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DCV 115 – Teoria Geral de Direito Privado I

Prof. Cristiano de Sousa Zanetti


Seminários para as aulas dos dias 21 e 23.V.18
Monitor: Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke

Tema: Responsabilidade da Pessoa Jurídica

Exercício 1: Analise a seguinte ementa de julgado prolatado pelo STJ: “RMS. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD). FRAUDE. INVESTIGAÇÃO PROBATÓRIA. WRIT.
VIA NÃO ADEQUADA. 1. Havendo, dentro dos limites que o mandado de segurança permite e autoriza, certeza, pelo
teor do julgado recorrido, da ocorrência de fraude na venda de ações, admite-se, através do instituto da desconsideração (disregard),
seja ignorada a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. 2. O acolhimento de tese em contrário, esbarra na necessidade de
investigação probatória, vedada em sede de mandado de segurança. 3. Recurso ordinário improvido” (RMS 12.873/SP, Rel.
Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2003, DJ 19/12/2003, p.
464). A decisão de origem, mantida pelo STJ, entendeu por desconsiderar a personalidade jurídica tendo em
vista o encerramento irregular da sociedade, declarando “[…] o dever do sócio de assumir os compromissos da empresa,
sociedade de capital aberto, que teve sua falência decretada, suspensas as negociações de suas ações no mercado mobiliário, com
demolição de suas instalações e desaparecimento de seus equipamentos e maquinários”. Diante desses dados fáticos,
responda:
(a) em sua opinião, andou bem a decisão de instância inferior, mantida pelo STJ, determinando a
desconsideração da personalidade jurídica?
R.: A decisão andou bem, tendo em vista que, para a desconsideração da personalidade jurídica,
não basta o encerramento irregular das atividades da empresa. É o que restou consolidado no
Enunciado nº 282 das Jornadas de Direito Civil: “O encerramento irregular das atividades da pessoa
jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica”. Tal é o
entendimento do STJ explicitado no REsp nº 1.395.288/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi: “[…] a
dissolução irregular da sociedade não pode ser fundamento isolado para o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica, mas, aliada a fatos concretos que permitam deduzir ter
sido o esvaziamento do patrimônio societário ardilosamente provocado de modo a impedir a
satisfação dos credores em benefício de terceiros, é circunstância que autoriza induzir existente o
abuso de direito. Esse abuso, a depender da situação fática delineada, se materializa no uso
ilegítimo da personalidade jurídica para fraudar o cumprimento das obrigações (desvio de
finalidade) e/ou na ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o de seus sócios
(confusão patrimonial)”. No caso narrado, o encerramento irregular da sociedade foi potencializado
pela demolição de suas instalações e desaparecimento de maquinário, o que sugere o desvio de
finalidade da pessoa jurídica com vistas a fraudar credores. Tal se enquadraria no art. 50 do Código
Civil e autorizaria a desconsideração.
(b) sob o ponto de vista do procedimento, poderia hoje o magistrado de instância inferior determinar
o mesmo que se determinou no Mandado de Segurança em análise?
R.: Não, pois hoje a desconsideração da personalidade jurídica é processada em incidente
apartado, exceto se requerida diretamente na petição inicial. Caso contrário, o processo seguirá

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trâmite à parte, com citação do sócio ou da pessoa jurídica envolvida, bem como oportunização
para produção probatória. Isso vem previsto nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015.

Exercício 2: Leia do seguinte trecho de decisão prolatada pelo TJPE: “[…] A respeito da desconsideração da
personalidade jurídica da empresa Tec Toy S/A, ao contrário do que assevera a parte recorrente, a solução dada pelo em.
magistrado está em consonância com o disposto no art. 50 do Código Civil, […]. O insucesso das penhoras “on line”, malgrado
a demonstrada majoração do seu capital social e a manifesta intenção da pessoa jurídica em não querer apresentar bens livres e
suficientes para garantir a execução, caracterizam indícios de desvio de finalidade, autorizando a desconsideração da
personalidade da empresa, com a extensão de seus efeitos ao patrimônio dos administradores, cuja constrição, segundo informações
prestadas pelo em. juiz, logrou em localizar aproximadamente R$ 2.000.000,00” (TJSP, 6ª Câmara Cível, AI 0252943-
7, Rel. Des. Eduardo Peres, j. 15.08.2012). O entendimento exarado pelo TJPE está adequado à disciplina da
desconsideração da personalidade jurídica?

R.: Os fatos mencionados pelo TJPE não são suficientes para a incidência do art. 50 do Código
Civil e para justificar a desconsideração da personalidade jurídica da Tec Toy. Referido instituto é
medida extrema e excepcional à não responsabilidade dos sócios em face de dívidas da pessoa
jurídica, só admissível em casos de: (i) confusão patrimonial entre sociedade e sócios; (ii) ou desvio
de finalidade por fazer-se uso da pessoa jurídica como instrumento para a prática de fraude. No
caso concreto, o singelo fato de não encontrar-se patrimônio da sociedade para a realização de
penhoras e de a pessoa jurídica não indicar bens suscetíveis de garantia não se subsume à hipótese
do desvio de finalidade (já que evidente não se tratar de caso em que suscitada confusão
patrimonial), pois para que ocorra o desvio de finalidade, o exercício da personalidade jurídica deve
ser abusivo, direcionado a um fim estranho à sua função. O fundamento fático indicado pelo TJPE
como causa da desconsideração, portanto, não é suficiente para preencher a hipótese do art. 50 do
Código Civil.

Exercício 3: A recente Lei Complementar nº 155, de 27 de outubro de 2016, e a Instrução Normativa RFB
nº 1719, de 19 de julho de 2017, disciplinaram no Brasil a atuação do “investidor-anjo”, de extrema
importância para o atual empreendedorismo haja vista que figura responsável por impulsionar o crescimento
de startups. Investidores-anjo foram decisivos, por exemplo, para o sucesso de empresas como Google,
Facebook e Apple, hoje consolidadas como grandes cases de sucesso. Discute-se, porém, a natureza da relação
entre investidor-anjo e sociedade investida, havendo quem tenha cogitado de que incidentes de
desconsideração da personalidade jurídica haveriam de atingi-lo. Responda: esse entendimento se sustenta à
luz da disciplina dada pela Lei Complementar nº 155/2016 e pela Instrução Normativa RFB nº 1719/2017?

R.: Esse entendimento não se sustenta à luz da disciplina recente. A primeira característica que se
depreende do modelo de relação entre investidor-anjo e sociedade investida é sua estrita
contratualidade, apoiada em instrumento geralmente celebrado sob o nome de “contrato de
participação”, que estabelecerá a remuneração do “investidor-anjo” de acordo com os resultados
distribuídos, não superior a 50% dos lucros da sociedade, depois de um mínimo de dois anos do
investimento, que não poderá ultrapassar cinco anos de ganhos. Os rendimentos decorrentes dos
aportes serão tributados com certa parcimônia, com alíquotas variáveis entre 22,5% e 15% (art. 5º
da Instrução Normativa RFB nº 1719/17). Em acréscimo a isso, o investidor-anjo não é um sócio,
haja vista que apenas promove aportes de investimento que sequer integram o capital social. As

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atividades empresariais continuam à mercê exclusiva dos sócios regulares, em seu nome individual
e sob sua exclusiva responsabilidade. Nos termos do art. 61-A, § 4º, da Lei Complementar nº
155/2016, o investidor-anjo não será considerado sócio e nem terá qualquer direito de gerência ou
voto na administração da empresa. Nesse sentido, então, não responderá por qualquer dívida da
sociedade, não lhe afetando, destarte, a eventual desconsideração da personalidade jurídica da
pessoa jurídica. Trata-se de um típico investidor, que aporta seus recursos, mas que não tem
responsabilidade por eventual insucesso do empreendimento, sobretudo porque não pode
participar da administração e, em última análise, não responde por débitos de qualquer natureza
que a sociedade venha a amealhar.

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