obrigação de
todo pensador sério, não significa encontrar a verdade, tarefa
sempre duvidosa para aquele que não adota qualquer metafísica
(Veyne 1986: 935).
Nesse sentido, pode-se dizer que o próprio Veyne tem e, ao
mesmo tempo, não tem razão em sua rápida crítica das noções de
mentalidade primitiva e lei de participação (Veyne 1974: 79-80). Sem
dúvida, é verdadeiro que Lévy-Bruhl não distinguiu com suficiente
clareza — embora faça a distinção — entre “forma de pensamento”
e “maneira de raciocinar”; talvez também tenha confundido a
“evolução da mentalidade individual” com a “mudança nos coleti-
vos”. De qualquer forma, creio que tenha sido um dos primeiros a
demonstrar que “as mentalidades não são mentais” (Veyne 1978:
144), que os valores só podem ser encontrados no que efetivamente
se faz (idem), que as constantes, os invariantes, os universais, são
apenas o que “permite reconhecer a diversidade dos fenômenos”
(Veyne 1976: 13) e que as invariâncias devem ser sempre alojadas
do lado do ponto de vista, não do objeto (idem: 16). Assim, mesmo
as noções diretamente criticadas por Veyne, poderiam ser interpre-
tadas de acordo com seus próprios termos, assumindo o caráter de
verdadeiros “operadores de individualização” (idem: 24), não o de
conceitos mais ou menos inadequados em relação à realidade
efetiva. Também para Lévy-Bruhl, trata-se de “individualizar” certas
características da prática e do pensamento humanos, geralmente
tidas por universais e imutáveis; trata-se, para ele também, de utilizar
as possíveis constantes no sentido de abolir todas as nossas
racionalizações (Veyne 1978: 232-5). Nesse sentido, como adiantei,
o trabalho de Lévy-Bruhl pode contribuir de forma decisiva para o
As Duas Direções 355
A
A antropologia na França sempre esteve profundamente
marcada por uma tradição filosófica que a influenciou seja através
de questões colocadas por diferentes pensadores, seja no plano da
própria formação dos pesquisadores. Este fato revela, contudo, um
dado bastante curioso. Do mesmo modo que é nos Estados Unidos
que se observam as reações mais virulentas contra o relativismo
cultural tão típico da antropologia norte-americana; e do mesmo
modo que é sobretudo na Inglaterra que parece ter-se desenvolvido
uma crítica muito radical dos temas tipicamente britânicos da
“racionalidade” e da “tradução”, é no campo intelectual francês que
podemos detectar algumas das mais violentas reações contra a
tendência excessivamente filosófica de seus mestres. Essas reações
podem se dirigir tanto no sentido de uma espécie de empirismo “de
campo”, quanto no da tendência a se apoiar sobre certos desenvol-
vimentos das ciências exatas e naturais em vez de empregar as
tradicionais referências filosóficas. Os insistentes diálogos com a
biologia, a psicologia cognitiva, os esforços de formalização, são
apenas alguns exemplos de como essa tendência cientificizante
parece funcionar no interior da antropologia francesa. Além disso,
a obra de Lévy-Bruhl — cuja formação filosófica dificilmente deixa
de ser lembrada — parece ter servido, especialmente na França,
como exemplo dos absurdos a que um etnocentrismo desenfreado
poderia conduzir. Vernant (1981: 220), como vimos, resume essa
posição, ao sustentar que com ela, “o pensamento selvagem é
finalmente relegado (…) a uma espécie de gueto, encerrado no
estado do ‘prelógico’, como é internado em seu asilo o esquizofrê-
nico cujo delírio em muitos aspectos é parente da mentalidade
primitiva”. Afirmativa que seria, sem dúvida, subscrita por um
grande número de antropólogos, que tampouco deixariam de
aceitar a tese de Vernant segundo a qual o pensamento de Lévy-
As Duas Direções 357
A
O trabalho de Sperber pode muito bem ser uma tentativa de
ultrapassar o estruturalismo francês clássico, apoiando-se sobre
algumas conquistas de Lévi-Strauss e, ao mesmo tempo, tratando de
explorá-las num sentido e com uma profundidade que este jamais
teria ousado. Isso não elimina o fato de coincidir em inúmeros
pontos com a corrente estruturalista que se originou no, e pretende
permanecer fiel ao, pensamento de Lévi-Strauss. Escrevendo em
1964, Lucien Sebag, por exemplo, já condenava a “teoria” da
mentalidade primitiva em nome de um racionalismo de tipo
estrutural. O erro capital de Lévy-Bruhl teria sido não perceber que
o “simbólico” é constitutivo de todo pensamento humano, inclusive
do pensamento selvagem, tendo por isso insistido sobre falsas
contradições e sobre paradoxos apenas aparentes (Sebag 1964:
112). Em segundo lugar, Lévy-Bruhl teria se enganado ao privilegiar
o “afeto”, não se dando conta de que este só poderia ser um efeito
do “racional”, entendido no sentido lévistraussiano de um incons-
ciente estrutural e simbólico (idem: 113). Posições que, em termos
apenas um pouco diferentes, são também as de autores como Pierre
Smith (1974: 240-2; 1980: 64-7), Pouillon (1981: 87-95) ou Vernant
(1980: 21-5; 1981: 220). Em todos esses casos, o que ressalta são os
pontos isolados por Izard e Smith (1979: 9-15) no rápido e preciso
diagnóstico que fizeram do estruturalismo antropológico em sua
vertente francesa. Lévi-Strauss, dizem eles, teria na verdade aprovei-
tado a orientação eminentemente intelectualista dos antropólogos
vitorianos clássicos, com a diferença, é claro, que seu intelectualis-
mo é sobretudo o da atividade inconsciente do espírito, não o dos
juízos, como no caso do evolucionismo, ou das grandes construções
cosmológicas nativas, como com Griaule. Isso não quer dizer que
tenha adotado o reducionismo sociologizante típico das escolas
funcionalistas, de modo que “intelectualismo”, “simbolismo” e “anti-
reducionismo” seriam os alicerces do edifício estruturalista — todos,
é claro, devidamente apoiados sobre o solo do inconsciente
estrutural, único operador capaz de manter reunidos esses três
princípios de base. Para Izard e Smith, essa seria a originalidade da
362 Razão e Diferença
Lévi-Strauss, por seu lado, está muito longe de ser o reducionista que
alguns ainda enxergam nele. A famosa proposição que prega a
“redução da diversidade à unidade” é apenas uma formulação
didática que não pode ser levada muito a sério, devendo ser
entendida de modo mais complexo, já que a grande questão do
estruturalismo não parece ser a da unidade, mas a da invariância.
Isso significa que Lévi-Strauss nunca pretendeu reduzir o outro ao
mesmo: trata-se de captar e desvendar uma certa lógica da diferença,
que só poderia ser compreendida como conjunto de relações
invariantes presidindo a organização de elementos sempre distintos
em conjuntos igualmente variáveis. Como mostrou Benoist (in Lévi-
Strauss 1977: 324-5), o estruturalismo é crítico tanto em relação a
uma lógica que seria puramente especulativa (“lógica do mesmo”)
quanto a uma lógica dialética, que só é capaz de incorporar a
diferença convertendo-a em simples contradição. Benoist acrescen-
ta, contudo, que a lógica estrutural seria ainda, apesar de tudo, uma
tentativa de “captura das diferenças por um logos” (idem: 322), não
permitindo desse modo que se pense “a diferença como tal e não
sempre já recuperada numa lógica da diferença” (idem: 325). O
problema principal não é, portanto, que Lévi-Strauss desconheça a
diferença; é que em seu pensamento ela só pode surgir já articulada
por um aparato de ordem lógica que seria, este sim, universal. Não
deixa de ser significativo, nesse sentido, que o próprio Lévi-Strauss
responda a essas críticas considerando a posição defendida por
Benoist uma espécie de “ultra ‘lévy-bruhlismo’” (idem: 330).
É aí, creio, que o confronto deva ser localizado. A idéia
lévistraussiana de uma “lógica da diferença” implica uma posição
“ultra-racionalista” que, como se sabe, sustenta que as emoções e o
afeto só podem ser pensados como derivando da atividade propri-
amente intelectual do espírito humano. Ocorre, porém, que mesmo
em relação a esse ponto, a postura de Lévi-Strauss é ambígua: ora
sugere — como no “Finale” de O Homem Nu — que a afetividade
surgiria sempre como conseqüência do bom ou mau funcionamento
do dispositivo intelectual, ora — como em O Totemismo Hoje — que
as emoções deveriam ser epistemologicamente deixadas fora da
investigação científica, uma vez que as operações intelectuais da
ciência só poderiam ter acesso a processos que possuíssem a mesma
natureza que elas. De qualquer forma, como efeito ou resíduo, o
lado afetivo da existência humana escaparia necessariamente da
investigação direta ou de toda forma de investigação. Como diz
Bastide (1964), “o pensamento obscuro e confuso” não parece
encontrar um lugar na obra voluntariamente “clara e distinta” de
As Duas Direções 365
A
É inútil, assim, invocar, como faz Merllié (1989a: 429-31),
possíveis semelhanças profundas entre Lévi-Strauss e Lévy-Bruhl.
Mesmo a aproximação entre a concepção final que o segundo faria
As Duas Direções 367
paradoxal atualidade ou, como diz Marc Augé (1986: 78), “reencon-
trar uma nova juventude”. Seu “esquecimento” durante meio século
pode ser, é claro, o efeito de teses errôneas e posições equivocadas.
Pode ser também, no entanto, o sub-produto de um certo modelo
de desenvolvimento da reflexão antropológica, que tendeu a
privilegiar o “claro e distinto”, seja no nível da organização social,
seja no do pensamento, seja no da própria prática de pesquisa. As
reflexões oriundas da hermenêutica, da crítica política e das novas
tendências em etnologia podem ser um sinal de que esse modelo
esgotou suas incontestáveis virtudes e de que outros caminhos
poderiam ser buscados. Os “universais”, lógicos ou sociológicos,
talvez não sejam o único objeto legítimo da antropologia. Sua
investigação direta ou indireta — o simples pressuposto de que
constituiriam a única condição de possibilidade dessa disciplina —
pode ceder espaço para a diferença pensada em si mesma, espaço
sempre disponível no interior de um saber afinal de contas
comprometido com a questão da diversidade. Uma das virtudes de
Lévy-Bruhl é ter ao menos apontado o fato de que o reconhecimento
da existência de certas propriedades universais da cultura ou do
espírito humano não deve constituir obstáculo para a consideração
da diferença, que esta não precisa necessariamente ser pensada na
forma de uma “lógica” que, em virtude de seu próprio caráter de
lógica, remeteria de novo para o plano da universalidade e da
identidade. O princípio das diferentes orientações do espírito
humano escapa dos impasses da dicotomia unidade/diversidade;
assim como o “termo-refúgio” afetividade contorna as dificuldades
da oposição racional/irracional; assim como o emprego, a crítica e
a modificação constantes de nossas próprias categorias evita o par
relativismo/anti-relativismo. Acima de tudo, a obra de Lévy-Bruhl
abre espaço para um verdadeiro diálogo com as outras culturas e os
outros modos de pensamento, diálogo que, escapando da tentação
de ser um discurso sobre os outros, de explicar ou mesmo
compreender esses outros, pode permitir o acesso a formas de
pensar e se organizar muito diferentes das nossas. Nesse sentido,
essas formas e sua investigação podem ser úteis: não, certamente,
como modelos, mas como elementos de uma reflexão crítica a
respeito das que marcam nossa própria cultura.
370 Razão e Diferença
Notas
1. Merllié (1989a: 446) chega a mencionar um pequeno prefácio que
Lévy-Bruhl escreveu para um livro publicado em 1934 a respeito da ascensão
do nazismo na Alemanha.
2. Essa é uma das duas questões da circular que pedia contribuições
para o número especial da Revue Philosophique que homenageia Lévy-Bruhl.
A outra indagava a respeito da existência “hoje, de um recuo permitindo situar
[a Lévy-Bruhl] numa história ainda viva” (Merllié 1989a: 419, nota 3). De acordo
com Merllié, “a resposta mais freqüente à circular (…) foi o silêncio” (idem).
3. Embora este não deixe de ser um “argumento polêmico”, para usar
uma expressão de Lévy-Bruhl: para demonstrar a falsidade de uma doutrina,
“objeta que se ela fosse verdadeira, suas conseqüências seriam deploráveis, e
que é melhor então que não o seja. Mas essa preferência sentimental não
modifica em nada a realidade das coisas” (MM: XVIII).
4. Em um texto muito mais inspirado que Nós e os Outros, Todorov
mostrou, ao analisar a “conquista da América”, como a vitória européia nesse
empreendimento deveu-se em grande parte a uma capacidade historicamente
determinada de “compreender os outros”, compreensão que permitiu aos
europeus manipularem com habilidade as contradições internas às sociedades
pré-colombianas para poder destruí-las (Todorov 1982: 251-3). A antropologia
certamente não é “filha” do colonialismo; talvez ela seja, contudo, sua “irmã”,
na medida em que ambos derivam de um mesmo contexto histórico, de modo
que suas relações recíprocas estão longe de se reduzir tanto a puro antagonis-
mo quanto a simples identidade de propósitos.
5. O próprio Needham já havia efetuado uma investigação e uma crítica
semelhantes no quarto capítulo de Crença, Linguagem e Experiência.
6. “Por certo, no passado, muitos etnólogos mostraram uma tendência
a tomar as metáforas por crenças, mas, considerar ao contrário todas as crenças
como metáforas é ganhar tempo” (Sperber 1974a: 96).
7
O Final e a Finalidade
A
Ao longo de todo este trabalho, observamos como a oposição
razão/emoção parece ter funcionado como impulso criador e
transformador na obra de Lévy-Bruhl. Ela serviu igualmente como
ponto de apoio para a maior parte das críticas que lhe foram
dirigidas. Seria possível, agora, arriscar uma reinterpretação de seu
pensamento? Ou antes — já que é esse o objetivo perseguido —
seria possível isolar e desenvolver uma virtualidade, uma potência,
nele contidas? A maior parte das soluções que pretenderam “supe-
rar” essa dicotomia dificilmente são capazes de esconder o fato de
que longe de uma superação do dualismo, atingem apenas um
monismo descarnado ou, no máximo, uma simples mediação, com
a inclusão de um plano intermediário entre os dois pólos iniciais.
Também em relação a essa questão, Deleuze procurou demonstrar
a viabilidade de um outro modelo. É óbvio, afirma, que em filosofia
existem conceitos e perceptos; ocorre, contudo, que estes últimos
não se opõem aos primeiros: “não são percepções, são feixes de
sensações e relações que sobrevivem àquele que os experimenta”
(Deleuze 1990: 187). Além disso, ao lado desses conceitos e
perceptos, existiria uma “terceira dimensão”, a dos “afetos”, que
“não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que
passa por eles (ele devém outro)” (idem). Deleuze pretende,
portanto, afastar essas noções de seu significado mais habitual, já
desgastado. Os “conceitos” não se referem simplesmente à pura
capacidade de abstração, destacada do mundo real; trata-se, antes,
de um esforço de conceptualização, que transforma simultanea-
mente o objeto e o sujeito do processo. Do mesmo modo, os
“perceptos” não estão relacionados à simples absorção de uma
realidade supostamente exterior; constituem uma forma de acesso
quase intuitivo e imediato, que modifica tanto aquele que percebe
quanto o que é percebido. Enfim, os “afetos” não dizem respeito a
uma pretensa “afetividade”, exterior e oposta à “razão”; trata-se de
“afecções”, de forças que nos “afetam”, conduzindo nossa per-
cepção e nosso pensamento nas mais variadas direções. Assim
reunidas, essas três dimensões constituiriam “os três gêneros de
conhecimento”, absolutamente inseparáveis e que não poderíamos
opor entre si. As três dimensões dependem, portanto, da ordem do
conhecimento, que, contudo, não pode mais ser definida de forma
restritiva, como sendo de ordem puramente intelectual, dependen-
378 Razão e Diferença
Notas
1. A discussão das noções de “código”, “codificação”, “axiomática” e
“decodificação” se encontra em Deleuze e Guattari 1972: 311-34, e não pode
ser resumida sob pena de simplificação. Grosso modo, a “codificação” implica
um rígido controle dos “fluxos” que atravessam o corpo social. Em um
vocabulário estruturalista, dir-se-ia que os “acontecimentos” são continuamente
postos em estrutura, até o momento em que esse ajuste se torna impossível e
a própria estrutura acaba sendo rompida. Essa “decodificação” sobrevém em
geral, embora não necessariamente, quando do contato com o mundo
ocidental. Este, por outro lado, ainda que não desconheça os códigos,
funcionaria apoiado em um sistema mais fluido, que permite a contínua
incorporação de fluxos que, mesmo quando aparentemente estranhos e
ameaçadores, são convertidos em outras tantos elementos de sua “axiomática”
global. Para Deleuze e Guattari, a sociedade ocidental, o “capitalismo”,
funcionaria sobretudo a partir de um modelo de destruição e incorporação,
mais que de tradução e codificação.
382 Razão e Diferença
BIBLIOGRAFIA
2 — Outras Obras:
multipresença ver bipresença e 183, 199, 302, 308, 312, 315, 341,
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natureza humana 65, 74-75, 79, 80, 103, 211, 213-214, 215, 219, 225, 227,
106-107, 112-113, 132-134, 182, 225- 239, 260, 261, 265, 277-280, 281,
226, 228-229, 268, 301, 308, 312, 286-287, 289, 295-297, 303, 315,
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salidade 61, 67, 147, 251-255, 280 racionalidade, racionalismo 4, 9, 18, 38,
Orientação do Pensamento Filosófico 40, 45-46, 51-53, 57-58, 61, 64, 68-
de David Hume, A 102-104 69, 84, 92-95, 100-101, 105, 109,
orientação mística 201-202, 211, 214, 113-114, 163, 182, 222, 226-227,
215, 219, 221, 261, 262, 265, 270, 242, 285, 300, 323-324, 325, 333-
279-283, 286, 287-288, 290, 295- 334, 335, 343-347, 349-351, 356-
297, 300, 310, 313 ver misticismo, 357, 359-361, 364, 369, 378
místico relativismo e anti-relativismo 6, 29, 30,
35, 40, 70, 76-77, 108, 120, 137-138,
P 142, 170-171, 219, 231-232, 243,
293-294, 321, 324, 325, 335, 336-
participação 61, 198-201, 203, 205-206, 343, 346-347, 350, 353, 357-360,
208, 210, 211, 214-215, 219, 220, 369
230, 233, 235, 241, 242, 245, 251- Renan, Ernest 69, 46
252, 256-257, 259, 261-262, 265, Renouvier, Charles 46, 49-50
270-271, 274, 276, 281-288, 289, representações coletivas 143, 146, 150,
290, 292, 295, 297-300, 302-310, 164-166, 174, 175, 176, 184-185,
314, 315-316, 318-321, 344, 378 187, 188, 189, 190, 191-193, 195,
Pascal, Blaise 60-62, 84, 87, 91, 101, 105, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202,
112, 121, 294, 351 203, 205, 206, 208, 214, 216-217,
Paul-Lévy, Françoise 371 219, 221, 227, 241, 243, 252, 253,
pensamento conceitual e não conceitu- 254, 255, 257, 258, 259, 260, 261,
al 165, 206, 234-235, 241, 256, 261, 262, 264, 265, 270, 272, 274, 285,
264, 270, 280, 283, 286, 290, 295- 290, 329, 376
296, 297, 300, 308-309, 318-320, romantismo 9, 38, 54, 68, 84, 93, 105,
365, 367, 377-379 119, 162, 323
pertences (appartenence) 258-259, 290, Rousseau, Jean-Jacques 64-65, 84, 101,
302, 316, 319 105, 115, 148
Piaget, Jean 229
pluralismo 181, 228, 245, 269, 308, 310, S
329, 334 ver dualismo, ver unita-
rismo Sahlins, Marshall 336, 371, 375
Poirier, Jean 30, 40, 42, 180, 197, 219, Saint-Simon, Louis de 69, 70, 71, 118
228, 229, 327 Scholte, Bob 18, 40, 325-326, 335, 340,
positivismo 38, 46, 60, 69-70, 73, 76, 81- 346-347, 359
83, 85, 88, 101-104, 108, 114, 116- Schul, Pierre-Maxime 15, 42, 188
117, 123, 136-139, 143, 158, 179, Sebag, Lucien 361
Índice Remissivo 399
sentimento 9, 38, 60-61, 65, 78, 90, 91, tradução cultural 40, 318, 337, 343-344,
92-100, 105, 124, 128, 131, 134, 349, 356
151, 154, 155, 191-192, 217, 271, triângulo conceitual 200-201, 211, 214-
287, 297-298, 303, 305-307, 319, 215, 265, 281, 287, 289-290, 292
323 ver afetividade Tylor, Edward B. 9, 182-183, 305, 344,
Séroya, Henri 55 345
Serres, Michel 28, 34
simbolismo, símbolo 223, 234, 238, 270, U
273-275, 299, 341, 345-346, 359- unitarismo 134, 147, 225-231, 245, 266-
360, 361, 365, 375 267, 268-269, 271, 282, 307-313,
Skorupski, John 344-346 317-318, 322, 328-329, 363-364 ver
Smith, Pierre 361 ver Izard, Michel e dualismo, ver pluralismo
Smith, Pierre universalismo, universais 169-171, 174-
sobrenatural, sobrenatureza 261-264, 175, 178-179, 183-184, 227, 238-
270, 272, 281, 285-286, 289, 293- 239, 269, 300-301, 313, 318, 328-
294 329, 330, 335, 338-341, 349-350,
Sobrenatural e Natureza na Mentalida- 354, 357-360, 364-365, 368-369, 374
de Primitiva, O 260-268
Soulez, Philippe 109, 227-228 V
Sperber, Dan 170, 357-361, 370
Spinoza, Baruch 9, 11, 94-95, 97-98, 99 Van der Leeuw, G. 197, 228
Stocking Jr, George W. 243 Verdenal, René 49, 108, 158
Vernant, Jean-Pierre 36, 356, 361
T Veyne, Paul 292, 317, 342, 343, 347,
351-355, 359, 360, 368
Taine, Hippolyte 46, 69 Voget, Fred W. 139, 243
Tambiah, Stanley J. 158, 341 Voltaire 64
Tarde, Gabriel 46, 113, 376
tendência pouco conceitual ver pensa- W
mento conceitual e não conceitual
Todorov, Tzvetan 21, 156, 170, 210, Wallon, Henri 197
211, 338, 370, 373-375 Weber, Max 144, 157-158, 188
tradicionalismo 66-67, 100, 105, 118, Wilson, Brian R. 42, 338-339
162
Coordenação de Produção
Francisco Teixeira Portugal
Índice Remissivo
Marcio Goldman
Capa
Julio Silveira
Tatuagem representando um corvo, HAIDA
Editoração Eletrônica
GRYPHO Edições e Publicações Ltda
Papel Miolo
Pólen 70 g/m2
Papel Capa
Super 6 Quartz 250 g/m2
Impressão
EBAL