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RIMA: ferramenta de desmitificação da transposição das águas do Velho

Chico
Introdução
A idéia de captação das águas do São Francisco é mais antiga que a própria história
da República no Brasil.
Em 1959, uma missão chefiada pelo Barão de Capanema, reconheceu e analisou a
região castigada pela seca no Nordeste e enfatizou a criação de infra-estrutura
para o transporte e armazenamento de água na região, e propôs a construção
de açudes e um sistema que retirasse água do São Francisco e levasse para
o Rio Jaguaribe. O primeiro açude construído data de 1906, ou seja, já na época
da República.
Em 1913 foi elaborado, por uma equipe técnica de especialistas estrangeiros
reunida para estudos de águas subterrâneas do Nordeste, um mapa de um canal
que interligava o Rio São Francisco ao Rio Jaguaribe.
Já no período Getulista (1930-1945) a região recebeu a construção de açudes
públicos e privados, reflorestamentos, desenvolvimento da lavoura seca e cultura
de vazantes e provocação artificial de chuvas.
Até o início da década de 1980, a idéia da integração do São Francisco foi
inviabilizada por questões energéticas: não havia energia elétrica para acionar as
bombas para o transporte de água. Porém, no Brasil já existem exemplos de
integração de águas tais como do Rio Paraíba do Sul para o Rio Guandu, no Rio
de Janeiro, responsável pelo abastecimento da Região Metropolitana do Rio; do Rio
Piracicaba para reforço da Grande São Paulo e o Canal do Trabalhador, no Ceará,
interligando o Rio Jaguaribe e bacias da região de Fortaleza. A integração de bacias
hidrográficas tem sido adotada em inúmeros países como África do Sul/Lesoto,
Egito, Equador, Peru, China, Espanha e EUA, interligando bacias superavitárias às
bacias deficitárias.
Acompanhando os objetivos do Projeto de Integração, está o programa de
revitalização do São Francisco que contempla ações voltadas para o
reflorestamento de áreas críticas, a construção de barragens em rios
afluentes, a melhoria da calha navegável do seu curso médio, o tratamento
de esgotos das cidades e vilas localizadas nas suas margens, o controle da
irrigação e a educação ambiental. Há também ações para a melhoria das
condições de vida das comunidades ribeirinhas.
”É necessário desmitificar a seca como elemento desestabilizador da economia e da
vida social nordestina e como fonte de elevadas despesas para a União...
desmitificar a idéia de que a seca, sendo um fenômeno natural, é responsável pela
fome e pela miséria que dominam na região, como se esses elementos estivessem
presentes só aí". (Andrade, Manoel Correia, A seca: realidade e Mito, p. 7).
O fenômeno natural das secas ensejou o surgimento de um fenômeno político
denominado indústria da seca, o abuso por parte dos ‘coronéis’ latifundiários,
políticos com ações eleitoreiras sobre os trabalhadores e agricultores de
subsistência da região. A indústria da seca atualmente ganha com a venda de água
pelo caminhão-pipa, porém com a garantia de água e com a integração do projeto
de transposição das águas do São Francisco com projetos em fase de implantação
ou já implantados de abastecimento regional serão decisivos na independência do
povo nordestino do ciclo de miséria e abuso.
A polêmica desse projeto ousado, faraônico e custoso para os cofres da União, ou
seja, para o bolso do contribuinte, tem questionado os impactos ambientais nos
municípios que ficam à nascente e à jusante do desvio, além das questões sociais
envolvidas. Para analisar minuciosamente todas essas feições do projeto, são
utilizados como ferramentas obrigatórias, os estudos de impacto ambiental (EIA) e
o relatório de impacto ambiental (RIMA). Para tal são necessários técnicos e
especialistas que apresentem de forma acessível todo o conteúdo de suas
pesquisas.
“O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado encontra-se previsto na

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Constituição Federal – artigo 225 – como um direito fundamental, essencial à
manutenção da qualidade de vida. No Brasil, o meio ambiente é considerado bem
de uso comum do povo, sendo imperativo ao Poder Público e à coletividade
defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.”
A participação da sociedade civil nos processos deliberativos é realizada através de
audiências públicas, outra questão polêmica e controversa do Projeto de Integração
do São Francisco.
Justificativa
A região do Projeto encontra-se na área do Polígono das Secas, sendo que o
Nordeste Setentrional (parte do Semi-Árido ao norte do Rio São Francisco) é a área
que mais sofre os efeitos de secas prolongadas, abrangendo parcialmente os
Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O empreendimento
viabilizará o fornecimento de água para vários fins como abastecimento humano,
irrigação, dessedentação de animais, criação de peixes e camarão, e, somente nos
anos hidrologicamente favoráveis, para o desenvolvimento de atividades
econômicas, numa área que atualmente possui cerca de 12 milhões de habitantes.
É interessante ilustrar os objetivos desse projeto com concepções concretas, como
por exemplo, dentre os principais pontos do Relatório de Desenvolvimento Humano
de 2006, do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – no que
diz respeito à água, destacam-se:
“Uma política que visasse a recuperação total dos custos da implantação dos
serviços de água colocaria a segurança hídrica fora do alcance de milhões de
pessoas que atualmente não têm acesso a água. Lembremo-nos de que mais de
363 milhões de pessoas sem acesso a água pura vivem com menos de 1 dólar por
dia. Com a recuperação total dos custos da água, a incidência de pobreza
aumentaria cerca de 1% nos países de rendimento médio da América Latina e 2%
nos países de baixo rendimento da região. Estes números apontam para o papel
fundamental da despesa pública no financiamento da ampliação dos
sistemas de água nos bairros pobres. (página 97)”.
“A escassez física de água, definida como quantidade insuficiente de recursos para
satisfazer a procura, é uma das características inerentes à questão da segurança da
água em alguns países. Mas as situações de penúria absoluta ainda são a exceção e
não a regra. A maioria dos países dispõe de água suficiente para satisfazer as
necessidades domésticas, industriais, agrícolas e ambientais. O problema está na
gestão. (página 133)”.
“As projeções do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas apontam
para um declínio de 30% ou mais do fluxo de água em largas faixas do mundo em
desenvolvimento, incluindo grande parte do Brasil, abrangendo as regiões semi-
áridas do Nordeste, bem como algumas regiões da Venezuela, e a Colômbia.
(página 163)”.
“As simulações do impacto das alterações climáticas na produção agrícola no
Brasil apontam para uma diminuição entre 12% e 55% nas colheitas das
regiões áridas dos Estados do Ceará e do Piauí, que apresentam concentrações
extremamente elevadas de pobreza e desnutrição nas zonas rurais. (página 163).”
Além desses aspectos amplamente discutidos pelo governo e partidários do projeto,
veremos que este projeto vai além da questão da seca no Nordeste, ela engloba o
círculo vicioso da miséria e da indústria da seca nessa região.
Desenvolvimento
Uma das críticas dirigidas ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias
Hidrográficas do Nordeste Setentrional diz respeito ao fato de a captação de água
nesse rio poder prejudicar a geração de energia das usinas hidrelétricas
localizadas depois de Sobradinho. No entanto, com a captação média de águas do
Rio São Francisco, a redução na geração de energia será de cerca de 2,4% do
sistema da Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco.
Muitos usuários talvez ignorem que a energia elétrica usada nas residências e
indústrias brasileiras é produzida em diferentes regiões do País e distribuída através

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de extensas linhas de transmissão. Um morador de Salvador pode estar recebendo
energia de uma usina do Sul do País e não do Complexo de Paulo Afonso, na Bahia.
O projeto não é uma ação isolada: vem somar e dar maior estrutura aos
compromissos e ações já existentes de combate aos efeitos da seca e da má
distribuição de água no Semi-Árido.
O Relatório mostra estudos alternativos à implantação do projeto, que serviu
inclusive de ferramenta para complementar os objetivos das ações de combate à
seca, inerentes à integração do São Francisco. Dessa forma, o RIMA enfatiza a
necessidade de oferecer água em quantidade suficiente para que os açudes
receptores atuem como pólos de distribuição de água, demonstrando que é
viável não apenas beneficiar as populações ribeirinhas, mas toda sua área de
influência (direta e indireta).
A região de influência da integração de águas possui mais de 12 milhões de
habitantes. Com a implantação do Projeto de Integração, diversos projetos
estaduais e regionais de abastecimento poderão integrar-se ao sistema. O
sistema Adutor do Agreste Pernambucano e o Sistema Castanhão-Pecém, por
exemplo, poderão suprir áreas que extrapolam as bacias e sub-bacias receptoras.
Segundo o RIMA do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias
Hidrográficas do Nordeste Setentrional, o traçado a ser percorrido pelos canais do
projeto foi escolhido seguindo critérios de menor perturbação no meio
ambiente, menor custo econômico e social, maior potencial para
abastecimento de cidades e povoados, além da preservação das Unidades de
Conservação, e respeito aos diferentes usos das águas do São Francisco.
“A transposição de águas para o nordeste brasileiro é uma necessidade inadiável”,
segundo o professor Pedro Ângelo Almeida Abreu, Professor Titular da Faculdade de
Ciências Agrárias/FAFEID e Doutor em Ciências Naturais pela Universidade de
Freiburg – Alemanha.
Dentre as razões que o Professor aponta estão: “A deficiência hídrica do nordeste
brasileiro não recai apenas na adversidade determinada pelo seu clima semi-árido,
que é marcado por períodos sazonais e ciclos anuais episódicos de baixíssimas
taxas pluviométricas, mas também nas características das rochas predominantes
na região, ou seja, rochas cristalinas que inibem ou dificultam a acumulação de
águas subterrâneas.”, ou seja, a manutenção e construção apenas de poços,
açudes e cisternas para armazenamento da água, como sugerem os críticos do
projeto, possui apenas um problema: armazenar qual água, a da escassez?
Diversos especialistas alertam que a maior parte da cota de água apresentada pelos
críticos é perdida para o meio ambiente por evaporação e para drenagem, além de
água de consumo não-humano.
“Esse quadro determina uma rede de drenagem dominada amplamente por fluxos
intermitentes e de vazões relacionadas exclusivamente às taxas pluviométricas.
Portanto, pode-se visualizar como solução definitiva para essa deficiência hídrica o
represamento de águas superficiais ou a transposição de águas de rios caudalosos
que fluem à margem da região para bacias hidrográficas do território nordestino.” –
continua o Professor ” A perenização de bacias hidrográficas do nordeste brasileiro
implicará em investimentos ainda maiores para o suporte de agricultura irrigada
(familiar ou não), de projetos de aqüicultura (para peixes, camarão, etc.), e de
tantos outros projetos possíveis, incluindo fontes de geração de energia através de
biodiesel e álcool.”
“A transposição de águas para o nordeste brasileiro é, sobretudo, a transposição de
uma cidadania” – conclui Pedro Ângelo.
Notícias que acompanharam o processo de licenciamento do projeto:
IBAMA retoma audiências públicas sobre Rio São Francisco (janeiro de
2005): As reuniões, organizadas pelo IBAMA, haviam sido suspensas no início do
mês passado por uma ação cautelar. De acordo com o IBAMA, o objetivo é "ouvir a
população em geral, as comunidades e as entidades interessadas para orientar o
órgão ambiental na análise do pedido de licenciamento das obras".

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Cearenses defendem a integração de bacias na primeira audiência pública
do IBAMA (janeiro de 2005): Todas as questões foram respondidas e
formalmente incorporadas ao processo de licenciamento ambiental.
Governo federal publica até quarta-feira edital de licitação para obras no
Rio São Francisco (abril de 2005): A publicação do edital foi feita porque o
ministério já contava com a licença prévia do IBAMA.
Semi-árido comemora nos próximos dias a construção de 100 mil cisternas
(agosto de 2005): do programa 1 Milhão de Cisternas, coordenado pela
Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA é uma rede que diz contar atualmente
com 750 organizações da sociedade civil).
IBAMA pode conceder a liberação para obras no São Francisco em dez dias,
avalia diretor (setembro de 2005): Segundo o diretor de Licenciamento e
Qualidade Ambiental do IBAMA, a fase de análise é muito importante para que o
IBAMA possa avaliar quais são os possíveis danos causados pelas obras e assim
saber como se deverá fazer a fiscalização das obras.
Justiça derruba liminar que impedia licenciamento ambiental na integração
do São Francisco (outubro de 2005): Segundo o ministro da Integração
Nacional, Ciro Gomes, 18 liminares contra a execução do projeto federal foram
derrubadas pela Justiça.
PRR-1: obras no Rio São Francisco continuam suspensas (janeiro de 2007):
O Tribunal Regional Federal (...) indeferiu pedido do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para suspender o efeito da
liminar concedida pela 14ª Vara da Bahia para, dentre outras medidas, suspender o
procedimento de licenciamento ambiental para a obra de transposição do rio, em
tramitação no IBAMA.
Ministério Público e movimentos sociais criticam licença para transposição
do São Francisco (março de 2007): Os possíveis impactos sociais e ambientais
são os principais pontos questionados no STF. Uma das críticas diz respeito às
consultas públicas sobre a transposição.
Entre uma polêmica e outra, o relatório de impacto ambiental é bem claro quanto
aos aspectos negativos que de fato existem, porém serão utilizadas de todas as
medidas mitigadoras, as mais plausíveis e justas para cada situação.
A questão indígena possui como uma das medidas mitigadoras um programa de
apoio às comunidades indígenas, ações de compensação para as necessidades
dessas comunidades e programas de saúde, além de orientação dos
trabalhadores das obras no contato com as populações indígenas ocupantes da
região.
A questão de especulação imobiliária possui como medidas mitigadoras a
regularização de terras e cadastro rural.
O risco de interferência com o Patrimônio Cultural por sua vez terá como
medidas mitigadoras prospecção arqueológica antes da implantação das obras
civis, salvamento de amostras representativas e registro de características
culturais identificadas, educação patrimonial nos municípios diretamente
afetados pelo empreendimento.
O RIMA traz também perspectivas da não realização do projeto, nesse caso estudos
mostram uma estagnação social.
Ou seja, o RIMA contém, além do EIA, os aspectos negativos e positivos, sociais,
emergenciais e/ou preventivos relevantes a serem considerados num processo de
licenciamento da atividade, sendo, portanto, uma ferramenta essencial, pública e
transparente para debates da sociedade civil com instituições governamentais
competentes.

Conclusão
Baseada nas conclusões do RIMA, e nas opiniões coerentes contra ou favor do
projeto, é possível verificar a viabilidade do projeto, mesmo ousado e polêmico,

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por responder às mais relevantes questões sócio-econômicas, associadas ao
respeito das condições da existência humana e da biodiversidade na região,
garantidas pelos projetos mitigadores e os compensatórios.
Se o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do
Nordeste Setentrional for implementado, respeitando-se os programas
compensatórios, o controle e monitoramento ambiental, a saúde pública, o
reassentamento das populações desapropriadas, a regularização fundiária,
fornecimento de água, enfim, implementando o projeto previsto na sua
totalidade, será assim respeitada a dignidade dos cidadãos brasileiros beneficiados
e os que contribuíram para a reintegração dessas populações às condições decentes
de vida.

Referências bibliográficas
• RIMA do Projeto de Integração do São Francisco com as Bacias Hidrográficas
do Nordeste Setentrional.
• Relatório de Desenvolvimento Humano - PNUD
• Andrade, Manoel Correia, A seca: realidade e Mito, p. 7
• FEEMA. Controle ambiental. [S.l.: s.n.].
• Rota Brasil Oeste

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